terça-feira, 2 de outubro de 2012

O que é a Fé? - Segundo Santo Tomás de Aquino ( 1 )

S. T., 2ª  2ª; Q. IV, a. 1.
DA FÉ EM SI MESMA
ART.1 - Se é uma definição exata da fé a que dá o Apóstolo quando diz: É a fé a substância das coisas que se devem esperar, um argumento das coisas que não aparecem.


   - Parece inexata a definição da fé que dá o Apóstolo quando diz: É a fé a substância das coisas que se devem esperar, um argumento das coisas que não aparecem.

OBJEÇÕES:
 1. - Pois, nenhuma qualidade é substância. Ora, a fé, sendo uma virtude teologal, é uma qualidade. Logo, não é substância.

 2. - Demais. - Virtudes diversas têm objetivos diversos. Ora, o que esperamos é objeto da esperança. Logo, não deve entrar na definição da fé, como seu objeto.

  3. - Demais. - A fé mais se aperfeiçoa pela caridade do que pela esperança, porque a caridade é a forma da fé, como a seguir se dirá. Logo, devia-se introduzir, na definição da fé, a coisa que devemos amar, de preferência à que devemos esperar.

  4. - Demais. - Uma mesma coisa não deve entrar em gêneros diversos. Ora, substância e argumento são gêneros diversos sem subalternação. Logo, inconveniente é dizer que é a fé substância e argumento. 

  5. - Demais. - Um argumento manifesta a verdade daquilo a que se aplica. Ora, chama-se aparente ao que é de verdade manifesta. Logo, há uma oposição implicada no dito - argumento das coisas que não aparecem. Portanto, a fé está inconvenientemente definida. 

  Em contrário, basta a autoridade do Apóstolo.

  SOLUÇÃO. - Muitos dizem que as palavras do Apóstolo não constituem definição da fé. Quem as considerar porém, retamente, verá que encerram tudo o que entra em tal definição, embora não estejam ordenadas em forma de definição. Assim também os filósofos aplicam os princípios dos silogismos, pondo de parte a forma silogística. 
  E para evidenciá-lo, devemos considerar que, sendo os hábitos conhecidos pelos atos e estes, pelos seus objetos, a fé, sendo hábito, deve ser definida pelo seu ato próprio posto em relação com o seu objeto próprio. Ora, é o ato de fé crer, que é ato do intelecto determinado a um objeto, por império da vontade. Assim, pois, o ato de fé se ordena, de um lado, ao objeto da vontade, que é o bem e o fim, e, de outro ao do intelecto(=inteligência), que é a verdade. E sendo a fé uma virtude teologal, o seu objeto se identifica com o seu fim. Por onde, é necessário que o objeto e o fim da fé se correspondam proporcionalmente. Ora, a verdade primeira (=Deus) enquanto inevidente e as verdades a que, por causa dela, aderimos constituem o objeto da fé. E deste modo, é necessário que a verdade primeira se comporte, em relação ao ato de fé, como fim, enquanto realiza a essência da realidade não vista. Ora, isto é essencialmente o que esperamos, conforme  àquilo do Apóstolo: O que não vemos esperamos. Pois, ver a verdade é possuí-la. Mas, ninguém espera o que já tem; pois que a esperança se refere ao que ainda não possuímos. 
  Assim, pois, a relação entre o ato de fé e o fim o qual é o objeto da vontade, está expressa pelas palavras: É a fé a substância das coisas que se devem esperar. Pois, de ordinário se chama substância à primeira incoação de uma coisa qualquer, e sobretudo quando no princípio primeiro está contido, virtualmente, tudo quanto dele se segue. (...) Ora, é deste modo que se diz - é a fé a substância das coisas esperadas. Pois onde a primeira incoação (início) da coisas esperadas, em nós, depende do assentimento da fé, que contém virtualmente tudo o que esperamos. Pois, esperamos que havemos de ser felizes por vermos, com visão plena, a verdade a que aderimos pela fé. 
   Por outro lado, a relação entre o ato de fé e o objeto do intelecto, enquanto objeto da fé, é designada pela expressão: argumento das coisas que não aparecem. E toma-se o argumento, pelo seu efeito. Pois, pelo argumento, a inteligência é levada a aderir a alguma verdade; por onde, à mesma adesão firme do intelecto à verdade da fé que não aparece, chama-se, no caso, argumento. Por isso, outra versão diz - convicção; pois, pela autoridade divina, o intelecto do crente é convencido a assentir ao que não vê. 
   Quem quiser, pois, reduzir as palavras referidas à forma de definição, poderá dizer: é a fé um hábito da mente, pelo qual começa a vida eterna em nós, e que faz a inteligência assentir ao que não aparece. - Por onde, a fé distingue-se de tudo o mais que pertence ao intelecto. Assim, chamando-se - argumento - distingue-se da opinião, da suspeita e da dúvida, pelas quais não é firme a primeira adesão da inteligência a nada. Quando se diz - Das coisas que não aparecem - distingue-se a fé da ciência e do intelecto, que tornam as coisas aparentes. E enfim, quando se diz - substância das coisas que se devem esperar - distingue-se a fé, virtude, da fé comumente considerada, que não se ordena à beatitude esperada (no Céu).
   Quando a quaisquer outras definições dadas da fé, elas são explicações da que dá o Apóstolo. Assim Santo Agostinho: É a fé uma virtude pela qual cremos o que não vemos. Damasceno: É fé um consentimento que não indaga. E outros: É a fé uma determinada certeza da alma, sobre objetos ausentes, superior à opinião e inferior à ciência(=aquilo que se pode ver e provar).  Ora, todas estas definições se identificam com o dito do Apóstolo: Argumento das coisas que não aparecem. Enfim, a definição de Dionísio - é a fé um fundamento permanente dos crentes, que os faz ter a verdade e, por eles, a manifesta - é a mesma que a referida: substância das coisas que se devem esperar. 

 Observação: O artigo de Santo Tomás continua respondendo as objeções feitas por ele no início. Será o objeto do próximo post, se Deus quiser. 

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