domingo, 31 de julho de 2016

A GRAÇA DADA "DE GRAÇA" SEGUNDO O ENSINO DE SÃO PAULO - ( 11 )

  DEPOIS DA JUSTIFICAÇÃO.

   Já vimos, pelos textos estudados, que São Paulo absolutamente não ensina A SALVAÇÃO SEM AS OBRAS. Ensina, sim, que quando estamos mortos pelo pecado e somos ressuscitados, recebendo a vida da graça, isto se dá não por merecimento das nossas obras e o motivo é muito claro: os mortos não podem merecer. Uma vez recebida a VIDA DA GRAÇA, se esta graça nos tornasse impecáveis, ou se Deus naquele mesmo segundo nos chamasse para a eternidade, então poderíamos dizer que a salvação era obra exclusiva de Deus, nela não influiriam  as nossas obras. Mas, depois de justificados pela graça, continuamos a viver. E continuamos homens livres, sujeitos a fraquezas, assaltados pelas tentações, combatidos pela concupiscência. Não nos falta a graça de Deus para nos ajudar, mas a graça não nos violenta a liberdade. Podemos cooperar com ela, conservando-nos na amizade de Deus, como podemos a ela ser rebeldes pelo pecado mortal; e se este se torna muito frequente, vem a degradação do vício que é como uma segunda natureza. Depois de recebida a graça santificante, é que a nossa alma, ramo enxertado na videira que é Cristo, pode produzir frutos para a vida eterna, mas tanto pode abundar em boas obras, como pode tornar-se infrutuosa. Está nas nossas mãos com a graça de Deus, conservar ou não o tesouro com que Deus enriqueceu a nossa alma. É esta a nossa parte, a nossa função, a influência das nossas obras, do nosso esforço, da nossa oração, da nossa vigilância, pela qual, sem desconhecer a ação de Deus, que é muito maior do que a nossa, nós contribuímos também para a nossa própria salvação.

   Deus fez tão bem feito o seu plano que, embora o cristão se salve a si mesmo, ele não pode de modo algum orgulhar-se de sua salvação. Só salva a si mesmo, depois que Deus o pôs em condições de fazê-lo; mais ainda, só salva a si mesmo, com a ajuda constante de Deus. E considerando a ação de Deus e a sua, na obra da salvação, vê que a ação de Deus é tão maior, tão mais eficiente, tão mais importante e persistente do que a sua, que seria ridícula qualquer tentativa de presunção. Se os protestantes gostam de pintar aqueles que acham que além da fé e da graça, as suas obras são necessárias para a salvação, como sendo criaturas inevitavelmente presumidas, vaidosas, que se gloriam em si mesmas:
  1.   é porque querem disfarçar a má impressão causada pela doutrina de que - só a fé é que salva, e nossas obras não influem nem direta nem indiretamente na salvação - doutrina esta que, tal qual como é enunciada, se mostra perigosa e indecente, não podendo, fora do Protestantismo, convencer a ninguém;
  2. é porque não têm ou fingem não ter uma noção exata do que é a verdadeira santidade, a qual é conseguida por meio da ação maravilhosa do Espírito Santo sobre as almas dóceis à sua graça, pois o Espírito Santo, à proporção que vai enriquecendo a alma com as mais belas virtudes, a vai tornando cada vez mais humilde, mais convicta de sua fraqueza e insuficiência;
  3. é também porque fazem uma ideia parcial e incompleta do verdadeiro mecanismo da salvação, o qual vamos tentar descrever por meio de uma alegoria [no próximo post].

sábado, 30 de julho de 2016

EM QUE SENTIDO A SALVAÇÃO É GRATUITA


   Outro ponto, em que os protestantes ensinam uma doutrina católica, porém disfarçada com a máscara protestante, é a gratuidade da nossa salvação.

   Os Primeiros Reformadores ensinavam que A SALVAÇÃO É DADA DE GRAÇA, neste sentido de que O HOMEM NÃO PRECISA OBSERVAR OS MANDAMENTOS PARA ALCANÇAR A SALVAÇÃO. Diziam eles que esta observância dos mandamentos é impossível ao homem. Ele se salva pela confiança de que Jesus perdoa os seus pecados.

   A Igreja Católica não pode admitir que a salvação seja dada DE GRAÇA neste sentido. Isto é uma doutrina escandalosa, de péssimas consequências e que destrói a lei de Deus. 

   Que a salvação do homem seja dada gratuitamente no sentido de que o perdão de seus pecados, a sua justificação no ponto inicial, isto é, a sua passagem do estado de pecador afastado de Deus para o estado de justo com a graça santificante, seja dada ao homem gratuitamente por pura benevolência de Deus, porque o homem nunca poderia merecer este DOM SOBRENATURAL, isto admitimos. Mas que a salvação seja dada DISPENSANDO o homem de obedecer a Deus pelas suas obras, isto é que não.

   Verificado o seu erro, compreendendo agora que o homem não pode salvar-se SEM A OBSERVÂNCIA DOS MANDAMENTOS DE CRISTO e querendo ainda continuar pregando, como pregavam antigamente, que a salvação é dada TODA DE GRAÇA, que fazem os protestantes? Um arranjo contraditório.

   O Artigo 4º da Confissão de Fé dos Batistas em New Hampshire (1833) diz:

   "Cremos que a SALVAÇÃO de pecadores é INTEIRAMENTE DE GRAÇA".
E o Artigo 6º:

   "Cremos que a salvação é concedida GRATUITAMENTE a todos, segundo o Evangelho; que é o dever imediato de todos ACEITÁ-LA por meio de uma FÉ sincera, ardente e OBEDIENTE".

   Vejamos uma história, para melhor apreciarmos a ironia e desconchavo desta explicação:

   Um homem tinha mil palácios abarrotados de riquezas e tinha mil vizinhos. Disse a eles: Tenho riquezas fabulosas que chegam para Vocês todos. Cada um de Vocês vai ter um palácio riquíssimo. E vou dar, a todos e a cada um, este palácio INTEIRAMENTE DE GRAÇA. Vocês aceitam?

   - Aceitamos, sim, respondem todos. Isto é uma verdadeira maravilha. Quem é que não aceita uma pechincha destas? Um palácio cheio de riquezas e dado inteiramente de graça!

   - Pois bem, meus amigos, diz o homem riquíssimo. Já que Vocês todos estão dispostos a aceitar a minha oferta, tenho que explicar uma coisa; tenho que ensinar-lhes qual é o modo de ACEITÁ-LA. Aceitar não é só abrir a boca e dizer: Aceitamos. Para aceitar o palácio, Vocês têm que ser sempre SUBMISSOS, OBEDIENTES à minha vontade por todo o resto da vida, só fazer e dizer o que eu mandar, mesmo que isto lhes custe sacrifícios. Se não fazem assim, perdem o direito ao palácio.

   Qual é o comentário que naturalmente farão aqueles homens?

   - Sim, o Sr. tem todo o direito. Pode dar o palácio sob as condições que quiser. Mas há uma coisa: se o Sr. exige, em troca do palácio, esta total obediência, então não diga que o palácio foi dado INTEIRAMENTE DE GRAÇA.

   Quando dizem os protestantes que é nosso dever aceitar a salvação e só a aceitamos "por meio de uma fé sincera, ardente e OBEDIENTE", estão reconhecendo a verdade da doutrina católica de que NÃO BASTA A FÉ para a salvação, é preciso uma FÉ OBEDIENTE; em outros termos, é necessário prestar obediência a tudo o que Cristo ordenou e prescreveu, a tudo o que nos impõe a lei de Cristo, a lei de Deus. Aí não é salvação só PELA FÉ; é salvação pela FÉ E PELAS OBRAS, pois as obras já foram incluídas jeitosamente na fé, por meio desta palavra OBEDIENTE.

   Mas, se ensinam os protestantes esta doutrina que é legítima, então não digam que a salvação é conseguida inteiramente de graça.

   Em que parte da Bíblia viram os protestantes (que dizem só ensinar o que está na Bíblia) que a SALVAÇÃO, isto é, A NOSSA ENTRADA LÁ NO CÉU, nos é dada INTEIRAMENTE DE GRAÇA?

   Será, porventura, este texto: TODOS PECARAM e necessitam da glória de Deus, TENDO SIDO JUSTIFICADOS GRATUITAMENTE  por sua graça, pela redenção que tem em Jesus Cristo (Romanos III-23 e 24)?

   O que há de mais comum é a mesma palavra na Bíblia tomar aqui e acolá um sentido diferente; por isto perguntamos: a palavra JUSTIFICADOS aí significa SALVOS, PRONTOS PARA ENTRAR NO CÉU? Não; porque, se São Paulo acabara de descrever o miserável estado moral em que se encontrava a Humanidade antes de Cristo, tanto entre os gentios, como entre os judeus e, para resumir tudo isto, diz que TODOS PECARAM e logo depois acrescenta que são justificados por meio da Redenção operada por Jesus Cristo - aí justificados não quer dizer salvos, pois São Paulo não quer dizer absolutamente que TODOS os homens estão salvos, nem muito menos que todos aqueles que pecaram outrora foram para o Céu; São Paulo aí se refere à reconciliação COLETIVA da Humanidade com Deus, a qual Jesus Cristo deixou para realizar justamente quando a Humanidade, depois de ter pecado tanto, mostrou, e bem claro, que de modo algum merecia esta reconciliação, a qual, portanto, foi realizada generosamente, espontaneamente, GRATUITAMENTE.

   SALVAÇÃO INTEIRAMENTE DE GRAÇA, onde é que está na doutrina do Evangelho?

   Que estreita é a porta e que apertado o caminho que guia para a vida e que poucos são os que acertam com ele! (Mateus VII-14). É esta a SALVAÇÃO dada INTEIRAMENTE DE GRAÇA?

   Se o teu olho te escandaliza, lança-o fora; melhor te é entrar no reino de Deus sem um olho do que, tendo dois, ser lançado no fogo do inferno (Marcos IX-46). Isto é oferecer a salvação GRATUITAMENTE a todos?

   Filhinhos, quão difícil coisa é entrarem no reino de Deus os que confiam nas riquezas! Mais fácil é passar um camelo pelo fundo duma agulha do que entrar no reino de Deus um rico (Marcos X-24 e 25). O que ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim (Mateus X-37). Se vos não converterdes e vos não fizerdes como meninos, não haveis de entrar no reino dos Céus (Mateus XVIII-3). Se a vossa justiça não for maior e mais perfeita do que a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no reino dos Céus (Mateus V-20). Chama-se a isto salvação dada INTEIRAMENTE DE GRAÇA?

   Não há motivo para desânimo ou desespero. Se a salvação exige renúncias e sacrifícios, mais nuns e noutros menos, é também verdade certíssima que Deus, sendo justo e bom e sábio, não exige de ninguém o impossível: Deus é fiel, o qual não permitirá que vós sejais tentados mais do que podem as vossas forças (1ª Coríntios X-13). A cada sacrifício que se exige de nós acompanha também a graça necessária para levá-lo a efeito e a graça BEM CORRESPONDIDA eleva a criatura a um poder sobre-humano, como se viu nos mártires, como se tem visto em todos os santos. E mesmo quando a alma fraqueja e não corresponde bem à graça divina, ainda resta a misericórdia do Bom Pastor, que corre a buscar a ovelha perdida até que a ache (Lucas XV-4), ainda nos vale a benignidade do nosso Salvador que não quebrará a cana rachada, nem apagará a torcida que ainda fumega (Isaías XLII-3).

   E depois de tantas vicissitudes, de tantas provas da divina misericórdia, a visão beatífica, que está acima da nossa natureza, vem a ser em última análise uma graça, um benefício de Deus.

   Mas pintar a salvação, a conquista do Céu, como sendo dada INTEIRAMENTE DE GRAÇA, neste sentido de que o homem não precisa também fazer jus a ela pelo seu próprio ESFORÇO PESSOAL (ajudado, é claro, pela graça divina) - isto é desvirtuar completamente os ensinos do Evangelho.


quinta-feira, 28 de julho de 2016

A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ SEM AS OBRAS DA LEI - ( 2 )

     LEI NATURAL.

   Lei natural é aquela a que está sujeito todo o homem, mesmo que não tenha tido nenhum conhecimento da revelação feita por Deus, nem daquela que foi transmitida aos judeus por intermédio de Moisés, nem da revelação que nos veio por Nosso Senhor Jesus Cristo.

   Todo homem, mesmo que não professe nenhuma religião tem, contudo, a voz de sua consciência que lhe diz que não deve matar, nem furtar, nem levantar falso testemunho, nem desrespeitar pai e mãe, nem cometer adultério, nem atraiçoar o próximo etc. E esta voz da consciência o acusa e enche de remorsos, quando ele falta a estes preceitos naturais. Além disto, independentemente de qualquer doutrinação religiosa, a própria razão nos demonstra a existência de Deus, de um Ser Supremo que fez o Universo, pois todo efeito supõe uma causa capaz de produzi-lo. 

   Antes de Cristo, os gentios, que não conheciam a lei de Moisés, estavam sob este regime da lei natural, como estão ainda hoje os pagãos que nunca tiveram conhecimento de Jesus Cristo. De todos estes, tanto se pode dizer que têm a lei de Deus impressa nos seus corações pela voz da consciência, como se pode dizer também que estão sem lei, desde que se tome a palavra - lei - no sentido mais rigoroso do termo, ou seja lei escrita nos livros ou nos monumentos, lei promulgada externamente por um legislador. É neste último sentido que São Paulo assim escreve: Todos os que SEM LEI pecaram, sem lei perecerão (Romanos II-12). Porém um pouco mais adiante, o próprio São Paulo toma a palavra - lei - num sentido mais largo: Quando os gentios que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, esses tais, não tendo semelhante lei, a si mesmos servem de lei. os quais mostram a obra da LEI ESCRITA NOS SEUS CORAÇÕES, dando testemunho a eles a sua mesma consciência e os pensamentos de dentro que umas vezes os acusam, e outras os defendem, no dia em que Deus, segundo o meu Evangelho, há de julgar as coisas ocultas dos homens por Jesus Cristo (Romanos II-14 a 16). Fazem naturalmente as coisas que são da lei, quer dizer: fazem sem ter nenhum conhecimento da doutrina revelada, pelo que sabem, de si mesmos, sem revelação divina.

   Os pagãos mostravam ter conhecimento da lei natural e dela falavam abertamente. Assim é que Cícero, na sua Oração Pro Milone fala "na lei não escrita, mas inata... que nós recebemos da própria natureza". E numa tragédia de Sófocles, o personagem central Antígono se recusa a desobedecer aos "decretos divinos, que não foram escritos e que são imutáveis, não é de hoje que eles existem, eles são eternos". (Extraído do livro "LEGÍTIMA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA", autor: Lúcio Navarro). 

quarta-feira, 27 de julho de 2016

FÉ: Nosso Médico



   A fé salva, a fé é o caminho do Céu, isto nos ensina Jesus. A fé salva sozinha, sem a observância da lei de Deus, isto é doutrina de Lutero.

   Somos justificados pela fé, é doutrina da Bíblia: Justificados, pois, pela fé, tenhamos paz com Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo (Romanos V-1). Mas a mesma Bíblia nos ensina que a fé não nos justifica sozinha, sem as obras: Não vedes como pelas obras é justificado o homem, e não pela fé somente? (Tiago II-24).

   Para usarmos (ampliando-a) uma comparação de Cornélio Alápide: Assim como o doente que se achava em estado grave e foi curado pode dizer: - Este médico me salvou - e no entanto não foi o médico sozinho, foi o médico por meio dos remédios, das injeções, da dieta, dos exercícios que ele prescreveu e a que o doente voluntariamente se sujeitou, assim também a fé em Cristo é o médico a nos apontar as outras virtudes, as obras, os sacramentos que nos são necessários à salvação, a qual não é possível sem as praticarmos ou sem os recebermos em obediência aos ditames da nossa fé. O fato de dizer o doente: - Este médico me salvou - não o impede de dizer também: Santo remédio este! foi ele quem me pôs em pé! Assim como não o impede de aconselhar a outro doente que não quer observar a dieta: Não faça isto, meu caro; se eu não tivesse cumprido bem com a dieta, feito a mortificação quando estava com vontade de comer  tais alimentos que sabia que não podia comer, hoje eu já estaria na "cidade dos pés juntos". 

   Do fato, portanto, de dizer a Escritura que a fé nos salva, não se segue necessariamente que a fé seja A CAUSA ÚNICA da salvação. Isto se mostra claramente no episódio da mulher pecadora. Sabe-se muito bem que ela não podia salvar-se, se os seus pecados, que eram muitos, não lhe fossem perdoados. Se perguntarmos ao Divino Mestre POR QUE foram perdoados os pecados daquela mulher, Ele nos esclarecerá: Perdoados lhe são seus pecados, PORQUE AMOU MUITO (Lucas VII-47). A sua contrição perfeita, baseada no PURO AMOR,  foi aí apontada como a CAUSA da salvação. E no entanto, nesta mesmíssima ocasião, Jesus lhe disse: A tua FÉ te salvou; vai-te em paz (Lucas VII-50). Tanto a fé, como o amor, são considerados aí como causas da salvação para a pecadora arrependida; a fé, porque foi O PONTO DE PARTIDA de sua felicidade; o amor, porque CONSUMOU esta mesma felicidade. É por isto que nos diz muito bem o Concílio de Trento: "somos justificados pela fé neste sentido de que a fé, sem a qual é impossível agradar a Deus, é o princípio da salvação, o fundamento e a raiz de toda a justificação" (Sessão VI, 8). (Extraído do Livro "LEGÍTIMA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA", autor: Lúcio Navarro).

terça-feira, 26 de julho de 2016

ORIENTAÇÃO INDIVIDUALISTA DE LUTERO

   

   Apesar de todos os conselhos do seu diretor espiritual, a alma de Lutero cada dia mais se lança no desespero. Está convencido de que o homem não é livre, pois não se liberta nunca do pecado. Um dia, porém, nos seus estudos sobre a Bíblia, julga ter encontrado na Epístola aos Romanos a solução para o seu problema(4). Interpreta o Apóstolo São Paulo a seu modo, de acordo com suas próprias ideias, de maneira que, como diz o próprio Strohl, autor protestante: "foi a orientação puramente individualista e a força de sua experiência pessoal que impediram Lutero de assimilar todo o pensamento do Apóstolo".

   Se São Paulo nos lembra que O justo vive da fé (Romanos I-17), este mesmo São Paulo que nos diz: Todas as vossas obras sejam feitas em caridade (1ª Coríntios XVI-14) e nos afirma que o homem, mesmo tendo a fé a ponto de transportar montanhas, não é nada sem a caridade (1ª Coríntios XIII-12), Lutero não toma aquela frase no sentido de que todas as nossas ações devem ser revestidas de verdadeiro espírito de fé - mas no sentido de que na fé somente se resume toda a vida do cristão. Se São Paulo nos ensina que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei (Romanos III-28) no sentido de que não somos mais obrigados a cumprir todas aquelas determinações e cerimônias da lei mosaica, Lutero toma isto no sentido de que não somos obrigados a obedecer a lei nenhuma, nem mesmo a observar os mandamentos. Se São Paulo fala na liberdade da glória dos filhos de Deus (Romanos VIII-21) e diz que soltos estamos da lei da morte, na qual estávamos presos, de sorte que sirvamos em novidade do espírito e não na velhice da letra (Romanos VII-6), Lutero toma isto não no sentido de que os cristãos já estão libertos do jugo das prescrições da lei mosaica, mas no sentido de que os cristãos estão livres de todas as leis, tendo apenas a obrigação de crer.

   Foi assim que nasceu a teoria da salvação só pela fé. Vejamos agora, [nos próximos posts], em linhas gerais, a doutrina de Lutero, usando sempre as suas próprias palavras, pois vai aparecer tanta coisa espantosa que é melhor mesmo que Lutero fale, para que não se diga que estamos exagerando a sua doutrina. (Extraído do livro "LEGÍTIMA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA", autor: Lúcio Navarro).

(4) NOTA: Lutero rompeu oficialmente com a Igreja no dia 1º de novembro de 1516, afixando às portas do templo, em Vitemberga, as suas 95 teses sobre as indulgências. Mas já antes disto lavrava no seu espírito o conceito herético sobra a justificação pela fé sem as obras, de modo que a pretensa descoberta da Lutero foi no ano de 1514 ou, ao mais tardar, em 1515, conforme se conclui do exame de suas notas privadas, como professor.