terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ SEM AS OBRAS DA LEI - ( 6 )

   116.  SÃO TIAGO E SÃO PAULO.

   Somente à luz da distinção entre estas duas noções, é que se podem conciliar o ensino de São Tiago e o de São Paulo, CONCILIAÇÃO esta IMPRESCINDÍVEL, pois não pode haver contradição nas Escrituras. Um fala em OBRAS; o outro, em OBRAS DA LEI, o que já vem a ser duas coisas diferentes.

   Dizendo: Não vedes como pelas OBRAS é justificado o homem, e não pela fé somente? (Tiago II-24). São Tiago nos mostra claramente que a fé não basta para a salvação, sendo necessárias também as BOAS OBRAS, em cumprimento da lei de Cristo.

   Dizendo: O homem é justificado pela fé,sem as OBRAS DA LEI (Romanos III-28; Gálatas II-16), São Paulo nos mostra que para o homem tornar-se justo diante de Deus, o caminho a seguir é a fé em Cristo, a fiel submissão a seus divinos ensinamentos, não sendo mais obrigatórios aqueles ritos, purificações e observâncias da lei mosaica, porque esta não está mais em vigor.

   Desprezando completamente o ensino de São Tiago, que é tão infalível como o de São Paulo, porque também faz parte da Bíblia, Lutero e Calvino se aproveitaram desses textos em que o Apóstolo das Gentes nos diz que o homem é justificado pela fé em Cristo, sem as obras da lei, para afirmar que São Paulo nos ensina que estamos completamente livres da obrigação de obedecer aos mandamentos, à lei de Deus, estamos livres de todas as leis, pois Cristo não é legislador, não nos impôs nenhum preceito, veio apenas oferecer-nos a salvação pela fé (!!).

   Pelo que foi exposto até aqui, o leitor já percebe claramente a adulteração que se faz assim das palavras de São Paulo. Mais ainda o perceberá, estudando ambas as frases no seu respectivo contexto. Vale a pena o trabalho, porque conseguiremos mais uma vez desfazer as confusões que fazem os nossos queridos irmãos separados, completamente perdidos naquele intrincado estilo do Apóstolo São Paulo. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ SEM AS OBRAS DA LEI - ( 5 )

   115.. OBRAS DA LEI; DE QUAL LEI?

   Durante muitos e muitos séculos, quando na linguagem bíblica se falava na LEI, não se podia entender senão a lei de Moisés.

   Na lei de Cristo ninguém pensava, por uma razão muito simples: Jesus Cristo não havia aparecido ainda e não havia, portanto, ensinado a sua lei.

   Na lei natural, também não: porque tendo uma lei escrita, expressa com as próprias palavras de Deus, dada com tanta pompa e solenidade no monte Sinai, incluindo, além dos preceitos da lei natural, muitíssimos outros preceitos, não era certamente na lei natural que os judeus pensavam, quando se falava na LEI.

   Os Apóstolos e Evangelistas conservam este modo de falar, que era o usual naquele tempo, pois vinha sendo usado desde muitos séculos. Sabem muito bem que existe uma lei de Cristo. Assim diz São Paulo: Levai as cargas uns dos outros, e desta maneira cumprireis a LEI DE CRISTO (Gálatas VI-2). Mas, quando dizem simplesmente - a lei - entendem a lei de Moisés: A LEI foi dada por Moisés; a graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo (João I-17). A palavra  - lei - continua a designar também no Novo Testamento os 5 primeiros livros da Bíblia, em contraposição com outros livros sagrados, precisamente porque é naqueles que vêm circunstanciadamente descritas as prescrições da lei mosaica: Não Tendes lido na LEI que os sacerdotes nos sábados, no templo quebrantam o sábado e ficam sem pecados? (Mateus XII-5). Depois da lição da LEI e dos profetas, mandaram-lhes dizer os chefes da sinagoga (Atos XIII-15). Sirvo eu a meu Pai e Deus, crendo todas as coisas que estão escritas na LEI e nos profetas (Atos XXIV-14).

   Quando o Evangelho fala em - doutor da lei (Mateus XXII-35); Lucas V-17) - isto não significa um homem entendido na lei civil, na lei natural ou na lei de Cristo, mas um homem que é bom conhecedor da lei de Moisés.

   Assim sendo, chamamos a atenção do leitor para o seguinte trecho de São Paulo na sua 1ª Epístola aos Coríntios: E me fiz para os judeus como judeu, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se eu estivera debaixo da lei (NÃO ACHANDO EU DEBAIXO DA LEI), por ganhar aqueles que estavam debaixo da lei; para os que estavam sem lei, como se eu estivera sem lei (ainda que não estava sem a lei de Deus, mas ESTANDO NA LEI DE CRISTO), por ganhar os que estavam sem lei (1ª Coríntios IX-20 e 21).

   Ora, aí diz o Apóstolo que não está debaixo da lei; porque, quando ele diz simplesmente - a lei - entende a lei de Moisés. Do fato de não estar debaixo da lei, não se segue que não esteja sujeito a lei nenhuma, pois ele diz abertamente estar sujeito à lei de Cristo, portanto, à lei de Deus.

   Do mesmo modo, quando o Apóstolo diz que o homem não é justificado pelas obras da lei, entende-se que as obras da lei de Moisés não servem mais para tornar o homem um justo diante de Deus. A lei de Moisés foi abolida. Mas daí não se segue que o homem não se torne justo pelas obras de outra lei: da lei cristã, por exemplo. Muito ao contrário, se São Paulo diz que a fé em Cristo é que justifica o homem, a fé em Cristo, como provamos no capítulo quarto, nos obriga a obedecer à sua lei, pois Cristo também foi um Legislador e nos impôs mandamentos, cuja observância é indispensável para se conquistar a vida eterna.. E a estas obras que nascem da obediência à lei de Cristo, São Paulo não chama - obras da lei - chama BOAS OBRAS: Esta é uma verdade infalível e quero que isto afirmes, para que procurem avantajar-se em BOAS OBRAS os que creem em Deus (Tito III-8). E aprendam também os nossos a serem os primeiros em BOAS OBRAS para as coisas que são necessárias, para que não sejam infrutuosos (Tito III-14). Somos feitura d'Ele mesmo, criados em Jesus Cristo para BOAS OBRAS, que Deus preparou, para caminharmos nelas (Efésios II-10). 

sábado, 14 de dezembro de 2013

JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ SEM AS OBRAS DA LEI - ( 4 )

   113. LEI DE CRISTO.

   Vindo Cristo ao mundo, promulgou a sua lei, que veio substituir e aperfeiçoar a lei mosaica. Ele exige igualmente a observância dos 10 mandamentos: Se tu queres entrar na vida, GUARDA OS MANDAMENTOS (Mateus XIX-17), os quais, portanto, estão de pé na Nova Lei, embora não estejam mais em vigor aquelas penas que existiam na Lei Antiga, segundo a qual devim ser apedrejados o filho contumaz e rebelde (Deuteronômio XXI-18 a 21), a esposa que não foi encontrada virgem (Deuteronômio XXII-20 e 21), aqueles que cometiam adultério (Deuteronômio XXII-22. O que não exclui naturalmente as penas impostas pela justiça de Deus na outra vida.

   A respeito do matrimônio, Cristo se mostra mais rigoroso do que a Lei Antiga, ensinando a unidade e indissolubilidade do casamento (Marcos X-11 e 12), quando na Lei Antiga havia o direito de repudiar o homem à mulher que não for agradável a seus olhos pro causa dalguma fealdade (Deuteronômio XXIV-1) e casar com outra.

   Prescrevendo a prática dos mandamentos, o Divino Mestre insiste na sua parte mais importante: o amor de Deus e o amor do próximo, sem deixar de tornar mais rigorosa a obrigação da castidade (Mateus V-27 e 28).

   Além dos mandamentos, Cristo impõe outros preceitos: há os sacramentos da Nova Lei e assim em vez da circuncisão é obrigatório o Batismo: Quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus (João III-5). Outra lei nos impõe Jesus Cristo nestas palavras: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós (João VI-54).

  Em suma Cristo é não só o Salvador, o Mestre da verdade, mas também um Legislador que nos veio apontar, pela sua lei santa e sublime, o caminho da salvação. 

   SEMPRE O DECÁLOGO.

   Já demos uma ideia da distinção entre a lei natural, a lei mosaica e a lei cristã. Mas o que não pode passar despercebido nesta exposição é que de uma forma ou de outra, ou seja na lei natural, ou no judaísmo  ou na lei de Cristo, ou mais ou menos rigorosos, ou mais ou menos explícitos, os 10 mandamentos sempre estão de pé. É a lei de Deus eterna que impera no coração do homem, seja qual for a época, religião ou raça a que pertença, seja maior ou menor o seu conhecimento da vontade divina. 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ SEM AS OBRAS DA LEI - ( 3 )

112.  LEI MOSAICA.

   Aos judeus, antes da vinda de Cristo, Deus impôs pela revelação a sua lei. Aquelas obrigações da lei natural (não matarás, não furtarás, honrarás pai e mãe, não levantarás falso testemunho, não adulterarás, etc.) Deus as impõe claramente nos 10 mandamentos.

   Mas, além disto, há muitas outras determinações que os judeus tinham que observar, porque lhes foram impostas por Deus. Não vamos aqui citar todas estas prescrições, porque seria muito longo, mas daremos alguns exemplos.

   A lei foi dada por intermédio de Moisés. Mas já antes de Moisés, desde o tempo de Abraão, Deus havia preceituado a circuncisão ao seu povo: Disse mais Deus a Abraão: ... Eis aqui o meu pacto que haveis de guardar entre mim e vós, e a tua posteridade depois de ti: todos os machos dentre vós serão circuncidados, e vós circuncidareis a carne do vosso prepúcio, para que seja o sinal do concerto que há entre mim e vós (Gêneses XVII-9 a 11). O macho que não tiver sido circuncidado na carne do seu prepúcio, será aquela alma apagada do seu povo, porque tornou írrito o meu pacto (Gêneses XVII-114).

   Havia, na lei mosaica, a proibição de comer certos animais considerados imundos: Não comais  o que é impuro. Estes são os animais que deveis comer: O boi, a ovelha, a cabra, o veado, a corça, o búfalo, a cabra montês, o unicórnio, o orige, o camelo pardal. Comereis de todo o animal que tenha a unha fendida em duas partes, e que rumina. Não deveis, porém, comer dos que ruminam, mas não têm a unha fendida como são o camelo, a lebre, o querogrilo; estes porque ruminam, e não têm a unha fendida; serão impuros para vós. O porco também será para vós impuro, porque embora tenha a unha fendida, não rumina; não comereis das suas carnes, nem tocareis nos seus cadáveres. De todos os animais que vivem na águas, comereis estes: comei os que têm barbatanas, e escamas; mas não comais daqueles que não têm barbatanas nem escamas, porque são impuros. Comei de todas as aves que são puras. Não comais das impuras, como são a águia, o grifo, o esmerilhão, o ixião, o abutre, o milhano, segundo a sua espécie; todo o gênero de corvos, o avestruz, a coruja, a gaivota, o açor segundo a sua espécie; a cegonha, o cisne, o íbis, o mérgulo, o porfirião, o bufo, o onocrótalo, o carádrio, cada um na sua espécie; a poupa também e o morcego. E tudo o que anda de rastos e tem asas será imundo e não se comerá (Deuteronômio XIV-3 a 19).

   Havia a proibição de comer o sangue dos animais: Qualquer homem da casa de Israel e dos estrangeiros que peregrinam entre eles, se comer sangue, obstinarei eu o meu rosto contra a sua alma e exterminá-la-ei do seu povo, porque a vida do animal está no sangue (Levítico XVII-10). Qualquer homem dos filhos de Israel e dos estrangeiros que moram entre vós que tomar, em caça ou laço, fera ou ave daquelas que é lícito comer, derrame o seu sangue e cubra-o com terra (Levítico XVII-13).

   Eram proibidas as vestes com certas misturas de tecidos: Não te vestirás de coisa que seja tecida de lã e de linho (Deuteronômio XXII-11). 
             
   Havia determinações especiais sobre a purificação da mulher que dá à luz (Levítico capítulo XII).

   Havia obrigação de celebrar com ritos especiais as solenidades dos Pães Ázimos, das Semanas e dos Tabernáculos (Deuteronômio XVI-1 a 17).

   São exemplos de prescrições, dentre muitas, que havia para os judeus, as quais não vigoram mais, agora que estamos sob a lei de Cristo. 

No próximo post veremos justamente a LEI DE CRISTO. 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Capítulo Sexto: A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ SEM AS OBRAS DA LEI - ( 1 )

   110. DOIS TEXTOS DE SÃO PAULO.

   Dizem os protestantes que São Paulo nos ensina a salvação pela fé sem as obras, nos dois textos seguintes:
    Sabemos que o homem não se justifica pela OBRAS DA LEI, senão pela fé de Jesus Cristo (Gálatas II-16).
   Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé SEM AS OBRAS DA LEI (Romanos III-28).

  Toda a confusão dos protestantes reside precisamente nisto: se São Paulo aí fala em OBRAS DA LEI, não se refere à lei de Deus, expressa nos 10 mandamentos, os quais fazem parte integrante da lei de Cristo, e seria na realidade um escândalo e uma aberração Paulo mostrar a inutilidade da lei de Cristo para a justificação do homem, dizer que a observância da lei de Cristo não torna ninguém justo diante de Deus. São Paulo se refere à LEI MOSAICA,  a qual foi abolida depois da morte do Redentor, logo que começou a ser pregado o Evangelho. Fala das OBRAS DA LEI MOSAICA,  as quais, como observa Cornely, nenhum católico jamais incluiu entre as disposições necessárias para a justificação. 

   Lei é um termo usado tanto para significar lei civil, como lei divina. Trata-se aqui, é claro, da lei divina.

   Neste sentido de lei divina, isto é, lei emanada de Deus, lei que é preciso observar para ganhar a salvação  pode-se tomar esta palavra em 3 sentidos: lei natural, lei mosaica, lei de Cristo. 

Se Deus quiser, vamos explicar estas três espécies de lei, em três posts seguintes.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A CERTEZA DA SALVAÇÃO - ( 40 )

   109.  DIANTE DA REALIDADE. 

   Não se trata aqui de saber se a certeza absoluta de salvação adquirida já nesta vida seria ou não mais agradável para nós; o que interessa à Sabedoria e à Providência de Deus é o que vem a ser para nós mais útil e proveitoso. Se não temos segurança absoluta neste sentido, isto nos conserva mais humildes, mais desconfiados de nossas próprias forças, mais necessitados de implorar o socorro divino, mais ativos e vigilantes no serviço de Deus, porque o soldado, tendo certeza absoluta da vitória, perderia muito de seu estímulo para a luta contra o inimigo.

   Nem se trata de uma religião procurar atrair adeptos prometendo uma segurança absoluta, porém imaginária e sem fundamento, assim como os candidatos caçam votos, fazendo promessas ilusórias, às vésperas das eleições.

   Trata-se de encarar a realidade, tal qual nos é apresentada pelos textos da Escritura, os quais não nos mostram os que creem em Cristo como imutáveis, mas ao contrário como sujeitos a perder a fé ou a recair na escravidão do pecado, o que é confirmado pela experiência pessoal da nossa própria fraqueza: Vigiai e orai, para que não entreis em tentação. O espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca (Mateus XXVI-41).

   E se São Paulo nos ensina que não há condenação para os que estão em Jesus Cristo, os quais não andam segundo a carne (Romanos VIII-1), em vez de querermos antecipar em nosso favor a sentença definitiva que só pode ser dada depois da nossa morte pelo Supremo Juiz, todo o nosso empenho deve ser viver EM CRISTO, não só pela verdadeira fé (e verdadeira fé consiste em sujeitarmos o nosso modo de ver aos ensinos de Cristo e não em torcê-los com a torquês do livre exame, para que se acomodem ao nosso modo de ver e ao nosso pensamento), não só pela verdadeira fé, como dizíamos, mas também pela prática da caridade, da castidade e das demais virtudes, evitando as obras da carne. Deus não nos faltará jamais com ajuda de sua graça para nos conservar no bom caminho; cooperemos com a sua graça até o fim, porque só no fim é que nos poderemos julgar definitivamente possuidores do prêmio eterno da glória celeste: Sê fiel até a morte, e eu te darei a coroa da vida (Apocalipse II-10). 

  Término do CAPÍTULO QUINTO. 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A CERTEZA DA SALVAÇÃO - ( 39 )

   108.  TRANQUILIDADE DA FIRME ESPERANÇA.

   Se a Igreja Católica não acena aos seus adeptos com uma CERTEZA ABSOLUTA da salvação, é por uma razão muito simples: porque se trata de um assunto que, segundo os desígnios de Deus, não depende somente de Cristo, depende também de cada um de nós: Se tu queres entrar na vida, GUARDA OS MANDAMENTOS (Mateus XIX-17). Se vós viverdes segundo a carne morrereis; mas se vós pelo espírito  fizerdes morrer as obras da carne, vivereis (Romanos VIII-13). Nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus; mas sim o que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse entrará no reino dos Céus (Mateus VII-21). Temos CERTEZA DA SALVAÇÃO, sim, mas uma CERTEZA CONDICIONADA: se cooperarmos com a graça, nos salvaremos COM TODA CERTEZA. Porque, como disse o Grande Doutor Santo Agostinho: Deus nos criou sem nós, mas sem nós não nos pode salvar".

   Isto, porém, não impede absolutamente a paz  a tranquilidade das nossas almas; porque, se nas várias vicissitudes da nossa vida, só pudéssemos ter paz quando soubéssemos com plena certeza qual o RESULTADO FINAL das nossas empresas, das nossas aspirações, então esta paz seria sempre impossível ou seria preciso que Deus nos desse primeiro o dom da profecia. Para tudo isto há um remédio: a doce e humilde confiança em Deus que é o Pai das Misericórdias. Se para tantos e tantos empreendimentos, cujo resultado de nós não depende, havemos de ter plena confiança na Divina Providência, quanto mais no que diz respeito ao negócio de nossa salvação; porque isto é um assunto cujo resultado depende de nós: somos nós que com a graça de Deus construiremos a nossa sorte na eternidade. Deus é infinitamente bom, é Pai, nada quer mais do que a nossa salvação, deseja-a mais do que nós mesmos; se por nosso turno nos queremos salvar, e trabalhamos para isto com a ajuda divina que nunca nos falta quando a pedimos, se detestamos de todo o coração o pecado, fiquemos tranquilos e peçamos a Deus que nos conserve nestas santas disposições; porque neste caso nos salvaremos com toda certeza. Esta é a nossa FIRME ESPERANÇA. 

A CERTEZA DA SALVAÇÃO - ( 38 )

   107. HÁ CERTEZA DO ARREPENDIMENTO.

   Alguém poderá dizer: Concordo com o sr. em dizer que ninguém pode ter a certeza de que nunca pecará na sua vida. Mas há uma coisa: o homem que peca, ainda pode salvar-se pelo arrependimento. Assim posso ter a certeza absoluta da salvação, porque tenho a certeza de que, se pecar, hei de arrepender-me e conseguir o perdão de Deus e, por conseguinte a vida eterna.

   - E quem lhe dá esta CERTEZA ABSOLUTA do arrependimento? 

   Primeiro que tudo: como disse São Paulo, não somos capazes nem de um pensamento bom, sem a graça de Deus (2ª Coríntios III-5). O arrependimento é, portanto, uma graça divina. 

   Esta graça, Deus não a nega ao coração bem disposto. Aquele que procura seguir sempre o bom caminho, aperfeiçoar-se em pensamentos, palavras e obras, portar-se santamente na Igreja de Deus, a qualquer falta, embora mínima que cometa, vê surgir espontaneamente, inquietadoramente, o arrependimento no seu coração. Arrependimento, porque caiu numa falta, a que o seu bom espírito não estava habituado; arrependimento mandado misericordiosamente por Deus, que quer logo acompanhar com a sua graça, fazer soerguer-se o seu servo fiel que teve a infelicidade de cair na tentação. 

   Mas o indivíduo que começa a recair muito frequentemente no pecado grave, sem fazer o esforço necessário para dele se emendar, vai pouco a pouco se tornando menos apto a receber a graça do arrependimento. À proporção que ele vai abusando das graças de Deus, o arrependimento vai escasseando e, depois de um certo tempo, pode desaparecer por completo. É o endurecimento do pecador, cuja consciência já emudeceu ou só faz ouvir mui fracamente a sua voz.

   Além disto, para ser verdadeiro, o arrependimento tem que incluir um propósito firme de deixar o pecado, custe o que custar, e não por um dia ou dois, mas por todo o resto da vida. Ora, há certos pecados que não podem ser deixados sem uma renúncia heroica. É o caso, por exemplo, das amizades pecaminosas, que prendem o coração; do vício da impureza, que tão frequentemente envolve as criaturas, do vício do roubo ou da embriagues. Às vezes é também o ódio que se enraizou no coração e ao qual o cristão nem sempre renuncia facilmente. Há casos, portanto, em que Deus exige do cristão, um sacrifício doloroso: Se o teu olho te escandaliza, lança-o fora: melhor te é entrar no reino de Deus sem um olho do que, tendo dois, ser lançado no fogo do inferno (Marcos IX-46). 

   Garantir que sempre se terá o arrependimento, seria garantir que nunca se abusará da graça de Deus e que também sempre se tomará a resolução heroica, por mais que ela nos custe, sejam quais forem as tentações que se nos depararem no futuro; e seria sempre uma certeza baseada na presunção, no desconhecimento da nossa inata fragilidade humana.

   E é o caso ainda de perguntar: há sempre a certeza de que é sincera a contrição?

   Muitas vezes o cristão se julga arrependido e de fato não está. Há no fundo do seu coração ainda uns restos de apego ao pecado e só Deus, que conhece perfeitamente a alma nas suas mais íntimas profundezas, é que bem pode saber se o arrependimento é deveras sincero. Porque a sinceridade do arrependimento não está propriamente na comoção que se sente em determinado momento; pode haver até lágrimas e soluços sem haver o arrependimento sincero, o qual consiste na firmeza da vontade em detestar o pecado de tal modo que não se queira, por hipótese alguma, cometê-lo jamais. É por isto que podemos ter dúvida sobre se estamos ou não na graça de Deus, sem que isto envolva absolutamente dúvida sobre o poder reparador da morte de Cristo, o qual bem sabemos ser infinito, mas dúvida, sim, sobre as disposições da nossa própria alma, as quais também são necessárias para a justificação. Bem-aventurado o homem que sempre está com temor (Provérbios XXVIII-14). Às vezes a falta de arrependimento é tão evidente que não é somente Deus que a percebe, qualquer observador imparcial pode percebê-la também; só a alma se ilude a si própria, tendo-se na conta de contrita, sem o estar de fato. Quantas vezes no confessionário acontece que o penitente vem confessar-se na suposição de que está contrito; e o confessor percebe claramente, pelas próprias declarações do penitente, que ele não possui a contrição verdadeira! Diz-se arrependido, mas não quer tomar as providências necessárias para fugir às ocasiões do pecado; adquiriu bens ilicitamente, mas sente repugnância em fazer a restituição; está empolgado pela paixão, mas não quer afastar-se de vez da criatura que desta paixão é causadora; diz perdoar, mas não quer nem ver a pessoa que o ofendeu etc. etc. 

   Se uma criatura nestas condições estiver no Protestantismo, está completamente atolada. Em vez de encontrar alguém que a advirta do perigo de condenação em que se encontra, vai deparar-se com um pastor a sugestioná-la de que já está salva, uma vez que tem a fé em Cristo e o arrependimento; a ensiná-la a sentir a "experiência da salvação", ou seja, a doce sensação de que Cristo já a salvou; a decantar as belezas de uma religião tão agradável, tão consoladora que já nos faz gozar neste mundo a certeza absoluta da recompensa celeste...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A CERTEZA DA SALVAÇÃO - ( 37 )

   106. A NOVA CRIATURA.

   Quando São Paulo nos diz que aquele que está em Cristo é uma nova criatura, não é no sentido de que este homem deixou de ser livre para fazer o mal; nem que ficou nele extinto o fogo das paixões e das más inclinações da nossa natureza. Quer dizer que este homem se tornou outro diante de Deus pela graça santificante, que o torna agradável aos olhos do seu Criador; e se tornou outro aos olhos dos homens, pelo seu modo de proceder que todos veem ser proceder de um verdadeiro cristão, muito diferente do modo de agir dos pagãos que viviam mergulhados na corrupção, ou dos judeus que eram cheios de maldade e de hipocrisia. Mas São Paulo não diz com esta frase que esta situação é inamissível.

   Se está em Cristo, é uma nova criatura; mas, homem como é, fraco, sujeito a tentações, se não coopera com a graça e cai no pecado mortal, enquanto permanecer neste triste estado, já não está mais em Cristo, porque d'Ele se afastou pelo pecado; e já não é mais a nova criatura, porque está privado da graça santificante e está agindo à maneira do velho homem.

   O mesmo São Paulo, na sua Epístola aos Efésios, exorta os cristãos a se despojarem do homem velho (Efésios IV-22) e a se revestirem do novo: VESTI-VOS DO HOMEM NOVO, que foi criado segundo Deus em justiça e em santidade de verdade (Efésios IV-24). Como poderão revestir-se deste homem novo? O Apóstolo o mostra em seguida com uma série de exortações: PELO QUE renunciando a mentira, fale cada um a seu próximo a verdade... Se vos irardes, seja sem pecar... Não deis lugar ao diabo. Aquele que furtava não furte mais... Nenhuma palavra má saia da vossa boca... Não entristeçais ao Espírito Santo... toda a amargura e ira e indignação e gritaria e blasfêmia, com toda a malícia, seja desterrada dentre vós outros... Sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros (Efésios IV-25 a 32) E nos dois capítulos seguintes continuam as exortações. É, portanto, PELAS SUAS OBRAS, PELO SEU MODO DE PROCEDER que o cristão se vai tornar um homem novo. Se fosse por uma operação miraculosa em que o homem automaticamente fica transformado em impecável, entrando crisálida e saindo borboleta, não eram necessárias tantas recomendações: bastava mandar CRER em Cristo. 

   Aquelas exortações mostram muito bem que quem não proceder segundo a norma traçada pelo Apóstolo, jã não estará agindo como o NOVO,  mas sim como O VELHO HOMEM.

   Não admitindo nenhuma distinção entre pecado mortal e pecado venial, reconhecendo também que com o pecado na alma ninguém pode entrar no Céu, o protestante tem que admitir que a NOVA CRIATURA se tem a certeza absoluta da salvação, é porque não comete nenhum pecado nem grave, nem leve.

   Entretanto, a Bíblia nos diz que todo homem cai em pecados (o que se há de entender: pelo menos em pecados leves); vejamos esta palavra de São Tiago: TODOS NÓS tropeçamos em muitas coisas (Tiago III- 2). Tropeçar aí quer dizer pecar, pois logo em seguida o Apóstolo mostra que uma destas coisas em que tropeçamos facilmente é no que diz respeito à língua: Se algum não tropeça em qualquer palavra, este é varão perfeito (Tiago III-2).

   E Nosso Senhor ensinou-nos a orar dizendo sempre: Perdoai-nos as nossas dívidas (Mateus VI-12), o que mostra que todos os cristãos, ainda mesmo os mais justos e santos, têm sempre alguma coisa de que se penitenciar perante Deus.