segunda-feira, 31 de agosto de 2020

AVAREZA

 

Acautelemo-nos contra uma paixão, que pôde perverter um Apóstolo, na escola, e à vista de Jesus Cristo, e lança na alma tão densas trevas a ponto de poder levá-la ao desespero mesmo diante da própria Misericórdia.

Toda paixão cega;mas, a avareza ainda mais. Olhemos o triste exemplo de Judas Iscariotes! Quem, melhor do que Judas, devia conhecer o nada das riquezas e a excelência da pobreza voluntária? Tinha mais oportunidade de ver que o dinheiro  nos pode ajudar a ganhar o céu, quando o damos aos pobres. Ele era encarregado exatamente desta missão de caridade. Mas, pelo contrário, só pelo fato de estar lidando com o dinheiro, a ele se apegou. O dinheiro que ele recolhia era justamente para a Igreja poder ajudar aos pobres. Mas ele começou a se apegar, não combateu desde o início o vício da avareza; e ela cresceu tanto que os remédios foram frustrados, embora concedidos por Jesus, Médico das almas.

 Os corações dos avarentos são um terreno coberto de espinhos. Se não riem do pregador abertamente, por dentro não deixam de zombar. Estão sufocados pelos espinhos da avareza.

Judas Iscariotes tinha ouvido os divinos ensinamentos de Jesus Cristo, a respeito do desapego dos bens da terra: "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mt V, 3); tinha ouvido  os anátemas que fulminou contra os ricos: "Ai de vós, ó ricos! porque tendes a vossa consolação [neste mundo]; e também: "Jesus vendo esta tristeza [do moço rico a quem Jesus exigiu que deixasse tudo para O seguir] disse: Quanto é difícil que aqueles que têm riquezas entrem no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo  pelo orifício de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus" (Lc XVIII, 24 e 25). Judas, outrossim, ouviu muitas vezes, as instantes recomendações que Jesus fizera aos seus Apóstolos e a ele mesmo, mandando-os anunciar o seu Evangelho (Cf. Mc VI, 8). Tinha experimentado, assim como os demais Apóstolos, como o Céu abençoa o ministério dos pobres. Quando a sua paixão desatou em murmurações contra Madalena: "Por que se não vendeu este bálsamo  por trezentos dinheiros e se não deu aos pobres? Disse isto, não porque se importasse com os pobres, mas porque era ladrão, e, tendo a bolsa, roubava o que se lançava nela"(Jo XII, 4-6); então Jesus louva a piedosa prodigalidade desta mulher, e profetiza que esta ação a honrará aos olhos de todo o mundo. Jesus ensinava assim que o dinheiro também ajuda a levar para o céu aqueles que o dão à Igreja para o culto de Deus. Mas Judas estava cego.

 O exemplo do Salvador devia convencer o Iscariotes melhor que tudo o mais. Judas acreditava na divindade de Jesus: tantas eram as provas que disso Ele tinha dado! Judas não ignorava que tudo o que Deus despreza, é desprezível, e o que Ele estima, estimável.  Ora, ele tinha diante dos olhos o Senhor dos universo, que não possuía nada, e nada queria possuir. E Judas com todas estas luzes não vê!

Bossuet observa que Jesus Cristo não diz: Cuidado com a avareza; mas sim: "Guardai-vos e acautelai-vos de TODA a avareza, porque a vida de cada um, ainda que esteja na abundância, não depende dos bens que possui" (Lc XII, 15).

O amor do dinheiro endurece o coração e torna-o capaz dos maiores crimes. Apenas Judas se deixou dominar pelo espírito de interesse, tornou-se insensível a tudo: já não tem amor senão ao dinheiro. Os esforços do Salvador para o atemorizar e comover, são inúteis. Se fala da sua morte próxima, e da traição de um dos seus discípulos, todos os outros se entristecem, só Judas fica impassível. Se Judas pensava que Jesus poderia mais uma vez se escapar da morte, e assim ganharia as trinta moedas e continuaria junto do seu Mestre, Jesus desfaz este sofisma satânico, predizendo que era chegada a hora de ser entregue  aos inimigos e vai ser morto,; mas só acorda quando vê que Jesus realmente ficou preso e era conduzido pelos inimigos. Em lugar de pedir perdão a Jesus, que o chamara de amigo no momento mesmo do beijo traidor, não! se desespera e se suicida.

Jesus havia se abatido para lavar os pés dos Apóstolos. Pedro não pode consenti-lo, e exclama: "Senhor tu, lavares-me os pés? ( Jo XIII, 6). Mas, Judas mostra-se indiferente e apresenta-lhe os pés. No Jardim das Oliveiras vê milagres: homens armados caindo ao som de uma palavra, e uma ferida curada repentinamente; vê a inefável bondade de seu Mestre que se inclina para receber o seu pérfido ósculo, e que ainda o trata de amigo! Nada o comove. Advertências, repreensões, ameaças, lágrimas, carícias, insinuações ternas e delicadas, Jesus emprega todos os meios para o ganhar; mas em vão; a sua alma materializada resiste a tudo; a sua avareza impele-o ao mais feio, ao mais sacrílego de todos os atentados. "Quanto quereis me dar, e eu vo-lo entregarei? "Deus vítima da avareza! O Criador do mundo posto à venda, pois, há aqui um verdadeiro contrato: Jesus de um lado: eis, se é lícito dizê-lo, a mercadoria proposta; trinta dinheiros, eis o preço; Judas negociante, compradores os príncipes dos sacerdotes; Deus o vendido! A comunhão sacrílega e a desesperação virão completar estes horrores!" (P. Chaignon). Judas se suicida enforcando-se, e, como castigo visível de Deus, parte-se ao meio e suas vísceras se derramam pelo chão. Como não temer esta paixão, como não procurar dar esmolas aos pobres, como não pedir todos os dias a graça do desprendimento dos bens desta terra?!

E há ainda algo a mais neste vício que o torna ainda mais temível. É que a idade enfraquece as outras paixões, mas esta a idade fortalece. O avarento quer viver muito para continuar procurando ter sempre mais. Quanto mais vive, mas quer juntar dinheiro. E quanto mais junta dinheiro, mais quer viver. No fundo sabe, que o ladrão da morte, roubar-lhe-á tudo. Procura não pensar nisso. Mas a graça de Deus por vezes o acorda. Mas ele abafa esta voz, abafa a consciência e procura abafar até a própria realidade.

Terminemos com a oração inspirada pelo Espírito Santo: "Inclina, Senhor, o meu coração para os teus preceitos, e não para a avareza" (Salmo 118, 36). Amém!

domingo, 30 de agosto de 2020

JESUS E A POBREZA

SENTENÇA: "Jesus Cristo, sendo rico, se fez pobre por vós, a fim de que vós fôsseis ricos pela sua pobreza" (II Cor VIII, 9).

REFLEXÕES: Jesus Cristo é o Filho Eterno do Pai Eterno. É o Verbo de Deus. "Todas as coisas foram feitas por Ele" (Jo I, 2). Quem mais rico do que o Criador do Céu e da Terra? Não ganhou, mas CRIOU todas as riquezas, todo ouro e toda pedra preciosa. No entanto, quem mais pobre do que Jesus? E pobre por escolha: sendo o mais rico, QUIS ser o mais pobre: nasceu pobre, viveu mais pobre, morreu paupérrimo, e foi sepultado num túmulo emprestado.

Mas, por que assim quis? Para nos dar a verdadeira riqueza que está no Céu, que é Deus, o Sumo Bem. Não procuremos os bens, mas o Bem, a fonte de todos os bens. Mas, hoje muitos pregam a Jesus, mas não o Jesus pobre, não o Jesus que disse: "Não podeis seguir a Deus e as riquezas", não o Jesus que é sempre o mesmo, mas um Jesus que deve ser adaptado aos tempos modernos onde o dinheiro seria a única solução, inclusive para a Igreja.

O Jesus verdadeiro não tinha dinheiro: teve que fazer um milagre para que Pedro recebesse da boca de um peixinho a moeda para pagar o tributo do seu Templo, da Casa de Seu Pai Eterno. O Jesus dos Evangelhos não espoliou suas ovelhas; deu sim sua vida por elas. Foi tratado por aqueles que veio resgatar, como um homem que não tinha direitos. Veio para servir e não para ser servido. Desceu do Seio do Pai Eterno, dos esplendores do Céu para buscar a ovelhinha tresmalhada da Humanidade pecadora. Atraiu-nos, não pela pompa, mas pela doçura, mansidão e humildade. "Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para as vossas almas" (Mt XI, 29).

EXEMPLO: Depois do século X, "século de ferro", a humanidade estava em disputas pelo dinheiro e pelas honras. Muitas pessoas da Igreja também envolvidas pelas paixões da cobiça e da avareza. O crucifixo da capela de S. Damião em Assis, na Itália, milagrosamente falou a um jovem rico que abandonara tudo para seguir a Jesus pobre: "Vai, Francisco, ressoou a voz, restaura a minha Igreja que ameaça ruína!". E Francisco de Assis fê-lo fundando a Ordem dos Frades Menores e, com Santa Clara de Assis,  a Ordem feminina. E o fundamento da Regra de sua Ordem era a POBREZA EVANGÉLICA. Eis apenas uma demonstração de seu amor pela pobreza: S. Francisco havia saído. Os seus frades, para a refeição cobriram com uma bela toalha a mesa do refeitório e nela puseram copos em vez das costumeiras tigelas de barro. Chegou Francisco, e vendo todos aqueles preparativos, tornou a sair para fora, sem ser visto; pôs um velho chapéu ali deixado em terra por um mendigo, e, tomando um bastão, voltou a bater à porta, dizendo: "Pelo amor do Senhor Jesus dai esmola a este pobre peregrino!". O frade porteiro o recebeu. Os frades já estavam à mesa. Chegando no refeitório, todos o reconheceram, mas nenhum se deu por achado. O pretenso mendigo sentou-se no chão e pôs-se a comer a sopa e um pedaço de pão seco. Ninguém abriu a boca, mas nenhum conseguiu engolir um bocado: como podiam eles estar sentados em volta de uma mesa "elegantemente" posta, enquanto o mestre Francisco, como uma borralheira, lá estava a um cantinho, com a tigela nos joelhos? Os frades não se puderam conter: alguns puseram-se a chorar, e todos se levantaram e foram pedir perdão ao seu pai espiritual. Amém!

  

sábado, 29 de agosto de 2020

DEUS É PAI

 

SENTENÇA: "Creio em Deus Pai" (Credo). "Pai Nosso que estais no Céu" (Mt VI, 9).

REFLEXÕES: O  3º Catecismo  apresenta as razões pelas quais se dá a Deus o nome de Pai: 1º porque é Pai, por natureza, da segunda Pessoa da Santíssima Trindade, isto é, do Filho por Ele gerado; 2º porque Deus é Pai de todos os homens, que Ele criou, conserva e governa; 3º porque é Pai, pela graça, de todos os cristãos, os quais por isso se chamam filhos adotivos de Deus.

O  Catecismo mostra porque Jesus ensinou-nos a dizer Pai nosso e não Pai meu: "porque todos somos seus filhos, e portanto, devemos considerar-nos e amar-nos todos como irmãos, e orar uns pelos outros".

O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica nº 46 diz: "Jesus Cristo nos revela que Deus é "Pai", não somente porque é Criador do universo e do homem, mas sobretudo porque gera eternamente em seu seio o Filho, que é o seu Verbo, "resplendor da glória do Pai, expressão de seu ser" (Hb I, 3). E no nº 583: "Podemos invocar o "Pai" porque o Filho de Deus feito homem no-lo revelou e o seu Espírito no-lo fez conhecer. A invocação do Pai nos faz entrar no seu mistério com uma admiração sempre nova e suscita em nós o desejo de um comportamento filial. Com a oração do Senhor, estamos, portanto, conscientes de ser filhos do Pai no Filho".

Sabemos que Deus é Majestade infinita, é o Senhor Supremo, mas o próprio Jesus quis nos dirigíssemos a Ele invocando-O como pai. Os autores espirituais dizem que esta consideração da Paternidade de Deus é importantíssima na ascese espiritual. O P. Faber diz: "Não há verdade mais certa do que esta: Deus é nosso Pai, e o que há de mais terno e de mais suave em toda a paternidade da terra não é senão uma ínfima sombra da doçura sem limites e da afeição de sua paternidade no céu. A beleza e a consolação de tal ideia excedem quaisquer palavras".

Santa Teresa diz: "Se digo: "Pai nosso", pede o amor que compreenda quem é esse nosso Pai e qual o Mestre que nos ensinou esta oração... Já não seria excessivo, Senhor, no fim da oração conceder-nos a graça de chamar-vos nosso Pai? Mas vós nos encheis as mãos e fazeis logo no começo tão grande favor... Pelo fato de n'Ele existir a perfeição de todos os bens, forçosamente é melhor que todos os pais do mundo".

EXEMPLO: Sóror Genoveva da S. Face (Celina) conta o seguinte  de sua irmã Sóror Teresa do Menino Jesus: Um dia, entrei na cela da nossa querida Irmãzinha e fiquei impressionada com a sua expressão de grande recolhimento. Cosia ela ativamente e contudo parecia perdida numa profunda contemplação. Perguntei-lhe em que pensava. E ela respondeu-me: "Medito no Pai-Nosso; é tão doce chamar ao bom Deus nosso Pai!..." E as lágrimas brilharam-lhe nos olhos.

SANTA TERESINHA, ENSINAI-ME A AMAR O MEU PAI DO CÉU! Amém!

 

 

IMITAR A JESUS

SENTENÇA: "Sede perfeitos como vosso Pai do Céu é perfeito" (Mt V, 48). REFLEXÕES: Como poderemos ser perfeitos e santos como Deus é santo e perfeito? Através de Jesus Cristo que é a imagem perfeita, o Verbo (=Palavra) Eterno do Pai. Jesus é o Filho de Deus Vivo que veio a este mundo para nos salvar e santificar. Jesus disse: "Eu vos dei o exemplo, para assim como eu fiz, façais vós". Jesus é a causa e o modelo de nossa santidade. Todos os santos só chegaram à perfeição seguindo a doutrina e imitando as virtudes de Jesus. Ele é o caminho do Céu, é a Verdade, e é a Vida Eterna. Sem Ele nada podemos. Jesus é o primogênito dos escolhidos e a sua Cabeça. Só nos reconhecerá por seus membros e seus irmãos se formos animados do seu espírito: de pobreza, de humildade, de pureza. Assim como a avareza, o orgulho e a luxúria constituem o estandarte do demônio para perder as almas, assim o desprendimento dos bens materiais, a humildade e a pureza de corpo e alma, constituem o estandarte de Jesus. Daí, é impossível ser perfeito como Deus, sem seguir esta bandeira de Jesus. Todos os santos praticaram todas as virtudes. mas estas três resumem todas as outras. Os santos que eram ricos não tiveram o mínimo apego ao dinheiro, aos bens materiais. Empregaram suas riquezas para ajudar os pobres e obras pias da Igreja. Há os santos que conservaram a inocência e há os convertidos: estes deixaram o pecado e purificaram-se pela penitência. Todos, inocentes e convertidos, renunciaram a si mesmos e carregaram a sua cruz. Tudo com a graça que Jesus nos adquiriu em abundância. "Onde abundou o pecado, superabundou a graça". Toda proposta de santidade fora de Jesus, é falsa e efêmera, mesmo que brilhe diante dos homens, por algum tempo. Os ministros de Jesus na Igreja, devem fazer como João Batista: "Que Jesus cresça e que eu diminua". Para ser o "Anjo", o mensageiro do Senhor (como o Batista) é preciso ser desprendido de todo bem terrestre, do comodismo, ser mortificado, penitente, puro. EXEMPLO: Francisco de Assis rezava na capela rústica de S. Damião diante de um crucifixo bizantino. Pois, desde o momento em que começara a crucificar o seu "Eu", o objeto favorito dos seus pensamentos, era Jesus Crucificado. Certo dia, eis que do crucifixo parte uma voz: "Vai, Francisco, restaura a minha casa, que, está em ruínas". --- "Senhor, de bom grado farei como desejas", respondeu Francisco. E, julgando tratar-se da restauração daquela capelinha, pôs mãos à obra. Mas, depois compreendeu que se tratava de restaurar toda a Igreja, que estava sendo arruinada pela avareza, orgulho, e impureza. Fundou a Ordem dos Frades Menores, e o seu lema era seguir à risca o Evangelho, os exemplos do Divino Mestre, especialmente na pobreza, humildade e mortificação da carne. SÃO FRANCISCO DE ASSIS, ROGAI POR NÓS! Amém!

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

OBSERVAÇÕES SOBRE O DOM DA PROFECIA

 Demos a palavra ao P. Prat, S. J., em seu excelente livro La Théologie de Saint Paul, 1ª parte, pags. 154-157:

No Antigo como no Novo Testamento o profeta é aquele que fala em nome de Deus.

É o sentido etimológico (pro fari = falar diante de alguém, em seu lugar) que é sempre mantido no uso profano assim como na Bíblia. O profeta, nos templos pagãos, era propriamente aquele que explicava os oráculos ou que servia de órgão ao deus. Por extensão significava também "intérprete"... Por ser órgão de Deus, é preciso que o profeta seja iniciado nos segredos de Deus, que seja inspirado; assim "profeta" tem por sinônimo "vidente" e ele é reputado como conhecedor dos mistérios e mesmo do futuro.

Mas, enquanto os profetas do Antigo Testamento exerciam uma função pública e um ministério permanente, os do Novo são antes  por título privado e transitório. São pregadores inspirados; mas não é essencial que sejam portadores de uma revelação propriamente dita. Seu papel específico é: "edificar, exortar e consolar" (I Cor XIV, 3). Se lêem no fundo dos corações e levantam o véu do futuro, é em virtude de uma prerrogativa agregada à sua missão oficial. Na hierarquia dos carismas, os profetas vêm  sempre imediatamente após os apóstolos, donde se vê que o dom espiritual de que eram favorecidos os tornava aptos a dirigir as comunidades nascentes e os destinava às funções do ministério ordinário.

Esta a razão porque Paulo aconselha que se deseje a profecia antes que os outros carismas, em particular, antes que o dom das línguas  (I Cor XIV, 1). Ele tem sobre este a dupla vantagem de ser compreendido pelos ouvintes e de ser útil mesmo aos infiéis. Todo mundo compreende o profeta e pode tirar proveito de suas instruções. Só Deus compreende o que ora em línguas, a menos que um intérprete venha em sua ajuda (I Cor XIV, 5). Enquanto que o profeta edifica a Igreja, o que ora em línguas não edifica senão a si mesmo. Quando se sente sob à ação de Deus, tem consciência de O louvar; mas que adianta isto aos assistentes? (I Cor XIV, 3 e 4). Porque, a quem serve uma língua que não se entende? (I Cor XIV, 19). Deus tinha já ameaçado seu povo infiel de lhe fazer ouvir uma língua estrangeira que ele não compreendesse. Há motivo para se gloriar de um "privilégio" prometido à infidelidade? (I Cor XIV, 21 e 22). Que, pelo menos, a oração em línguas convertesse os infiéis! Mas ela é para eles um motivo de derrisão, como aconteceu no dia de Pentecostes.

"Se, pois, toda a Igreja se reunir em assembléia, e todos falarem línguas diversas, e entrarem então catecúmenos ou infiéis, não dirão que estais loucos? Porém, se todos profetizarem, e entrar ali um infiel ou um catecúmeno, por todos é convencido, por todos é julgado;  as coisas ocultas do seu coração tornam-se manifestas e, assim, prostrado com a face por terra, adorará a Deus, declarando que Deus está verdadeiramente entre vós" (I Cor XIV, 23-25). Devemos lembrar que os profetas eram tidos como possuidores do dom de penetrar os corações.

Como o uso do dom de profecia pode ser ele também objeto de abusos, S. Paulo regulamenta-o assim como o dom das línguas. Três avisos são endereçados ao agraciado pelo dom das línguas, e dois ao profeta: Se os agraciados com o dom das línguas são numerosos, que dois somente, no máximo três, tomem a palavra em cada reunião.  Que não falem ao mesmo tempo, e sim, um após o outro; e que um assistente, dotado do carisma da interpretação ou conhecedor da língua falada, explique o que eles dizem. Se não há quem interprete, que o agraciado do dom das línguas, guarde silêncio em público e se entretenha com Deus em voz baixa (I Cor XIV, 27 e 28). As disposições seguintes regulam a prática da profecia: Dois ou três profetas, em cada reunião, exortarão alternativamente o povo; os outros, ou os fiéis dotados do carisma de discernimento dos espíritos, formarão um juízo sobre sua inspiração e sua doutrina.  - Se, enquanto um fala, um outro se sente inspirado, o primeiro, por deferência e por modéstia, ceder-lhe-á a palavra (I Cor XIV, 29-32). O Apóstolo resume seus avisos em uma palavra: "Que tudo seja feito com decência e ordem" (I Cor XIV, 40).

Em seu desejo de fazer alarde dos dons espirituais, os Coríntios perdiam muito de vista que os carismas não outorgavam nem supunham um átomo de mérito naquele que os possuía; e que lhes eram concedidos menos para seu proveito particular do que para o bem geral da Igreja. Olhá-los com complacência é uma puerilidade. O dom das línguas especialmente é um dos menores, porque tem necessidade de ser completado pelo dom da interpretação. O possuidor do dom de línguas não é compreendido pelos outros e, regularmente, nem se compreende a si mesmo: seu espírito (pnéuma) se edifica, mas sua inteligência (noús) fica em jejum. E não é sem ironia que Paulo o compara à um instrumento de música, que executa um som desconhecido do qual ninguém percebe o significado: um e outro agitam o ar e fazem-no vibrar em vão. Não que ele [Paulo] queira menosprezar o dom de Deus, nem impedir que se produza, mas é preciso avaliar os carismas de acordo com sua utilidade. Neste aspecto, depois do dom do apostolado que não é para as comunidades já estabelecidas, a profecia tem o primeiro lugar. No entanto há algo muito superior aos carismas, favores gratuitos que Deus distribui a seu bel grado, e cuja privação não nos suprime nada aos seus olhos: são as virtudes sobrenaturais, porque elas permanecem na alma enquanto nela reside a graça santificante, e acima de tudo as três virtudes teologais, a fé, a esperança e a caridade. Tal é o fim por excelência que Paulo designa à ambição dos perfeitos, e este nome de caridade inspira-lhe uma página duma beleza penetrante e quase lírica. [É o c. XIII de 1ª Cor].

O objeto especial dos diversos carismas permanece obscuro, mas um caráter comum e essencial é sua instabilidade e sua dependência absoluta da beneplácito de Deus. Isto não permite que sejam confundidos, seja com os outros "frutos do Espírito", seja com as funções ordinárias da hierarquia sagrada. Sem dúvida, nas origens, os dignitários eclesiásticos foram geralmente escolhidos entre os possuidores de carismas. O carisma dispunha à função, mas ele não lhe era necessário, a graça de estado que toma ela mesma, às vezes, o nome de carisma, pode substituí-lo. Enfim, se todos os carismas são sobrenaturais, porquanto frutos do Espírito, não parece necessário que eles fossem todos miraculosos e não se vê motivo para que o Apóstolo não tenha podido chamar de carisma uma aptidão natural sobre naturalizada.

DIVINO ESPÍRITO SANTO, ILUMINAI NOSSA INTELIGÊNCIA! Amém!

 

 

 

terça-feira, 25 de agosto de 2020

SANTO AGOSTINHO E SANTA MÔNICA

 SANTOS VOCACIONADOS

 

                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*

 

Nesse mês de agosto, celebramos as diversas vocações na Igreja: sacerdotais, matrimonial, vida consagrada e dos cristãos leigos, especialmente os catequistas. Dois santos admiráveis celebramos nessa semana, que englobam bem essas vocações: Santo Agostinho (dia 28), vocação de leigo consagrado, de religioso e, depois, de grande sacerdote e Bispo, e de sua mãe, Santa Mônica (dia 27), modelo de mãe e santa na sua vocação matrimonial.   

Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste, na Região de Cartago, na África, filho de Patrício, pagão, e Mônica, cristã fervorosa. Segundo narra ele próprio, Agostinho bebeu o amor de Jesus com o leite de sua mãe. Infelizmente, porém, a influência do pai fez com que se retardasse o seu batismo, que só recebeu já adulto. Estudou literatura, filosofia, gramática e retórica, das quais foi professor. Afastou-se dos ensinamentos da mãe e, por causa de más companhias, entregou-se aos vícios. Viveu no pecado durante sua juventude, teve uma amante e um filho, e, pior, caiu na heresia gnóstica dos maniqueus, para quem traduziu livros.

Sua mãe, Santa Mônica, rezava e chorava por ele todos os dias. “Fica tranquila”, disse-lhe certa vez um bispo, “é impossível que pereça um filho de tantas lágrimas!” E foi sua oração e suas lágrimas que conseguiram a volta para Deus desse filho querido transviado.

Agostinho dizia-se um apaixonado pela verdade, que, de tanto buscar, acabou reencontrando na Igreja Católica: “ó beleza, sempre antiga e sempre nova, quão tarde eu te amei!”; “fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansa em Vós!”: são frases comoventes escritas por ele nas suas célebres “Confissões”, onde relata a sua vida de pecador arrependido. Transferiu-se com sua mãe para Milão, na Itália. Dotado de inteligência admirável, a retórica, da qual era professor, o fez se aproximar de Santo Ambrósio, Bispo de Milão, também mestre nessa disciplina. Levado pela mãe a ouvir os célebres sermões do santo bispo e nutrido com a leitura da Sagrada Escritura e da vida dos santos, Agostinho converteu-se realmente, recebeu o Batismo aos 33 anos e dedicou-se, como leigo, a uma vida de estudos e oração. Ordenado sacerdote e bispo, além de pastor dedicado e zeloso, foi intelectual brilhantíssimo, dos maiores gênios já produzidos em dois mil anos da História da Igreja. Escreveu numerosas obras de filosofia, teologia e espiritualidade, que ainda exercem enorme influência. Foi, por isso, proclamado Doutor da Igreja. De Santo Agostinho, disse o Papa Leão XIII: “É um gênio vigoroso que, dominando todas as ciências humanas e divinas, combateu todos os erros de seu tempo”. Sua vida demonstra o poder da graça de Deus que vence o pecado e sempre, como Pai, espera a volta do filho pródigo.

Sua mãe, Santa Mônica, é o exemplo da mulher forte, de oração poderosa, que rezou a vida toda pela conversão do seu filho, o que conseguiu de maneira admirável. E a vida de Santo Agostinho é uma lição para nunca desesperarmos da conversão de ninguém, por mais pecador que seja, e para sempre estarmos sinceramente à procura da verdade e do bem. 

 

        *Bispo da Administração Apostólica Pessoal

                                                                         São João Maria Vianney

                                                                    http://domfernandorifan.blogspot.com.br/


Livre de vírus. www.avg.com.

domingo, 23 de agosto de 2020

OBSERVAÇÕES SOBRE O DOM DOM DAS LÍNGUAS


Não há unanimidade entre teólogos e exegetas na explicação deste carisma.

Uns acham que consistiria numa espécie de oração em língua estranha  com animação de vozes e de gestos.

Renan (França, + 1892), padre apóstata, historiador, filósofo, exegeta racionalista, em seu livro HISTOIRE DES ORIGINES DU CHRISTIANISME, t. II. Les Apôtres, p. 66-72, afirma que os Apóstolos no Pentecostes proferiram sons inarticulados. Diz o exegeta e teólogo Renié: "Uma tal explicação colide com o texto sagrado: 'cada um de nós os ouvimos falar a nossa língua materna' (At II, 8); além do mais ... a possibilidade duma interpretação, claramente proposta por S. Paulo [I Cor XIV, 28] sugere que o apóstolo olhava estes sons como possuindo uma significação".

Outros pensam que seria falar a língua dos ouvintes (língua que ele não conhece naturalmente); ou o de, falando em sua língua materna, ser ouvido pelos assistentes, cada qual em sua própria língua. Tudo isto é inspirado gratuita e milagrosamente ao pregador que fala em nome de Deus, justamente como instrumento para tocar os corações, convertendo os infiéis e edificando e consolando os fiéis.

Santo Tomás assim o explica: "A faculdade de falar pode significar o uso do idioma pelo qual quem ensina se faz entender (= é o dom da variedade das línguas). E a faculdade de falar pode significar também o sentido das palavras proferidas (= é o dom da interpretação das palavras). Falando especificamente do dom das línguas no Pentecostes, diz o Doutor Angélico:"Assim como os povos, que caíram na idolatria, segundo refere a Escritura em Gen. XI, vieram a falar línguas diversas, assim também, quando foram convertidos ao culto de um só Deus, o dom das línguas vem a ser o remédio a essa diversidade" ... "Àquilo da Escritura em Atos II, 6: 'A eles os ouvia falar cada um na própria língua' -diz a Glosa: Porque falaram todas as línguas; ou porque, falando a própria deles, i. é, a hebraica, eram entendidos por todos como se falassem a língua particular de cada um... Contudo era mais conveniente falarem eles as línguas de todos' (S. T. II, II, q. CLXXVI. a.1).

De passagem, queria lembrar o que Deus Pai falou a S. Catarina de Sena  a respeito deste que é talvez o maior teólogo da Igreja: "É o conhecimento infuso, que concedo àqueles que realmente me amam e servem. Foi com essa iluminação que Tomás (de Aquino) adquiriu grande sabedoria" (L. O DIÁLOGO, 18.5.7; pag. 172).

 Há, ainda, os que procuram conciliar as duas opiniões, dizendo que o Espírito Santo concede o dom de a pessoa orar em línguas e também o de pregar em línguas (ambos= dom de línguas). O primeiro seria uma  consequência imediata da recepção abundante do Espírito Santo; o que serviria de preparação para o segundo. Isto teria acontecido no dia de Pentecostes. Os Apóstolos, ao receberem o Espírito Santo, extasiados, começaram a orar em línguas, louvando as maravilhas de Deus. Então, pelo grande ruído do vento, pessoas de todas as nações que estavam em Jerusalém acorreram para junto do Cenáculo; os 12 Apóstolos (já incluindo Matias) saíram e começaram a pregar em línguas a todos aqueles povos. 

Também poderia ser concedido o dom de orar em línguas como encaminhamento para um dom muitíssimo superior, ou seja, a graça habitual, pelo santo Batismo, como aconteceu segundo narram os Atos X, 47 e 48: "Então Pedro disse: Porventura pode alguém recusar a água do batismo àqueles que receberam o Espírito Santo como nós? E mandou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo" (i. é, com o batismo instituído por Jesus).

 O teólogo Tanquerey assim diz: "O dom das línguas, em S. Paulo, é o dom de orar em língua estranha com certo sentimento de exaltação; e segundo os teólogos, é o dom de falar várias línguas".

O certo é que ORAR EM LÍNGUAS só seria um carisma com utilidade comum, se houvesse quem pudesse servir de intérprete aos ouvintes. E este intérprete poderia ser alguém iluminado pelo Espírito Santo através do dom da interpretação das línguas. Inclusive, S. Paulo aconselha a quem tiver recebido o dom de orar em línguas, que também peça a Deus o dom de as interpretar (I Cor XIV, 13).

Conclui-se daí que na oração em línguas, a pessoa fala uma verdadeira língua (embora desconhecida) e  o dom é dado quando o Espírito Santo quer.

 S. Paulo em I Cor XII, 1-3, dá o critério pelo qual se possa reconhecer um carisma autêntico: os atos ou discursos que tendem a diminuir a pessoa ou a missão do Salvador certamente não vêm do Espírito Santo. Se, porém, o cristão sincero diz que Jesus é o Senhor, este está sob a influência do verdadeiro Espírito de Deus. S. Paulo também chama a atenção para que seja tudo feito com decência e ordem (I Cor XIV, 40).

Os teólogos dizem que os poderes extraordinários dos carismas eram indispensáveis aos primeiros pregadores tanto para tornar mais eficaz seu ensinamento, (e assim espalhar rapidamente a Igreja pelo Universo) como para fortificar na fé os primeiros cristãos diante das perseguições. O célebre exegeta D. Delatte diz: "A efusão [dos...] dons carismáticos foi abundante na origem da Igreja, porque a Igreja não tinha história; esta efusão de carismas é menor hoje, porque a história e a ação da Igreja suprem-na com vantagem" (Les Épîtres de Saint Paul, t. I, 2, pag. 353). S. João Crisóstomo (+ 408) em sua 29ª Homilia já confessava que o sentido de muitas destas manifestações carismáticas tinha se perdido. (Cf. Patrologie Grecque de Migne, col. 239 e sgs). Santo Agostinho no Trat. super Joan. diz: "Atualmente (s. V), quando alguém recebe o Espírito Santo, ninguém fala as línguas de todos os povos, porque já a Igreja as fala todas; e quem a ela não pertence não recebe o Espírito Santo".

S. Paulo, ao pôr os pingos nos is, embora não desaprove o dom de línguas, diz claramente que os outros dons são mais excelentes porque todos diretamente concorrem para a conversão e edificação. Por ex. o dom de profecia (que, de alguma maneira, engloba  quase todos os outros) edifica a Igreja. O dom de orar em línguas, porém, só edifica aquele que o tem.

S. Paulo em I Cor XIV, 12 diz: "Assim também vós, já que sois desejosos de dons espirituais, procurai abundar neles para edificação da Igreja".  Penso que os missionários podem pedir ao Espírito Santo o dom de línguas, para que, em qualquer país que fossem enviados pela Igreja, pudessem pregar sem demora e de maneira milagrosa para assim levar mais almas a Jesus!

Quero terminar este artigo transcrevendo alguns tópicos do livro O DIÁLOGO de Santa Catarina de Sena, onde o próprio Deus Pai dá as características de seus filhos adoradores em espírito e verdade. Passando pelo via purgativa e iluminativa, chegam à via unitiva por uma espécie de terceira conversão: "O sinal [para se reconhecer o homem perfeito] é o mesmo que aconteceu aos Apóstolos, após terem recebido o Espírito Santo; saíram do Cenáculo pregando a mensagem do meu Filho (...) Os perfeitos agem como que embriagados e inflamados de caridade (...) É no lado aberto de Cristo que ele toma consciência da grandeza do amor divino (...) O homem perfeito fala comigo pelo desejo santo, o qual constitui uma contínua oração. Em sua "fala" espiritual, apresenta-me amorosos anseios pela salvação dos homens; com o uso da palavra, anuncia a mensagem do meu Filho, dá conselhos, professa a fé sem medo algum de perseguições, testemunha a todos conforme a condição de cada um. Tal pessoa conquista muitas almas na mesa da santa cruz. (...) Ao ter a experiência da minha caridade, desaparece a vontade própria e a pessoa goza de paz e tranquilidade interior. Imensa é a paz adquirida (...) Quaisquer que sejam as condições de vida, tudo faz para me louvar, sempre alegre, na paz, na quietude de espírito... Em tudo só vê a minha vontade.(...) Alegremente permanecem no campo da luta, inebriados no Sangue de Cristo crucificado. (...) Morreram inteiramente para si mesmos. Conservam sempre a graça com toda satisfação do espírito. Suas vontades se encontram num altíssimo grau de união com a minha; nada as consegue separar. Todo lugar é lugar de oração; todo tempo é tempo de oração. Seu modo de viver desprendeu-se da terra, encontra-se no céu (Fl III, 10). (...)

 Deus Pai falando da oração extática no homem perfeito:"Impulsionado por grandes desejos de amar, pratica as virtudes e caminha célere na mensagem de Cristo crucificado; elevando-se espiritualmente, atinge na caminhada da ponte aquela porta que é Jesus; inebria-se no Sangue de Jesus, arde no fogo da caridade, experimenta a minha própria divindade. Neste oceano de paz realiza-se a união. Já não faz nenhuma movimento fora de mim. (...) As faculdades ficaram alienadas devido ao ímpeto do amor... Durante a união extática as faculdades fundem-se, imergem-se, inflamam-se em mim...".

Falando a Catarina de Sena, dos vários tipos de lágrimas, Deus Pai explica as lágrimas de fogo: "Se prestares atenção, verás que o Espírito Santo chora em cada servidor meu que possui o desejo santo e faz orações contínuas e humildes na minha presença. Foi o que pretendia afirmar o glorioso apóstolo Paulo, ao dizer que o Espírito Santo chora em mim "com gemidos inenarráveis (Rm VIII, 26), a vosso favor". (Excertos do Livro "O DIÁLOGO" de Santa Catarina de Sena).

VINDE ESPÍRITO SANTO, ENCHEI OS CORAÇÕES DOS VOSSOS FIÉIS E ACENDEI NELES O FOGO DO VOSSO AMOR! Amém!

 

 


quarta-feira, 19 de agosto de 2020

A PANDEMIA NOS QUESTIONA

A PANDEMIA NOS QUESTIONA

 

                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*

 

Átila, rei nos Hunos, pioneiro das incursões bárbaras que assolaram o Império Romano, invadiu a Europa com tanta mortandade que não era possível contar o número dos mortos, pilhando e devastando cidades, igrejas e mosteiros, e foi intitulado “o flagelo de Deus”, ou seja, o instrumento de Deus para punir os pecados dos homens.  Só parou às portas de Roma, quando foi ao seu encontro o Papa São Leão I, que o persuadiu a desistir de sua invasão da Itália.

Na Ladainha de Todos os Santos, pedimos a Deus que nos livre dos flagelos, da peste (pandemias), da fome e da guerra. Pode ser que, permitindo o flagelo, Deus espere a nossa conversão e reflexão sobre os desregramentos da humanidade.

Deus às vezes pode usar das doenças e calamidades, mesmo sem as querer, mas só permitir, para que delas possamos tirar algum bem. Não foi a doença que fez o centurião romano, pagão, se aproximar de Jesus para pedir a cura para alguém da sua casa? Na parábola do filho pródigo, não foi a desgraça que o fez voltar para o seu pai? Não foi o assalto e o roubo do judeu na parábola que suscitaram a caridade e a boa ação do samaritano?

Assim também, nessa pandemia atual, permitida por Deus, procuremos tirar todo o bem possível, pois é isso que Deus quer de nós. Ocasião para rezarmos mais, para amarmos mais nossa família e os irmãos, para exercermos a paciência especialmente em nossa vida familiar, praticando a caridade com o próximo. Muitas pessoas, com essa quarentena, aprenderam a rezar mais e melhor, especialmente com a família! Apreciamos todo o esforço dos poderes públicos mesmo insuficiente, a abnegação e o trabalho dedicado dos médicos, e profissionais da saúde em geral, dos policiais, bombeiros e sacerdotes.  Que Deus os abençoe e conforte a eles e suas famílias!

As causas dessa pandemia são ainda obscuras. Mas a falta de cuidado, os desvios de verbas públicas e os pecados acontecidos nesse tempo nos questionam. Mas não é hora de atribuirmos culpa a esse ou àquele. Devemos sim rezar por nós e por todos, como nos ensina a Igreja: “O Apóstolo exorta-nos a fazer súplicas e ações de graças pelos reis e por todos aqueles que exercem a autoridade, ‘a fim de que possamos ter uma vida calma e tranquila, com toda a piedade e dignidade’ (1Tm 2,2)” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2240).

 “Peçamos a graça de saber rezar uns pelos outros. São Paulo exortava os cristãos a rezar por todos, mas em primeiro lugar por quem governa (cf. 1Tm 2,1-3). ‘Mas este governante é…’, e os adjetivos são muitos. Não os digo, porque este não é o momento nem o lugar para repetir os adjetivos que se ouvem contra os governantes. Deixemos que Deus os julgue! Nós rezemos pelos governantes. Rezemos… Precisam da nossa oração. É uma tarefa que o Senhor nos confia. Temo-la cumprido? Ou limitamo-nos a falar, a insultar? Quando rezamos, Deus espera que nos lembremos também de quem não pensa como nós...” (Papa Francisco, homilia da Solenidade de São Pedro e São Paulo, 29 de junho de 2020).

 

       

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal

              São João Maria Vianney

http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

  

terça-feira, 18 de agosto de 2020

OS CARISMAS


O P. Prat, S. J., em seu célebre livro "La Théologie de Saint Paul", dá a definição de CARISMA e, em seguida, a explica: "O carisma, diz Prat, pode ser definido: Um dom gratuito. sobrenatural, transitório, conferido tendo em vista a utilidade comum, para edificação do corpo místico de Cristo".

Gratuito: no sentido de que não tem nenhuma conexão necessária com a graça santificante e que, não sendo requerido para a salvação, o Espírito Santo "concede-o a quem quer e quando quer" (I Cor XII, 11). Sobrenatural: porque ele é uma operação especial do Espírito Santo em nós, podendo, no entanto, se enxertar sobre uma aptidão natural, como a graça em geral supõe a natureza que ela transforma e sobre naturaliza. Transitório: porque o Espírito o concede ou retira a seu bel-prazer; ele é transitório em contraposição às virtudes teologais que permanecem, sobretudo à caridade que não acaba; mas ele possui pelo menos uma certa estabilidade, em virtude da qual o homem habitualmente dotado do carisma profético será denominado profeta. Finalmente o carisma é conferido em vista da utilidade geral (comum): assim, claramente o afirma Paulo (I Cor XII, 7 e Ef IV, 27). Em nota de rodapé diz Prat: "No entanto Paulo não conclui daí que os carismas sejam sem proveito para os que os possuem" (Cf. I Cor XIV, 4).  A comparação dos carismas aos membros do corpo humano, cuja função é concorrer para a ação e bem-estar comuns, prova no fundo a mesma coisa. Assim os carismas são avaliados em vista de sua utilidade: quanto mais são proveitosos à comunidade cristã, tanto mais são perfeitos. Outorgados em razão do bem comum antes que em favor dos indivíduos, eles poderão um dia desaparecer, sem com isto privar a Igreja de algum órgão indispensável".

O filósofo Tanquerey dá a seguinte definição das graças gratuitamente dadas (=carismas): "São dons gratuitos, extraordinários (= não comumente dados) e transitórios, conferidos diretamente para bem dos outros, posto que podem indiretamente servir também para santificação pessoal".

A existência de carismas é provada pela Igreja através da Tradição e da Sagrada Escritura. Os teólogos, incluindo Santo Tomás de Aquino, provam não só sua existência, mas também os explicam. No tocante ao dom de línguas, há, porém, divergências nas explicações dadas pelos teólogos.  Já falamos sobre ele, e falaremos ainda no próximo post.

O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica diz na pergunta nº 424: "Além da graça habitual, há: as graças atuais (dons circunstanciais); as graças sacramentais (dons próprios de cada sacramento); as graças especiais ou carismas (que têm como fim o bem comum da Igreja), entre os quais as graças de estado (que acompanham o exercício dos ministérios eclesiais e das responsabilidades da vida).

Quanto à Tradição, dou o testemunho de apenas um Padre Antigo da Igreja, Santo Irineu (135 - 202): "Uns (entre os primeiros cristãos), expulsam os demônios com firmeza e em realidade, de tal modo que muitas vezes os que se viram livres dos espíritos malignos crêem e permanecem na Igreja. Outros têm presciência do futuro, visões, palavras proféticas, outros curam os doentes por imposição das mãos e restituem-lhes a saúde... Impossível calcular o número dos carismas que, no mundo inteiro, a Igreja recebe de Deus, em nome de Jesus Cristo, crucificado sob Pôncio Pilatos. Ela os emprega diariamente para beneficiar os gentios, sem defraudar, nem reclamar dinheiro. Recebeu gratuitamente da parte de Deus (Mt X, 8), distribui grátis" (L. Contra as Heresias, II, 31, 2).

Quanto às Sagradas Escrituras: S. Marcos XVI, 17 e 18: "Eis os milagres que acompanharão os que crerem: Expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão as serpentes, e, se beberem alguma coisa mortífera não lhes fará mal; imporão as mãos sabre os enfermos e serão curados". Atos dos Apóstolos II, 4: "Foram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar várias línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem". Atos VIII, 6: "As multidões prestavam muita atenção ao que Filipe dizia. Todos o escutavam e viam os milagres que ele fazia. Os espíritos maus, gritando, saiam de muitas pessoas, e muitos coxos e paralíticos também eram curados". Atos X, 44-48: "Quando Pedro ainda estava falando, o Espírito Santo desceu sobre todos os que estavam ouvindo a mensagem. Os judeus seguidores de Jesus, que tinham vindo de Jope com Pedro, ficaram admirados porque Deus havia derramado o dom do Espírito Santo sobre os que eram pagãos. Pois eles os ouviam falar em línguas e glorificar a Deus". S. Pedro mandou que fossem batizados. Atos XIX, 6: "Ouvindo isto, foram batizados em nome do Senhor Jesus. E, tendo-lhes Paulo imposto as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo, e falavam (diversas) línguas e profetizavam". Aqui se trata de seguidores de Jesus, mas que só tinham recebido o batismo de penitência de João Batista. Primeira Epistola aos Coríntios XII, 4-11: "Há diferentes tipos de dons espirituais, mas é o mesmo Espírito quem dá esses dons. Os ministérios são diversos, mas um mesmo é o Senhor; e há diversidades de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Para o bem de todos, Deus dá a cada um alguma prova da presença do Espírito Santo. Porque a um pelo Espírito a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência; e a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, o dom das curas; e a outro, o dom de operar milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; e a outro, a interpretação das línguas. Mas todas estas coisas as opera um só e  o mesmo Espírito, repartindo a cada um como quer".

 S. Paulo  neste mesmo capítulo XII, versículos 28 a 30 dá uma lista um pouco maior. Na Epístola aos Romanos XII, 6 a 8; e aos Efésios IV, 11 oferece  duas listas mais breves e que não se coincidem. Vamos considerar apenas os nove carismas enunciados pelo Apóstolo em I Cor XII, 8, 9 e 10.

1º - A PALAVRA DE SABEDORIA: é o dom de expor os mais altos mistérios do Cristianismo. Ajuda a tirar das verdades de fé, conclusões que enriquecem o dogma. Era repartida aos apóstolos.

2º - A PAALAVRA DE CIÊNCIA: dom que nos faz utilizar as ciências humanas para explicar as verdades da fé. Os doutores e os catequistas deviam dela gozar.

3º - A FÉ: não é a virtude teologal da fé, mas se baseia nela. É uma confiança sobrenatural em Deus que impele a pessoa a empreender as coisas mais difíceis. Em outras palavras: é uma certeza especial que é capaz de operar prodígios.  Santo Tomás diz: é a certeza das coisas invisíveis, supostas como princípios da doutrina católica.

4º - O DOM DAS CURAS: é o poder de curar os doentes. E aqui está incluído o poder de expulsar demônios (geralmente o "grappin" ao possuir o corpo da pessoa, provoca doenças ou delas se aproveita; tanto isto é verdade, que, quando o demônio é expulso, a pessoa que estava possessa, geralmente fica curada de alguma enfermidade de que padecia). Sempre houve, mas hoje talvez, a influência do demônio neste mundo paganizado, é muito maior, pela falta de vida de oração e pelo apego ao mundo do qual o demônio é príncipe (Jo XIV, 30).

5º - O PODER DE OPERAR MILAGRES: é o poder de suspender as leis naturais para manifestar assim o poder de Deus. Por ex.: no Antigo Testamento, os milagres de Moisés, p. ex. abrindo as águas do mar; o milagre de Josué fazendo parar o sol etc. No Novo Testamento e nos nossos tempos, p. ex. certos milagres que foram operados pelo P. Pio de Pietrelcina. O prodígio da bilocação do P. Pio, para atender moribundos é algo muito extraordinário!

6º - O DOM DE PROFECIA:  é o dom de ensinar em nome de Deus, e, se preciso for, de confirmar o ensino com profecias.

7º - O DISCERNIMENTO DOS ESPÍRITOS: é o dom infuso de ler os segredos dos corações e de discernir o bom espírito do mau, ou seja, se vem do Espírito Santo ou não.

8º - O DOM DE LÍNGUAS:  há exegetas que interpretam como sendo o dom de orar em língua estranha com certo sentimento de exaltação. Mas há teólogos que dizem ser o dom de falar várias línguas ou, então, de o pregador fazer se entender por pessoas de outros idiomas, embora  use sua língua materna em sua pregação (nesta última hipótese, o milagre estaria nos ouvidos dos ouvintes e não na língua do pregador). De fato, o Espírito Santo sopra onde quer: ou na língua do pregador, ou nos ouvidos dos assistentes ou em ambos. Por isso, Deus pode conceder a alguém os dois modos ( ora um, ora outro) para levar outros à conversão ou edificação.

9º - O DOM DA INTERPRETAÇÃO DAS LÍNGUAS: é a faculdade de dar o sentido das palavras estranhas proferidas nas orações em língua. S. Paulo, trata destes dois últimos dons no capítulo XIV da sua 1ª Epístola aos Coríntios. É o que veremos melhor no próximo post, se Deus quiser.

Que o Espírito Santo me ilumine a mim que vos escrevo; e a vós que me ledes! Amém!

 


terça-feira, 11 de agosto de 2020

VERSÍCULO 26 DE ROMANOS VIII

ROM. VIII, 26

"O ESPÍRITO AJUDA TAMBÉM A NOSSA FRAQUEZA: PORQUE NÃO SABEMOS O QUE HAVEMOS DE PEDIR, COMO CONVÉM; MAS O MESMO ESPÍRITO ORA POR NÓS COM GEMIDOS INEFÁVEIS".

 Muitos se baseiam nestas palavras do Apóstolo para justificar o que chamam de "ORAÇÃO EM LÍNGUAS". Mas aqui quero apenas dar a explicação tradicional deste texto bíblico.

Em primeiro lugar apresento aqui a explicação dada já pelo célebre Escritor Eclesiástico, Orígenes (+ 253): "Como um professor ensinando aos seus pequenos alunos os primeiros rudimentos e, adaptando-se à sua ignorância, vai pronunciando as primeiras letras à frente deles, a fim de que estes, repetindo o que ouvem, terminem aprendendo; assim o Espírito Santo, vendo como o nosso espírito é perturbado pelas afeições terrenas e não pode saber o que deva pedir, começa Ele mesmo a oração e a inspira ao nosso interior, a fim de que o nosso espírito a continue; Ele propõe e provoca em nós os gemidos (choramingas) a fim de que o nosso espírito comece a gemer e assim o Senhor lhe seja propício".

Em que consiste nossa fraqueza na oração? Em consequência do pecado original, somos muito fracos. Jesus mandou que vigiássemos e orássemos para não cairmos em tentação, justamente porque a nossa carne é fraca. O pior é que somos fracos na própria oração; e isto por dois motivos: primeiro, porque não sabemos o que devemos pedir (quid oremus); e segundo, porque não sabemos como pedir (sicut oportet).

NÃO SABEMOS O QUE PEDIR: "Aconteceu que estando Ele (Jesus) a fazer oração em certo lugar, quando acabou, um dos seus discípulos disse-Lhe: Senhor, ensina-nos a orar..." (Lc XI, 1). E Jesus, então, ensinou-lhes o Pai-Nosso. Mas o divino Mestre quis deixar uma norma de oração comum a todos, ou seja, sem descer aos intermináveis casos particulares. E é aí que entra a ajuda do Espírito Santo. Jesus Cristo afirmou-lhes: "Eu disse-vos estas coisas, permanecendo convosco. Mas o Paráclito, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, Ele vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito" (Jo XIV, 25 e 26). O Espírito Santo vem, pois, expressamente para completar em cada um de nós os belíssimos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, para "ajudar-nos a nossa fraqueza" na oração, será preciso não somente a Sabedoria  mas também o Amor. Jesus foi dado ao mundo pelo Pai, como Mestre de todos: "Eis que O dei por testemunha aos povos, por capitão e por mestre às nações"  (Is LV, 4). O Espírito Santo nos é enviado como um gentil Professor que nos repete as lições de Cristo para que as possamos entender: "Lembrar-vos-á tudo o que Eu vos disse"  (Jo XIV, 26).

Resumindo: Jesus Cristo, a Sabedoria Eterna, ensinou-nos o Pai-Nosso, dando-nos a fórmula  perfeita de oração geral, comum a todos e não especificada em cada caso particular. Já o Espírito Santo, o Amor do Pai e do Filho, vem para adaptar as lições gerais do Pai-Nosso a cada um de nós; adapta-as não só à capacidade mas também às necessidades de cada um de nós. É assim que Ele nos ajuda orar, pedindo o que convém, e da maneira conveniente.

NÃO SABEMOS COMO PEDIR: Jesus Cristo e o Espírito Santo na Sagrada Escritura ensinam-nos que devemos orar com fé, reverência, confiança, humildade e perseverança. Mas, na verdade, a nossa fé é fraca. Para termos uma ideia da fraqueza de nossa fé, basta lembrarmo-nos desta palavra de Jesus aos  Apóstolos que perguntaram-Lhe porque não conseguiram expulsar o demônio de um menino: "Por causa da vossa falta de fé. Porque na verdade vos digo que, se tiverdes fé, mesmo que fosse do tamanho de uma semente de mostarda, poderiam dizer a este monte: Saia daqui e vá para lá, e ele iria" (Mt XVII, 20). E os Apóstolos reconheceram a fraqueza de sua fé e fizeram este pedido a Jesus: "Senhor, aumentai a nossa fé" (Lc XVII, 5). E no Pentecostes receberam esta fé firme e forte capaz de fazer milagres estupendos. Com certeza, temos necessidade, bem mais do que os Apóstolos, deste aumento da fé!

Como as outras qualidades da oração (respeito, confiança, humildade e perseverança) dependem da fé, devemos concluir que, sendo fraca a nossa fé, não temos força para orarmos com estas outras condições indispensáveis.  Vede quão grande é a nossa fraqueza na oração! Não sabemos o que pedir e nem como pedir.

COMO O ESPÍRITO SANTO NOS AJUDA A ORAR: "Mas o mesmo Espírito ora por nós com gemidos inexplicáveis" (Rm VIII, 26). 

"Postulat pro nobis" (latim) = O Espírito Santo pede por nós: "Diz-se, explica o P. Paulo Ségneri, S. J., que o Espírito Santo "pede", mas não é antes verdade que "nos faz pedir"? Sim, mas não se diz que o Espírito Santo fala nos profetas, nos pregadores, nos mártires? E por que se diz? Porque os fez ou faz falar. "Não sois vós que falais, mas , o Espírito de vosso Pai que fala em vós"  (Mt X, 20). Como se diz que "fala" porque faz falar, assim se diz que pede, porque "faz pedir"... Mas o sentido do termo "postulat" não só inclui o fato que "nos faz pedir", mas indica também que realmente o Espírito Santo "pede" por nós, como Advogado, como Paráclito, que está dentro de nós falando por via de amor".

Mas, como fala? Fala "com gemidos inefáveis". Aqui nos vêm à mente os arrulhos da pomba. Sabemos pelo santo Evangelho que o Espírito Santo apareceu no Batismo de Jesus no rio Jordão, na figura de uma POMBA: "E desceu sobre Ele (Jesus) o Espírito Santo em forma corpórea como uma pomba" (Lc III, 22). Ora, Deus, sendo a própria Sabedoria, não faz nada sem uma razão de ser, isto é, sem sentido. E qual seria, pois, a razão e o significado desta aparição do Espírito Santo em forma de pomba? É porque a pomba é símbolo da simplicidade: "Sede simples (disse Jesus) como a pomba" (Mt X, 16).  Pois bem, caríssimos, o Espírito Santo nos instrui em toda a nossa vida espiritual, e especialmente na oração que lhe é parte essencial. E assim, quanto mais a alma progride na vida interior, mais perfeita vai se tornando sua oração, pela ajuda do Espírito Santo. A oração da alma principiante (na via de purificação) é a meditação discursiva, (mais complicada) em que entra mais a inteligência. Já na via iluminativa, a alma passa para a oração mais afetuosa, onde entra mais a vontade (o coração). Já na via unitiva passa para a oração de SIMPLICIDADE, em que a alma, pela graça do Espírito Santo, simplifica toda a vida espiritual, agindo puramente por amor. Santa Teresa chama-a oração de recolhimento, porque a alma recolhe em si as suas diversas faculdades, para as concentrar em Deus, para O escutar e amar. É a oração em que a alma, pela ação do Espírito Santo, fixa o olhar afetuosamente em Deus, conserva-se em Sua presença, entrega-se em Suas mãos e ama-O. É algo inefável, isto é, tão sublime porque oriundo do Espírito Santo, que não se pode exprimir com palavras. E realmente a alma, nesta oração, não fala, só ama. As almas generosamente dóceis ao Espírito Santo chegam à oração de quietude e de contemplação. Ao olhar puramente natural dos homens, estas pessoas espirituais parecem embriagadas. Na verdade estão inebriadas, mas não de vinho, e sim do amor de Deus. Assim aconteceu com Ana, mãe do profeta Samuel (I Sm I, 13 e 14); assim aconteceu com os Apóstolos no Pentecostes (Atos II, 15 ). Farei, se Deus quiser, artigos para explicar todos estes tipos de oração; e assim este post será mais esclarecido.

Voltemos à explicação dos termos "GEMIDOS INEFÁVEIS".  Quanto ao GEMIDOS há outras passagens da Bíblia: O santo rei Ezequias fez uma oração belíssima e lá diz: "Eu soltava fracos gemidos de dor... e gemia como uma pomba" (Isaías XXXVIII, 14). E ainda em Isaías LIX, 11: "E todos nós... meditando, gememos como pombas". O canto da pomba são os arrulhos [coincidentemente, ouço agora os arrulhos de uma pombinha e o canto do bem-te-vi; o 1º não se exprime em palavras, o 2º sim, aliás, palavras que emprestam a este pássaro o seu nome].  Podemos supor que S. Paulo ao dizer que o Espírito Santo nos ajuda a rezar com gemidos inefáveis, tinha em mente os arrulhos da pomba, já que o próprio Espírito Santo, mostra orações como  "gemidos da pomba". Nos estágios de oração mais perfeita, a alma, na verdade, se comporta mais passivamente. Pois é o Espírito Santo que age e faz isto de maneira suave, oculta, isto é, mística. Deus não está na agitação e no barulho (I Reis XIX, 11). E a oração verdadeira não consiste em muitas palavras, e, nem muito menos, em palavras desconexas. "A ciência do insensato reduz-se a palavras mal digeridas" (Eclesiástico XXI, 21).

INEFÁVEIS: Inefável é aquilo que não pode ser expresso em palavras. Mas este termo ficou reservado para indicar coisas tão sublimes, divinas, que justamente por isso, as palavras humanas não são capazes de exprimi-las.  Por exemplo: São Paulo foi elevado ao Paraíso. De lá voltando, disse: "Ouviu palavras inefáveis que não é lícito a um homem proferi-las" (II Cor XII, 4). E, como veremos, a oração de simplicidade, quietude e contemplação infusa, são ações verdadeiramente INEFÁVEIS do Espírito Santo nas almas generosas que se esforçaram primeiramente na renúncia de si mesmas e do mundo; e, depois, em imitar a Jesus pela prática das virtudes. Daí receberam os sete dons e os doze frutos do Espírito Santo. E a muitas destas almas o Paráclito infundiu a contemplação.

Ó Divino Espírito Santo, aumentai a minha fé, ensinai-me a orar. Fazei que um dia possa exclamar com S. Paulo: "Vivo, mas não sou eu que vivo, é Jesus que vive em mim". Amém!

  

sábado, 8 de agosto de 2020

O DOM DAS LÍNGUAS


 S. Paulo enumera as graças dadas gratuitamente (gratiae gratis datae: "A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito para utilidade (comum). Assim, a um é dada pelo Espírito a linguagem da sabedoria; a outro, porém a linguagem da ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé, pelo mesmo Espírito; a outro o dom das curas, pelo mesmo Espírito; a outro, o dom de operar milagres; a outro, o discernimento dos espíritos [os que vêm de Deus, e os que não vêm]; a outro, A VARIEDADE DE LÍNGUAS; a outro, a interpretação das palavras" (I Cor XII, 7). Estuda-se em Teologia que estas graças Deus as dá não em benefício da pessoa que as recebe, mas para beneficiar o próximo, isto é, para a conversão e/ou edificação do próximo.

Aqui, quero falar só do dom das línguas. Que significa? É falar várias línguas estrangeiras, não pelo estudo delas, mas por uma graça dada pelo Espírito Santo, para poder assim tocar os corações.  Os Apóstolos, no dia de Pentecostes, receberam este dom: "Foram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar várias línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem" (Atos II, 4). Como ali em Jerusalém havia povos de todos os países até então conhecidos, este dom foi necessário para a conversão de pessoas de todos os lugares e assim a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, já naquele dia, se tornou CATÓLICA, isto é, UNIVERSAL. Este dom nos Apóstolos consistiria, ou em eles falarem as várias línguas de cada um daqueles povos, ou eles falavam a sua língua (hebraico e aramaico) e todos os entendia, cada um, na sua língua materna.

O P. Afonso de Santa Cruz diz em seu livro sobre S. Francisco Xavier, O GIGANTE DO ORIENTE: "O navio, que trouxe Xavier até Amboino, estava lotado de indígenas de várias nacionalidades, e todos eram muçulmanos ou pagãos. Em pleno mar deu-se o Pentecostes das línguas. Xavier falava e todos entendiam, na sua língua materna, o conteúdo da pregação.  Este prodígio impressionou tanto, que todos pediram espontaneamente o batismo ao missionário do Deus verdadeiro",  E assim aconteceu nas suas Missões nas Índias. No Japão, porém, o Espírito Santo não lhe deu o dom das línguas: "Xavier, escreve o mesmo P. Afonso de Santa Cruz, caminha com o coração dilacerado, no meio do povo, por não entender uma só palavra japonesa. Todos queriam escutá-lo, mas ele ficava aí, como acabou de escrever a Roma, como estátua muda. Teve que estudar, como criança, os elementos básicos da língua japonesa. Levou quarenta dias, para ter a possibilidade de ensinar os rudimentos da fé.  Pensava contar com o dom das línguas, mas este sumira. Isto foi um banho de humildade para o insaciável missionário".

Não é dom das línguas falar coisas que nem a própria pessoa sabe o que está falando. Mas ouçamos o próprio S. Paulo: "É maior o que profetiza [etimologicamente = aquele que prega] que o que fala diversas línguas; A NÃO SER QUE TAMBÉM AS INTERPRETE, a fim de que a Igreja receba edificação" (I Cor XIV, 5).

Neste mesmo capítulo 14 de sua 1ª Epístola aos Coríntios, o Apóstolo dos Gentios mostra como se deve exercer este dom do Espírito Santo: "Assim, pois, irmãos, se eu for ter convosco falando em diversas línguas, de que vos aproveitarei eu...? Há, com efeito, tantos gêneros de línguas neste mundo e todas têm a sua expressão. Se eu, pois, não entender o que significam as palavras, serei bárbaro para aquele a quem falo; e o que fala será bárbaro para mim... Por isso, o que fala uma língua desconhecida, peça o dom de a interpretar. Se eu orar numa língua (desconhecida, verdade é que) o meu espírito ora, mas o meu entendimento fica sem fruto. Que, pois, hei de fazer? Orarei com o espírito, cantarei também com a inteligência. Mas, se deres ações de graças com o espírito, o que ocupa o lugar do simples povo como responderá Amém à tua ação de graças, não entendendo o que dizes? Verdade é que tu dás bem a ação de graças, mas o outro não é edificado. [E isto, na suposição de que esteja realmente falando alguma língua].Dou graças a meu Deus, porque falo as línguas que todos vocês falam. Mas na Igreja eu antes quero dizer cinco palavras, de modo a ser compreendido para instruir também os outros, do que dez mil palavras em língua estrangeira. Irmãos, não sejais meninos na compreensão, mas sede pequeninos na malícia e perfeitos na inteligência... As línguas, pois, são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis; porém as profecias (são um sinal) não para os infiéis mas para os fiéis. Se, pois, toda a Igreja se reunir em assembléia, e todos falarem línguas diversas, e entrarem então pessoas ignorantes ou infiéis, não dirão que estais loucos?... Que haveis, pois, de fazer, irmãos? Quando vos reunis, se um de vós tem um cântico, outro uma instrução, outro uma revelação, outro o dom das línguas, outro uma interpretação, faça-se tudo para edificação. Ou se alguém fala línguas, falem dois, ou quando muito três, e um depois do outro; e haja um que interprete. Se não houver intérprete, ESTEJAM CALADOS na Igreja e não falem, senão consigo e com Deus". E S. Paulo termina o capítulo assim: "Mas faça-se tudo decentemente e com ordem".

Mas há, até entre católicos, a "ORAÇÃO EM LÍNGUAS", como costumam chamar. Na verdade, a expressão mais adequada, julgo eu, seria: "ORAÇÃO COM GEMIDOS ININTELIGÍVEIS", porque, como afirmam os que promovem tais "orações", nem eles mesmos sabem o que estão dizendo. Pretendem, no entanto, se basear em S. Paulo na Epístola aos Romanos VIII, 26 e 27: "Assim mesmo o Espírito ajuda também a nossa fraqueza, porque não sabemos o que havemos de pedir, como convém, mas o mesmo Espírito ora por nós com gemidos inexplicáveis.E o que perscruta os corações, sabe o que deseja o Espírito, porque Ele pede segundo Deus pelos santos".

Caríssimos, para não alongar demasiado este artigo, darei, se Deus quiser, no próximo post, a explicação tradicional desta passagem de S. Paulo. Que o Espírito Santo nos ilumine, a mim que vos escrevo, e a vós que me ledes. Amém!

 

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR

 A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR

 

                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*

 

              A frase de Jesus: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21), ensinando que se deveria pagar o imposto à autoridade romana, então dominadora do país de Israel, aplica-se também à separação de competências e ao respeito devido às autoridades, independentemente das suas qualidades pessoais.

             Independentemente do meio pelo qual alguém chega ao poder – em nosso regime atual democrático, a escolha é feita pelo povo – há que se respeitar quem está nele legitimamente constituído, pois sua autoridade vem de Deus. Deus é o autor da ordem e toda ordem exige alguém que mande, por isso “todo o poder e autoridade vêm de Deus: “Cada um se submeta às autoridades constituídas, pois não existe autoridade que não venha de Deus, e as autoridades que existem foram estabelecidas por Deus... Dai a cada um o que lhe é devido: a quem o imposto, o imposto, ... a quem a honra, a honra” (Rm 13, 1 e 7).

             Sobre a separação e competência dos poderes da Igreja e do Estado, respeitando-se a legítima laicidade ou distinção de alçadas e jurisdições, a Igreja já esclareceu em muitos documentos: “A Igreja não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende de modo algum imiscuir-se na política dos Estados, mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, a favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação... num desenvolvimento humano integral. Aberta à verdade, qualquer que seja o saber donde provenha, a doutrina social da Igreja acolhe-a, compõe numa unidade os fragmentos em que frequentemente a encontra,” (Bento XVI, Caritas in Veritate, 9). 

 “Não compete aos Pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na organização da vida social. Tal tarefa faz parte da vocação dos leigos, agindo por sua própria iniciativa, juntamente com seus concidadãos (CDF Libertatis conscientia, 80).

               “...Este trabalho político não é competência imediata da Igreja. O respeito de uma sã laicidade – até mesmo com a pluralidade das posições políticas – é essencial na tradição cristã autêntica. Se a Igreja começasse a se transformar diretamente em sujeito político, não faria mais pelos pobres e pela justiça, mas faria menos, porque perderia sua independência e sua autoridade moral, identificando-se com uma única via política e com posições parciais opináveis. A Igreja é advogada da justiça e dos pobres, precisamente ao não se identificar com os políticos nem com os interesses de partido. Só sendo independente pode ensinar os grandes critérios e os valores irrevogáveis, orientar as consciências e oferecer uma opção de vida que vai além do âmbito político. Formar as consciências, ser advogada da justiça e da verdade, educar nas virtudes individuais e políticas, é a vocação fundamental da Igreja neste setor. E os leigos católicos devem ser conscientes de sua responsabilidade na vida pública; devem estar presentes na formação dos consensos necessários e na oposição contra as injustiças” (Bento XVI, Aparecida, 13/5/2007, Discurso inaugural do CELAM).
      

        *Bispo da Administração Apostólica Pessoal

                                                                         São João Maria Vianney

                                                               http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

 

terça-feira, 4 de agosto de 2020

PRINCÍPIOS PARA DESFAZER DÚVIDAS DE CONSCIÊNCIA


Padre, tenho tantas dúvidas de consciência! Que devo fazer? Responderei com o célebre escritor espiritual e grande teólogo o Padre Perriens. Este, por sua vez se baseia em Santo Afonso Maria de Ligori, que, como todos sabem é a maior autoridade na Igreja no que se refere à Teologia Moral.

"Quanto às dúvidas, que podereis ter, relativamente a pecados que não estais certos de ter cometido, ou a confissões talvez mal feitas, se quiserdes manifestá-las ao vosso diretor, para maior tranquilidade, fareis bem, a menos que não sejais escrupulosos; pois, para os escrupulosos, não aconselho a que confessem as suas dúvidas.

Todavia, é bom que conheçais alguns ensinamentos aprovados pelos teólogos, que podem livrar-vos de muitas inquietações e dar-vos a paz.

1. Em primeiro lugar, não há obrigação de confessar os pecados graves, quando duvidosos, ou quando há dúvida de terem sido cometidos com pleno conhecimento ou consentimento perfeito e deliberado.

Além disso, as pessoas que levaram durante muito tempo vida espiritual, quando duvidam de ter cometido ou não algum pecado grave, podem estar certas de não ter perdido a graça de Deus; pois, é moralmente impossível que uma vontade firme nos bons propósitos mude de repente, e consinta em um pecado mortal, sem o conhecer claramente; porque o pecado mortal é um monstro tão horrível, que não pode entrar em uma alma que teve por muito tempo horror a ele, sem se fazer conhecer claramente.

2. Em segundo lugar, quando o pecado mortal foi cometido com certeza, e se duvida se foi confessado ou não, então, não havendo razão para julgar que tenha sido confessado, deve-se certamente declará-lo.

Mas, havendo razão ou presunção fundada de que o pecado foi outrora confessado, não há obrigação de o confessar.

Daí, quando uma pessoa fez as suas confissões gerais ou particulares com o cuidado requerido, e receia ter omitido algum pecado ou alguma circunstância, não precisa acusar-se de novo, pois pode crer prudentemente que fez o que devia.  - Mas, objetar-me-eis, se eu estivesse obrigado a dizer isso, sentiria muita vergonha. Resposta: Não importa; desde que não estais obrigado a falar da vossa dúvida, esta repugnância não vos deve inquietar. Basta dizer em vosso coração: Senhor, se eu soubesse verdadeiramente que devia confessar-me, eu o faria logo, qualquer que fosse a pena que tivesse de sofrer.

Demais, é bom que cada um descubra ao seu diretor as dúvidas que o inquietam, não fosse isto senão para se humilhar, a menos que não seja escrupuloso; pois, neste caso, não deve falar neles. Mas o que eu queria principalmente é que fizéssemos conhecer ao confessor as vossas PAIXÕES, as vossas INCLINAÇÕES  e AS CAUSAS das vossas tentações, afim de que ele pudesse achar as raízes do mal; pois, não se arrancando essas raízes, as tentações não cessarão nunca; e há grave perigo de consentir nelas, quando se pode afastar a causa e não se o faz.

É ainda útil, pelo menos, a algumas pessoas, para se humilharem, descobrir as tentações que mais as humilham; tais são especialmente, as tentações contra a castidade. "A tentação descoberta é meio vencida",  diz São Filipe Nery. Eu disse, PELO MENOS A ALGUMAS PESSOAS,  pois, para outras, que são raras vezes tentadas, mas muito tímidas neste matéria, temendo sempre ter consentido, é por vezes prudente proibir-lhes que se confessem sobre tal ponto, enquanto não têm a certeza de ter consentido no pecado.

Uma pessoa que contasse as tentações, mas logo garantisse que não deu consentimento, isto é simplesmente perder tempo no confessionário. Porque aí se contam pecados, e, quando não se consente nas tentações, não há nenhum pecado. E se alguém, porventura só contar tentações nas quais não consentiu, não pode receber a absolvição, a menos que inclua pecados passados já confessados e dos quais tem certeza de ter arrependimento de os ter cometido.