quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ARIO E SUA DOUTRINA

Por São João Bosco  -  Compêndio de História Eclesiástica


  "Nosso Divino Salvador nos deixou dito no Evangelho, que sua Igreja sempre seria perseguida, e que o inferno poria em campo todas as suas más artes para destruí-la, nunca, porém, poderia prevalecer contra ela. Os três primeiros séculos foram tempos de perseguições, de sangue e de estragos; mas a fé de Jesus Cristo passou gloriosa e triunfante por entre esses desastres. À perseguição seguiu-se o triunfo e a paz, mas assim que pôde respirar a Igreja, ao cessarem as perseguições, acometeram-na ferozmente a heresia e o cisma, especialmente por meio de um sacerdote de Alexandria chamado Ario. Era Ario homem ambicioso que se achava disposto a cometer qualquer crime para satisfazer sua vaidade. Teve o atrevimento de pregar contra a divindade de Jesus Cristo afirmando que o Filho de Deus não é igual ao Pai, mas sim criatura sua. Esta doutrina foi desprezada no mesmo instante com o horror que merecia, ouvindo-se reprovar em todas as partes essas impiedades e blasfêmias. Bispos e doutores se levantaram contra Ario com a voz e com escritos; encontrou não obstante partidários enganados por sua hipocrisia, e conseguiu perturbar a Igreja em todas as partes. 

  CONCÍLIO DE NICEIA.  - "Conhecendo o imperador os progressos da nova heresia, concordou com o Papa São Silvestre, em opôr-se a ela, convocando um Concílio Ecumênico, isto é, uma reunião geral dos bispos. Nesse ínterim ordenou a todos os governadores de províncias que os provessem de todo o necessário para a viagem. O Pontífice consentiu de bom grado e resolveu que o Concílio se reunisse em Niceia, cidade principal de Bitínia. Abriu-se o Concílio no ano 325 e achavam-se presentes 318 bispos. O Papa, não podendo ir pessoalmente, mandou para o representar a Ósio, Bispo de Córdova, e dois sacerdotes romanos chamados Vito e Vicente. Eram, pois, eles os legados do Papa, que deviam presidir em seu nome ao Concílio. Foi uma reunião imponente, nunca vista e impossível de se descrever: parte dos prelados que a compunham distinguia-se já por doutrina, santidade e milagres, e muitos deles traziam as cicatrizes dos tormentos que tinham sofrido na última perseguição. No dia em que devia inaugurar o Concílio, reuniram-se todos os bispos em uma grande sala. Constantino, como sinal de repeito aos que se achavam presentes, quis entrar por último, e não quis tomar assento até que o tivessem feito os demais. Tomou parte no Concílio, não como juiz, senão como protetor dos bispos e para impedir que os hereges causassem turbulências.
  Ario, que também tinha sido admitido, atreveu-se a sustentar jactosamente sua blasfêmia em presença do Concílio. Horrorizaram-se os Padres, e com argumentos tirados dos Livros Sagrados e da Tradição, provaram e definiram que Jesus Cristo é igual ao Pai e verdadeiro Deus, e que tem a mesma substância e a mesma natureza que o Pai. Para exprimir este dogma, empregaram os católicos a palavra consubstancial. Ósio, como presidente do Concílio e legado do Vigário de Jesus Cristo compôs uma profissão de fé conhecida sob o nome de Símbolo de Niceia. Os bispos pronunciaram anátema contra Ario, e o imperador apoiou o juízo dogmático da Igreja com a força do braço secular, desterrando o herege e seus partidários. Tal foi a conclusão desta célebre reunião, cuja memória sempre será venerada pelos católicos, por ter constituído o primeiro Concílio Geral da Igreja. 

Continua no próximo post.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

CONCÍLIO VATICANO I - CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA SOBRE A FÉ CATÓLICA

Capítulo II   -    A Revelação

   A mesma Santa Madre Igreja crê e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas; pois as perfeições invisíveis tornam-se visíveis depois da criação do mundo, pela conhecimento que as suas obras nos dão dele (Rom. 1, 20); mas que aprouve à sua misericórdia e bondade revelar-se a si e os eternos decretos da sua vontade ao gênero humano por outra via, e esta sobrenatural, conforme testemunha o Apóstolo: Havendo Deus outrora falado aos pais pelos profetas, muitas vezes e de muitos modos, ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho (Heb. 1, 1 s; cân. 1).
   A esta revelação divina deve-se certamente atribuir o poderem todos, mesmo nas condições atuais do gênero humano, conhecer expeditamente, com firme certeza e sem mistura de erro, aquilo que nas coisas divinas não é de per si inacessível à razão humana. Contudo, não se deve dizer que a revelação é absolutamente necessária por este motivo, mas porque Deus, em sua infinita bondade, ordenou o homem para o fim sobrenatural, isto é, para participar dos bens divinos, que estão inteiramente acima da compreensão da inteligência humana; pois nem os olhos viram, nem os ouvidos ouviram, nem penetrou no coração do homem o que Deus preparou para aqueles que o amam (I Cor. 2, 9; c^n. 2 e 3).
   Esta revelação sobrenatural, porém, segundo a doutrina da Igreja universal, definida pelo Concílio Tridentino, está contida "nos livros e nas tradições não escritas que, recebidas pelos Apóstolos da boca do próprio Cristo, ou que transmitidas como que de mão em mão pelos próprios Apóstolos sob a inspiração do Espírito Santo, chegaram até nós" (Concilio Tridentino). E estes livros do Antigo e do Novo Testamento, inteiros e com todas as suas partes, conforme vêm enumerados no decreto do mesmo Concílio e se encontram na antiga edição latina da Vulgata, devem ser aceitos como sagrados e canônicos. E a Santa Igreja os tem como tais, não por terem sido redigidos somente por obra humana e em seguida aprovados pela sua autoridade, nem somente por conterem a revelação isenta de erro, mas porque, escritos sob a inspiração do Espírito Santo, têm a Deus por autor, e como tais foram confiados à mesma Igreja (cân. 4).
   Todavia, já que o salutar decreto dado pelo Concílio Tridentino sobre a interpretação da Sagrada Escritura para corrigir espíritos petulantes é erradamente exposto por alguns, Nós, renovando o mesmo decreto, declaramos que o seu sentido é que nas coisas da fé e da moral, pertencentes à estrutura da doutrina cristã, deve-se ter por verdadeiro sentido da Sagrada Escritura aquele que foi e é mantido pela Santa Madre Igreja, a quem compete decidir do verdadeiro sentido e da interpretação da Sagrada Escritura; e que, por conseguinte, a ninguém é permitido interpretar a mesma Sagrada Escritura contrariamente a este sentido ou também contra o consenso unânime dos Santos Padres. 

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

DA FÉ: segundo o CATECISMO DE SÃO PIO X, que hoje faz cem anos

Da Fé

  Que é a Fé?
  A Fé é uma virtude sobrenatural, infundida por Deus em nossa alma, pela qual nós, apoiados na autoridade do mesmo Deus, acreditamos que é verdade tudo o que Ele revelou e por meio da Santa Igreja nos propõe para crer.

Possuo um catecismo (foto) da época de São Pio X
O livro fica velho, mas a doutrina é a Verdade sempre
antiga e sempre nova, viva mas perene. 
  Como conhecemos as verdades reveladas por Deus?
  Conhecemos as verdades reveladas por Deus por meio da Santa Igreja infalível, isto é, por meio do Papa, sucessor de São Pedro, e por meio dos Bispos, que, em união com o Papa, são sucessores dos Apóstolos, os quais foram instruídos pelo próprio Jesus Cristo. 

  Temos nós certeza de que são verdadeiras as doutrinas que a Santa Igreja nos ensina?
  Sim, temos a certeza absoluta de que são verdadeiras as doutrinas que a Santa Igreja nos ensina, porque Jesus Cristo empenhou a sua palavra de que a Igreja nunca se enganaria. 

  Com que pecado se perde a Fé?
  A Fé perde-se negando ou duvidando voluntariamente ainda que seja de um só artigo que nos é proposto para crer. 

  Como recuperamos a Fé?
  Recuperamos a Fé perdida arrependendo-nos do pecado cometido e crendo de novo em tudo aquilo em que crê a Santa Igreja.

  Dos mistérios

  Podemos compreender todas as verdades da Fé?
  Não; não podemos compreender todas as verdades da Fé, porque algumas destas verdades são mistérios. 

O sinal da cruz é o sinal do cristão, porque indica os mistérios
principais de nossa Fé, que são: Unidade e Trindade de Deus,
Encarnação, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.
  Que são mistérios?
  Os mistérios são verdades superiores à razão, nas quais devemos crer, ainda que não as possamos compreender.

  Por que devemos crer nos mistérios?
  Devemos crer nos mistérios porque os revelou Deus, que, sendo Verdade e Bondade infinitas, não pode enganar-Se, nem enganar-nos. 

  São porventura os mistérios contrários à razão?
  Os mistérios são superiores mas não contrários à razão; e até a própria razão nos persuade a admiti-los. 

  Por que os mistérios não podem ser contrários à razão?
  Os mistérios não podem ser contrários à razão porque é o mesmo Deus quem nos deu a luz da razão e quem revelou os mistérios, e Ele não pode contradizer-Se a Si mesmo. 

  Onde se acham as verdades que Deus revelou?
  As verdades que Deus revelou acham-se na Sagrada Escritura e na Tradição.
                        
[ No próximo post, se Deus quiser, transmitiremos as Lições sobre a Sagrada Escritura e a Tradição].
  

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O SIMBOLO DA FÉ CATÓLICA: Sessão III do Concílio Ecumênico de Trento

Este sacrossanto Concílio Ecumênico e Geral de Trento, legitimamente reunido no Espírito Santo, presidindo-o os três legados da Sé Apostólica, tendo em vista a importância das coisas a serem tratadas, principalmente daquelas que estão contidas nestes dois pontos: a de extirpar as heresias e a de reformar os costumes, motivo principal de estar reunido, julgou seu dever professar, com as mesmas palavras segundo as quais é lido em todas as igrejas, o Símbolo de Fé usado pela Santa Igreja Romana como princípio em que devem concordar todos os que professam a fé cristã e como fundamento firme e único contra o qual jamais prevalecerão as portas do inferno (S. Mat. 16, 18). O qual é o seguinte: Creio em um só Deus, Pai Onipotente, Criador do céu e da terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um só Senhor Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos; é Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; é gerado, não feito; consubstancial ao Pai, por quem foram feitas todas as coisas. O qual, por amor de nós homens e pela nossa salvação, desceu dos céus. E se encarnou por obra do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Foi também crucificado por nossa causa; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos e foi sepultado. E ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E subiu ao céu, está sentado à mão direita de Deus Pai. E pela segunda vez há de vir com majestade a julgar os vivos e os mortos. E o seu reino não terá fim. E [creio] no Espírito Santo, [que também é] Senhor e Vivificador, o qual procede do Pai e do Filho. O qual, com o Pai e o Filho, é juntamente adorado e glorificado, e foi quem falou pelos profetas. E [creio] na Igreja, que é una, santa, católica e apostólica. Confesso um só Batismo para remissão dos pecados. E aguardo a ressurreição dos mortos e a vida da eternidade. Assim seja. 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Credo in Unum Deum...

Artigo do saudoso Gustavo Corção no livro A TEMPO E CONTRA TEMPO,  Coleção Permanência, ano 1969

   Foi no ano 325 que trezentos bispos da Igreja se reuniram em Niceia para responder definitivamente ao desafio do arianismo. E quando tudo parecia indicar que a heresia penetrava nos vasos capilares da Igreja, e que estavam isolados e em minoria os seguidores da doutrina tradicional que afirmava a divindade do Cristo Jesus, o Concílio proclama solenemente a verdadeira doutrina e anatematiza o erro dos arianos. O pronunciamento tomou o nome de Símbolo de Niceia, e constitui um resumo, uma condensação da verdade revelada, não mais no tom tranquilo e expositivo do Símbolo dos Apóstolos, mas no novo tom exigido pelas procelas da história. 
   Mais tarde, o Concílio de Constantinopla retomou o texto e deu-lhe nova redação com um desenvolvimento maior relativo à teologia do Espírito Santo. Mas foi somente no século VIII que veio à baila, tempestuosamente, a necessidade de adicionar o termo filioque relativo à processão do Espírito Santo. Foi em 809 que o Concílio de Aix-la-Chapelle consagrou o uso litúrgico que tem até hoje o Credo que rezamos na missa, depois da leitura do Evangelho.
   Essas datas, essas reminiscências da história da Igreja passavam-me pela mente, ontem, enquanto lia com emoção e gratidão o Credo que nosso bom Papa Paulo VI pronunciou solenemente no encerramento do Ano da Fé. ( * ) O mundo inteiro ouviu as ressonâncias da grande foz que continuava a longa e viva tradição.
   "Credo in unum Deum..." disseram no ano 325 os padres conciliares reunidos em Niceia; "Credo in unum Deum..." diz o Papa Paulo VI no centro de torvelinho de ideias, de lutas, de confusões levantadas dentro da Igreja pelos inimigos internos da Igreja. E o desenvolvimento majestoso da grande oração ao mesmo tempo suplicante e explicativa, impetratória e ensinante, e ao mesmo tempo pacificadora e lutadora, prossegue na mesma linha adotada e fixada há mais de um milênio.
   Preocupado com o frenesi e a "inquietação de certos meios" que "se deixam dominar por uma espécie de sede da mudança e da novidade", o Papa fez questão de frisar, de acentuar, de reafirmar que o Credo de Niceia é perfeitamente apto, sem necessidade de retoque, à famosa mentalidade de nosso tempo. E é nisto que se reconhece o dinamismo de constante renovação da Igreja.
   Uma coisa é "renovação" e outra é "inovação". Para nós, em todas as passagens mais decisivas da Sagradas Escrituras, novo é sinônimo de íntegro e até de santo, e renovar é sinônimo de restaurar a primitiva integridade. Renovar não é transformar uma coisa em outra, não é substituir uma coisa por outra, é recuperar e voltar ao que a coisa era em sua pureza. A Igreja peregrina, que passa no mundo "entre as aflições dos homens e as consolações de Deus", cobre-se de pó e até de lama, sem que essas manchas penetrem sua substância una e santa.
   Renovar é purificar, renovar é limpar. Não digo que a Igreja tenha necessidade intrínseca de penitência e de purificação, ou que ela precise lavar-se naquilo que constitui propriamente o seu ser sobrenatural, encabeçado por Cristo e animado pelo Espírito Santo. Digamos entretanto que precisa purificar e lavar o seu manto, isto é, os sinais exteriores com que passa no mundo. 
   A grande oração de Paulo VI, no encerramento do Ano da Fé, neste sentido foi um ato de purificação e de renovação. Aí tem o mundo a Santa Igreja como mostrada em sua virginal maternidade, em sua onipotência suplicante: unam, sanctam, catholicam e apostolicam... E aí temos o imenso conforto de saber, de sentir que as grandes verdades que balbuciamos a repeito de Deus não hão de sofrer inflexões e deflexões pelo fato de estarem transistorizados os gravadores de som, e pelo fato de conseguir o homem fazer a análise espectral das estrelas. 
   Essas coisas afetarão, sem dúvida alguma, o andamento geral da vida humana. Os padres andarão em automóveis e não a cavalo, mas seria um pouco ridículo, um pouco pueril demais, supor que essas coisas viessem modificar a vida profunda da Igreja, e viessem alterar nosso Credo. Fala-se demais em adaptar isto ou aquilo às exigências dos tempos modernos que realmente se tornaram o deus ciumento, o mais ciumento dos deuses. 
   Ora, o exemplo principal que a Igreja deve dar não é este. Há evidentemente um aspecto exterior da vida da Igreja que se presta a tal adaptação, mas não é essa flexibilidade a nota essencial e principal da Igreja. Ao contrário, a nota principal é a de um testemunho de perenidade, sem o qual não pode viver a alma humana, não apenas para a Fé, mas também para a contemplação natural.
   A alma precisa não perder noção de sua fidalguia, de sua transcendência, de sua dignidade. A grande permanência da Igreja, a virgindade da Mãe e Mestra, a integridade e a perenidade são as arestas luminosas que nos permitem, de longe, distinguir das outras casas mal fundadas, a Casa de Deus fundada na Pedra.
   E foi este testemunho de perenidade e de transcendente constância que nos deu o nosso Papa Paulo VI quando retomou em Roma de hoje a mesma grande oração que há mais de mil anos todos nós rezamos depois da leitura do Evangelho. E retomou-a não apenas no lugar litúrgico que ainda tem, mas com um desenvolvimento de lição que deu ao texto venerável uma inesperada grandeza.
   Lendo a tradução, e através de suas deficiências, parecia-me ouvir o eco de mil abóbodas e de muito mais de mil vozes a insistir, a ensinar, a suplicar, a declarar: Credo in unum Deum Patrem Omnipotentem...
                                                                                                                         11-7-68

( * )  Transcrevemos em Anexo a íntegra do texto da Profissão de Fé, proclamada por Paulo VI, no dia 30-6-68. (Nota da Editora). 

NB. Transcreveremos, se Deus quiser, toda a Profissão de Fé de Paulo VI, em várias postagens seguidas. 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O que é a Fé? - Segundo Santo Tomás de Aquino ( 1 )

S. T., 2ª  2ª; Q. IV, a. 1.
DA FÉ EM SI MESMA
ART.1 - Se é uma definição exata da fé a que dá o Apóstolo quando diz: É a fé a substância das coisas que se devem esperar, um argumento das coisas que não aparecem.


   - Parece inexata a definição da fé que dá o Apóstolo quando diz: É a fé a substância das coisas que se devem esperar, um argumento das coisas que não aparecem.

OBJEÇÕES:
 1. - Pois, nenhuma qualidade é substância. Ora, a fé, sendo uma virtude teologal, é uma qualidade. Logo, não é substância.

 2. - Demais. - Virtudes diversas têm objetivos diversos. Ora, o que esperamos é objeto da esperança. Logo, não deve entrar na definição da fé, como seu objeto.

  3. - Demais. - A fé mais se aperfeiçoa pela caridade do que pela esperança, porque a caridade é a forma da fé, como a seguir se dirá. Logo, devia-se introduzir, na definição da fé, a coisa que devemos amar, de preferência à que devemos esperar.

  4. - Demais. - Uma mesma coisa não deve entrar em gêneros diversos. Ora, substância e argumento são gêneros diversos sem subalternação. Logo, inconveniente é dizer que é a fé substância e argumento. 

  5. - Demais. - Um argumento manifesta a verdade daquilo a que se aplica. Ora, chama-se aparente ao que é de verdade manifesta. Logo, há uma oposição implicada no dito - argumento das coisas que não aparecem. Portanto, a fé está inconvenientemente definida. 

  Em contrário, basta a autoridade do Apóstolo.

  SOLUÇÃO. - Muitos dizem que as palavras do Apóstolo não constituem definição da fé. Quem as considerar porém, retamente, verá que encerram tudo o que entra em tal definição, embora não estejam ordenadas em forma de definição. Assim também os filósofos aplicam os princípios dos silogismos, pondo de parte a forma silogística. 
  E para evidenciá-lo, devemos considerar que, sendo os hábitos conhecidos pelos atos e estes, pelos seus objetos, a fé, sendo hábito, deve ser definida pelo seu ato próprio posto em relação com o seu objeto próprio. Ora, é o ato de fé crer, que é ato do intelecto determinado a um objeto, por império da vontade. Assim, pois, o ato de fé se ordena, de um lado, ao objeto da vontade, que é o bem e o fim, e, de outro ao do intelecto(=inteligência), que é a verdade. E sendo a fé uma virtude teologal, o seu objeto se identifica com o seu fim. Por onde, é necessário que o objeto e o fim da fé se correspondam proporcionalmente. Ora, a verdade primeira (=Deus) enquanto inevidente e as verdades a que, por causa dela, aderimos constituem o objeto da fé. E deste modo, é necessário que a verdade primeira se comporte, em relação ao ato de fé, como fim, enquanto realiza a essência da realidade não vista. Ora, isto é essencialmente o que esperamos, conforme  àquilo do Apóstolo: O que não vemos esperamos. Pois, ver a verdade é possuí-la. Mas, ninguém espera o que já tem; pois que a esperança se refere ao que ainda não possuímos. 
  Assim, pois, a relação entre o ato de fé e o fim o qual é o objeto da vontade, está expressa pelas palavras: É a fé a substância das coisas que se devem esperar. Pois, de ordinário se chama substância à primeira incoação de uma coisa qualquer, e sobretudo quando no princípio primeiro está contido, virtualmente, tudo quanto dele se segue. (...) Ora, é deste modo que se diz - é a fé a substância das coisas esperadas. Pois onde a primeira incoação (início) da coisas esperadas, em nós, depende do assentimento da fé, que contém virtualmente tudo o que esperamos. Pois, esperamos que havemos de ser felizes por vermos, com visão plena, a verdade a que aderimos pela fé. 
   Por outro lado, a relação entre o ato de fé e o objeto do intelecto, enquanto objeto da fé, é designada pela expressão: argumento das coisas que não aparecem. E toma-se o argumento, pelo seu efeito. Pois, pelo argumento, a inteligência é levada a aderir a alguma verdade; por onde, à mesma adesão firme do intelecto à verdade da fé que não aparece, chama-se, no caso, argumento. Por isso, outra versão diz - convicção; pois, pela autoridade divina, o intelecto do crente é convencido a assentir ao que não vê. 
   Quem quiser, pois, reduzir as palavras referidas à forma de definição, poderá dizer: é a fé um hábito da mente, pelo qual começa a vida eterna em nós, e que faz a inteligência assentir ao que não aparece. - Por onde, a fé distingue-se de tudo o mais que pertence ao intelecto. Assim, chamando-se - argumento - distingue-se da opinião, da suspeita e da dúvida, pelas quais não é firme a primeira adesão da inteligência a nada. Quando se diz - Das coisas que não aparecem - distingue-se a fé da ciência e do intelecto, que tornam as coisas aparentes. E enfim, quando se diz - substância das coisas que se devem esperar - distingue-se a fé, virtude, da fé comumente considerada, que não se ordena à beatitude esperada (no Céu).
   Quando a quaisquer outras definições dadas da fé, elas são explicações da que dá o Apóstolo. Assim Santo Agostinho: É a fé uma virtude pela qual cremos o que não vemos. Damasceno: É fé um consentimento que não indaga. E outros: É a fé uma determinada certeza da alma, sobre objetos ausentes, superior à opinião e inferior à ciência(=aquilo que se pode ver e provar).  Ora, todas estas definições se identificam com o dito do Apóstolo: Argumento das coisas que não aparecem. Enfim, a definição de Dionísio - é a fé um fundamento permanente dos crentes, que os faz ter a verdade e, por eles, a manifesta - é a mesma que a referida: substância das coisas que se devem esperar. 

 Observação: O artigo de Santo Tomás continua respondendo as objeções feitas por ele no início. Será o objeto do próximo post, se Deus quiser. 

Que é a Fé - Segundo Santo Tomás de Aquino ( 2 )

Respondendo às objeções

  DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. [Assim foi formulada: Parece inexata a definição da fé que dá São Paulo: Pois nenhuma qualidade é substância. Ora, a fé, sendo uma virtude teologal, é uma qualidade. Logo, não é substância.]
  R.: No texto em questão não se toma substância como gênero generalíssimo, dividido, por oposição, dos outros gêneros. Mas enquanto que, em qualquer gênero, se encontra uma certa semelhança de substância. Assim, ao primeiro, em qualquer gênero, que contém virtualmente, em si, as mais subdivisões dele, se chama substância delas. 

RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO. [Assim foi formulada: Virtudes diversas têm objetivos diversos. Ora, o que esperamos é objeto da esperança. Logo, não deve entrar na definição da fé, como seu objeto.]
 R.: Pertencendo a fé ao intelecto, enquanto imperado pela vontade, há de necessariamente ordenar-se como ao fim, aos objetos das virtudes pelas quais a vontade é aperfeiçoada. Entre elas está a esperança. Por onde na definição da fé inclui-se o objeto da esperança. 

RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO. [Assim foi formulada: A fé mais se aperfeiçoa pela caridade do que pela esperança, porque a caridade é a forma da fé. Logo devia-se introduzir, na definição da fé, a coisa que devemos amar, de preferência à que devemos esperar.]
  R.:  O amor pode recair tanto sobre o visível como sobre o invisível, sobre o presente como sobre o ausente. Por isso, o amável não se adapta à fé tão propriamente como o esperado, porque a esperança recai sempre sobre um objeto ausente e invisível. 

RESPOSTA À QUARTA OBJEÇÃO. [Assim foi formulada: Uma mesma coisa não deve entrar em gêneros diversos. Ora, substância e argumento são gêneros diversos sem subalternação. Logo, inconveniente é dizer que é a fé substância e argumento.]
  R.: A substância e o argumento, enquanto incluídos na definição da fé, não implicam gêneros diversos dela, nem atos diversos. Mas relações diversas de um ato para objetos diversos, como do sobredito resulta. 

RESPOSTA À QUINTA OBJEÇÃO. [Assim foi formulada: Um argumento manifesta a verdade daquilo a que se aplica. Ora, chama-se aparente ao que é de verdade manifesta. Logo, há uma oposição implicada no dito - argumento das coisas que não aparecem. Portanto a fé está inconvenientemente definida.]
  R.: O argumento fundado nos princípios próprios de uma verdade faz que ela se apareça visível. Mas o fundado na autoridade divina [como é a fé] não a torna aparente. Ora, é um argumento dessa espécie que entra na definição da fé. Logo, a fé é aí definida de maneira conveniente. 

Observação: É normal e óbvio que as pessoas não conhecedoras da linguagem filosófica e teológica, terão certa dificuldade em entender Santo Tomás de Aquino. Mas, como faremos, se Deus quiser, muitas outras exposições sobre a fé numa linguagem mais popular, todos terão condições de entender bem o que seja a fé. Estamos no Ano da Fé (inicia-se dia 11). Depois do Concílio Vaticano II sobretudo, vivemos uma crise de fé. Como sem fé é impossível a salvação, pois, sem ela não se agrada a Deus, é sumamente útil e necessário que tenhamos noções bem claras e exatas da fé. É o que procuraremos dar, se Deus quiser e com sua graça, aos caríssimos leitores, durante o decorrer do Ano da Fé.