segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A ORDEM CRISTÃ, FUNDAMENTO E GARANTIA DA PAZ

   Pequeno excerto da Radiomensagem Natalícia de Pio XII (1951). (N.B.: O mundo já estava na 2ª guerra mundial).

   "Hoje, ainda, como outras vezes o fizemos, ante o presépio do divino Príncipe da Paz, vemo-nos na necessidade de declarar: o mundo está bem longe da ordem querida por Deus em Cristo, ordem que é garantia da paz real e duradoura.

   Dir-se-ia talvez que, sendo assim, não vale a pena traçar as grandes linhas de tal ordem do mundo e realçar o contributo fundamental da Igreja para a consolidação da paz. Objetar-se-á, em segundo lugar, que deste modo não fazemos senão estimular o cinismo dos céticos e aumentar o desânimo dos amigos da paz, não podendo esta ser defendida senão com o recurso aos valores eternos do homem e da humanidade. Opor-se-nos-á, enfim, que damos efetivamente razão, na causa da paz, aos que vêem a última e definitiva palavra na "paz armada", solução deprimente para as forças econômicas dos povos e exasperante para os nervos.

   Se, se quiser, porém, ver o centro do problema tal com se apresenta no momento atual; se se quiser, não só na teoria mas também na prática, fazer ideia do contributo que todos, e em primeiro lugar a Igreja, podem verdadeiramente prestar, ainda em conjunturas a despeito dos céticos e dos pessimistas, julgamos indispensável fixar os olhos na ordem cristã, perdida de vista por muitos hoje em dia.

   Este olhar convencerá principalmente todo o observador imparcial que o centro do problema da paz é hoje de ordem espiritual, é falta ou defeito espiritual. Escasseiam sobremaneira no mundo de hoje as convicções profundamente cristãs; são muitos poucos verdadeiros e perfeitos cristãos. E assim, são os próprios homens que põem obstáculos à realização da ordem querida por Deus. 

   Mas é preciso que cada um se persuada desse caráter espiritual inerente ao perigo duma guerra. Inspirar esta persuasão é dever em primeiro lugar da Igreja, e é este hoje o seu primeiro contributo para a paz".

sábado, 20 de dezembro de 2014

DOUTRINA PROTESTANTE E DOUTRINA CATÓLICA

   Nos oito posts anteriores mostramos o desmantelo e o desiquilíbrio da teoria protestante sobre a salvação pela fé. Estamos falando em teoria e não na prática. Digo isto porque na prática nem sempre se segue a teoria. Um pastor protestante convertido disse-me uma vez que os protestantes em geral vivem muito melhor que a sua doutrina. E eu disse-lhe que, infelizmente muitíssimos católicos não vivem sua fé verdadeira. A doutrina é verdadeira, mas não vivem segundo ela. Têm fé, mas não têm o espírito de fé, ou seja, creem mas vivem como se não cressem, ou vivem em desacordo com a sua fé. 

   Na verdade os protestantes (embora a gente não possa constatar bem, porque são milhares de seitas) em se tratando de fé e de obras, já não falam como falou Lutero: Peca fortemente, mas crê mais fortemente ainda e estás salvo. Lutero dizia inclusive que as obras eram inúteis ou mesmo nocivas à salvação. Dizem os protestantes de hoje que as boas obras são um meio de exercitar a fé, são um fruto ou, melhor dizendo, uma consequência da salvação pela fé: o indivíduo que jé está salvo pela fé pratica boas obras, mas as boas obras, dizem eles, não são CAUSA  da salvação. 

   A distinção é sutil, capciosa e, sobretudo, confusa para se ensinar ao povo, que precisa saber de uma maneira límpida e clara o que deve fazer e o que não deve fazer para ganhar o Céu. Mas o Protestantismo não está ligando muita importância a isto: discordar da Igreja Católica é todo o seu gosto e prazer.

   A fórmula protestante encerra uma linguagem duvidosa e geradora de confusões: "As boas obras são uma consequência da fé: aquele que já está salvo pela fé, pratica boas obras". Procuremos desfazer as confusões ou melhor dizendo, mostrá-las. 
   Dizem que as boas obras são consequência da fé. Mas, perguntamos: consequência mas de que modo? Seria uma consequência livre, no sentido de que aquele que tem fé praticará as boas obras que bem entender? Isto não se admite. Se Deus nos impôs 10 mandamentos, não está em nosso poder fazer uma escolha entre eles, não nos é lícito nem ao menos escolher nove mandamentos e rejeitar um só; quem peca contra um só mandamento que seja, peca contra toda a lei, pois se rebela contra Deus, Nosso Senhor Supremo, que é autor de toda a lei: Qualquer que tiver guardado toda a lei e faltar em um só ponto, fez-se réu de ter violado todos (Tiago II-10). 

   Outra confusão: Seria consequência necessária, no sentido de que aquele que tem fé, já não peca mais e só pratica boas obras? Isto é conversa para boi dormir. Ninguém é tolo para acreditar nisto. A experiência de cada dia nos demonstra que não existe sobre a face da terra nenhum homem impecável: Todos nós tropeçamos em muitas coisas (Tiago III-2). Aquele, pois, que crê estar em pé veja não caia (1ª Coríntios X-12). 

   Outra confusão: Seria consequência necessária, no sentido de que qualquer ação, seja boa, seja má, praticada por aquele que tem fé se torna um obra boa? Mas isto seria o maior dos absurdos. Como é que Deus vai considerar obras boas o roubo, a injustiça, o adultério, o falso testemunho pelo simples fato de serem praticados por um homem que tem fé? Muito pelo contrário; se estes pecados já são graves para o pagão que não conhece a Cristo, mais graves ainda se tornam para o cristão, esclarecido pelas luzes da fé. 

    Uma última pergunta: Seria consequência necessária, no sentido de que aquele que tem fé se sente forçosamente na obrigação de observar os mandamentos e praticar boas obras? Mas, neste caso, caro protestante, isto é a pura doutrina católica; neste caso os mandamentos são tão obrigatórios como a própria fé. Sua observância é indispensável para a conquista do Céu. Não se trata mais, portanto, de salvação pela fé sem as obras. 

   Nós católicos, afirmamos que para o homem salvar-se, para ganhar o Céu, não só é necessária a fé em Cristo; é necessária também a observância dos mandamentos, pelo amor de Deus e do próximo, indispensável para a salvação. Não é a fé sem as obras que salva; é a fé acompanhada das obras, a fé CONSUMADA PELA OBRAS (Tiago II-22), como se expressou S. Tiago. 

   Se se exige o arrependimento dos pecados para o pecador receber o perdão, isto é porque ele, desviando-se da obrigação dos mandamentos, se afastou do caminho do Céu. Dizendo, porém, que a fé salva com as obras, não afirmamos que o homem realiza estas obras, sozinho, por suas próprias forças naturais; realiza-as, sim, ajudado com a graça de Deus, a qual Deus dá a todos; ao que faz o que está ao seu alcance, Deus não nega a sua graça, porém a graça é necessária, não só para a fé, mas para a observância dos mandamentos, como também para fazer qualquer ato bom meritório para a vida eterna, como veremos depois mais detalhadamente, se Deus o permitir. Em suma, existe na obra da salvação a parte de Deus e a nossa. A nossa parte não consiste só na fé, mas também nas obras, na observância dos mandamentos, embora que para isto precisamos que Deus noa ajude. Se cooperamos com a sua graça, pela fé e pela observância dos mandamentos de Jesus, e morremos em estado de graça santificante, seremos salvos. Se com ela não cooperamos e morremos em estado de pecado mortal, seremos condenados. A salvação é, portanto, efeito da graça e das nossas obras, da nossa cooperação, ao mesmo tempo. 

  

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

DESPAUTÉRIO

S. Francisco moribundo, por Burnand
   Citar Pio XI, num esforço inglório, para justificar coisas que têm um espírito contrário ao de São Francisco de Assis, é sem dúvida um despautério. Eis alguns excertos da Encíclica "Rite expiatis" de Pio XI: ..."rejeitando a figura fantasiosa do Santo (São Francisco) que dele se fazem de preferência os fautores dos erros modernos e os sequazes do luxo e dos prazeres mundanos, procurem propor à fiel imitação dos cristãos aqueles ideais que ele em si reproduziu, copiando-os da pureza e simplicidade da doutrina evangélica". ..."Quisemos, Veneráveis irmãos, demorar-nos um pouco na contemplação dessas altíssimas virtudes(pobreza, humildade, obediência à Igreja, pureza penitência e caridade) tanto mais porque muitos, em nosso tempo, contaminados pela peste do laicismo, costumam despir os nossos heróis da genuína luz e glória da santidade, para rebaixá-los a uma espécie de natural excelência e à profissão de uma religiosidade vã, louvando e exaltando-os somente como beneméritos do progresso nas ciências e artes, das obras de beneficência, da pátria e do gênero humano. Não cessamos, porém, de admirarmos como tal admiração de um Francisco assim diminuído, ou antes contrafeito, possa aproveitar a seus modernos admiradores, a esses que cobiçam riquezas e prazeres, ou, enfeitados e perfumados, frequentam as praças, as danças e os espetáculos, ou rolam pelo lodo da volúpia, ou ignoram e repelem as leis de Cristo e da Igreja. Aqui vem muito a propósito a lembrança: "A quem agradar o mérito do santo, devem também agradar-lhe o obséquio e o culto de Deus. Ou imite aquele a quem louva, ou não se ponha a louvar a quem não quer imitar. Quem admira os méritos dos santos deve, ele mesmo, distinguir-se pela santidade de vida" ( Breviário Romano, d, 7 Nov. lect. IV) ... "Que impede aos amigos do povo elogiar esta caridade que foi a de Francisco, por todos os homens, especialmente os pobres? Mas guardem-se os arrebatados, por imoderado amor da pátria, de glorificá-lo como quase um pregoeiro e símbolo deste apaixonado nacionalismo, diminuindo o "homem católico". Os outros se guardem de impingi-lo como precursor e padroeiro de erros, dos quais ele, mais que ninguém, estava longe". ..."Para usarmos as palavra de Leão XIII - "quanto às honras que se querem prestar a São Francisco, é certo que serão sobremaneira gratas àquele a quem as dirigem, desde que aproveitem aos que as fazem. Será esse, porém, o fruto sólido e não caduco, que procurem copiar de algum modo a este cuja exímia virtude os homens admiram e tornar-se melhores com sua imitação" (Enc. Auspicato, 17 Set. 1882). Talvez alguém dirá que para restaurar a sociedade cristã de hoje, precisaríamos de um outro Francisco. Entretanto, fazei que os homens, animados de novo zelo, tomem aquele antigo Francisco por mestre de santidade e piedade, fazei com que todos imitem e reproduzam em si os exemplos que nos deixou quem era "o espelho de virtude, o caminho de retidão, a regra de costumes" (Brev. Fr. Min.); não terá isto força e eficácia suficiente para sanar e exterminar a corrupção dos nossos tempos?"

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Profunda crise da fé no seio da Igreja

Extraído  da Carta Pastoral "Aggiornamento e Tradição" (1971)  de D. Antônio  de Castro Mayer

   "...Na ocorrência do quinto aniversário do encerramento do II Concílio do Vaticano, o Santo Padre, Paulo VI, em memorável Exortação, encarecia aos Bispos católicos do mundo inteiro a obrigação de cuidar da ortodoxia no ensino da doutrina católica. 
   "Eis, pois, amados filhos, que não eram vãos os nossos temores. Os males que receamos em Nossa Diocese, de fato, ameaçam os fiéis do mundo todo. Aliás, não teria sentido a Exortação pontifícia, dirigida a todos os Bispos católicos da terra.
   "...Ao direito imprescritível que tem o fiel de receber o ensinamento sagrado, corresponde nos Bispos "o dever grave e urgente de anunciar infatigavelmente a Palavra de Deus, para que o povo cresça na fé e na inteligência da Mensagem cristã". (A.A.S.. p. 100). 
   Semelhante ofício do múnus episcopal é, hoje, mais imperioso, porque lavra no seio da Igreja uma crise generalizada e sem precedentes, como atesta o Papa, porque, conduzida por membros da Igreja, abala profundamente a consciência dos fiéis, pois os confunde no que eles têm de mais essencial na Religião. 
   Afirma, com efeito, Paulo VI, no Documento que estamos a apresentar, que hoje "muitos fiéis se sentem perturbados na sua fé por um acumular-se de ambiguidades, de incertezas e de dúvidas, atingem essa mesma fé no que ela tem de essencial. Estão neste caso os dogmas trinitário e cristológico, o mistério da Eucaristia e da Presença Real, a Igreja como instituição de salvação, o ministério sacerdotal no seio do Povo de Deus, o valor da oração e dos Sacramentos, as exigências morais que dimanam, por exemplo, da indissolubilidade do matrimônio ou do respeito pela vida. Mais: até a própria autoridade divina da Escritura chega a ser posta em dúvida, em nome de uma "desmitização radical" (A.A.S.  p. 99).
   Como vedes, amados filhos, a crise na Igreja não poderia ser mais profunda. Lendo as palavras do Papa, nós nos perguntamos: que ficou de intacto no Cristianismo? pois, se não há certeza sobre o dogma trinitário, mistério fundamental da Revelação cristã, se pairam ambiguidades sobre a Pessoa adorável do Homem-Deus, Jesus Cristo, titubeia-se diante da Santíssima Eucaristia, se não se entende a Igreja com instituição de salvação, se não se sabe a que o Sacerdote entre os fiéis, nem há segurança das obrigações morais, se a oração não tem valor, nem a Sagrada Escritura, que há de Cristianismo, de Revelação cristã? Compreendemos que o Papa se sinta impelido a excitar o zelo dos Bispos, guardiães da Fé, sagrados para serem autênticos Pastores que apascentem com carinho, desvelo e firmeza, as ovelhas do Divino Pastor das almas. 
   Tanto mais, quanto a Exortação do Santo Padre deixa entrever que há uma verdadeira conspiração para demolir a Igreja. É o que se deduz do trecho seguinte ao acima citado, no qual o Pontífice observa que às dúvidas, somam-se o silêncio "sobre certos mistérios fundamentais do Cristianismo" e a "tendência para construir um novo cristianismo a partir de dados psicológicos e sociológicos" no que "vida cristã esteja destituída de elementos religiosos" (A.A.S.  p. 99).
   Há, pois, entre os fiéis, um movimento de ação dupla convergente para a formação de uma nova Igreja, que só pode ser uma nova falsa religião: de um lado, criam-se incertezas sobre os mistérios revelados; de outro, estrutura-se uma vida cristã ao sabor do espírito do século". 

domingo, 14 de dezembro de 2014

Profunda crise da fé no seio da Igreja (Continuação)

Ocasião e causa da atual crise religiosa

   Como foi possível chegar-se a esse estado de coisas? 
   Paulo VI faz, a este propósito, duas considerações. A primeira, sobre a finalidade especial que o Papa João XXIII propôs ao II Concílio Vaticano, como aparece claramente na Alocução com que ele abriu a primeira Sessão do grande Sínodo: "Impõe-se que, correspondendo ao vivo anseio daqueles que se acham em atitude de sincera adesão a tudo o que é cristão, católico e apostólico, esta doutrina [cristã] seja mais ampla e profundamente conhecida e que as almas sejam por ela impregnadas e transformadas. É necessário que esta doutrina certa e imutável e que tem de ser repeitada fielmente, seja aprofundada e apresentada de maneira a satisfazer as exigências de nossa época". E explicando melhor o seu pensamento, prossegue o Papa Roncalli: "Uma coisa é, efetivamente, o depósito da Fé em si mesmo, quer dizer, o conjunto das verdades contidas na nossa venerável doutrina, outra coisa é o modo como tais verdades são enunciadas, conservando sempre o mesmo sentido e o mesmo alcance" (p. 101).
   Deveria, o Concílio, e, em consequência, o Magistério Eclesiástico, com o concurso dos teólogos, procurar aliar duas coisas: transmitir, sem engano ou diminuição, a doutrina revelada; e fazer um esforço por apresentá-la de modo a ser recebida, íntegra e pura pelos homens de nosso tempo. Entende-se pelos homens de espírito reto, "aqueles que se acham em atitude de sincera adesão a tudo o que é cristão, católico e apostólico" como diz João XXIII. Portanto pelos homens realmente desejosos de chegar à verdade; pois, aos que preferem as máximas deste mundo, e, por isso, rejeitam a cruz de Cristo, aplicam-se as palavras de São Paulo: é impossível uma união entre a luz e as trevas, entre a justiça e a iniquidade, entre Cristo e Belial (cf. 2 Cor. 6, 14 s.). 
   Eis em que consistia o "aggiornamento" do Papa Roncalli, na sua melhor interpretação: uma adaptação, na maneira de expor a doutrina católica, de sorte que possa atrair o homem moderno de espírito reto. 
   Tal empenho, nota Paulo VI, e é a sua segunda observação, não é fácil. Diz ele: "O magistério episcopal estava relativamente facilitado, numa época em que a Igreja vivia em estreita simbiose com a sociedade do seu tempo, inspirava a sua cultura e adotava os seus modos de exprimir-se; hoje, ao invés, é-nos exigido um esforço sério para que a doutrina da Fé conserve a plenitude do seu sentido e do seu alcance, ao expressar-se sob uma forma capaz de atingir o espírito e o coração dos homens aos quais ela se dirige" (pp. 101-102).
   Ou pela dificuldade do empreendimento, ou por uma concessão ao espírito do tempo, o fato é que, na execução do plano traçado pelo Concílio, em largos meios eclesiásticos, o esforço na adaptação foi além da simples expressão mais ajustada à mentalidade contemporânea. Atingiu a própria substância da Revelação. Não se cuida de uma exposição da verdade revelada, em termos em que os homens facilmente a entendam; procura-se, por meio de uma linguagem ambígua e rebuscada, mais propriamente, propor uma nova Igreja, ao sabor do homem formado segundo as máximas do mundo de hoje. Com isso, difunde-se, mais ou menos por toda parte, a idéia de que a Igreja deve passar por uma mudança radical, na sua Moral, na sua Liturgia, e mesmo na sua Doutrina. Nos escritos, como no procedimento, aparecidos em meios católicos após o Concílio, inculca-se a tese de que a Igreja tradicional, como existira até o Vaticano II, já não está à altura dos tempos modernos. De maneira que Ela deve transformar-se totalmente. 
   (...) A Exortação de Paulo VI fala na dificuldade de obter a renovação da roupagem, em que se transmitissem aos homens de hoje os mistérios de Deus. E reconhece que foram as novas expressões para as verdades de Fé que trouxeram a angústia das incertezas, ambiguidades e dúvidas. Como foram os novos termos que facultaram, aos fautores de uma nova Igreja, a difusão de um concepção nova e estranha da Religião cristã.
   É de São Pio X a afirmação de que o abandono da escolástica, especialmente do tomismo, foi uma das causas da apostasia dos modernistas (Encíclica "Pascendi"). Após o Concílio Vaticano II, retorna a meios católicos o mesmo erro, a mesma ojeriza contra a filosofia que Leão XIII apelidou "singular presídio e honra da Igreja" (Encíclica "Aeterni Patris").
   (...) Lembremos que a verdade revelada se comunica ao mundo em linguagem humana. Tal linguagem, embora inadequada, não é mero simbolismo; ela deve dizer, objetivamente, o que é o mistério de Deus, ainda que o não manifeste na sua riqueza inesgotável. Eis a razão por que as fórmulas dogmáticas não podem evoluir mudando de significado. A fé, uma vez transmitida, diz São Judas Tadeu, o é "uma vez por todas" (vers. 3). Ela é imutável e invariável. Não padece adições, subtrações, ou alterações. Pode esclarecer-se, não pode transformar-se. É como um ser vivo que se desenvolve e aperfeiçoa, porém, na mesma natureza, que faz com que o indivíduo seja sempre o mesmo". 
   

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

LEITURA ESPIRITUAL - Dia 10 do mês

Da caridade

   Para proveito de algum necessitado, se pode, e alguma vez, se deve interromper a boa obra e assim trocá-la por outra melhor. Desta sorte não se deixa de obrar bem, antes, se muda em melhor.
    A obra exterior sem caridade de nada aproveita, mas tudo o que se faz com caridade, por pouco e desprezível que seja produz abundantes frutos, porque Deus, Nosso Senhor, olha mais o afeto ou intenção com que obramos que para a obra em si. 
    Quem ama a Deus tem também caridade para com o próximo. Deus é caridade e nos leva a praticar a caridade. E muito faz quem muito ama. 
    Não havendo, porém, o verdadeiro amor a Deus, muitas vezes parece caridade o que é, na verdade, amor próprio; porque a propensão de nossa natureza, a própria vontade, a esperança de recompensa, o gosto da comodidade, raras vezes nos deixam.
    Quem, porém, tem verdadeira e perfeita caridade em nenhuma coisa se busca a si mesmo, mas deseja que em todas Deus seja glorificado. Deseja sobre todas as coisas ter alegria e felicidade em Deus.
     Para chegarmos ao verdadeiro amor de Deus e à verdadeira caridade para com o próximo devemos trabalhar sempre no sentido de vencer o nosso amor próprio que tende sempre a passar dos limites. Assim, quase todas as ações dos homens nascem dum princípio viciado, daquela tríplice concupiscência de que fala São João na sua 1ª Epístola, II, 16. Aliás, este Apóstolo predileto do Divino Mestre tem palavras belíssimas sobre a caridade e, com justiça, é chamado o Apóstolo da caridade. "Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque a caridade vem de Deus. Todo aquele que ama, nasceu de Deus e conhece a Deus. quem não ama, não conhece a Deus, porque Deus é caridade. Nisto se manifestou a caridade de Deus para conosco, em que Deus enviou o seu Filho unigênito ao mundo, para que por Ele tenhamos a vida. A caridade consiste nisto: em não termos sido nós os que amamos a Deus primeiro, mas em que Ele foi o primeiro que nos amou e enviou o seu Filho, como vítima de propiciação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou assim, devemos nós também amar-nos uns aos outros... Temos de Deus este mandamento: que aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão". 
    Caríssimos, como dizia acima, devemos combater o demasiado amor próprio porque ele corrompe de ordinário as mesmas obras que parecem as mais puras. Quantos trabalhos, quantas esmolas, quantas penitências, em que os homens põem grande confiança, serão talvez estéreis para o céu! Deus não se dá senão àqueles que o amam: Ele é o prêmio da caridade, daquele amor inefável, sem limites e sem medida. o qual, enquanto tudo o mais passa, permanece eternamente, como diz São Paulo.
    Admoestar e corrigir os que erram é uma obra de caridade; mas se alguém, admoestado uma ou duas vezes, se não emendar, não porfies como ele; mas encomenda tudo a Deus. 
     Estuda e aprende a sofrer com paciência quaisquer defeitos e fraquezas alheias, pois que tu tens muito que te sofram os outros. Infelizmente, muitas vezes, ofendemo-nos com facilidade dos defeitos alheios e não trabalhamos por emendar os nossos. Ninguém há sem defeito, ninguém é suficiente nem completamente sábio para si: mas convém que uns aos outros nos soframos, nos consolemos e reciprocamente nos ajudemos com instruções e advertências.
      Volta os olhos para ti mesmo e vê se teus irmãos não têm nada que sofrer de ti! A verdadeira piedade tudo sofre com paciência porque ela nos faz ver o que somos. O que se sente fraco e deplora sua fraqueza, não se ofende facilmente das fraquezas dos outros. Sabe muito bem que todos nós temos necessidade de conforto, de indulgência e de misericórdia: desculpa, compadece-se, perdoa, e conserva assim a paz interior e dá mostras exteriores de verdadeira caridade.
      Ó amor divino, único que fazeis os santos, Amor que sois Deus, penetrai, possuí, transformai  em Vós todas as potências de minha alma, sede a minha vida, a minha única vida, agora e sempre nos séculos dos séculos Assim seja!
      Os elogios que São Paulo faz da caridade serão o ramalhete espiritual de hoje: "A caridade é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa, não é temerária; não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre" (1 Cor. XIII, 4-7). 

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

DEVEMOS ESPERAR IR PARA O CÉU

   Caríssima Dona Dulcina e seus filhos, meus pêsames pelo falecimento do meu grande amigo o Sr. João Luiz Bento!
   Lá no céu, todos nos convidam para o paraíso; nosso anjo da guarda impele-nos com todo o seu poder recebido de Deus para nos conduzir à Pátria do repouso eterno; Nosso Senhor Jesus Cristo, do alto do céu, contempla-nos amorosamente, e convida-nos com doçura para o trono da glória que nos prepara na abundância de sua  bondade; a Santíssima Virgem chama-nos aí maternalmente; os santos, com um milhão de almas santas, exorta-nos a isso afetuosamente e certificam-nos que o caminho da virtude não é tão penoso como o mundo o pinta. Não aceitareis os favores que vos oferece o céu? Não auxiliareis vós esses atrativos e inspirações que sentis?
   Caríssimos e amados leitores, especialmente a esposa e os filhos do falecido, tende confiança em todas as vossas provas; não esqueçais que, como disse Jesus, convém que o grão morra no seio da terra, para  que floresça a sua superfície sobre uma haste rejuvenescida e renovada. Ainda mais alguns dias de dor paciente e resignada e esta mortalidade que se transforma, revestirá a imortalidade, e esta corrupção que acabou e se precipita transforma-se-á em uma luz incorruptível: reunidos com os santos no lugar de alívio e paz, donde são banidos a dor e os gemidos, direis com eles: Não; os sofrimentos deste tempo tão curto não são dignos da glória que nos revelaram; não, este momento fugitivo, esta pequena tribulação, que nos foi medida, não vale este peso eterno, esta imensa medida de felicidade, que é o seu fruto e recompensa.
   "Oh! como deveríamos muitas vezes dirigir os nosso espírito para a Jerusalém celeste, essa gloriosa cidade de Deus, onde ouviríamos retinir de toda a parte os louvores pelas vozes duma variedade infinita de santos; e perguntando-lhes como aí chegaram, saberíamos que os Apóstolos chegaram lá, principalmente pelo amor, os mártires pela constância, e os doutores pela meditação, os confessores pela mortificação, as virgens pela pureza do corpo e coração e todos geralmente pela humildade". (S. Francisco de Sales).
   Nós faremos bastante, para chegarmos ao Céu, não nós, mas a graça de Deus conosco. Quanto maior e mais forte for em nós o desejo, tanto mais prazer e contentamento nos trará  a sua posse e gozo.
   Numa carta a Santa Joana Francisca F. de Chantal, São Francisco de Sales dizia-lhe: "Viva Deus! Tenho firme  confiança no íntimo do coração, que viveremos eternamente com Deus e nos reuniremos um dia no céu; é preciso coragem; iremos bem depressa para lá".  São Vicente de Paulo, conta que, à hora da morte de Santa Joana F. F. de Chantal, ele viu debaixo da forma dum globo de fogo, a alma da santa desligar-se do corpo e ao passo que subiu ao céu, viu vir ao seu encontro igualmente sob a forma de um globo de fogo maior a alma de São Francisco de Sales, morto havia muitos anos. Estes dois globos inflamados reuniram-se e entraram no seio da Glória Eterna de Deus. 
   Caríssimos e amados leitores,  vede com que fidelidade o Santo Bispo cumpriu a promessa que tinha feito a Santa Chantal de a vir buscar para levá-la ao céu. Esta consolação mútua de se reverem na felicidade celeste, é concedida a todos os que se amaram com afeto cristão. Sim, vós tornareis a encontrar na glória um pai, uma mãe, filhos queridos, irmãos e irmãs, esposo ou esposa,   todos os que na terra trabalharam na vossa salvação ou vos devem a sua bem-aventurança! Que inefável encontro nas alegrias eternas, em um amor sempre novo, em uma sociedade de anjos e santos! Nesta corte incomparável que encantadora felicidade não nos separarmos dos que amamos! Tornar a ver as feições dos que estimamos traz agradável surpresa; mas tornar a vê-los no céu com encantos imorredouros, para nunca mais deixar os que amamos, que felicidade indizível!
   Caríssima Dona Dulcina   e seus extremosos e queridíssimos filhos, consolai-vos mutuamente com estas palavras. Temos o consolo de fazer pelo Sr. João Luiz mais do que fizemos quando vivo: fazermos orações e outras boas obras pela sua alma, alma tão bondosa, tão simples e tão humilde. Comecei no dia mesmo de sua morte, a celebrar a série gregoriana de 30 missas pela alma deste meu inesquecível amigo. 

sábado, 6 de dezembro de 2014

São Pio X: "O Sillon deixou de ser católico e ele apresenta uma idéia desfigurada do Divino Redentor".

   "E agora, penetrado da mais viva tristeza, perguntamo-nos, Veneráveis Irmãos, aonde foi parar o catolicismo do Sillon. Ah! Ele, que dava outrora tão belas esperanças, esta torrente límpida e impetuosa foi captada em sua marcha pelos inimigos modernos da Igreja, e agora já não é mais do que um miserável afluente do grande movimento de apostasia organizada, em todos os países, para o estabelecimento de uma Igreja universal que não terá nem dogmas, nem hierarquia, nem regra para o espírito, nem freio para as paixões, e que sob pretexto de liberdade e de dignidade humana, restauraria no mundo, se pudesse triunfar, o reino legal da fraude e da violência, e a opressão dos fracos, daqueles que sofrem e que trabalham. Conhecemos demasiadamente bem os sombrios laboratórios, em que se elaboram estas doutrinas deletérias, que não deveriam seduzir espíritos clarividentes. Os chefes do Sillon não souberam evitá-las: a exaltação de seus sentimentos, a cega bondade de seu coração, seu misticismo os impeliram para um novo Evangelho, no qual julgaram ver o verdadeiro Evangelho do Salvador, a tal ponto que ousam tratar Nosso Senhor Jesus Cristo com uma familiaridade soberanamente desrespeitosa, e que, sendo o seu ideal aparentado com o da Revolução, não temem fazer entre o Evangelho e a Revolução aproximações blasfematórias, que não têm a escusa de haverem escapado a alguma improvisação tumultuosa.
O "Sillon" dá uma idéia desfigurada do Divino Redentor.
           "Queremos chamar vossa atenção, Veneráveis Irmãos, sobre esta deformação do Evangelho e do caráter sagrado de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e Homem, praticada no Sillon e algures. Desde que se aborda a questão social, está na moda, em certos meios, afastar primeiro a divindade de Jesus Cristo, e depois só falar da sua soberana mansidão, de sua compaixão por todas as misérias humanas, de suas instantes exortações ao amor do próximo e fraternidade. Na verdade, Jesus nos amou com um amor imenso, infinito, e veio à terra sofrer e morrer, a fim de que, reunidos em redor d'Ele na justiça e no amor, animados dos mesmos sentimentos de mútua caridade, todos os homens vivam na paz e na felicidade. Mas para a realização desta felicidade temporal e eterna Ele impôs, com autoridade soberana, a condição de se fazer parte de seu rebanho, de se aceitar sua doutrina,de se praticar a virtude e de se deixar ensinar e guiar por Pedro e seus sucessores. Ademais se Jesus foi bom para os transviados e os pecadores, não respeitou suas convicções errôneas, por sinceras que parecessem; amou-os a todos para os instruir, converter e salvar. Se chamou junto de si, para os consolar, os aflitos e os sofredores, não foi para lhes pregar o anseio de uma igualdade quimérica. Se levantou os humildes, não foi para lhes inspirar o sentimento de uma dignidade independente e rebelde à obediência. Se seu coração transbordava de mansidão pelas almas de boa vontade, soube igualmente armar-se de uma santa indignação contra os profanadores da casa de Deus, contra os miseráveis que escandalizam os pequenos, contra as autoridades que acabrunham o povo sob a carga de pesados fardos, sem aliviá-la sequer com o dedo. Foi tão forte quão doce; repreendeu, ameaçou, castigou, sabendo  e nos ensinando que, muitas vezes, o temor é o começo da sabedoria, e que, às vezes, convém cortar um membro para salvar o corpo. Enfim, não anunciou para o sociedade futura o reinado de uma felicidade ideal, de onde o sofrimento fosse banido; mas, por lições e exemplos, traçou o caminho da felicidade possível na terra e da felicidade perfeita no céu: a estrada real da cruz. Estes são ensinamentos que seria errado aplicar somente à vida individual em vista da salvação eterna; são ensinamentos eminentemente sociais, e nos mostram em Nosso Senhor Jesus Cristo outra coisa que não um humanitarismo sem consistência e sem autoridade."
CONCLUSÃO: ..."a Igreja, que jamais traiu a felicidade do povo em alianças comprometedoras, não precisa livrar-se do passado, bastando-lhe retomar, com o auxílio de verdadeiros operários da restauração social, os organismos quebrados pela Revolução, adaptando-os, com o mesmo espírito cristão que os inspirou, ao novo ambiente criado pela evolução material da sociedade contemporânia; porque os verdadeiros amigos do povo não são revolucionários, nem inovadores, mas tradicionalistas".

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

AMIZADE

   Quão grande motivo de alegria para nós padres o meditar nestas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Não vos chamarei servos, mas amigos"!
   "O discípulo que Jesus amava". É assim que o Evangelho fala de São João Evangelista. Era o amado por excelência porque o Mestre sabia que na hora das dores e nos vexames do Calvário, seria o único a tudo arriscar - a honra,  a vida; o sofrer opróbrios por amor dEle. Todos os discípulos fugiram, só ele ficou. Amizade não é palavra vã, mas uma alma em dois corpos como escreve Santo Agostinho - comunhão portanto de ideais, de alegrias, de sofrimentos, identificação completa. Por isso mesmo como é rara a verdadeira amizade!
   Jesus Cristo , não só enquanto Deus, mas enquanto homem, tem direito ao Amor das suas criaturas e mostra-se grandemente sensível às manifestações de dedicação ou perante a ingratidão; chora na morte do amigo Lázaro, chora ainda a ruína da infiel Jerusalém. Deus é Amor.
   Queres saber em que altura o amas e a intensidade do teu amor?
   Observa, se os seus interesses são os teus interesses, a sua glória, a tua glória, a salvação das almas, teu alimento; o progresso do seu Reino, o teu maior anseio. Amas a Igreja que é o Corpo de Cristo? Não vibras de indignação; quando a perseguem e caluniam? Alegras-te, com os seus triunfos e choras quando ela chora, sobre o cadáver dos seus filhos, mortos pelo pecado; gemes na apostasia dos fracos e na traição dos falsos irmãos? A boca fala da abundância do coração e pensa-se com facilidade, em quem se ama. Vê, se tens o coração tão cheio de amor que amas o teu Deus sem pensar que amas e pensas continuamente nele sem pensar que pensas; de tal modo estás identificado ao teu Senhor e Pai e Amigo!
   Vê ainda, se as tuas obras, dão flores e frutos, dignos de Jesus Cristo que disse, ser Ele a Videira, e nós os seus ramos - toda árvore boa dá bons frutos e é pelos frutos que conhecemos a árvore. Se formos de Deus nosso odor é Deus, saberemos a Deus, anunciaremos a Deus. Depois da  graça divina, nada tão precioso neste mundo, como a sã amizade, aliás ela é um prolongamento do mesmo Deus. Os santos, porque mais perto d'Ele, que os outros homens, são mais do que ninguém, sensíveis à amizade e ingratidão.
    No meio das cruzes da sua vida o Santo Cura d'Ars exclamava: "Do que tenho falta é dum pouco de amizade" Nós sabemos que seus colegas por inveja o perseguiam. Santa Teresa d'Ávila, não resistiu à pena causada pela ingratidão da superiora dum dos seus conventos, que educara e formara desde pequena, com desvelo de mãe carinhosa.
   Nenhum santo, atingiu os cumes da perfeição, sem ter passado pela prova da ingratidão, da traição e do abandono dos amigos.
   Jesus Cristo, nosso divino modelo,deu-nos o exemplo , permitindo a traição de Judas, suportando a sua presença nauseabunda durante três anos, convivendo com ele, o criticador, o ladrão, o cínico, o hipócrita... Ai, amar e não ser amado, ser franco e encontrar reserva, usar de lealdade e encontrar a velhacaria, a hipocrisia; criar alguém no amor para nos enterrar o punhal no coração!... "Quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro" diz o Divino Espírito Santo. Os tesouros, apreciam-se muito, também porque são raros. A amizade nasce entre os bons, progride entre os melhores e consuma-se entre os mais perfeitos, sobretudo os santos. A amizade verdadeira, Deus a quer, e a abençoa e a deseja. Ama-se alguém como Deus quer, quando a nossa dedicação pelo amigo, não nos afasta do Pai Celeste, mas antes concorre para mais nos unirmos a Ele. O  amor ao amigo deve ser um prolongamento do amor de Deus. Dele deve provir e para Ele nos deve encaminhar.
   A verdadeira amizade, dizia Cícero ("De amicis"), é gerada e mantida pela virtude e sem virtude não pode haver amizade. Pois eu sinto que a amizade existe só entre os bons". Este filósofo e escritor latino, sendo pagão, se referia só à virtude natural. Os cristãos devem subir ainda mais e dizer que só há verdadeira amizade onde houver virtude sobrenatural, sobretudo a verdadeiro amor de Deus. Não há como negá-lo: A gente sente necessidade de um coração amigo; Jesus mesmo permitiu que seu Apóstolo predileto repousasse a cabeça sobre Seu coração. . É mister, no entanto, que o nosso amigo seja amigo de Deus ainda mais que nosso.
   Dai-me,  Senhor, a graça de Vos amar como preceituais, sobre todas as coisas, até sacrificar por Vós, todos os interesses, amar até dar a vida. Concedei-me por misericórdia a graça dum bom amigo que me aproxime do vosso amor, da vossa graça, da vida eterna; afastai Senhor, de mim, todos os maus, todas a tentações, todos os enganos, todos os hipócritas. Senhor, que me guardem os Anjos e os Santos!
   Ó Jesus, seja a Vossa Mãe Santíssima  a minha guia e a minha luz. Dai-me, Senhor, a graça de ser sempre bom, ainda que os outros sejam para mim maus; humilde perante os orgulhosos que me maltratam, mas jamais, Senhor, me deixeis ser cobarde na defesa dos direitos santos da vossa Igreja, no zelo da honra do vosso nome; fazei neste caso Senhor, que a minha alma mansa se transforme num leão, cujos rugidos ecoem pelo deserto do mundo, despertando os adormecidos, fortalecendo os fracos, animando e esclarecendo os confusos. Neste caso, Senhor, sofrer perseguição e dar a vida, é ser missionário, é aniquilar-se para que muitos vivam e cumpram plenamente o ensinamento que nos destes: "Não há  maior prova de amor do que dar a vida por quem se ama; se o grão não cair à terra e não morrer não dará fruto".
   Não creio que se possa chegar à plena identificação com Jesus Cristo, sem ter experimentado a traição, a perseguição, a ingratidão dos maus e sobretudo dos bons, ou como diz São Paulo: dos falsos irmãos.
   Terminemos com uma palavra das Sagradas Escrituras: "Aquele que é amigo o é em todo tempo, e nos transes angustiosos conhece-se o irmão". (Provérbios, XVII, 17).