A santidade depende estreitamente da humildade. E, quanto
mais um homem é humilde, tanto mais é justo, tanto mais é santo, tanto mais é
perfeito. Assim como há três etapas no caminho da perfeição, na humildade há
três graus.
Caríssimos, sabemos pelas Sagradas Escrituras que o pecado
origina-se do orgulho que não aceita nenhuma submissão. No Céu, no tempo de
prova, Lúcifer se rebelou dizendo: "Não servirei!" e muitos anjos
seguiram este mau exemplo. Na terra, Eva e Adão caíram também levados pelo
orgulho: pensar em ser "iguais a Deus". E este espírito de rebelião
passou a todos os homens: é o triste apanágio de nossa natureza decaída. Por
efeito do pecado original, somos todos, uns mais outros menos, inimigos da
obediência, e da dependência. Como o filho pródigo almejamos liberdade longe de
Deus para fazermos o que nos agrada. Ah! que tendência terrível!!! Ai de nós se
não adquirirmos a humildade e nela sempre nos esforçarmos por crescer!
PRIMEIRO GRAU DE HUMILDADE: O orgulho está como que
entranhado na medula de nossos ossos e infecciona todas as potências de nossa
alma. Somos tentados a erigir-nos em pequenos deuses, referindo tudo a nós,
como se fôramos o centro e último fim de todas as criaturas.
Mas, quando a luz divina chega a iluminar o nosso espírito e
a graça a tocar nosso coração, logo se apressa a despedaçar esse ídolo, isto é,
o "Eu". Desvanece-nos o nosso nada e ei-nos convictos de que o
primeiro e mais essencial dever da criatura é submeter-se ao Criador, e
obedecer a seus mandamentos, dispostos a perder tudo, a sofrer tudo, do que
transgredir um só em matéria grave, e ultrajar um Senhor que é a própria Santidade, onipotente e de
suprema Majestade.
Esta disposição é o primeiro grau da humildade. Ele é
necessário para a salvação. Portanto, no assalto da tentação, em perigo de
ofender a Deus mortalmente, todo o cristão deve prorromper com São Paulo:
"Quem me separará do amor de Cristo? Nada, nem o infortúnio, nem a fome,
nem a sede, nem a perseguição, nem a espada, nem a morte!" (Rom. VIII,
35). Portanto, quem tiver perseverado até ao fim, resoluto antes a sacrificar
seus bens, sua honra, sua vida, do que cometer um pecado mortal, este será
salvo; afinal, humilhou-se sob a autoridade do Soberano Senhor, deu a Deus o
que essencial e rigorosamente lhe é devido; deve por isso ser contado no número
de justos. Mas, se não vai mais longe, não é senão um justo muito imperfeito. E
devemos observar, embora de passagem, que as pessoas consagradas a Deus (os
clérigos e os religiosos) não podem se contentar só com este grau de humildade.
SEGUNDO GRAU DE HUMILDADE: Consiste em nos submetermos ao
nosso Criador com tão profunda entrega, que estejamos devotados a morrer, mas
nunca contristá-lo nem na mínima coisa voluntariamente, isto é, de caso
pensado. Este estado não aceita afeto nem apego ao pecado venial. As leves
faltas em que se cai não são mais que o efeito da fragilidade humana; o coração
e a vontade abominam-nas. Fica evidente que esta disposição é bem mais perfeita
que a primeira que é o primeiro grau. E assim, quanto mais diante de Deus nos
humilhamos, mais nos aproximamos da verdade e da ordem, da justiça e da
santidade. E, caríssimos, não será sobremaneira consentâneo à ordem e à justiça
que um bom filho jamais dê o mínimo desgosto ao melhor dos pais?
O ínfimo grau de glória vale incomparavelmente mais que
nossa vida,e todos os bens deste mundo; porque é Deus o derradeiro fim de todas
as coisas, e o fim é sempre de preferência aos meios. Ora a glória de Deus,
(refiro-me à sua glória acidental) é que todas as criaturas Lhe sejam
totalmente reverentes, que atendam ao mínimo sinal da Sua vontade. Quanto não
devemos, logo, abominar o pecado venial, que é uma revolta contra esse Deus; é
querer roubar a Sua glória!
Quanto aos eclesiásticos, todos os que possuírem este
segundo grau de humildade, serão bispos e padres piedosos, fervorosos, que
tratam a miúdo com Deus na oração, e dessas comunicações íntimas haurem as
luzes e as graças que tornam seu ministério profícuo entre os povos. Padres
assim, até com talentos medíocres farão o que outros não são capazes de fazer
com todos os recursos da ciência e do gênio. Exemplo clássico é o do Santo Cura d'Ars!
Quem possui este segundo grau de humildade já é
indubitavelmente justo e santo, quando com denodo se sacrifica tudo o que poderia
diretamente opor-se à glória de Deus. No entanto, nem por isso se tem chegado a
tal desapego das coisas criadas, que não se preze já sua própria reputação, a
estima das pessoas virtuosas, certos prazeres inocentes que Deus não reprova.
Mas, prestemos bem atenção nisto, sobretudo, nós caríssimos colegas no
sacerdócio, que os que estacionam neste segundo grau, sem mirar mais alto, caem
a breves passos em faltas impensadas, em muitas imperfeições inevitáveis em tal
estado. É ainda por isso que deixam escapar
frequentes ensejos de praticar grandes virtudes. É claro que Deus os ama, e
sobre eles derrama copiosas graças. Mas não vê neles a digna generosidade e
correspondência, para lhes comunicar os dons extraordinários, os grandes
privilégios, de que Lhe apraz cumular os Seus eleitos. É que ainda falta um
grau mais excelente da humildade, grau este sim, que constitui o ápice da
perfeição evangélica.
TERCEIRO GRAU DE HUMILDADE: De início, devemos observar que
o heroísmo da santidade é um dom à parte. Mesmo na perfeição há diferentes
graus. É bom, porém, que o conheçamos, mesmo que seja só no intuito de nos
humilharmos vendo a imensa distância nossa destes heróis de santidade. Aqui é o
lugar de meditarmos nestas palavras do divino Mestre: "Sede perfeitos como
vosso Pai Celestial é perfeito"; e também nesta exortação do Divino
Espírito Santo: "Aquele que é justo justifique-se mais, aquele que é
santo, santifique-se mais" (Apocalipse XXII, 11).
O terceiro grau de humildade inspira à alma fiel tal
desprezo do mundo, e tão grande amor ao desprezo, que, se dependesse de sua
escolha ser honrada ou desprezada dos homens, e por qualquer destas vias viesse
a redundar para Deus a mesma glória, essa alma, calcando aos pés a estima
própria e das criaturas, abraçaria as ignomínias e os opróbrios com tanto afã
como os mundanos empregam na procura de honrarias, renome e glória humana. E a
alma faz esta escolha com toda alegria do coração por assim estar imitando o
divino Salvador, e também porque assim se faz mais justiça a si mesma.
Mas, com certeza, muitos hão de perguntar: é possível chegar
até lá. Digo que sim, desde que compreendamos bem o que é a humildade, se nos
conhecemos perfeitamente a nós mesmos, e se amamos deveras a Nosso Senhor Jesus
Cristo. Façamos algumas considerações: Haveis cometido em vossa vida um pecado
mortal? Merecestes o inferno; por isto já estás ao nível do demônio. Haveis
cometido dois? Com isto estás sob seus pés; pois que ele cometeu um só.
Calculai agora a estima que vos é devida, pela que tendes para com os demônios,
e para com os réprobos. Pois se ainda vos não achais na sua companhia a quem o
deveis? Será à vossa virtude? Não é antes à bondade meramente gratuita do Divino
Redentor?
Mas felizmente há almas que nunca cometeram um pecado
mortal! Mesmo assim, se tivemos a dita de haver passado através dos perigos sem
perdermos a graça batismal, só a vista de nossa baixeza e de tantas faltas em
que cada dia caímos, não é para inspirar-nos o desprezo de nós mesmos? Pois,
que somos nós por natureza? Nada. E que é o que se deve ao nada? O
esquecimento; não se pensa no que não existe. Que somos nós por vontade?
Pecadores, rebeldes mais ou menos, mas sempre rebeldes a Deus. E que merece o
pecado, a rebelião? O desprezo, o castigo.
Quando nas epístolas de S. Paulo e na vida dos Santos, lemos
que eles se consideravam como o lodo e a imundície do mundo, que se reputavam
indignos de ver o dia, que se maravilhavam que Deus os pudesse suportar e que
os homens não viessem todos a um tempo cobri-los de injúrias e de maus tratos,
talvez pareça exagero. Mas não. Os Santos humilhando-se assim faziam-se
justiça, e tanto mais eram agradáveis a Deus, quanto mais exata, e mais
rigorosa justiça se faziam.
O homem humilde não gosta de receber louvores porque sabe
que os não merece. Gostam que o tenham pelo que são em verdade: um nada
pecador, e, portanto, um ser vil e desprezível. Eis o conceito que a pessoa
humilde faz de si mesma, e folga que os outros pensem como ela. E mais, se
alegram se a tratam segundo este julgamento que corresponde a realidade. Já o
orgulhoso é um mentiroso, um usurpador, e por isso é que Deus o abomina, e
repele com indignação.
A tal ponto nos perverteu a culpa original, que este
terceiro grau de humildade constitui um heroísmo. Mas como chegar a termo-nos
por pequenos, vis e desprezíveis, quando não podemos deixar de ver que temos
feito coisas grandes? Respondo que é só ver isto que diz o Espírito Santo:
"E que tens tu, que não recebesses?
E, se o recebeste, porque te glorias, como se o não tiveras recebido? ((1 Cor.
IV, 7). Portanto devemos dizer: Como Deus tem feito por nós coisas grandes!
Então é o caso de só admirar o poder e a sabedoria desse Deus grande, que, com
instrumentos tão vis, quando Lhe apraz, opera prodígios! Na verdade, humildade
não é desconhecer os dons de Deus e o poder de suas obras; é sim, não se
arrogar a sua glória. Que perfeito modelo não é o proceder da Santíssima Virgem
Maria: "Minha alma engrandece o
Senhor... Porque fez em mim grandes coisas Aquele que é poderoso!"...
Quando alguém nos rende louvores, ilude-se; é uma injustiça
que faz a Deus; e nós deveríamos ficar envergonhados, confundidos.
No próximo artigo, se Deus quiser, responderei esta objeção,
infelizmente não tão rara: Esta humildade excessiva enerva a alma, e tira-lhe
toda a confiança em suas forças, deprime e impede a coragem e a fortaleza.
JESUS, MANSO E HUMILDE DE CORAÇÃO! FAZEI O MEU CORAÇÃO
SEMELHANTE AO VOSSO! Amém!
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