segunda-feira, 26 de setembro de 2011

RIR E CHORAR

   Todo domingo à noite, após ficar muito atarefado durante o dia, sento-me ao computador e acesso o conceituado blog "Fratres in Unum" para ver a foto da semana. Confesso que ontem não pude coibir o riso ao ver a foto. Todos os meus fiéis ou ex-paroquianos que leem o "Fratres" e alguns nele fazem comentários, sabem que eu, graças a Deus, sou alegre e tenho facilidade em rir. Sabem também que tenho facilidade em chorar.
   Pois bem! Confesso que ontem ao ver a foto ri e não pouco. Ri, é claro, mas não zombando: o que seria uma falta de caridade e de respeito, tanto mais que se trata de Suas Eminências os Cardeais e com suas veneráveis cãs, ou mais apropriadamente, em sua feliz longevidade. Mas o motivo do meu riso foi a feliz ou infeliz coincidência da foto. Bocejar não é assim algo tão demorado! E como o fotógrafo conseguiu involuntariamente captar este momento hilariante?! Depois é que fui imaginar que talvez a foto tenho sido tirada de um filme pausado de propósito naquela imagem. Depois, ri também por lembrar de um fato que Mons. Ovídio  Simon, de saudosa memória, contava para nós afim de nos divertir: Quando seminarista, dizia ele, estava eu assistindo a Santa Missa, minto, estava eu dormindo (como bom espanhol tinha se atarefado muito durante o dia). E, continuava ele, o meu Reitor viu, e tocou-me de leve e disse em latim, baseando-se no meu nome: "Simon dormis?"  ("Simão, dormes?").
   Hoje de manhã, porém, lembrando-me da mesma foto de ontem e da história de Mons. Ovídio Simon, meditei sobre alguns passos da Paixão de Jesus. No Getsêmani Jesus entrava em agonia e rezava prostrado em terra. Enquando isso São Pedro, chefe dos Apóstolos, dormia estendido ao chão. Jesus veio a ele e disse-lhe: "Simão, dormes, não pudeste velar uma hora comigo?" Fiquei meditando: Simão Pedro ofendia a Jesus por não estar ao seu lado vigiando e rezando. Mas, fez pior quando estava acordado. Primeiro já ia cometendo um assassínio, se Malco não tivesse sido esperto. Mesmo assim Simão cortou-lhe a orelha direita, que Jesus recolocou no lugar. Ainda bem! Mais tarde, lá pela meia noite, hora em que o galo canta, Simão Pedro estava bem acordado, mas fez bem pior. Ficou entre os inimigos de Jesus, procurando a paz e se aquecendo ao fogo. Simão Pedro estava bem acordado, de pé inclusive.  Deveria estar ao lado de Jesus procurando Aquele único que lhe podia dar a  verdadeira paz e aquecer o seu coração. Assim fez São João que quis estar sempre junto do seu Divino Mestre; e ele foi o único que seguiu a Jesus de perto até o fim. Simão Pedro, ao contrário, seguia-O de longe.  A não fazer como São João, seria melhor, se assim posso dizer, que Simão Pedro naquele momento estivesse dormindo, ou, pelo menos, sentado e bocejando. Mas estava bem acordado, porém no meio dos inimigos de Jesus. E sabemos o que ele fez: negou covardemente a Jesus; primeiro com mentira, segundo com juramento falso; terceiro com blasfêmias. Ainda menos pior porque não chegou ao ponto de elogiar o seu antigo colega, agora apóstata e traidor Judas Iscariotes, que pouco dias antes tinha protestado contra Maria Madalena e indiretamente contra Jesus, lá na ceia de Betânia.
   Voltei um pouco ao primeiro ponto da meditação: ao Jardim das Oliveiras. Enquanto Jesus estava com a alma triste até à morte, enquanto Simão Pedro dormia, Judas Iscariotes estava bem acordado; mas, infelizmente, trabalhava, e muito, para trair a Jesus. Tendo o demônio entrado nele, o Iscariotes, foi pessoalmente combinar com os príncipes dos sacerdotes e com os oficiais de que modo entregaria Jesus. Eles ficaram contentes e combinaram com ele dar-lhe dinheiro. E Judas, por seu lado, deu a sua palavra, e buscava ocasião oportuna de entregar Jesus sem tumulto (Cf. S. Luc. XXII, 3-6). Sabemos o que Judas fez: colocou-se a frente dos inimigos de Jesus e traiu-o com um beijo hipócrita, mostrando assim Jesus aos inimigos. Como Apóstolo deveria mostrar Jesus aos inimigos afim de convertê-los. Mas, fez o contrário; confirmou os inimigos de Jesus na sua ignorância e na sua maldade, escandalizando-os por dar a entender que Jesus estava errado e os príncipes dos sacerdotes, certos. E, assim, aqueles pobres e miseráveis soldados, cometeram o maior crime possível sobre a face da terra!!! E pensei na minha meditação: Já que Judas não quis fazer como São João, menos pior se estivesse dormindo ou, pelo menos, sentado em  sua casa, bocejando o tempo todo!!! Na verdade, de Judas Iscariotes Jesus disse: "Melhor fora que nunca tivesse nascido". Aqui nesta meditação, penso em duas interpretações possíveis: "Melhor fora que Judas tivesse sido um "simples possível" eternamente dormindo no leito do nada." Ou então: "Melhor fora que ele tivesse sido um abortivo (não como S. Paulo diz de si) dormindo eternamente no leito esplêndido do Limpo a gozar de uma felicidade total mas natural."
   E, voltando à foto da semana no "Fratres", foto esta que acabou servindo de "composição de lugar" de minha meditação matinal de hoje, cheguei a seguinte conclusão: aqueles cardeais que dormiam, ou quase, na missa de Sua Santidade o Papa Bento XVI na Alemanha, além de serem desculpados pela idade avançada, foi muito melhor assim! Muito pior fazem aqueles, sejam padres ou bispos,  que  estão bem acordados e de pé ao microfone para elogiar algum inimigo da Igreja, Santa Esposa  de Jesus, e igualmente inimigo  da Santíssima Mãe de Jesus, a sempre Virgem Maria.
   E assim, a foto da semana que a primeira vista parecia estar destinada só a provocar riso, terminou ensejando tão séria meditação com todos os motivos para chorar.
   E o Ramalhete espiritual de minha meditação foram as palavras do  amabilíssimo e adorável Nosso Senhor Jesus Cristo: "Vigiai e orai para não caírdes em tentação" e "Ninguém pode seguir a dois senhores ao mesmo tempo" e ainda "Ide e ensinai a todos os povos a observar tudo o que eu vos mandei".
  

domingo, 25 de setembro de 2011

Os apóstolos do Protestantismo - pelo Padre Rivaux

   "Não se pode negar, que, no começo do século XVI, era necessária uma reforma. Para disso nos convencermos, basta lançar uma vista d'olhos para a história, e ouvir os gemidos de alguns grandes homens, que a Igreja considera com justa razão como filhos queridos. - No primeiro decreto do Concílio de Trento lê-se, que um dos objetos dessa assembleia era "a reforma do clero e do povo cristão". O Sumo Pontífice Pio IV, confirmando o mesmo concílio, diz que um dos principais motivos porque se reunira, era "a correção dos costumes e o restabelecimento da disciplina". - Os abusos são comuns a todos os séculos. Os tempos que estudamos não podiam se excetuados da regra geral. Pelo contrário, os escândalos de alguns Papas e de vários membros do clero, durante a Idade Média; as desordens e as usurpações de muitos príncipes; as lutas do Papado contra o império; o cisma da Alemanha, e sobretudo o grande cisma do Ocidente, não tinham podido senão desenvolver este triste apanágio da humanidade. - Ninguém o deplorava mais do que a Igreja; ninguém desejava tanto como ela uma verdadeira e sábia reforma: era o objeto dos votos de todos os santos, dos seus doutores e concílios. Mas nós já vimos quantas dificuldades, quantos obstáculos as paixões humanas suscitaram contra esta santa obra."
   "Em meio dos estorvos, que retardavam a reforma, a necessidade que dela se sentia, ia aumentando sem cessar, a abria um vasto campo à censura. Como é sabido, este tema acha sempre simpatias no coração do homem, indulgente para com os seus próprios defeitos, mas severo e inexorável para com os de outrem. - "Neste estado de coisas, e entre os gritos de reforma, cem vezes repetidos, diz Bossuet,os homens pervertidos, os espíritos soberbos, levantaram a cabeça, os fracos perderam-na, e em lugar de se lembrarem que o Filho de Deus ensinara a respeitar a Cadeira de Moisés, apesar das más obras dos doutores que nela estavam sentados, um grande número de pessoas sucumbiram à tentação que leva a odiar a cadeira em ódio dos que a ocupam. Tudo estava pronto para um grande cisma; os materiais achavam-se acumulados, e só faltava um hábil arquiteto". "O ovo estava posto, diz Erasmo; Lutero tinha só que chocá-lo e fazer sair o filho". - Além disto, ninguém ignora, que o princípio de submissão à autoridade em matéria de fé tem encontrado em todos os tempos uma forte resistência no orgulho do espírito humano, e a história da Igreja anda sempre acompanhada de heresias. - A tutela temporal exercida pela Igreja irritava também certos espíritos. Vimos já que alguns príncipes suportavam a custo a constituição cristã da sociedade. Ouvimos, sob diferentes formas, este queixume do vício ou do despotismo reprimido: Quão feliz era Saladino! não tinha Papa. - É inegável que havia reação contra o poder temporal da Igreja. "A ordem temporal, diz Blanc, tendia a secularizar-se, e o espírito de fé retirava-se de toda a parte para dar lugar ao espírito do século". - Daqui se segue que a grande heresia do século XVI não deve surpreender-nos nem por sua aparição nem por seus sucessos. "Basta uma faísca, diz Balmes, para produzir um vasto incêndio". - Destruindo toda subordinação à autoridade eclesiástica, proclamando a independência absoluta do espírito, abolindo todas as idéias de abstinência, de mortificação, de penitência, etc., e isto sob o nome especioso de Reforma, Lutero reuniu como em sua mão todo o poder, que o inferno tinha na terra. Empreedeu contra a Igreja a guerra mais universal e longa que ela tem tido que sustentar desde que combate neste mundo. - Esta guerra dura ainda hoje, mais terrível que nunca. A independência absoluta em matéria espiritual devia necessariamente trazer a anarquia de idéias e de doutrinas, que corrompe as inteligências modernas. - Por outro lado, depois de se ter revoltado contra a autoridade espiritual e infalível da Igreja, o espírito humano podia, com mais razão, sacudir o jugo da autoridade temporal e falível dos governos; daí a anarquia política. Ora, ninguém ignora que a anarquia religiosa e a anarquia política são o duplo flagelo que na atualidade ameaça a sociedade de uma ruína total. O protestantismo "semeou ventanias, e nós colhemos as tempestades". "Os nossos pais comeram as uvas verdes, e os seus filhos ficaram com os dentes embotados." - Interroguemos os fatos.
   "Para acabar a construção da Basílica de São Pedro em Roma, que Júlio II começara, e para formar um exército capaz de se opor à marcha do sultão Selim I, filho de Bajaset, que, depois de conquistar o Egito e vencer os mamelucos, ameaçava a Europa, Leão X pediu socorros ao orbe católico, e abriu os tesouros espirituais da Igreja a favor dos fiéis, que correspondiam ao seu convite por suas esmolas pecuniárias. A dupla missão de pregar essas indulgências e de fazer estas coletas foi confiada aos dominicanos e não aos agostinianos os quais pretendiam ter exclusivamente este privilégio. Foi esta a causa ocasional do protestantismo.
   O autor da nova heresia foi um religioso agostiniano, por nome Martinho Lutero. Nascido em Eisleben, na Alta Saxônia em 1483, de pais pobres mas católicos, começou os seus estudos com o auxílio da algumas pequenas esmolas que lhe davam as pessoas ricas, quando, defronte de suas casas, ele ia cantar duas vezes na semana, ou que ele juntava na igreja, salmodiando no coro. Um dia que ele cantava na rua , segundo o seu costume, uma viúva rica e religiosa, chamada Cotta, tendo dó dele, mandou-o subir, admitiu-o à sua mesa, e comprou-lhe uma flauta e uma guitarra para se distrair nas horas vagas. Daí em diante ao abrigo da miséria, Lutero entregou-se com ardor ao estudo das ciências e tornou-se dentro de pouco tempo, por sua aplicação e seu talento, o primeiro discípulo das Universidades de Eisenach e de Erfurt. Mas, no ano de 1505 (tinha 22 anos) , tendo morrido a seu lado, fulminado de um raio, um dos seus amigos, por nome Aleixo, assustou-se tanto, que deixou o mundo, e entrou em um convento dos Agostinianos, onde professou e foi ordenado sacerdote em 1507. - Tudo nele era apaixonado; a sua ardente imaginação era naturalmente levada para os excessos. (Como se ordena um sujeito com apenas dois anos de formação eclésiástica, se é que a teve!!! Naquela época não havia ainda seminários). - Designado por seus superiores para ensinar sucessivamente a filosofia e a teologia na Univerdidade de Wittemberg, não tardou a mostrar uma extrema tendência para as inovações. Gozava de uma grande fama de ciências; de toda parte afluia a mocidade alemã para ouvir as suas lições; e ele estava no apogeu da glória, quando, no fim do ano de 1517, chegou aos arredores de Wittemberg o dominicano Tetzel, pregando as indulgências concedidas pelo Papa Leão X, e atraíndo grande concurso de fiéis aos seus sermões. Cheio de inveja e de ira, Lutero começou a vociferar contra o pregador e as indulgências; das indulgências passou à doutrina e aos sacramentos, e afixou na porta da catedral de Wittemberg  95 teses cheias de opiniões novas e heterodoxas. Finalmente de erro em erro, ele acabou, três anos mais tarde, em 1520, por autorizá-los todos, proclamando a independência absoluta do espírito humano em matéria de fé. A sua heresia foi uma grande revolta contra a Igreja Católica, e mereceu desde então o nome de protestantismo, que ela recebeu em Spira, no ano de 1529. É o acontecimento mais doloroso de todos os que a Igreja tem registrado em seus anais. A linguagem desabrida, grosseira e indecente do novo heresiarca bastaria só por si para dar à sua obra um caráter satânico. - Os cooperadores da Reforma foram semelhantes ao seu chefe. - Os principais na Alemanha são: Zwínglio, Carlostad, Ecolampádio, Calvino e Melanchton.

domingo, 11 de setembro de 2011

O Pe. Dr. Expedito Schimidt, O.F.M. narra sua conversão

NB: É notável pela sua crítica literária e dramática: Seu livro mais famoso é: "DO LUTERANO AO FRANCISCANO".

   "Sinto-me deveras constrangido ao responder à pergunta: "Quando percebi, pela primeira vez, a insuficiência do meu protestantismo tradicional?" Desde que me libertei do pietismo sentimental da infância, que minha mãe, senhora de profunda piedade e bastante cultura, fez nascer em mim, não me recordo de ter jamais conseguido satisfazer às minhas aspirações religiosas.
   O ensino religioso do ginásio não me ofereceu aquilo a que aspirava. Um dos meus professores assegurava: "Nossa religião é, para todos os efeitos, a mais verídica". Então isso significava apenas frisar uma valor sumamente relativo, e eu ansiava por uma convicção lógica.
   Nem eu nem meus colegas supomos poder encontrar na Igreja Católica aquilo que não encontrávamos no protestantismo. Ela era, em nossa opinião preestabelecida, uma Igreja para os fracos de espírito, que necessitavam de exterioridades; era, finalmente, uma forma antiquada de cristianismo. Como a maioria dos protestantes, nós éramos hegelianos inconscientes para os quais estava esmagado, duma vez para sempre, tudo aquilo que a mera dialética superava.
   Tratava-se também, durante o preparo para o dia da Confirmação ( que era a substituição da primeira santa comunhão), muito secundariamente da Igreja católica, que era logo rejeitada com algumas palavras leves e muito altivas. Mas toda a ira luterana de nosso professor, dirigia-se contra os colegas de Lutero na tarefa reformatória. Lutava contra os reformadores que ensinavam outra coisa que a doutrina de Lutero; combatia especialmente Zwínglio e Calvino. Foi justamente este ponto que me chamou a atenção: quem destes três tinha razão? Quem me diria onde encontrar a autoridade divina? Naturalmente ninguém me respondia a essa pergunta e, ignorando em qual dos três homens poderia confiar e acreditar, acabei por desconfiar e descrer de todos os três. Destarte resultou do ensino religioso da Confrmação uma acentuada descrença.
   Quando, conforme o costume, foi pronunciada em coro a profissão de fé, durante a confirmação, - silenciei. Não podia professar a fé, e não queria mentir. Se minha bondosa mãe não tivesse estado gravemente adoentada naquela época, eu teria negado a aceitar a Confirmação. Não queria, porém, causar-lhe este desgosto.
   Participei de tudo em atenção a minha mãe doente, mas longe de mim estava qualquer sentimento de fé. Não negligenciei as orações pouco a pouco, como sói acontecer algumas vezes nestes casos, mas acabei com as rezas em determinado dia propositadamente, convencido de que  era absurdo devido à minha mentalidade. Claro que não falei com ninguém sobre o assunto. De resto, meu ambiente mal se teria apercebido disso, porque quase ninguém da família ou dos conhecidos, a não ser minha mãe, praticava uma vida de oração mais profunda. Meu interesse por questões religiosas, no entanto, ficou sempre muito vivo, se bem que num sentido quase só negativo, como é de fácil compreensão.
   Quatro anos mais tarde veio a metamorfose numa época de aflição. Voltava-me o pensamento de Deus, mas não conseguia balbuciar uma oração. Quis visitar uma igreja protestante. Já estava na entrada do templo. Mas adiei a decisão. Dei meia volta e entrei, quase instintivamente, numa igreja católica, simplesmente porque suas portas, qual convite amável, sempre estavam abertas. E aqui ouvi uma prática, completamente diferente das protestantes, sobre o evangelho da pesca milagrosa de São Pedro. Não foi nenhuma peça magistral de oratória, mas tinha algo completamente impessoal, inteiramente objetivo, de maneira que senti: aqui se manifesta um espírito diferente. Tornei a voltar, assisti também à santa Missa, embora sem a compreender e sem proferir uma oração; era simples observador. Alguns dias depois fui à casa paroquial e falei da minha inclinação para a Igreja Católica, recebendo uma resposta bastante negativa de modo que tudo quanto ouvira sobre as "pescas" apressadas dos católicos e seu proselitismo perdeu duma vez para sempre seu efeito.
   "Não temos tanta pressa" - foi a resposta do sacerdote católico. Justamente esta atitude me impressionou. Aumentava,  dia a dia, o desejo de conhecer bem a Igreja, que manifestamente era tão diferente das informações que nos haviam sido inoculadas. Queria conhecê-la, sacrificando mesmo, se necessário, minha convicção anterior.
   Voltei e tornei a voltar à casa paroquial. Finalmente ganhei de presente um pequeno catecismo católico que estudei com toda a aplicação. Aí notei a confiança absoluta da Igreja Católica em si mesma, considerando-se coluna e alicerce da verdade. Inicialmente parecia-me essa confiança absoluta da Igreja uma presunção, pois tinha sempre  imaginado a Igreja Católica apenas como uma das demais comunidades religiosas cristãs. Impressionava-me senti-la vivificada por um espírito diverso do protestantismo, onde nunca chegara a saber quem dos pretensos reformadores propriamente estava com a razão. Em todo caso achei-me obrigado a conhecer profundamente esta Igreja. Mas só mais tarde cheguei a reiniciar a oração quando da minha estada num hospital católico, onde se rezava em comum.
   Deus foi bom para comigo; levou-me, por caminhos humanamente nem sempre retilíneos, para perto de um sacerdote católico que me conduziu ao seio da Igreja. Muito mais tarde ouvi de outros, que acompanharam a minha preparação, quão obstinadamente pedi esclarecimentos pormenorizados sobre a autoridade divina da Igreja. O resto seguiu-se com muita naturalidade.
   A lógica da doutrina católica levou-me para a Igreja, como a lógica deficiente me expulsou do protestantismo. Contava, então, 19 anos. Jamais, nem sequer por um segundo, me arrependi de ter seguido esta lógica.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O PADRE TEODORO RATISBONNE FALANDO SOBRE A ORAÇÃO

   "A palavra oração não significa apenas as fórmulas pronunciadas pelos lábios; abrange todos os atos, todos os impulsos, todos os movimentos tendentes à união da alma com Deus.
   Orar é amar; a finalidade do amor é a união com o objeto amado. A oração responde ao amor pelo amor."Amareis com todo vosso coração, com todas as vossas forças, com todas as vossas faculdades". Eis a lei da vida. Para viver a verdadeira vida, é necessário, portanto, que todas as nossas faculdades concorram para a oração. É este exercício a base da piedade cristã; e a virtude perde toda a sua solidez quando o abandonamos. O progresso espiritual não depende nem da multiplicidade, nem da extensão das orações; depende  exclusivamente das comunicações íntimas e incessantes com Jesus Cristo, o Santo dos santos. Não é pelos atos exteriores, mas sim pelas afetos, aspirações e elevações de nossa alma que nos dirigimos a Deus. Seria necessário expor as vantagens de um exercício que nos aproxima sempre mais do foco do eterno amor?
   Se, do relacionamento com as pessoas sensatas, resulta um aperfeiçoamento do nosso proceder; se, do entretenimento com os sábios, nos tornamos mais cultos; quanto proveito não havemos de tirar desses íntimos colóquios com o Deus das virtudes, nestas comunicações com o céu? Não é tanto pelo ensino, como pela prática e pelo exercício, que a alma se inicia nestes suaves mistérios. É, contudo, salutar seguir os avisos de guias experimentados. São todos unânimes em nos aconselhar a prepararmos a ascensão do nosso coração, pela aplicação do pensamento nos exercícios da meditação. Para se acender o fogo, deve-se primeiramente juntar a madeira, a resina, o combustível que irá alimentar a chama. O alimento da meditação são os atos da vida e da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, são as emocionantes passagens de sua Paixão ou ainda as vivificadoras palavras consignadas na Escritura. A não ser que uma alma, favorecida por graça especial, se eleve espontaneamente aos píncaros do amor, a criatura deve procurar  e seguir fielmente um método de meditação adaptado as suas disposições particulares e necessidades íntimas.
   Santa Teresa d'Ávila, Santo Inácio, São Francisco de Sales e outros diretores eminentes, explicaram esses santos métodos.
   Não é preciso arte para regular o amor. Há, contudo, conselhos que variam para os principiantes, para os mais adiantados e ainda para os que já atingiram maior perfeição. O método mais fácil consiste em ler algum ponto em livro autorizado, e em seguida refletir sobre as verdades expostas, digeri-las, ruminá-las, por assim dizer, assimilar a substância nutritiva e retirar a verdade que deverá ser aplicada à vida prática. Para esta espécie de meditação, é preciso ler pouco e bem.
   Assim como a pomba que pousa à margem do regato para sorver algumas gotas e, depois, reabrindo suas asas, desfere o voo para as nuvens, a alma contemplativa toma as migalhas da palavra de Deus e, depois de revigorar suas forças, estende as asas dos seus bons desejos e remonta aos céus.
   Este sistema de meditação tem a vantagem de ocupar todas as faculdades espirituais, pois que, enquanto a memória se fixa e a inteligência reflete, os pensamentos santos se formam na vontade e tomam vigor e a alma toma uma resolução bem determinada e prática.
   Santa Teresa compara estes métodos de meditação a andaimes sobre os quais a alma se eleva a uma certa altura. É evidente que uma alma, atingindo as culminâncias da união com Deus, conseguindo expandir-se em atos inflamados de fé, esperança e amor, não deve se deter no pedestal, não necessita mais descer ao pé da escada, para metodicamente galgar os degraus. Voa direita a Deus: é a oração de simplicidade.
   Parece que Nosso Senhor reservou a si mesmo o ensino da oração. é a Ele que se dirige a chefe dos apóstolos par obter esta sagrada ciência: "Senhor, ensinai-nos a orar!" Ouçamos a lição do divino Mestre: "Quando orardes, entrai em vossa cela, fechai a porta e orai a vosso Pai em segredo; e vosso Pai, que vê o que é oculto, vos atenderá". A cela de que aqui se trata é o coração. - "Meu reino está dentro de vós", diz Nosso Senhor Jesus Cristo. - É aí que Deus reside, nos fala, nos ouve e nos responde; aí é que amamos e que somos amados. A Escritura nos revela que Ele se delicia entre os filhos dos homens. Mas, para tornar o coração sensível a esses sublimes contatos, é necessário recolhimento, calma, silêncio. É preciso que permaneçam fechadas as portas dos sentidos, sob a guarda de uma vigilância atenta, a fim de impedir que os rumores externos venham perturbar a soledade interior. Nesse pacífico abandono, pouco se fala, contempla-se, goza-se, saboreia-se o dom de Deus; e a alma emocionada, expande-se com a singeleza de uma criança. Como vibra ao mínimo sopro a corda musical, assim responde a alma à ação do Espírito Santo e exclama, com amor: "Abba, Pai! Benditas as almas que, em troca de humilde fidelidade, chegam à experiência destes profundos sentimentos de amor de Deus, seu Pai! Desfrutam já neste mundo as primícias do futuro gozo, exclamando com Davi: "Que haverá para mim no céu e que poderia pedir à terra, senão vós, ó Senhor, que sois o Deus do meu coração e minha partilha na eternidade?" É Jesus Cristo que, cumulando-nos do seu espírito e dos seus sentimentos, nos ensina a divina oração, em que damos ao Deus Altíssimo o nome de Pai!
   Chamamo-Lo: Nosso Pai, para dilatar a alma na caridade, ao mesmo tempo que ela aumenta no amor. Ele nos move a pedir que o nome deste Pai todo-poderoso seja para sempre glorificado - que seu reino se estabeleça em nós e fora de nós - que sua vontade - expressão de Sua sabedoria, de sua providência, de sua terna solicitude - seja feita na terra como no céu. Então, depois de prestar ao Autor de todo o bem as adorações a Ele devidas, imploramos para nós a graça que nos é necessária cotidianamente e, como muito recebemos, prometemos dar muito, tudo perdoar; derramamos sobre o nosso próximo a misericórdia que nos foi prodigalizada; pedimos, enfim, o auxílio contra a tentação, suplicando a nosso Pai celeste terminar em nós a obra da Redenção, livrando-nos de todo mal.
  O Pai-Nosso é a oração-mãe, de onde promanam todas as filiações da oração; ela resume em si todos os outros objetos de oração e cada uma de suas palavras contém aplicações infindas.
   Para terminar, aconselho que à noite durante alguns instantes leiam os pontos da meditação do dia seguinte. Estas palavras como que germinam durante o sono, como grãos de luz, e nosso primeiro pensamento, ao despertar, pela manhã, seria bom e santo.
   As disposições de nossa alma nos primeiros momentos da manhã influem, por sua vez, sobre todos os atos do dia, e imprimem um feliz impulso ao tempo decorrente.
   É no seio de Deus que devemos sorver a água viva que se derrama como uma bênção sobre as obras e atividades diárias. Nossa vida interior será o que fôr a nossa meditação.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

EXCERTO DO DISCURSO DO PAPA PIO XII NA CANONIZAÇÃO DE PIO X

  Num ambiente de excepcional solenidade foi canonizado, no dia 20 de maio de 1954, o Papa Pio X. Eis um pequeno excerto do discurso que Sua Santidade Pio XII proferiu naquela oportunidade:
   Falando sobre o Código de Direito Canônico: 
   5- A raiz profunda da obra legislativa de Pio X deve procurar-se principalmente na sua santidade pessoal, na sua íntima persuasão de que a realidade de Deus, por ele sentida em comunhão incessante de vida, é a origem e o fundamento de toda a ordem, de toda a justiça e de todo o direito no mundo. Onde está Deus, há ordem, justiça e direito; e, por outro lado, toda a ordem justa defendida pelo direito, manifesta a presença de Deus. Mas, na terra, que instituição devia manifestar mais eminentemente esta fecunda relação entre Deus e o direito, senão a Igreja, Corpo Místico do próprio Cristo? Deus abençoou abundantemente a obra do Bem-aventurado Pontífice, de modo que o Código de Direito Canônico será sempre o grande monumento do seu Pontificado, e Pio X poderá considerar-se o Santo providencial do tempo presente.
   6- Este espírito de justiça e de direito, de que ele foi testemunha e modelo para o mundo contemporâneo, penetre nas salas das Conferências dos Estados, nas quais se discutem problemas gravíssimos da família humana, em particular o modo de afugentar para sempre o temor de pavorosos cataclismos e de assegurar aos povos longa e feliz era de tranqüilidade e paz.
   Falando da condenação do Modernismo:
   7- Invicto campeão da Igreja e Santo providencial dos nossos tempos, se revelou também Pio X na segunda empresa característica da sua obra, e que, em conjunturas por vezes dramáticas, deu a impressão duma luta travada por um gigante em defesa dum tesouro inestimável: - a Fé. Já desde a meninice, tinha a Providência Divina preparado o seu eleito numa família humilde, baseada na autoridade , nos sãos costumes e na fé escrupulosamente vivida. Sem dúvida, qualquer outro Pontífice, em virtude da graça de estado, teria combatido e teria rechaçado os assaltos tendentes a ferir a Igreja no seu fundamento. É necessário, porém, reconhecer que a lucidez e a firmeza, com que Pio X dirigiu a vitoriosa luta contra os erros do modernismo, mostram o grau heróico em que a virtude da fé ardia no seu coração de santo. Pensando unicamente em conservar intacta, para o rebanho que lhe fora confiado, a herança de Cristo, o grande Pontífice não conheceu fraquezas diante de pessoas de qualquer dignidade ou autoridade, nem vacilações diante de doutrinas fascinadoras mas falsas, dentro da Igreja ou fora, nem qualquer temor de atrair sobre si ofensas pessoais ou de ver malsinadas as suas puras intenções. Teve clara consciência de lutar pela mais santa causa de Deus e das almas. A letra se verificam nele as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo ao Apóstolo São Pedro: "Pedi por ti para que não desfaleça a tua fé, e tu... confirma os teus irmãos" (S. Luc. XXII, 32). A promessa e a ordem de Cristo suscitaram mais uma vez, na rocha indefectível dum Vigário seu, a têmpera indômita do atleta. É justo que a Igreja lhe decrete neste momento a glória suprema, no mesmo lugar em que refulge há séculos, sempre viva, a glória de Pedro, confundindo assim um e outro numa só apoteose. Exalta reconhecidamente a Pio X e invoca ao mesmo tempo a sua intercessão, para que não se renovem tais lutas. Aquilo de que então propriamente se tratava, era a conservação de união íntima da fé com o saber. Era bem de tão grande valor para toda a humanidade, que esta segunda obra do santo Pontífice transcende o próprio mundo católico.
   8- O modernismo separava e opunha o princípio e o objeto da fé e da ciência, realizando nos dois campos vitais tão profunda cisão que equivalia à morte. Foi o que se viu na prática. O homem, que na passagem do século estava já dividido no seu íntimo, embora ainda com a ilusão de possuir a harmonia e a felicidade, baseadas num progresso puramente humano, sentiu-se despedaçado sob o peso duma realidade bem diferente.
  9- Pio X viu com olhar vilgilante, aproximar-se esta catástrofe espiritual, esta desilusão amarga, especialmente para os meios cultos. Intuiu como tal fé aparente, fundada não em Deus revelador mas em bases puramente humanas, redundaria no ateísmo. Descobriu do mesmo modo o fatal destino dessa ciência, que contrariava a natureza e livremente se manietava. Com efeito, inibia-se a si mesma de caminhar para a Verdade e o Bem absoluto, deixando assim o homem sem Deus, defronte da invencível obscuridade em que para ele tudo se envolvia. Restava-lhe apenas a atitude da angústia ou da arrogância.
   10- O Santo contrapôs a tão grande mal a única salvação possível e real: a verdade católica, bíblica, da fé, aceita como "rationabile obsequium"(Rom. XII, 1) { ="um culto racional"}, prestado a Deus e à sua revelação. Coordenou deste modo a fé e a ciência, aquela como extensão sobrenatural e às vezes confirmação da segunda, e esta como caminho que leva à primeira. Restituiu assim ao homem cristão a unidade e a paz do espírito, condições imprescritíveis de vida.
   11- Todos os que se voltam hoje para esta verdade, impelidos pela indigência e pela angústia, têm a felicidade de na Igreja a poderem encontrar perfeita. Devem agradecê-lo à visão de Pio X. Ele é de fato benemérito por ter preservado do erro a verdade, seja nos que têm fé, que lhe gozam de plena luz, seja naqueles que sinceramente a buscam. Para os outros, a firmeza que mostrou diante do erro pode ainda parecer pedra de escândalo; mas, na realidade, foi o serviço de maior caridade que um Santo podia prestar a todos os homens, como Chefe da Igreja.