sexta-feira, 31 de março de 2017

CARTA PASTORAL SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FÉ E DOS BONS COSTUMES


(CONTINUAÇÃO)

IV [c]

A Santíssima Eucaristia

Todos nós, caríssimos filhos, fomos formados no mais entranhado amor e na mais profunda reverência para com a Santíssima Eucaristia, o Sacramento de nossos altares. Na Sagrada Hóstia temos a convicção de que está vivo Nosso Senhor Jesus Cristo, tão real e verdadeiramente como está nos Céus. De pão, como, no cálice, de vinho, só se conservam as aparências, porquanto no momento da consagração toda a substância de pão e toda a substância de vinho se transformaram no Corpo e no Sangue da Santíssima Humanidade de Jesus Cristo, indissoluvelmente unida à Pessoa adorável do Filho de Deus. Essa mudança total, a Igreja definiu no Concílio de Trento (Sess. XIII), cap. IV e cânon 2), chama-se transubstanciação. Por isso, porque na Sagrada Hóstia não há nada da substância de pão, mas foi tudo transmudado no Corpo de Cristo, por isso, dizemos, nós rendemos a mesma adoração a qualquer parte, ainda que mínima, da Sagrada Hóstia, e tomamos todo o cuidado com os fragmentos que notamos na patena.

Os construtores do novo cristianismo não pensam assim. Eles não conhecem a doutrina definida infalivelmente pelo Concílio de Trento. Para eles a Eucaristia não passa de um símbolo. O pão significa a presença de Cristo, passa a indicar o alimento espiritual. Por isso mesmo, não creem eles que se deva ter grande atenção aos fragmentos da Sagrada Hóstia, pois, dizem, segundo o senso comum um fragmento não é pão. Com isso deixam pairar dúvida sobre o que foi sempre o centro da piedade cristã, o Santíssimo Sacramento, a Vítima do Sacrossanto Sacrifício da Missa que permanece nos nossos sacrários para conforto na nossa via dolorosa em demanda da Pátria.

As visões da Mãe de Deus acenderam nos corações dos pastorinhos de Aljustrel um amor ardente ao Deus escondido. Eles, especialmente Francisco, passavam horas em adoração ao Deus velado no sacrário. Eis, caríssimos filhos, como havemos nós também de concorrer para o crescimento do Corpo Místico de Cristo que é a Igreja. Meditando, visitando e adorando o Santíssimo Sacramento. É ele o centro da vida da Igreja. Pois ali temos o Deus conosco para nosso conforto, e como penhor de nossa vida eterna.

Nova noção de milagre

Outro ponto fundamental da formação católica que os mestres do novo cristianismo igualmente deturpam refere-se à credibilidade da Religião revelada. Pois, de fato, contendo embora mistérios que ultrapassam a capacidade intelectual criada, a Religião Católica não se impõe arbitrariamente ao fiel. Está muito longe do "crê ou morre" dos muçulmanos.  É ela um "rationale obsequium" não somente enquanto envolve a humildade da inteligência que se curva diante da Verdade incriada, mas também porque essa submissão não é cega, e sim plenamente justificável. E a justificação, que torna racional nosso assentimento às verdades reveladas, são especialmente os milagres operados pela Onipotência divina em abono da Revelação. O milagre vem a ser uma interferência de Deus Nosso Senhor à margem das leis da natureza, pela qual Ele produz um efeito que é inexplicável pela ordem natural das coisas, e que Ele assume com seu selo divino para comprovar a autenticidade da doutrina revelada por Ele, ou por seu profeta. Jesus Cristo aos judeus incrédulos apresentava como prova da verdade de sua doutrina os milagres que fazia: "Si mihi non vultis credere, operibus credite  -  Se não quiserdes crer em mim, crede nas minhas obras" (Jo. 10, 38), nos meus milagres que dão testemunho de que minha doutrina é realmente de Deus. No decurso da história da Igreja, Deus tem agido da mesma maneira.  Ainda em Fátima, para autenticar junto ao povo que os pastorinhos recebiam de fato a visita e a mensagem de Nossa Senhora, fez Ele o milagre do sol, que se desprendeu da abóbada celeste e caminhou em ziguezague sobre a multidão, enchendo-a de pavor.

Por isso mesmo, pela importância que têm os milagres como obra realizada imediatamente pela Onipotência divina, e, pois, como meio para autenticar a mensagem celeste, a Santa Igreja em Concílios e outros documentos de seu Magistério firmou a possibilidade, natureza e valor probativo dos milagres. Veja-se, por exemplo, o Concílio Vaticano I, Sess. III, cap. IV, cânones 3 e 4, ou o juramento antimodernista.

Pelo exposto, vedes, amados filhos, como apreciar a tentativa de dar às ações miraculosas uma explicação natural, sob pretexto de que Deus não iria contrariar uma natureza que Ele mesmo fez. Tal explanação não mantém, mas subverte totalmente a Religião Católica. Sem milagres, o Cristianismo não passaria de uma filosofia irracional, porquanto é firmado nos milagres operados por Jesus que nós sabemos que os mistérios por Ele revelados são de fato verdades divinas, e a eles assim aderimos com todas as veras de nossa alma. Aceitar mistérios sem ter a certeza de que realmente Deus os revelou, é agir irracionalmente. Não pretendamos, a título de reverência para co a obra de Deus que é a natureza, coibir o Senhor dessa mesma natureza de superá-la quando Lhe parecer conveniente para os seus inefáveis fins. E tenhamos a certeza de que Deus Nosso Senhor acompanhará sempre sua Igreja aprovando-a com milagres verdadeiros como já fez no início do Cristianismo, quando acompanhou com prodígios a pregação dos Apóstolos (cf. Marc. 16, 20).

Os exemplos propostos são suficientes para perceberdes, amados filhos, como os mestres do novo cristianismo de fato subvertem completamente a Religião Católica. Servem também para que vos mantenhais vigilantes contra tão nefastas inovações.

O Magistério não infalível

Certamente tereis percebido, amados filhos, pelos exemplos aduzidos, uma atitude estranha nesses inovadores. Há neles, de fato, uma ausência completa de atenção para com o Magistério supremo da Igreja, quer ordinário, quer solene, mesmo em Concílios com definições infalíveis.

É certo que o Concílio Vaticano I definiu que o Magistério do Romano Pontífice é infalível em determinadas condições. Não definiu que, faltando tais condições, seja o Soberano Pontífice igualmente infalível. Seria absurdo, no entanto, daí concluir que o Papa erra sempre que não faz uso de sua prerrogativa de infalibilidade. Pelo contrário, ainda quando não se reveste desta prerrogativa, devemos supor que ele acerte, porquanto normalmente age com prudência e não emite sua opinião antes de muito ponderar. Para não falar nas graças especiais com que o assiste o Espírito Santo. Por isso é de todo inaceitável a atitude leviana daqueles que não fazem caso dos Documentos da Santa Sé, que não vêm sigilados com a nota de infalibilidade. Pois esses Documentos obrigam a uma aceitação interna que só poderia ser recusada na hipótese de haver engano patente no que eles trazem, ou porque abertamente contrário a toda a tradição da Igreja, ou porque evidentemente falso. O que é absolutamente inadmissível é considerar, sem mais, peremptos documentos solenes do Magistério ordinário como as Encíclicas doutrinárias, especialmente as escritas para dirimir questões ou apontar erros relativos à Fé, como por exemplo a "Pascendi Dominici Gregis" de São Pio X, contra o modernismo, ou a "Humani Generis" Pio XII, contra o neomodernismo. Especial atenção merecem também os Documentos do Magistério ordinário quando Papa sucessivos, por um espaço suficientemente longo, repetem neles os mesmos ensinamentos. Temos neste fato um sinal de que tal doutrina faz parte do depósito de Fé confiado à Santa Igreja.

Não compreendemos, portanto, como se possa formar católicos, ignorando totalmente a fonte mais próxima da verdade revelada, que é o Magistério vivo. Só por semelhante atitude se tornam suspeitos os fautores de um novo cristianismo. Certamente não é desta maneira que se realizará o "aggiornamento" de que tanto falava João XXIII. Como este Papa e seu Sucessor gloriosamente reinante, Paulo VI, entendem o "aggioranmento", já vos expusemos em Nossa Carta Pastoral a propósito da aplicação dos Documentos promulgados pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, datada de 19 de março do ano findo. Não há, pois, motivo para que retornemos sobre o mesmo assunto. 


quinta-feira, 30 de março de 2017

CARTA PASTORAL SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FÉ E DOS BONS COSTUMES


(CONTINUAÇÃO)

IV [c]

A Santíssima Eucaristia

Todos nós, caríssimos filhos, fomos formados no mais entranhado amor e na mais profunda reverência para com a Santíssima Eucaristia, o Sacramento de nossos altares. Na Sagrada Hóstia temos a convicção de que está vivo Nosso Senhor Jesus Cristo, tão real e verdadeiramente como está nos Céus. De pão, como, no cálice, de vinho, só se conservam as aparências, porquanto no momento da consagração toda a substância de pão e toda a substância de vinho se transformaram no Corpo e no Sangue da Santíssima Humanidade de Jesus Cristo, indissoluvelmente unida à Pessoa adorável do Filho de Deus. Essa mudança total, a Igreja definiu no Concílio de Trento (Sess. XIII), cap. IV e cânon 2), chama-se transubstanciação. Por isso, porque na Sagrada Hóstia não há nada da substância de pão, mas foi tudo transmudado no Corpo de Cristo, por isso, dizemos, nós rendemos a mesma adoração a qualquer parte, ainda que mínima, da Sagrada Hóstia, e tomamos todo o cuidado com os fragmentos que notamos na patena.

Os construtores do novo cristianismo não pensam assim. Eles não conhecem a doutrina definida infalivelmente pelo Concílio de Trento. Para eles a Eucaristia não passa de um símbolo. O pão significa a presença de Cristo, passa a indicar o alimento espiritual. Por isso mesmo, não creem eles que se deva ter grande atenção aos fragmentos da Sagrada Hóstia, pois, dizem, segundo o senso comum um fragmento não é pão. Com isso deixam pairar dúvida sobre o que foi sempre o centro da piedade cristã, o Santíssimo Sacramento, a Vítima do Sacrossanto Sacrifício da Missa que permanece nos nossos sacrários para conforto na nossa via dolorosa em demanda da Pátria.

As visões da Mãe de Deus acenderam nos corações dos pastorinhos de Aljustrel um amor ardente ao Deus escondido. Eles, especialmente Francisco, passavam horas em adoração ao Deus velado no sacrário. Eis, caríssimos filhos, como havemos nós também de concorrer para o crescimento do Corpo Místico de Cristo que é a Igreja. Meditando, visitando e adorando o Santíssimo Sacramento. É ele o centro da vida da Igreja. Pois ali temos o Deus conosco para nosso conforto, e como penhor de nossa vida eterna.

Nova noção de milagre

Outro ponto fundamental da formação católica que os mestres do novo cristianismo igualmente deturpam refere-se à credibilidade da Religião revelada. Pois, de fato, contendo embora mistérios que ultrapassam a capacidade intelectual criada, a Religião Católica não se impõe arbitrariamente ao fiel. Está muito longe do "crê ou morre" dos muçulmanos.  É ela um "rationale obsequium" não somente enquanto envolve a humildade da inteligência que se curva diante da Verdade incriada, mas também porque essa submissão não é cega, e sim plenamente justificável. E a justificação, que torna racional nosso assentimento às verdades reveladas, são especialmente os milagres operados pela Onipotência divina em abono da Revelação. O milagre vem a ser uma interferência de Deus Nosso Senhor à margem das leis da natureza, pela qual Ele produz um efeito que é inexplicável pela ordem natural das coisas, e que Ele assume com seu selo divino para comprovar a autenticidade da doutrina revelada por Ele, ou por seu profeta. Jesus Cristo aos judeus incrédulos apresentava como prova da verdade de sua doutrina os milagres que fazia: "Si mihi non vultis credere, operibus credite  -  Se não quiserdes crer em mim, crede nas minhas obras" (Jo. 10, 38), nos meus milagres que dão testemunho de que minha doutrina é realmente de Deus. No decurso da história da Igreja, Deus tem agido da mesma maneira.  Ainda em Fátima, para autenticar junto ao povo que os pastorinhos recebiam de fato a visita e a mensagem de Nossa Senhora, fez Ele o milagre do sol, que se desprendeu da abóbada celeste e caminhou em ziguezague sobre a multidão, enchendo-a de pavor.

Por isso mesmo, pela importância que têm os milagres como obra realizada imediatamente pela Onipotência divina, e, pois, como meio para autenticar a mensagem celeste, a Santa Igreja em Concílios e outros documentos de seu Magistério firmou a possibilidade, natureza e valor probativo dos milagres. Veja-se, por exemplo, o Concílio Vaticano I, Sess. III, cap. IV, cânones 3 e 4, ou o juramento antimodernista.

Pelo exposto, vedes, amados filhos, como apreciar a tentativa de dar às ações miraculosas uma explicação natural, sob pretexto de que Deus não iria contrariar uma natureza que Ele mesmo fez. Tal explanação não mantém, mas subverte totalmente a Religião Católica. Sem milagres, o Cristianismo não passaria de uma filosofia irracional, porquanto é firmado nos milagres operados por Jesus que nós sabemos que os mistérios por Ele revelados são de fato verdades divinas, e a eles assim aderimos com todas as veras de nossa alma. Aceitar mistérios sem ter a certeza de que realmente Deus os revelou, é agir irracionalmente. Não pretendamos, a título de reverência para com a obra de Deus que é a natureza, coibir o Senhor dessa mesma natureza de superá-la quando Lhe parecer conveniente para os seus inefáveis fins. E tenhamos a certeza de que Deus Nosso Senhor acompanhará sempre sua Igreja aprovando-a com milagres verdadeiros como já fez no início do Cristianismo, quando acompanhou com prodígios a pregação dos Apóstolos (cf. Marc. 16, 20).

Os exemplos propostos são suficientes para perceberdes, amados filhos, como os mestres do novo cristianismo de fato subvertem completamente a Religião Católica. Servem também para que vos mantenhais vigilantes contra tão nefastas inovações.

O Magistério não infalível

Certamente tereis percebido, amados filhos, pelos exemplos aduzidos, uma atitude estranha nesses inovadores. Há neles, de fato, uma ausência completa de atenção para com o Magistério supremo da Igreja, quer ordinário, quer solene, mesmo em Concílios com definições infalíveis.
É certo que o Concílio Vaticano I definiu que o Magistério do Romano Pontífice é infalível em determinadas condições. Não definiu que, faltando tais condições, seja o Soberano Pontífice igualmente infalível. Seria absurdo, no entanto, daí concluir que o Papa erra sempre que não faz uso de sua prerrogativa de infalibilidade. Pelo contrário, ainda quando não se reveste desta prerrogativa, devemos supor que ele acerte, porquanto normalmente age com prudência e não emite sua opinião antes de muito ponderar. Para não falar nas graças especiais com que o assiste o Espírito Santo. Por isso é de todo inaceitável a atitude leviana daqueles que não fazem caso dos Documentos da Santa Sé, que não vêm sigilados com a nota de infalibilidade. Pois esses Documentos obrigam a uma aceitação interna que só poderia ser recusada na hipótese de haver engano patente no que eles trazem, ou porque abertamente contrário a toda a tradição da Igreja, ou porque evidentemente falso. O que é absolutamente inadmissível é considerar, sem mais, peremptos documentos solenes do Magistério ordinário como as Encíclicas doutrinárias, especialmente as escritas para dirimir questões ou apontar erros relativos à Fé, como por exemplo a "Pascendi Dominici Gregis" de São Pio X, contra o modernismo, ou a "Humani Generis" Pio XII, contra o neomodernismo. Especial atenção merecem também os Documentos do Magistério ordinário quando Papa sucessivos, por um espaço suficientemente longo, repetem neles os mesmos ensinamentos. Temos neste fato um sinal de que tal doutrina faz parte do depósito de Fé confiado à Santa Igreja.


Não compreendemos, portanto, como se possa formar católicos, ignorando totalmente a fonte mais próxima da verdade revelada, que é o Magistério vivo. Só por semelhante atitude se tornam suspeitos os fautores de um novo cristianismo. Certamente não é desta maneira que se realizará o "aggiornamento" de que tanto falava João XXIII. [...]. 

quarta-feira, 29 de março de 2017

CARTA PASTORAL SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FÉ E DOS BONS COSTUMES


(CONTINUAÇÃO)

IV [b]

O pecado original e a redenção

Outro ponto essencial da doutrina católica deturpado pelos mestres do novo cristianismo é o pecado original. Uma noção falsa sobre esse dogma de nossa Fé falseia o conceito de Redenção, verdade igualmente fundamental em toda a economia da salvação misericordiosamente estabelecida por Deus Nosso Senhor. Por isso, vamos aqui recordar o que todos sabeis, caríssimos filhos.

O pecado original é o pecado com que todos fomos concebidos, com exceção da Virgem Maria, dele isenta pelo especial privilégio da Conceição Imaculada, e de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja concepção virginal o punha fora de lei do pecado, pecado aliás que vinha Ele destruir no mundo.

O pecado original consiste na ausência da graça santificante, ausência que nos faz inimigos de Deus, incapazes de entrar no Céu. Nós nascemos com esse pecado porque pertencemos à família de Adão, à progênie do primeiro homem. Adão foi criado por Deus com a graça divina e ainda adornado de outros dons também gratuitos, que tornavam sua natureza de uma excelência superior à que de direito lhe seria devida. Essa graça santificante e esses dons preternaturais, Adão, segundo os desígnios de Deus, os transmitiria à posteridade, se obedecesse a um mandato divino. Mas, ele desobedeceu, e como castigo desse pecado perdeu a graça santificante e os demais dons que enalteciam sua natureza. Tornou-se inimigo de Deus, incapaz de entrar na vida eterna do Paraíso; e essa situação do primeiro chefe da família humana tornou-se a situação de toda a sua família, de toda a sua progênie, excetuadas as duas Pessoas que acima lembramos. Deus, no entanto, na sua infinita bondade, não quis que essa situação permanecesse irreparável. Enviou um Redentor, capaz de dar-Lhe uma reparação condigna, mesmo acima do que exigiria a justiça. Esse Redentor é Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, por obra do Espírito Santo, e nascido da Virgem Maria. Foi Ele, nosso Salvador, que com sua ignominiosa morte de Cruz, na qual consumou a obediência ao Pai Celeste, reparando a desobediência do primeiro homem, nos remiu, nos resgatou do cativeiro do demônio, nos restituiu a graça santificante, tornou-nos novamente capazes da amizade divina, da vida eterna do Paraíso no seio de Deus.

Tudo isso se encontra sintetizado na frase de São Paulo aos romanos: "Como pelo pecado de um só a condenação se estendeu a todos os homens, assim também por um só ato de justiça recebem todos os homens a justificação que dá a vida. Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim pela obediência de um só todos se tornarão justos" (Rom. 5, 18-19).
E para que não houvesse dúvida sobre o sentido das palavras de São Paulo, e sobre a verdade revelada, o Concílio Tridentino explanou, contra os erros dos protestantes, em um Decreto de sua Sessão V, toda a doutrina católica sobre o pecado original. Esse decreto consta de uma introdução, cinco cânones e uma consideração final sobre a condição especial de Maria Santíssima nesta matéria. Nos cânones, o Sacrossanto Concílio ensina que Adão, primeiro homem, pessoal e livremente transgrediu um preceito divino, e com essa transgressão perdeu a santidade e a justiça em que tinha sido constituído, e incorreu na ira e indignação de Deus, ficando sujeito à morte e ao cativeiro de demônio (cânon 1); que a prevaricação de Adão prejudicou não só a ele, mas a toda a sua descendência, a qual, por isso mesmo, perdeu a santidade e a justiça recebidas de Deus no seu progenitor; e mais ainda, que Adão transmite à sua posteridade não somente a morte mas o mesmo pecado que é a morte da alma (cânon 2). O cânon 3 declara que o pecado original se transmite pela geração e não por imitação, como queriam os protestantes, e que se apaga não por forças naturais, mas pelos merecimentos de Jesus Cristo que a Igreja aplica, quer às crianças como aos adultos, no Sacramento do Batismo; os cânones 4 e 5 afirmam que as crianças recém-nascidas devem ser batizadas para que nelas se apague o reato do pecado original, porquanto o Batismo apaga a própria culpa e não apenas a risca ou faz com que não seja imputada ao fiel.

Como vedes, caríssimos filhos, é a mesma doutrina que aprendestes nos vossos primeiros anos de infância, ou nas aulas de catecismo ou dos lábios de vossas mães. Também compreendeis que se trata de ponto essencial. É o dogma do pecado original que nos faz como que sentir as profundezas do amor com que Deus Nosso Senhor nos amou. Ele que dá a compreensão do que dizemos com inefável esperança na Santa Missa: "Deus qui humanam substantiam mirabiliter condidisti et mirabilius reformastis". Pois realmente, se há um ato maravilhoso da onipotência divina ao criar os seres do nada, de longe o supera em maravilha a caridade dom a qual Deus vem ao homem pecador para transformá-lo de inimigo em filho adotivo, em membro de sua família, conviva de sua mesa! Destruí o dogma do pecado origina, e esvaziareis as alegrias com que a Igreja canta o "Exsultet" na vigília da Ressurreição.

Tudo isso, amados filhos, é verdade, e antigo como a Igreja, e não precisamos gastar tempo para vos convencer. Não obstante, os mestres do novo cristianismo tentam anular a base de todas essas consolações com seu conceito novo do pecado original. Para eles, o pecado original não é a desobediência voluntária de Adão, que acarretou para cada um dos seus descendentes a ausência da graça e o estado de pecado. O trecho de São Paulo aos romanos seria um "gênero literário", ou seja, uma maneira de expressar um pensamento diverso daquele que as palavras literalmente exprimem. O pecado original que nos contamina não seria o pecado de Adão, primeiro homem, mas o pecado do homem em geral, o pecado do mundo, o pecado da humanidade tomada como um todo!


Cremos que não é preciso insistir mais para se ver como tal doutrina interpreta arbitrariamente a Sagrada Escritura, não faz o menor caso do Magistério infalível, anula o caráter moral que há na Redenção, e prepara uma concepção gnóstica do Cristianismo. 

terça-feira, 28 de março de 2017

CARTA PASTORAL SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FÉ E DOS BONS COSTUMES


(CONTINUAÇÃO)

IV [a]

Nós nos demoramos aqui a recordar convosco, amados filhos, este ensinamento ininterrupto da Igreja, não só para que vejais, quase diríamos sintais, como os fatos da Cova da Iria estão dentro da mais genuína tradição católica, mas, sobretudo, sendo relegadas ao esquecimento, pois que delas não se gosta de ouvir falar, por motivos que abaixo exporemos.

No entanto, nada mais salutar do que a meditação de tais verdades. Insistimos, pois, sobre as mesmas, porque a tanto Nos obriga o dever de zelar pela salvação eterna de Nossas ovelhas, e, outrossim, porque Nos parece falha qualquer comemoração de Fátima que a não ponha em plena luz.

Não há dúvida, o recordá-las o Altíssimo na Cova da Iria foi uma dessas manifestações da inefável misericórdia com que Deus persegue os pecadores, porque não quer que morram, mas sim que se convertam e vivam (cf. Ez. 33, 11).

Falta de atenção às advertências de Nossa Senhora

Infelizmente, é menor a vontade dos pecadores de se salvarem. Os pedidos de Nossa Senhora não forma ouvidos. Após a primeira desoladora conflagração mundial, "não cessaram de ofender a Deus", e veio a outra guerra pior ainda, mais atroz, mais devastadora, na qual, segundo a palavra de Jacinta, grande parte dos que morreram foram para o inferno.

Não obstante, a punição não serviu para a cura. Todo o mundo hoje tem pavor de um novo conflito universal, mas esquece-se de que a guerra foi castigo dos pecados, e volta novamente para uma vida animada pelo desejo desenfreado dos prazeres, onde domina a paixão impura. E já não se limitam os indivíduos a cevarem-se no vício da carne; a sensualidade irrompe dos aglomerados urbanos para os campos e infecciona toda a sociedade. [Hoje, depois de 50 anos, já se chegou ao auge da iniquidade: legalização de pecados e de pecados horrendos, aqueles que bradam aos Céus pedindo vingança: legalização do aborto, de uniões civis de pessoas do mesmo sexo, a ideologia de gênero etc. ].

Resulta do fato larga e nefasta consequência. Por uma disposição da psicologia humana, não suporta o homem, longo tempo, contradição entre o modo de agir e a maneira de pensar. O indivíduo ou procede como pensa, ou termina pensando de acordo com seu procedimento. De sorte que, por inelutável exigência psicológica, numa sociedade engolfada na sensualidade, começam os homens a perder a noção do bem e do mal, e a criar para si uma moral subjetiva que lhes não censure a conduta irregular. Daí a ojeriza a tudo que lhe avive a consciência do estado moralmente deplorável.

Por isso a sociedade de hoje não tolera que se lhe fale do inferno, que se lhe lembre que o demônio existe e é o Príncipe deste mundo. Como gostaria que tudo isso não passasse de ilusões, quer viver como se nada disso tivesse consistência. Faz como o avestruz que esconde a cabeça para não ver o perigo.

Dessoramento  da moral católica

Daí, outrossim, o ressurgimento, e com maior desfaçatez, da moral-nova, condenada por Pio XII, e sobre a qual advertimos Nossos caríssimos filhos em Carta Pastoral de 6 de janeiro de 1953. Na sua atual apresentação, a moral-nova se volta especialmente contra os conceitos tradicionais de virtude e vício, envolvidos no sexto e nono preceitos do Decálogo. E há, nos meios católicos, quem não enrubesça de sustentar hoje como erotismo normal, ao lado de outras, as aberrações indelevelmente estigmatizadas no castigo tremendo com que a Providência consumiu a Sodoma e Gomorra. Quanto ao casamento, pretextando uma sua nova e mais alta visualização, tiram-lhe a nobreza do sacrifício que dele faz uma instituição ordenada a colaborar com a onipotência criadora de Deus. Os filhos não os consideram mais a alegria do lar, e sim um fardo pesado e indesejável. Triunfa o egoísmo, diante do qual cambaleiam a unidade e indissolubilidade do casamento, e há uma criminosa indulgência para com o vício solitário. A imodéstia nos trajes e a falta de seriedade nas maneiras coincidem com a grosseria do espírito.

De acordo com a profecia de Nossa Senhora em Fátima, a radicalização do pecado no mundo traria como castigo, além da guerra, o fato de que a Rússia espalharia seus erros por toda a parte. É ao que assistimos, na ordem política, econômica e social, onde já vão dominando por todo o orbe os princípios materialistas do comunismo. Não obstante, para o triunfo pleno deste na terra inteira, impõe-se a demolição da Igreja, único baluarte sério que ainda lhe pode opor resistência. A demolição da Igreja, é a demolição de sua doutrina, parte essencial da obra de Jesus Cristo.

Tão essencial, que o Apóstolo maldiz aqueles que procuram perverter-lhe o sentido. Na Carta ao Gálatas, lança anátema sobre os falsificadores do Evangelho: "Se alguém  - escreve energicamente  -  nós ou um Anjo baixado do Céu, vos anunciar um evangelho diferente do que vos temos anunciado, seja anátema" (1, 9).

Desarticulação da doutrina da Igreja

Os desvios da moral-nova, que apontamos acima, já fazem parte de um dessoramento do Evangelho que a Igreja sempre nos ensinou. No entanto, a desarticulação da doutrina católica que notamos em mestres, que se arvoram em renovadores do Cristianismo na Igreja, é mais profunda. Diríamos que um senso de erro e pecado invadiu a sociedade e infecciona também meios católicos.

Como, quer o relaxamento moral, a que acima aludimos, quer os erros de doutrina, espalham-se rapidamente, pelo mundo inteiro, graças à facilidade das comunicações modernas, julgamos de Nosso dever alertar-vos, caríssimos filhos, não venha a criar-se no vosso espírito uma mentalidade cristã falsa, contrária ao Evangelho de Jesus Cristo.

A noção de pecado e amor de Deus

Assim, um dos pontos que os fautores do novo cristianismo ignoram é o pecado, porquanto   -  dizem  -  o fiel deve ser formado no amor e não no temor servil. Ao menos evite-se a expressão "pecado mortal", para não parecer algo de definitivo, para não traumatizar a criança. O mesmo se diga da distinção entre pecado mortal e pecado venial, que cria uma casuística que mirra o amor.

Não há dúvida de que o modelo a ser apresentado a todo fiel, para sua formação, seja qual for sua idade, é a Pessoa adorável de Jesus Cristo, cujo amor ardente se deve inculcar ao cristão desde os primeiros anos. Essa norma, no entanto, não só não pede que se evite falar sobre o pecado, como se torna falha, inoperante, se omitir semelhante noção.

De fato, como formar o coração da criança, a vontade do adulto no amor divino, sem ensinar-lhes que esse amor pede uma conformação da própria vontade com a vontade de Deus? E como conformar a vontade própria com a do Altíssimo, se não se sabe o que Ele quer, o que Lhe agrada e o que Lhe desagrada, ou seja, o que Ele manda e o que Ele proíbe? O próprio amor divino, está a exigir que Deus nos diga o que deseja que façamos, e, consequentemente, o que não quer que pratiquemos. Santa Maria Goretti deu certamente a maior prova de amor a Deus Nosso Senhor. O próprio Jesus Cristo o declarou quando disse que "ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos" (Jo, 15,13). Ora, o que levou essa menina de seus doze anos ao martírio? - A fuga do pecado. Ao sedutor que a impelia ao ato mau, opunha: - Não. É pecado! Perguntamos, como poderia essa virgem mostrar tão grande amor a Nosso Senhor se não tivesse a noção de pecado?  Se não soubesse distinguir o que Deus não quer que se faça?

A noção de pecado é, pois, indispensável para a formação da própria caridade com que devemos amar a Deus sobre todas as coisas. Sem essa noção, é impossível dar uma ideia do que seja virtude e do que seja vício. Em outras palavras, é impossível distinguir entre o bem e o mal, é impossível qualquer formação moral.

É, pois, de todo necessária para a formação católica uma noção exata do pecado. E não vemos porque se deva evitar a expressão "pecado mortal", quando o pecado que ela designa dá de fato a morte à alma, tanto assim que uma pessoa que morra em estado de pecado mortal não se salva, vai para o inferno. Temos falado sempre de pecado, sem nenhum adjetivo, porque, no sentido estrito da palavra, pecado é só o mortal. Este, com efeito, é que envolve uma desobediência deliberada a uma ordem positiva de Deus Nosso Senhor em matéria grave, encerra, portanto, uma preferência do homem de si mesmo, de sua vontade, com preterição da vontade de Deus. Nem por isso queremos significar que seja inútil, ociosa ou prejudicial a distinção entre pecado mortal e pecado venial. Muito pelo contrário, está ela fundada na debilidade da nossa natureza, capaz de atos incompletos, semideliberados, capaz de proceder como crianças que evitam o que as faça romper com seus pais, mas permitem-se muitas coisas que elas sabem que, embora desagradem, não chegam a destruir a amizade paterna. O conceito de pecado venial, aliás, serve, de um lado para evitar o desespero, e de outro para nos habituar à humildade, tão fracos somos que não alcançamos agradar a Deus absolutamente em todas as coisas, como o desejáramos.

Coincide com a maneira de pensar por Nós aqui reprovada a afirmação de que a confissão auricular não é nem necessária nem conveniente às crianças, e, mesmo para os adultos, só raramente deve ser admitida, porquanto para a absolvição basta a contrição. Dizemos, apenas, que toda esta maneira de conceber o Sacramento da Penitência não é católica. O Concílio Tridentino (Sess. XVI) reconhece a distinção entre pecado mortal e pecado venial, declara que, por imposição divina, devem ser confessados todos os pecados mortais, porquanto cada um deles deve ser submetido ao tribunal da penitência. De maneira que se deve reprovar o costume de dar absolvição geral aos fiéis, sem primeiro ouvi-los em confissão auricular, sendo que a cada um julgará o confessor antes de absolvê-lo.

Se agora perguntarmos a quem interessa a dissolução do senso moral, não teremos dúvida em responder: ao comunismo. Logo, um dos meios de se opor ao avanço deste é dar uma noção viva do pecado, sem a qual, aliás, é impossível qualquer formação católica.

Será, portanto, sempre necessário repetir aos fiéis as palavras de Jesus Cristo: "Si diligitis me mandata mea servate" (Jo. 14, 15)  - "mandata", isto é, ordens, leis, cujo conhecimento só é completo, e cuja observância só envolve caridade perfeita, quando se conhecem também quais os castigos que sofrerão os transgressores.

Não é, pois, preciso dizer que para nós, seres compostos de espírito e matéria, cujas ideias se formam através da sensibilidade, a noção de pecado só nos é completa quando avaliamos a enormidade deste pelos castigos pavorosos com que justamente o pune a Justiça divina. Uma formação religiosa que omitisse a exposição do inferno seria falha, não se poderia dizer católica.


Não há necessidade de salientar como se torna oportuno comemorar as aparições de Nossa Senhora em Fátima, na quais a Misericórdia divina veio ao encalço dos pecadores, fazendo-lhes sentir o peso de suas faltas através do espetáculo pavoroso do inferno. 

segunda-feira, 27 de março de 2017

O PROPÓSITO DEVE SER UNIVERSAL

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA

Já vimos que o propósito deve ser firme. Veremos agora que ele deve ser UNIVERSAL, quer dizer, é preciso estar resolvido a evitar todo o pecado mortal. "Se o pecador fizer penitência de todas as iniquidades que cometeu, e quiser observar todos os meus preceitos, ele viverá; não me lembrarei mais das suas iniquidades", assim diz Deus Nosso Senhor pelo profeta Ezequiel, XVIII, 21.  Quem se propõe a evitar alguns pecados, mas conserva outros (mortais) como sejam: certas amizades perigosas, certos livros ou jornais que atacam a fé ou os costumes, bens que não possuem com tranquilidade de consciência, ódios e desejos de vingança contra o próximo, não são perdoados porque querem dividir ser coração entre Deus e o demônio. O demônio contenta-se, por isso mesmo, com esta divisão. Mas Deus não. Conhecemos a sentença que deu um dia Salomão. Duas mulheres apresentaram-se à sua presença, reclamando uma criança da qual cada uma pretendia ser a mãe. Ordenou que cortassem ao meio a criança, e dessem a metade a cada uma. Enquanto uma aceitava a sentença, exclamou a outra: "Eu vos suplico, ó rei, dai-lhe a criança viva, e não a mateis". Salomão descobriu assim a verdadeira mãe da criança, e lha entregou. Do mesmo modo o demônio, que não é nosso pai, mas o nosso inimigo, contenta-se com uma parte do nosso coração, enquanto Deus, nosso verdadeiro pai, o quer todo inteiro. "Ninguém pode servir a dois senhores, nos diz Jesus Cristo (Cf. Mat. VI, 24). Aqueles que aspiram a servir dois senhores, Deus os rejeita; Ele quer ser o nosso único Senhor, e é com justiça que recusa dividir com o demônio a posse do nosso coração.


Eis porque é preciso estar resolvido a evitar todo o pecado mortal. Quanto aos pecados veniais, pode-se desejar evitar alguns sem querer evitar os outros, e entretanto fazer uma boa confissão. Mas as almas que temem e amam a Deus tomam a resolução de se abster de todo o pecado venial deliberado; e, quanto às faltas veniais não deliberadas, isto é, que se cometem sem um pleno consentimento da vontade, estas boas almas se propõem a cometê-las o menos possível, visto que é impossível à nossa fraqueza natural evitá-las todas. 

CARTA PASTORAL SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FÉ E DOS BONS COSTUMES


(CONTINUAÇÃO)

III

Estes pontos todos [Lições de Fátima, apresentadas no fim do capítulo II - postagem anterior] concordam perfeitamente com o ensino tradicional da Igreja. É na visão celeste da Corte angélica que cresce no coração dos fiéis a confiança da Bondade Divina, que tão amorosamente providenciou os guias de nossa peregrinação terrena.

Sobre a Virgem Santíssima, de há muito a doutrina constante da Sagrada Hierarquia e a piedade ativa dos fiéis a associaram à obra redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo, seu Divino Filho. Como por Maria recebeu o mundo ao Salvador, assim por Maria receberam os homens os frutos da Redenção. A Virgem Santíssima é chamada a Onipotência suplicante, por quanto está sempre a interceder por nós, e suas preces são sempre aceitas do Pai Eterno. Mais; por disposição da Providência, nenhuma graça desce do Céu à terra si se não interpuser a intercessão de Nossa Senhora. Como corolário dessa doutrina tradicional da Igreja, Nosso Senhor determina, em Fátima, que a salvação do mundo Ele a concederá por meio do Imaculado Coração de sua Mãe Santíssima. Nessa mesma ordem da Providência estão as graças especiais concedidas à reza do rosário mariano, como, aliás, já consta da história eclesiástica, desde que foi essa devoção introduzida entre os fiéis.

As guerras e calamidades, desde o Antigo Testamento, são apresentadas como consequência do pecado, e é doutrina tradicional que, como todos os males, também elas entraram no mundo pelo pecado original, fonte dos demais outros.

Importa, no entanto, nos detenhamos mais sobre o espírito de reparação, a penitência e a consideração sobre o inferno.

Reparação e penitência

Ao espírito de reparação, a compaixão nos sofrimentos do Divino Salvador e, consequentemente, nos de sua Mãe Santíssima, nos convidam as expressões cheias de ternura do Discípulo amado que auscultou o Coração de Jesus, e as queixas amorosas do próprio Divino Salvador. A palavra de São João, "Sic Deus dilexit mundum ut Filium suum Unigenitum daret - Deus de tal maneira amou o mundo que entregou seu Filho Unigênito" ( Jo. 3, 16), soa como um brado a despertar em nossos corações as fibras da gratidão; e a de Jesus Cristo, no Horto das Oliveiras, quando se viu oprimido pelos nossos pecados, e triturado pelas nossas ofensas: "Non potuistis una hora vigilare mecum?  -  Não pudestes vigiar uma hora apenas comigo?" (Mat. 26, 40), é uma amorosa censura por nossa falta de compaixão nos seus sofrimentos.

A penitência, a mortificação dos sentidos e da própria vontade são parte essencial da doutrina de Jesus Cristo, constantemente pregada pelos Apóstolos e pela Santa Igreja. É ela condição indispensável para que a pessoa possa entrar no Reino de Deus: "Fazei penitência, porque se aproxima o Reino de Deus" (Mat. 4, 7), prega-nos Jesus Cristo. "Fazei penitência e seja cada um de vós batizado no nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados" (At. 2, 38), confirma o Príncipe dos Apóstolos. Por seu turno, a mortificação, à imitação de Jesus Cristo, obediente até à morte, e aceitando todos os sofrimentos que torturaram seu Corpo sacrossanto, deve acompanhar o fiel que deseja manter sua união com o Divino Salvador: "Trazemos sempre em nosso corpo os traços da morte de Jesus para que também a vida de Jesus se manifeste em nós" ( 2 Cor. 4, 10), diz São Paulo de si mesmo, e recomenda a mesma norma aos seus discípulos: "Se viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se, pelo Espírito [isto é, a graça de Deus], mortificardes as obras da carne, vivereis" (Rom. 8, 13). Depois, a Igreja inculcou sempre aos seus filhos o espírito de penitência. Foi este espírito que povoou os desertos com os santos anacoretas, como foi a renúncia até à morte que deu energia aos Mártires para sofrerem os mais atrozes tormentos por Jesus Cristo. E todos os grandes Santos, os Patriarcas das Ordens e Congregações religiosas puseram sempre a penitência como fundamento para chegarem, eles mesmos e seus discípulos, à vida de união com Jesus Cristo.

A natureza decaída exige a penitência

A razão por que a penitência é assim tão necessária é a concupiscência que habita em nosso corpo de pecado. É a lei da carne que se opõe à virtude: "Sinto nos meus membros, diz São Paulo, outra lei que luta contra  a lei de meu espírito e que me prende à lei do pecado, que está no meu corpo" (Rom. 7, 23). Este fato, esta luta, esta contradição íntima de nossa natureza, que nos leva a fazer o mal que reprovamos, é que nos obriga a uma vigilância, uma mortificação contínua, a fim de que, auxiliados pela graça de Deus, em nós não domine o pecado, mas vivamos segundo o Espírito de Jesus Cristo. A exortação, pois, do Salvador no Jardim das Oliveiras, "vigilate et orate ne intretis in tentationem" (Mat. 26, 41), vale para todos os tempos. Oração e penitência recomenda Maria Santíssima em Fátima, para a conversão dos pecadores.

De fato, a oração e a penitência, assumida com espírito de reparação, à imitação de Jesus Cristo, não apenas valem para o fiel que as pratica, como o torna colaborador na obra redentora do Filho de Deus, conforme a palavra do Apóstolo: "Alegro-me nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne por seu corpo que é a Igreja" (Col. 1, 24).

Em suma, deve o cristão, para santificar-se e colaborar na conversão dos pecadores, levar uma vida nova, santa em Cristo Jesus, e isso dele pede que, pela mortificação contínua dos seus membros, renuncie ao que há de mundano: a devassidão, a impureza, as paixões, os maus desejos, a concupiscência, a ira, a cólera, maledicência, a maldade, as palavras torpes, etc. (Cf. Col., 3, 5-8).

Não há dúvida que a luta que se pede ao fiel é um combate duro, porquanto o inimigo é interno, aliciante e, bem manejado pelo Príncipe deste mundo, é sem a graça de Deus, invencível.

Benefícios da meditação sobre o inferno

Uma dessas graças que devem ser arroladas entre as forças que vencem nossas tendências para o mal, é a consideração dos novíssimos, conforme a expressão da Escritura: "Memorare novissima tua, et in aeternum non peccabis" (Ec. 7, 40). E entre os novíssimos o que causa maior impressão e, por isso, goza de especial eficácia para arrancar o homem animal, que somos, ao vício, e orientá-lo à prática da virtude, é o inferno com suas penas eternas, a perda da bem-aventurança e o fogo interminável.

Frequentes vezes propôs o Salvador o fogo inextinguível do inferno como meio para levar seus discípulos à prática dos Mandamentos: Se a tua mão for para ti ocasião de queda, corta-a; melhor te é entrares na vida eterna aleijado, do que, tendo duas mãos, ires para a geena, para o fogo inextinguível [...]. Se o teu pé for para ti ocasião de queda, corta-o fora; melhor te é entrares na vida eterna aleijado, do que, tendo dois pés, seres lançado à geena do fogo inextinguível [...]. Se o teu olho for para ti ocasião de queda, arranca-o; melhor te é entrares com um olho de menos na Reino de Deus do que, tendo dois olhos, seres lançado à geena do fogo, onde [...] o fogo não se apaga" (Marc. 9, 42 ss.). Em São Mateus, o Senhor nos adverte que não devemos temer os que matam o corpo, mas não podem matar a alma, pois devemos "temer antes Aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena" (Mat. 10, 28). O mesmo intencionava o Salvador, quando declarava a sentença do Juízo Final: "Ide, malditos, para o fogo eterno que foi preparado para o demônio e seus anjos" (Mat. 25, 41).

Idêntica doutrina, igual exortação encontramos nos escritos dos Apóstolos. São Paulo frequentemente adverte que os pecadores não possuirão o Reino de Deus, e São João, no Apocalipse, assim fala do castigo eterno que aguarda os sequazes do demônio: "Se alguém adorar a fera e a sua imagem, e aceitar o seu sinal na fronte ou na mão, há de beber também o vinho da cólera divina, o vinho puro deitado no cálice da sua ira. Será atormentado pelo fogo e pelo enxofre diante dos seus Santos anjos e do Cordeiro. A fumaça do seu tormento subirá pelos séculos dos séculos [isto é, eternamente]. Não terão descanso algum, dia e noite, esses que adoram a fera e a sua imagem, e todo aquele que acaso tenha recebido o sinal do seu nome" (14, 9-11). Mais abaixo volta a falar da pena que espera os pecadores: "Cada um foi julgado segundo suas obras [...]. A segundo morte é esta: o flagelo do fogo. Se alguém não foi encontrado no livro da vida, foi lançado ao fogo" (20, 13 ss.).


Com semelhante doutrina, não admira que os autores ascéticos proponham a meditação do inferno como salutar para obter a conversão e salvação dos pecadores e, mesmo, o afervoramento dos bons, porquanto o inferno também nos mostra o amor que Jesus nos teve liberando-nos de cativeiro tão horrendo. Vem a propósito salientar que Santo Inácio de Loyola no Livro dos Exercícios Espirituais  -  livro elogiado e recomendado por inúmeros Papas  -  entre as meditações fundamentais da primeira semana, a semana que deve determinar a conversão do exercitante, coloca a reflexão sobre o inferno precisamente à maneira como Nossa Senhora o propôs aos videntes de Fátima: falando intensamente aos sentidos. 

domingo, 26 de março de 2017

CARTA PASTORAL SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FÉ E DOS BONS COSTUMES


(CONTINUAÇÃO)

II

"Duzentos anos após o encontro da Imagem da Imaculada Conceição no Rio Paraíba, apareceu Nossa Senhora em Portugal, na Cova da Iria, a três pastorinhos, Lúcia, Francisco e Jacinta. À Mãe de Deus precedeu o Anjo de Portugal. A Virgem Maria apareceu aos pastorinhos seis vezes, mensalmente de 13 de maio a 13 de outubro.

Não vamos aqui especificar todas as circunstâncias em que se deram essas aparições, nem os dissabores que elas ocasionaram às três crianças com quem Deus Nosso Senhor usou dessa misericórdia. Guardemos apenas o que direta ou indiretamente contém uma mensagem que interessa não somente aos três videntes, mas a todos os fiéis, a todos nós.

O Anjo de Portugal

O Anjo de Portugal, ou Anjo da Paz  -  esses dois títulos ele mesmo se impôs  -  encaminhou as crianças à oração e ao sacrifício nas suas três aparições, no decorrer do ano de 1916. Na primeira ensinou-os a rezar: "Meu Deus! Eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e Vos não amam".

Na segunda aparição, exortou as crianças à oração e ao sacrifício: "Orai!  -  disse   -  orai! orai muito! Os corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios".

Na terceira, em que se mostrou com o cálice e a hóstia, ele mesmo, profundamente prostrado, fez uma oração reparadora, que os vidente depois repetiam: "Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários de terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo e ofendido. E, pelos méritos infinitos do seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores!"

As visitas de Nossa Senhora

Preparados seus corações pelo Mensageiro celeste, os três pastorinhos tiveram a ventura de receber a visita da própria Mãe de Deus, nas seis aparições que lhes fez, no decorrer do ano de 1917.

Na primeira, a 13 de maio, convidou-os a Virgem Santíssima a se tornarem vítimas reparadoras do Coração Divino: "Quereis oferecer-vos a Deus, disse-lhes a Senhora do Céu, para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser mandar-vos, em reparação dos pecados com que é ofendido e em súplica pela conversão dos pecadores?"

Ao que, varonilmente, os pequeninos responderam: "Sim, queremos".

E não esperaram os sofrimentos que Deus lhes quisesse mandar espontaneamente entregaram-se a uma vida de sacrifícios e mortificações que pede meças aos Padres do Deserto. Tudo pela conversão dos pecadores. Embora, como declara Francisco de acordo com a boa ordem das coisas, quisessem antes do mais consolar o Coração Divino, a conversão dos pecadores tornou-se para aquelas crianças como que uma ideia fixa.

O Imaculado Coração de Maria

Na segunda aparição, Nossa Senhora mostrou aos videntes seu Coração Imaculado cercado de espinhos que nele se cravavam. O que mais ainda excitou nos videntes o desejo de reparar pelos pecados e converter os pecadores.

Nessa mesma aparição, a Virgem Mãe revelou que levaria logo Francisco e Jacinta para o Céu, mas que Lúcia ficaria como instrumento de Jesus Cristo "para fazer conhecer e amar" a Maria Santíssima, pois Jesus "quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria".

Visão do inferno

A terceira aparição, de julho, teve importância maior. Nela revelou a Virgem Santíssima os Segredos, dos quais o primeiro, mais tarde sob ordem do Céu desvendado pelos videntes, consistiu na visão do inferno, assim descrita por Lúcia: "Era um mar de fogo. Mergulhados nele, estavam as almas condenadas e os demônios, como se fossem carvões incandescente, transparentes, pretos ou cor de bronze, formas humanas a esvoaçar nas chamas desse imenso incêndio, arrastadas pelas labaredas, a espalhar nuvens de fumaça, tombando de todos os lados como fagulhas de um grande braseiro  -  não tinham peso nem equilíbrio e soltavam uivos de desespero, gemidos de dor, tão horrendos que arrepiavam de medo. Os demônios se distinguiam por formas asquerosas de animais medonhos e desconhecidos, mas transparentes como carvões acesos".

Desta visão fez Nossa Senhora, com melancólica ternura, o seguinte comentário às crianças aterrorizadas: "Estais vendo o inferno, aonde vão as almas dos pobres pecadores. Para salvá-los Deus deseja estabelecer no mundo a devoção ao meu Coração Imaculado".

Os pecados  -  a guerra  -  a difusão do comunismo

É também desta aparição a profecia sobre a segunda grande guerra e a difusão do comunismo por todo o mundo, o anúncio de que a Senhora viria pedir a consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração e a comunhão reparadora dos primeiros sábados, bem como a consoladora promessa de que por fim o mesmo Imaculado Coração triunfará. Eis como Nossa Senhora se exprimiu: "Se fizerem o que vou dizer-vos, muitas almas serão salvas e virá a paz [era durante a guerra de 1914-1918). A guerra vai terminar. Mas se não cessarem de ofender a Deus, outra guerra virá pior ainda no reinado de Pio XI. Quando virdes uma luz desconhecida iluminar a noite, ficai sabendo que esse é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo de seus crimes por meio da guerra, fome, perseguição à Igreja e ao Santo Padre. Para impedir isso virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, ela espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas. Por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz".
Estas palavras mostram que a Virgem Santíssima já previa que o mundo não atenderia ao seu pedido no sentido de não mais se ofender a Deus; por isso, ao mesmo tempo que declara que esses meios evitariam uma segunda guerra, anuncia o sinal precursor da grande catástrofe.

Enfim, é desta aparição a jaculatória que Nossa Senhora manda que os videntes insiram no terço após cada dezena: "Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, principalmente as que mais precisarem".

A conversão dos pecadores

A quarta aparição se deu, não na Cova da Iria, mas em outro lugar da região, chamado Valinhos. Também não ocorreu no dia 13, mas alguns dias depois, em 19 de agosto, devido à interferência anticlerical e maçônica do Administrador de Ourém. Nesta, como nas demais, Nossa Senhora insistiu sobre as orações e sacrifícios pela conversão dos pecadores: "Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, pois vão muitas almas para o inferno, por não haver quem se sacrifique e peça por elas".

A quinta entrevista entre a Virgem Santíssima e os pequenos videntes, a mais curta de todas, assinalou-se por uma insistência sobre a reza do terço, uma advertência amorosa da Mãe Celeste, alegre pelos sacrifícios de seus amiguinhos, mas moderando-lhes um pouco o ardor na mortificação, e a promessa alvissareira de que no próximo mês veriam também a Nosso Senhor e São José: Continuem a rezar o terço, para alcançarem a fim da guerra. Em outubro Nosso Senhor virá também, e Nossa Senhora das Dores e Nossa Senhora do Carmo e São José com o Menino Jesus para abençoar o mundo. Deus está contente com os sacrifícios de vocês, mas não quer que durmam com a corda [que tinham atada como cilício à cintura]. Usem-na somente durante o dia".

Na última aparição da série, em 13 de outubro de 1917, deu-se o conhecido milagre do sol, com o qual Deus Nosso Senhor autenticou aos olhos do mundo a veracidade das entrevistas de Virgem Maria com os pastorinhos de Aljustrel.  A um pedido de Lúcia, de que curasse alguns doentes, a Virgem Santíssima declarou que eles deveriam emendar-se e arrepender-se de seus pecados. Terminada a costumeira visão da Virgem Mãe, seguiram-se três outras, de quadros simbolizando os mistérios do rosário: a Sagrada Família, vista pelas três crianças, a Senhora das Dores, vista só por Lúcia, a Senhora do Carmo, com o Menino ao colo, coroada como Rainha do Céu e da terra.

Lições de Fátima

Os fatos que se desenrolaram em Fátima contêm um amoroso apelo de Deus Nosso Senhor:
1. a que O desagravemos e ao Coração Imaculado de sua Mãe Santíssima, das ofensas de que continuamente são objeto;
2. a que nos compadeçamos dos pobres pecadores;
3. cuja conversão, assim como o desagravo, se obtêm pela oração e as mortificações, as voluntárias e as enviadas pelo mesmo Deus.
Ensinam-nos, outrossim:
4. que a meditação sobre o inferno tem eficácia especial na conversão dos pecadores;
5. que a guerra foi um meio de que Deus se utilizou para punir os pecados do mundo;
6. que entre as orações mais eficazes, está a reza do santo rosário;
7. que a salvação do mundo se condiciona à consagração e devoção ao Imaculado Coração de Maria.
Inculcam, enfim:
8. a devoção aos Santos Anjos;

9. o poder do milagre para autenticar a mensagem divina. 

sábado, 25 de março de 2017

CARTA PASTORAL SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FÉ E DOS BONS COSTUMES


Escrita por D. Antônio de Castro Mayer por ocasião do 250º  do encontro da milagrosa imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida e do 50º aniversário das aparições de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.

 N.B.:  Hoje, cinqüenta anos depois, vamos, com a graça de Deus publicar em nosso blog ZELO ZELATUS SUM, esta Carta Pastoral, colocando apenas tricentenário em lugar de 250º anos, e centenário em lugar de 50º anos. Cada dia postaremos um trecho desta apologia da devoção a Nossa Senhora, que o então Bispo de Campos, RJ, Brasil, fez como homenagem a Mãe de Deus e nossa. O nosso estimado Bispo, de santa memória, escreveu esta Carta Pastoral na festa da Purificação de Nossa Senhora; vamos iniciar sua publicação na festa da Anunciação.

I
"A HISTÓRIA da humanidade é escrita pela bondade de Deus e a ingratidão dos homens. E nossa miséria é tanta, que nos levaria ao desespero se maior não fosse a inefável misericórdia divina, que em nós deposita a esperança. Porquanto ao coração contrito e humilhado, Deus nunca recusa seu perdão, sua graça, seu amor. Mais. A Revelação nos mostra o Salvador como que a perseguir os pecadores, a esmolar-lhes um ato de arrependimento para inundá-los com sua Redenção. E o que aconteceu nos abençoados dias da vida pública do Salvador continua no decurso dos séculos. As irrupções celestes na vida dos homens são outras tantas manifestações da misericórdia com que Deus Se empenha na conversão e salvação eterna dos pecadores. Neste ano, temos a felicidade de comemorar duas dessas celestes irrupções. Estamos [no 250º ano] no tricentenário do encontro da milagrosa Imagem de Nossa Senhora da Conceição aparecida, no rio Paraíba, junto ao porto de Itaguaçu, no Estado de São Paulo, e no [50º ano] centenário das aparições de Nossa Senhora do Rosário na Cova da Iria, em Fátima de Portugal. E estes dois aniversários são novos convites da graça que a nós nos importa muito aproveitar.

Há [duzentos e cinquenta anos] trezentos anos, em outubro de 1717, uns humildes e bondosos pescadores, empenhados numa pesca noturna no Rio Paraíba, perto do porto de Itaguaçu, nada obtinham, quando, já meio desanimados, colhem na rede uma imagem de barro de Nossa Senhora da Conceição, com traços perfeitos, belos e artísticos. Animados com a descoberta, lançam novamente as redes e colhem uma multidão de peixes que a custo levaram à margem do rio. O fato miraculoso encheu-os de gratidão para com a Mãe Celeste. Construíram no local uma ermida, que se constituiu desde logo alvo de peregrinações piedosas, avolumadas cada vez mais à vista das graças especiais obtidas pela intercessão da Virgem Aparecida. Levantou-se mais tarde a bela Basílica  que encima o morro vizinho. Em 1904 o Cabido da Basílica Vaticana decretou a coração da Imagem, realizada pelo então Bispo de São Paulo, D. José de Camargo Barro, circundado por inúmeros Prelados do País; em 1930 Pio XI constituiu a Virgem Santíssima da Conceição Aparecida Padroeira do Brasil, e hoje a nação inteira esforça-se por dar à sua Patrona celeste um santuário maior que possa acolher todos os peregrinos que vão venerá-la, agradecer-lhe uma graça recebida, ou pedir um auxílio novo para uma necessidade grave.

A preparar condignamente o povo brasileiro para a comemoração [deste] do 250º aniversário, a Imagem milagrosa da Aparecida percorreu os Estados do País, como que a convidar seus filhos a uma visita ao seu santuário. Assim, tivemos a graça inefável de hospedá-la nos dias 9 a 13 de dezembro passado. Cumpre-nos agora retribuir tão honrosa visita. Para mais nos animar a essa peregrinação ao santuário da Padroeira do Brasil, o Santo Padre concedeu um jubileu a ser lucrado em Aparecida durante este ano de 1967. Como a experiência demonstrou ser praticamente impossível uma peregrinação de toda a Diocese, recomendamos vivamente que nossos Párocos e Vigários organizem peregrinações das respectivas freguesias, de maneira que no decurso deste ano a Diocese de Campos tenha sempre aos pés da Padroeira celeste quem suplique pela muitas necessidades desta região.

Não nos esqueçamos, no entanto, de que a melhor maneira de honrar a Virgem Mãe Aparecida é a emenda de vida, mediante a prática das virtudes cristãs, o espírito de penitência e mortificação.


Fato que de si se impõe, uma vez que ele encerra toda a pregação de Jesus Cristo a seus Apóstolos; mas que se torna ainda mais evidente quando consideramos a mensagem de Fátima, cujo [cinquentenário] centenário estamos a comemorar". 

sábado, 18 de março de 2017

MAIS EXPLICAÇÕES SOBRE A ATRIÇÃO

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA

1. Não basta, para a atrição, o temor dos castigos temporais que Deus inflige aos pecadores nesta vida; pois os teólogos dizem que, assim como o castigo do pecado mortal é eterno, do mesmo modo o motivo do arrependimento deve ser o temor das penas eternas.

2. No ato de atrição, não basta que nos arrependamos somente de ter merecido o inferno; devemo-nos arrepender também DE TER OFENDIDO A DEUS, merecendo por isso o inferno.

3. O Sacrossanto Concílio de Trento diz que o ato de atrição deve ser acompanhado, não só da esperança do perdão, mas ainda da vontade de não mais pecar. De modo que, se alguém se arrependesse das suas faltas por causa do inferno que mereceu, ficando, porém, disposto a não deixar de pecar, caso o inferno não existisse, uma tal dor de nada lhe serviria; torná-lo-ia mais culpado ainda por causa da sua má vontade.

4. É preciso observar, além disso, que, ainda que a atrição, como foi dito, baste para se obter a graça neste sacramento, o penitente, confessando-se, deve juntar ainda assim ao ato de atrição o de contrição, tanto para sua maior segurança, com para seu maior bem.

Caríssimos, no próximo post, se Deus quiser, falaremos mais sobre a contrição e aí, comparando com a atrição teremos uma noção clara de ambas. Mas, ou nos catecismos para os jovens, ou para as crianças, e até mesmo nos retiros que já preguei, quase sempre ao falar da contrição e da atrição, contava um exemplo como parábola. Embora ele seja mais próprio para as crianças, peço permissão para contá-lo aqui para todos os caríssimos leitores. Em se tratando de algo um tanto subtil, nunca é demais empregarmos todos os recursos para se chegar a uma total clareza.


EXEMPLO QUE MOSTRA A DIFERENÇA ENTRE CONTRIÇÃO E ATRIÇÃO: O Padre Giuseppe Mortarino, I. C., no seu livro "A PALAVRA DE DEUS EM EXEMPLOS", conta às crianças a seguinte parábola: Dois jovens, irmãos, que tinham a mãe enferma, foram mandados pelo pai à farmácia a fim de buscarem um remédio. Mas na rua viram uma porção de jovens que iam atrás de um homem que levava um urso. Aí os dois irmãos seguiram também o homem, para verem o urso dançar, não pensando mais no remédio. Quando se lembraram, fizeram o mandado. E, de volta para casa, dizia magoado um deles: "Ai de mim! que fizemos! Agora estou com medo das pancadas que papai me dará". - O outro no entanto exclamava com grande desgosto: Como fomos maus! Desgostamos papai, que é tão bom!"  Ao primeiro se parece o pecador que se arrepende por temor dos castigos divinos (dor imperfeita ou atrição). Ao outro se assemelha quem se arrepende por ter ofendido um Deus tão bom (dor perfeita, ou contrição). É claro que toda comparação claudica. Mas meditando nos detalhes que expusemos sobre a atrição, todos terão facilidade em entender a atrição em seu pleno sentido. E agora, na próxima postagem sobre este assunto, vamos dar maiores detalhes sobre a contrição, se Deus quiser. Amém!

quarta-feira, 15 de março de 2017

O SACERDÓCIO COMUM DOS FIÉIS


   O Apóstolo São Pedro, ao exortar os primeiros cristãos a unirem-se a Cristo para progredir na santidade, lembra-lhes os seus títulos de nobreza. Falando sobre Cristo ele diz: "Chegai-vos para Ele, como para a pedra viva  que  os homens tinham rejeitado, mas que Deus escolheu e honrou; também sobre ela vós mesmos, como pedras vivas, sede edificados em casa espiritual, em SACERDÓCIO SANTO, para oferecer SACRIFÍCIOS ESPIRITUAIS, que sejam aceitos a Deus por Jesus Cristo... Vós sois a GERAÇÃO ESCOLHIDA, O SACERDÓCIO REAL, A GENTE SANTA, UM POVO QUE DEUS CONQUISTOU, para que publiqueis as grandezas d'Aquele que das trevas vos chamou à sua maravilhosa luz" (1 São Pedro, II, 4 e 5-9).

   São Pedro fala aí de um sacerdócio, mas não no sentido próprio, em toda a extensão da palavra. Fala no sentido lato. Sacerdote no sentido próprio é aquele que é conferido pelo sacramento da Ordem. Este sacerdócio secundário vem do  batismo  que nos enxerta em Cristo. E com Cristo formamos então um só organismo sobrenatural.

  Resumindo: O Sacerdócio existe de maneira real mas diversa: 1º em Cristo; 2º no padre; 3º no leigo. Em Cristo o Sacerdócio se realiza em sua plenitude; no padre, se realiza de maneira própria pelo sacramento da Ordem mas como uma participação do sacerdócio de Cristo; e no leigo o sacerdócio vem pelo batismo, mas de uma maneira muito mais apagada e limitada. É deste último que estamos tratando. Devemos explicar bem este ponto porque os protestantes que pregam que Jesus é o ÚNICO sacerdote, curiosamente, baseados neste texto de São Pedro, dizem que todos os fiéis são sacerdotes (!) E os progressistas também abusam desta passagem para dizer que os fiéis concelebram com o padre, o que também não é verdade como veremos depois.

   Mas, antes de continuarmos, vejamos bem o sentido verdadeiro do texto de São Pedro, na sua 1ª Epístola, II, 9. Uma coisa logo atrapalha aquele que só tem em mãos o texto em português, é que S. Pedro diz: " Vós sois ... UM SACERDÓCIO REAL. Mas, acontece que a palavra REAL tem dois sentidos em português: REAL no sentido = que existe de fato, que é verdadeiro. E REAL no sentido = relativo ao rei, digno de rei, régio. E São Pedro emprega a palavra neste segundo sentido. Ele escreveu esta sua 1ª epístola em grego, e a palavra que ele empregou é: BASÍLEION  que só tem este segundo sentido ( = régio). Por isso São Jerônimo traduziu para o latim empregando a palavra REGALE. Se fosse no 1º sentido teria empregado a palavra REALE.  Mas que vem a ser um SACERDÓCIO RÉGIO? Equivale a UM CORPO RÉGIO DE SACERDOTES; equivale a REINO SACERDOTAL.  São Pedro, neste versículo 9º de sua 1ª epístola, faz apenas reproduzir, aplicando aos cristãos, aquilo que já havia sido dito aos judeus no livro do Êxodo XIX, 5 e 6: "Se, portanto, ouvirdes a minha voz e observardes o pacto que eu fiz convosco, sereis para mim a PORÇÃO ESCOLHIDA dentre todos os povos, porque minha é toda terra; e vós sereis o meu REINO SACERDOTAL e uma NAÇÃO SANTA". 


   Deus chamou aos judeus uma REINO SACERDOTAL. Que se segue daí? Que entre os judeus todos eram sacerdotes? Não. Porque este sacerdócio efetivo da lei judaica era privativo dos descendentes de Arão. Confira: Ex. XXVIII, 1; Números, XVI, 39 e 40 e muitos outros textos. 


   Uma NAÇÃO SACERDOTAL, portanto, não quer dizer uma nação em que todos são sacerdotes, no sentido rigoroso da palavra, mas uma nação que é toda consagrada a Deus, assim como os sacerdotes são a Ele consagrados e é neste sentido que São Pedro chama um REAL SACERDÓCIO  o povo cristão. 

   Depois, basta a gente ver como Jesus separou do meio do povo os seus Apóstolos, educou-os carinhosamente, revelando só a eles os mistérios do reino de Deus (Mat.XIII, 11) dando-lhes só a eles na intimidade da última Ceia o poder de realizar o mistério eucarístico (S. Luc. XII, 19), dando a eles numa casa de portas fechadas, o poder de perdoar pecados (S. João, XX, 23), enviando-os só a eles a ENSINAR e a batizar ( S. Mat. XXVIII, 19) , fazendo deles uns ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus (1 Cor. IV, 1). Depois o próprio São Pedro nesta mesma epístola fala de rebanhos e pastores. Portanto não tem o mínimo cabimento para interpretar esta passagem de São Pedro no sentido de dizer que todos os fiéis são sacerdotes. 

   Concluo, então, repetindo o que já disse no início: O sacerdócio existe de maneira REAL porém essencialmente DIVERSA: ou seja, JESUS CRISTO É O SACERDOTE SUPREMO EM TODA SUA PLENITUDE;  O SACERDÓCIO REALIZA-SE DE MANEIRA PRÓPRIA, EMBORA PARTICIPADA NO SACERDÓCIO HIERÁRQUICO, OU SEJA NOS PADRES. O SACERDÓCIO EXISTE TAMBÉM NOS LEIGOS MAS DE UMA MANEIRA LIMITADA, POR VIRTUDE DO SACRAMENTO DO BATISMO. 

   Portanto, só o Sacramento da Ordem confere o poder e a capacidade para operar a transubstanciação no Sacrifício da Santa Missa. O simples fiel, ou leigo, é pois incapaz de o fazer. Vamos mostrar melhor em que consiste, então ESTE SACERDÓCIO COMUM DOS FIÉIS.


 Como vimos, São Pedro (1ª Pedro, II, 9) chama o povo cristão de "regale sacerdotium", isto é, "sacerdócio régio". O próprio Apóstolo mostra que se trata do sacerdócio que dá aos fiéis o poder e dever de apresentar a Deus vítimas espirituais, e em primeiro lugar a si mesmos,,transformados em vítimas pela imitação de Jesus Cristo, renúncia do amor próprio, mortificação, prática das virtudes.

   Santo Tomás de Aquino declara que o caráter batismal confere ao que se batiza uma assimilação ao sacerdócio de Jesus Cristo.. Eis o que ensina o doutor Angélico: "O leigo justo está unido a Cristo pela união espiritual da fé e da caridade, mas não pelo poder sacramental. Por isso tem o sacerdócio espiritual para oferecer hóstias espirituais, das quais diz a Escritura: "Sacrifício para Deus é o espírito atribulado" (Salmo 50, 19); e "Oferecei os vossos corpos como uma hóstia viva" (Rom. XII, 1); e ainda 1 Petr. II, 6: "Em sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais" (Cf. S. Theol. 3ª p., q. 82. a. 1 ad 1). E Santo Tomás explica o porquê: "Todos os sacramentos tornam o homem participante do sacerdócio de Cristo, porque recebe assim um certo efeito dele. Mas nem por todos os sacramentos somos destinados a fazer alguma coisa ou a receber o que pertença ao culto do sacerdócio de Cristo. O que, porém, se exige para isso é que o sacramento imprima caráter" (Cf. S. Theol., 3ª p., q. 63, a. VI ad 1). Este sacerdócio comum a todos os membros da Igreja, dá-lhes a capacidade de se beneficiarem das graças com que Jesus enriqueceu a sua Igreja, especialmente os sacramentos que os não batizados não podem receber. Neste sentido, são eles passíveis de se beneficiarem dos frutos do Sacrifício Eucarístico, que é o Sacrifício da Igreja. Os leigos batizados, além disso, têm a possibilidade de participar ativamente neste mesmo sacrifício da Santa Missa, enquanto são membros da Igreja, e portanto fazem parte do Corpo Místico de Cristo, em cujo nome Jesus oferece sua oblação sacrifical na Santa Missa. Os fiéis leigos tomam assim parte no Sacrifício do Altar. Diz o Papa Pio XII na "Mediator Dei": "Pelo sacramento do batismo, os cristãos tornam-se, por título comum, membros do Corpo Místico de Cristo Sacerdote e, em virtude do "caráter" que se lhes imprime na alma, são deputados para o culto divino, participando assim, de modo conveniente ao seu estado, no sacerdócio de Cristo". 


   Na Igreja há uma razão especial que justifica a intervenção do sacerdócio hierárquico nos atos do culto divino. É que o centro para o qual converge o culto católico, e a fonte de onde dimana a vitalidade da Igreja, é a Santíssima Eucaristia, Sacrifício que renova a oblação reparadora do Filho de Deus, e o Sacramento que O  contém real e verdadeiramente como está no Céu. Se no Antigo Testamento, a Arca da Aliança, mera figura das realidades futuras, exigia mãos santificadas para nela tocarem, que diremos da Santíssima Eucaristia? 


   Para os fiéis participarem da Missa segundo "o modo conveniente  ao seu estado" mostraremos o que não podem fazer, por lhes faltar o poder. E o que podem e devem fazer na qualidade de membros do Corpo Místico de Cristo. 

    O padre na Missa, imola e oferece a vítima; o fiel não imola, só oferece. Falta-lhe, como já dissemos, a capacidade para transubstanciar. O fiel não é ministro do Sacrifício da Missa. Em compensação o fiel oferece o Sacrifício em virtude do seu sacerdócio batismal. E oferece num sentido real, e não simplesmente metafórico. Ele oferece como "membro", nunca como "instrumento de Cristo". Só o sacerdote pelo sacramento da Ordem pode ser ministro e instrumento de Cristo. 

   Diz Pio XII: "Que os fiéis oferecem o Sacrifício pelas mãos do sacerdote, claramente se deduz do fato de que o ministro do Sacrifício do Altar age como representante de Cristo, enquanto Cabeça, que oferece em nome dos membros todos; é por isso que com razão se diz que toda a Igreja, por meio de Cristo, faz a oblação da vítima". (Mediator Dei). 

   Para ilustrar a estreita união dos fiéis com o Sumo Sacerdote, no Sacrifício da Missa, recorre São Cipriano ao simbolismo do vinho e da água misturados no cálice, o vinho figurando a Cristo, a água figurando os fiéis.
   Santo Tomás faz uma explanação mostrando que na Missa há a consagração que o Sacerdote realiza como representante de Jesus Cristo, e há as preces sacerdotais, especialmente as do cânon, que ele recita sozinho, mas como representante da Igreja, dos fiéis.

   De maneira que , na realização do ato sacrifical da Missa, os fiéis não tomam parte, É executado só pelo Sacerdote que, no momento representa a pessoa de Jesus Cristo. E para que se tornasse capaz desse ato, recebeu o Sacerdote a unção sagrada no Sacramento da Ordem. E de fato, a Igreja é, por instituição divina, uma sociedade hierárquica, que não pode ser concebida à maneira das democracias regidas pelo sufrágio universal, onde os governos, eleitos pelo povo, são mandatários da comunidade.

    Os fiéis, no entanto, devem considerar elemento essencial de suas vidas, participar ativamente no Santo Sacrifício da Missa. A Santa Missa deve ocupar o centro de toda a nossa existência.

   Nas palavras de Inocêncio III, temos a norma da participação ativa dos fiéis no Santo Sacrifício do Altar: o que realizam em particular os Sacerdotes, o povo deve realizá-lo universalmente em voto. E no ato mesmo sacrifical, isto é, na consagração, a participação do povo fiel não pode ir além do voto, ou seja, da aprovação interna, da união de sentimentos aos do Sacerdote que celebra, e aos do próprio Jesus Cristo, que é imolado sobre o altar.

   Aliás, em toda a Missa, o elemento essencial da participação do fiel consiste em unir os próprios sentimentos da adoração, ação de graças, expiação e impetração ao que teve Jesus Cristo ao morrer por nós, e que devem animar o Sacerdote que oferece o Sacrifício da Missa. Esta união do culto interno, é que torna proveitosa a participação do fiél na Santa Missa. É um grande erro achar que participar da Missa é apenas seguir os gestos e repetir as palavras. Pio XII considera isto: "rito vão e formalismo sem sentido". 

   O Papa Pio XII insiste na "Mediator Dei" sobre a importância do culto interno. "É necessário, diz ele, que os fiéis se imolem a si mesmos como vítimas". Em que consista esta imolação, declara o papa em outro lugar da mesma encíclica: "Considerem os fiéis suma honra participar no Sacrifício Eucarístico de maneira que a "união como o Sumo Sacerdote não possa ser mais íntima, conforme a palavra do Apóstolo: "Tende em vós os mesmos sentimentos de Jesus Cristo." (Fil. II, 5), o que "exige de todo cristão que reproduza em si, quanto, está nas possibilidades humanas, o mesmo estado de alma que tinha o Divino Redentor quando realizava o Sacrifício de si mesmo: a humilde submissão do espírito e a adoração, honra, louvor e ação de graças à Suprema Majestade de Deus; mais, reproduza em si mesmo a condição de vítima, a abnegação segundo os preceitos do Evangelho, o voluntário e espontâneo exercício da penitência, a dor e expiação dos próprios pecados; numa palavra: que todos espiritualmente morramos com Cristo na Cruz, de modo a podermos dizer com São Paulo: "Estou pregado na Cruz com Cristo" (Mediator Dei). 

   Não é despropósito dizer que na patena, ao lado da hóstia, estão as almas do celebrante e dos assistentes.
Dignou-se o Senhor, na sua misericórdia, fazer de nós "cooperadores de Deus" (1 Cor. III, 9). Ora bem, a obra de Cristo foi a Redenção; cooperar nela é sofrer, como ele sofreu, para remir as almas. Não por indigência, mas por bondade, Ele aceita que unamos nossos padecimentos aos d'Ele, por nossos irmãos, "Alegro-me nos sofrimentos por vós, e que complete o que falta aos sofrimentos de Cristo, pelo seu Corpo que é a Igreja" (Col, I, 12). 

   Oh! se os fiéis compreendessem profundamente e perfeitamente praticassem a participação no Santo Sacrifício da Missa. Mais do que assistir à Missa, participar da Missa no seu decurso, mais do que tudo isto é prolongar a Missa na sua vida, é viver a Santa Missa!!!