quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

CARNAVAL

CARNAVAL PRÓXIMO

                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*

Semana próxima é o Carnaval. Como todos os anos, aproveitamos a ocasião para uma reflexão de ordem histórica e espiritual.
Segundo uma teoria, a origem da palavra “carnaval” vem do latim “carne vale”, “adeus à carne”, pois no dia seguinte começava o período da Quaresma, tempo em que os cristãos se abstêm de comer carne, por penitência. Daí que, ao se despedirem da carne na terça-feira que antecede a Quarta-Feira de Cinzas, se fazia uma boa refeição, com carne evidentemente, e a ela davam adeus. Tudo isso, só explicável no ambiente cristão, deu origem a uma festa nada cristã. Vê-se como o sagrado e o profano estão bem próximos, e este pode contaminar aquele. Como hoje acontece com as festas religiosas, quando o profano que nasce em torno do sagrado, acaba abafando-o e profanando-o. Isso ocorre até no Natal e nas festas dos padroeiros das cidades e vilas. O acessório ocupa o lugar do principal, que fica prejudicado, esquecido e profanado.
O Carnaval poderia até ser considerado uma festa pitoresca de marchinhas engraçadas, de desfiles ornamentados, um folguedo popular, uma brincadeira de rua, uma festa quase inocente, uma diversão até certo ponto sadia, onde o povo extravasa sua alegria. Mas, infelizmente, tornou-se também uma festa totalmente mundana e profana, cheia de licenciosidade, onde campeia o despudor e as orgias, onde se pensa que tudo é permitido, onde a imoralidade é favorecida até pelas autoridades, com a farta distribuição de preservativos, preocupadas apenas com a saúde física e não com a moral, por isso chamada “a festa da carne”.
            A grande festa cristã é a festa da Páscoa, antecedida imediatamente pela Semana Santa, para a qual se prepara com a Quaresma, que tem início na Quarta-Feira de Cinzas, sinal de penitência. Por isso, é a data da Páscoa que regula a data do Carnaval, acontecendo sempre este 47 dias antes da Páscoa, no dia imediato antes da Quarta-Feira de Cinzas. 
            Devido à devassidão que acontece nesses dias de folia (loucura, em francês), muitos cristãos preferem se retirar do tumulto e se entregar ao recolhimento e à oração. É o que se chama “retiro de Carnaval”, aconselhável para quem quer se afastar do barulho e se dedicar um pouco a refletir no único necessário, a salvação eterna. É tempo de se pensar em Deus, na própria alma, na missão de cada um, na necessidade de estar bem com Deus e com a própria consciência. “O barulho não faz bem e o bem não faz barulho”, dizia São Francisco de Sales.
            Já nos advertia São Paulo: “Não vos conformeis com esse século” (Rm 12,2); “Já vos disse muitas vezes, e agora o repito, chorando: há muitos por aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a perdição, o deus deles é o ventre, a glória deles está no que é vergonhoso, apreciam só as coisas terrenas” (Fl 3, 18-19); “Os que se servem deste mundo, não se detenham nele, pois a figura deste mundo passa” (cf. 1 Cor 7, 31).
            Passemos, pois, este tempo na tranquilidade do lar, em algum lugar mais calmo ou, melhor ainda, participando de algum retiro espiritual. Bom descanso e recolhimento para todos!

                                                                  *Bispo da Administração Apostólica Pessoal

                                                                         São João Maria Vianney

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

O SANTO TERÇO

O TERÇO: FONTE DE GRAÇAS


                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*

Nos próximos dias 14, 15 e 16 de fevereiro, acontecerá a XII Romaria Nacional do Terço dos Homens na Basílica-Santuário Nacional de Aparecida. São esperados mais de 80 mil homens. Essa grande Romaria reúne comitivas de todo o Brasil, trazendo homens de todas as classes sociais, unidos por essa oração abençoada, o Rosário de Nossa Senhora. A missão do Terço dos Homens é resgatar para o seio da Igreja homens de todas as idades, pois a presença masculina na Igreja é imprescindível para a formação da família e de uma sociedade cristã.
O tema desta Romaria será: “Terço dos Homens: fonte de graças” e o lema: “Confiantes como Maria”. Essa temática quer enaltecer o papel de Maria Santíssima como intercessora e medianeira junto de seu Filho Jesus. Como o povo costuma dizer, “Peça à Mãe que o Filho Atende!” Jesus jamais se nega a atender um pedido de sua mãe. Se o próprio Deus quis precisar de Maria para vir a nós (“Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher...” Gl 4,4), muito mais ainda nós podemos contar com Maria para nos aproximarmos de Deus.
A oração do Terço, o Rosário de Nossa Senhora, é fonte de graças, pois nela o cristão professa a sua fé católica, rezando o Credo, pronuncia a oração do Senhor, o Pai-Nosso, e saúda Maria com as palavras do Anjo Gabriel, chamando-a “cheia de graça”.
Intitulando Maria “Mãe de Deus”, imitamos Isabel que, “repleta do Espírito Santo” a saudou, dizendo “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre”, acrescentando: “Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe do meu Senhor?” (Lc 1, 41-43). O próprio Espírito Santo, que inspirou Isabel, nos ensina a chamar Maria de Mãe de Deus, pois a palavra “Senhor”, aqui usada (em grego kyrios), só se aplica a Deus.
O lema “Confiantes como Maria” nos recorda o sim confiante de Nossa Senhora, aceitando a honra e o cargo da maternidade de Jesus, o Filho de Deus nela feito homem, com toda a confiança, entregando a sua vida inteiramente a Deus, mesmo vislumbrando tudo o que poderia acontecer ao seu Filho, o Salvador, o “servo sofredor”, que morreria humilhado na cruz.
            O Papa São João XXXIII dizia que o Terço é o Evangelho das pessoas simples. De fato, é uma recordação e meditação do Evangelho na escola de Maria: “É Tua escola o Terço, ele é luz, ninguém como Tu sabe mais de Jesus; o Santo Evangelho ensina de novo, Teu Terço é a Bíblia que Deus deu ao povo”.
            Mesmo sendo uma oração de louvor a Maria Santíssima, o centro do Rosário está em Jesus Cristo, cujo nome é o centro de gravidade da Ave-Maria, a dobradiça entre a sua primeira parte e a segunda. “É precisamente pela acentuação dada ao nome de Jesus e ao seu mistério que se caracteriza a recitação expressiva e frutuosa do Rosário” nos ensina S. João Paulo II.
            “Maria nos acompanha, luta conosco, apoia os cristãos no combate contra as forças do mal. A oração com Maria, em particular o Rosário – mas ouçam bem: o Rosário” (Francisco).

                                                                                                                                                                                                                         *Bispo da Administração Apostólica Pessoal

                                                                                                                                                                                                                                          São João Maria Vianney

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

"QUER AGRADE, QUER DESAGRADE"



 São palavras de São Paulo a Timóteo, na segunda Epístola que o Apóstolo escreveu ao seu caríssimo discípulo e bispo. Estão no capítulo 4º. versículo 2º. Estas duas palavras são traduzidas para o português de vários modos, mas que, no fundo têm o mesmo significado. No original grego são empregadas as palavras: eukairos, akairos, que em português significam exatamente: oportunamente, inoportunamente. A melhor tradução italiana da Vulgata de São Jerônimo traz: "a tempo, fuori di tempo."   E a  tradução em francês é: à  temps et à contre-temps. Em português do Brasil temos três traduções mais comuns, que são: "a  tempo e fora de tempo"(como no italiano); "a tempo e contratempo"(como no francês) e "quer agrade, quer desagrade".
   São Paulo, na verdade, exorta o bispo Timóteo que pregue a palavra de Deus, que insista sem desanimar, e sem deixar de pregar por causa do respeito humano, quando estiver diante de pessoas que não gostam de ouvir a verdade, infeccionados que estão por suas paixões. Verdadeiramente, é sempre feito a tempo, oportunamente, aquilo que é pregado utilmente para a eterna salvação do próximo, mesmo que o zelo dos pregadores pareça inoportuno ao homem carnal, que é perturbado por suas paixões. Quanto ao respeito humano São Paulo pouco antes, ou seja, no capítulo I, 8 já havia advertido a Timóteo: "Portanto, não te envergonhes do testemunho de Nosso Senhor...".
   Podemos concluir que a tradução "quer agrade, quer desagrade"  também está correta, porque expressa o que São Paulo realmente queria dizer.
   O grande escritor Gustavo Corção, por quem D. Antônio de Castro Mayer tinha grande estima, escreveu um livro ao qual deu o seguinte titulo: "A TEMPO E CONTRATEMPO". Adverbialmente tomado, contratempo é o mesmo que fora de tempo. Nas orelhas da capa do livro, a Editora Permanência que publicou o dito volume, explica a origem e a razão deste título. Diz assim: Aqui se recolhem alguns artigos de Gustavo Corção, publicados na imprensa diária, sob o calor dos acontecimentos mas com doutrina permanente... O título buscou-o Corção no Apóstolo das Gentes, que, profeta, anunciou quase com detalhes a loucura dos nossos dias: Erit enim tempus... "Tempo virá em que os homens já não suportarão a sã doutrina, e inventarão para si mestres, levados pelo prurido de ouvir; e afastarão seus ouvidos da verdade e os inclinarão às fábulas". Prevenindo dessas coisas o discípulo amado Timóteo e, através dele, na sucessão dos séculos, os outros discípulos, recomenda Paulo que o pregador pregue, opportune, importune, para que a verdade seja posta ao alcance de quem queira contemplá-la e segui-la. É o que tem feito Gustavo Corção, vencendo todas as dificuldades e incompreensões, sacrificando amizades, afrontando calúnias e desfigurações..."
   Já no corpo do livro, antes do primeiro Artigo, lemos toda a passagem de São Paulo: "Quanto a ti, apega-te ao que aprendeste e ao que crês com certeza, sabendo de quem o aprendeste, e ao que, desde a infância, conheces das Sagradas Escrituras, de onde podes haurir sabedoria para a salvação pela fé no Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para repetir, para corrigir e para educar na santidade, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e pronto para obras boas".
   "Eu te adjuro diante de Deus e do Cristo Jesus que deve vir julgar os vivos e os mortos, por sua aparição e por seu reino: prega a palavra, insiste a tempo e contratempo, retoma, censura, exorta, com paciência inteira e zelo de instrução; porque tempo virá em que os homens não suportarão a sã doutrina e, ao sabor de suas paixões, se entregarão a uma multidão de doutrinadores. Com cócegas nos ouvidos, eles os afastarão da verdade para os inclinar às fábulas. Tu, sê sóbrio em todas as coisas, suporta o sofrimento, faz obra de pregador do Evangelho, cumpre até o fim tua tarefa". (2ª Tim. III, 14-17; e IV, 1-5).
  
   Há um outro livro cujo título também foi inspirado nas palavras de São Paulo a Timóteo (2ª Tim. IV, 2); mas este tem por autor não Gustavo Corção mas o então Revmo Pe. Fernando Arêas Rifan. Preferiu a tradução "quer agrade, quer desagrade". Na apresentação do livro, assim escreveram seus amigos e paroquianos: "Como parte das comemorações do jubileu de prata sacerdotal do Revmo. Pe. Fernando Arêas Rifan, ocorreu-nos a feliz ideia de reunirmos em um livro uma coletânea de vários artigos por ele escritos e publicados, em diferentes épocas, em diversos órgãos da imprensa. Os artigos que selecionamos versam sobre assuntos variados, mas sempre com uma equilibrada visão católica, conforme a Igreja sempre orientou os seus fiéis.
                                  'Quer agrade, quer desagrade!"
   Certamente este livro não agradará a todos. Nem é sua pretensão. Bom sinal! O próprio Jesus não conseguiu a unanimidade do beneplácito popular. São Paulo, autor da frase, título deste livro, exclamava: "Se alguém vos anunciar um Evangelho diferente daquele que recebestes, seja anátema. Porque, em suma, é a aprovação dos homens que eu procuro, ou a de Deus? Porventura é aos homens que eu pretendo agradar? Se agradasse ainda aos homens, não seria servo de Cristo" (Gal. I, 9 e 10). Mas todos admirarão a sinceridade e a clareza de posições do autor, que preferiu o "sim sim não não" do Evangelho à conivência com o erro e à cumplicidade na "autodemolição da Igreja" com pretensões a aplausos e reconhecimentos oficiais. Como pitorescamente comentou um jornalista da "esquerda": "Pe. Fernando é um inimigo em quem se pode confiar!", reconhecendo, apesar de divergir dele, a lisura e lealdade do seu posicionamento.
   Na orelha deste excelente livro vemos a foto do Revmo. Padre Fernando A. Rifan e logo abaixo podemos ler estas sábias palavras: "PESSOAS DE BOM SENSO, UNI-VOS!
A crise atual, muito mais do que econômica e social, é sobretudo moral e religiosa. É crise de bom senso. São raras hoje as pessoas de senso comum, de senso crítico, enfim, do bom senso. E quem ainda o tem é taxado , pejorativamente, de moralista, radical, direitista, conservador, retrógrado, tradicionalista, etc. E, por medo de receber tais adjetivos, muita gente capitula e adere à maioria.
Os artigos do Pe. Fernando Arêas Rifan, que ora publicamos, além de um convite à reflexão, é uma convocação a todas as pessoas de bom senso à responsabilidade e ao empenho na luta pelas causas sadias e por uma sociedade melhor."
   E, a exemplo de Gustavo Corção, antes do primeiro artigo, o então Revmo. Pe. Fernando Arêas Rifan, traz as palavras de São Paulo, palavras que inspiraram o título do seu livro: "Prega a palavra, insiste
 Quer Agrade
Quer Desagrade,
repreende, adverte, exorta com toda a paciência e doutrina. Porque virá tempo em que os homens não suportarão a sã doutrina, mas multiplicarão para si mestres conforme os seus desejos, levados pela curiosidade de ouvir. E afastarão os seus ouvidos da verdade para os abrirem às fábulas..."

                                                              São Paulo, apóstolo
                                                                        (II Tim 4, 2-4)
  
Caríssimos leitores, recomendo a leitura destes excelentes livros, quer agrade quer desagrade, a tempo e contratempo.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

A CONFISSÃO PRESERVA A ALMA DO DESESPERO

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA

 Não é difícil o entendermos já que a confissão purifica, eleva e fortifica a alma. Na verdade, caríssimos, quantos se entregam com todo o ardor às suas paixões só porque se desesperam de quebrar as suas correntes opressoras!? E depois, há alguma coisa mais funesta do que a demora prolongada do mal na alma? O pecado induz a outro pecado, um abismo atrai outro abismo,  a alma se deprava cada dia mais e torna-se pouco a pouco a presa duma corrupção secreta, que seria incurável se a bondade de Deus não fosse infinita como o seu poder. O mal estabelecendo-se na alma, derrama nela um veneno mortal que altera no pecador o sentimento divino, mas sem nunca poder extingui-lo; daí esta indisposição, esta amargura, este desgosto surdo e íntimo, uma indisfarçável melancolia que se acumula, por assim dizer, no mais profundo da alma, e cujas explosões são algumas vezes tão terríveis. Dizia Monsenhor Gerbet: "o remorso, muito tempo concentrado, forma no fundo de certas almas como uma mina terrível que ameaça destruir existências pacíficas, e, o que é mais triste ainda, despedaçar corações. A confissão é um meio secreto que previne a explosão desta bomba".

A Providência divina quis que um padre dos mais zelosos e dos mais piedosos se encontrasse um dia, à mesa, com uma sociedade de atores e atrizes. A conversa não poderia ser mais a propósito. O padre ganhou logo a simpatia dos convivas. E mais do que isto: ganhou toda confiança o que deixou todos bem à vontade para fazer perguntas. Foi a graça divina que os levou a perguntar ao padre justamente sobre o sacramento da confissão. E especialmente qual seria a situação dos atores em face da Igreja. Uma e outra parte discutia o assunto vivamente, porém, sem nenhum azedume. De fato o zeloso sacerdote ganhou os corações de todos!


As janelas da sala davam para um magnífico lago. Um barco a vapor vinha passando. "Tendes ali, senhores, disse o padre, o que vai fazer-vos compreender para que nos serve a confissão. Vedes este barco a vapor. Uma força poderosa faz mover a sua máquina e o faz caminhar rapidamente; mas esta mesma força o poria em perigo de explosão e de destruição sem o que se chama a válvula de segurança. Por esta válvula  de escape se exala o excesso de vapor, e assim o barco e os viajantes estão em segurança. O mesmo acontece com todos nós. Temos em nós forças poderosas, que são as nossas paixões. Para estas forças, para estas paixões, é preciso uma válvula de segurança, uma abertura sem a qual estamos perdidos. Pois bem! esta válvula é a confissão, que Deus nos deu para alívio de nossos corações, para consolação e purificação de nossas consciências. Observa-se que nos países onde a confissão é desconhecida, há mais casos de loucura e de suicídio do que naqueles em que existe a confissão". E o padre desenvolveu esta tese com toda a energia e ciência, sustentando-a com numerosos exemplos. Quando se despediu da companhia, uma jovem atriz de vinte e três anos acompanhou-o até a porta da entrada. Quando se viu só com ele, exclamou, com voz sufocada pelos soluços: "Senhor, vós me salvastes! Foi a Providência que vos conduziu para junto de nós. Eu estava desesperada; esta noite eu queria lançar-me no lago e nele acabar com as dores da vida... Agora quero confessar-me". O padre tranquilizou com doçura aquela pobre moça, induziu-a a deixar o teatro, o que obteve sem dificuldade, e apressou-se a reconciliá-la com Deus. Ela tornou-se desde então uma boa e fervorosa cristã.