quarta-feira, 31 de julho de 2019

A REFORMA

A REFORMA
                                                        
                                                                                                                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*
     
        O século XVI foi um dos séculos mais conturbados da história da Igreja, devido especialmente aos excessos da renascença, que, com a pretensa volta aos valores pagãos nas artes e na vida, trouxe uma onda de mundanismo e devassidão, que atingiu também infelizmente a vida de pessoas da Igreja, até nos altos postos da hierarquia. 
        Martinho Lutero, monge alemão, abalado já na sua vida espiritual, sentiu-se também escandalizado com esse mundanismo e pretendeu salvar, por si mesmo, a Igreja. Entrou assim em um caminho errado de reforma, causando na verdade uma revolução, destruindo a autoridade e o Magistério da Igreja, e implantando o princípio da livre interpretação das Sagradas Escrituras, o livre-exame, causa das grandes divisões religiosas que se seguiram.  
        Mas a verdadeira reforma, talvez vislumbrada por Lutero, não a pseudo-reforma perpetrada por ele, foi realizada, no mesmo século XVI, pelo Concílio de Trento e pelos santos contemporâneos do monge alemão, como Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz, São Filipe Nery e, sobretudo, Santo Inácio de Loyola com a Companhia de Jesus, concretizando assim o que dizia São João Paulo II: “A Igreja não precisa de reformadores, mas de santos!” Os Santos, reformando a si mesmos, foram os verdadeiros reformadores do mundo e da Igreja.
        Inácio de Loyola, santo cuja memória celebramos hoje, era um oficial espanhol, que, em 1521, mesmo ano da excomunhão de Lutero, no cerco de Pamplona, teve uma perna quebrada por uma bala de canhão e esperava por várias semanas sua cura no hospital. Enfadado, pediu romances para ler e se distrair. Mas não os encontraram e lhe trouxeram uma Vida dos Santos. Aquela leitura o encantou e transformou aquele oficial frívolo num dos maiores santos da Igreja, fundador da Companhia de Jesus, os Jesuítas, a cujas fileiras pertence o nosso Papa Francisco.
        Seu lema “para a maior glória de Deus” o impulsionava e contagiava seus companheiros, especialmente Francisco Xavier, que se tornou o grande missionário das Índias e do Japão. Enquanto Lutero e Calvino propagavam suas ideias, cujas consequências foram a devassidão e a guerra, Santo Inácio com seus companheiros usavam a oração, a caridade, a união com a Igreja e o espírito missionário. Escreveu os célebres “exercícios espirituais”, programa de retiros que inspirou e inspira todos os que querem levar uma vida espiritual séria e bem fundamentada. 
        Aqui no Brasil, da Companhia de Jesus, tivemos o grande Apóstolo de nossa Pátria, patrono de todos os catequistas, São José de Anchieta, que, com o Pe. Manoel da Nóbrega, fundou a cidade de São Paulo e participou da fundação da cidade do Rio de Janeiro. Embora não santo, temos da mesma companhia, o mais célebre orador do Brasil, o Padre Antônio Vieira. Também os Quarenta Mártires do Brasil, liderados pelo Bem-aventurado Inácio de Azevedo, martirizados pelos piratas protestantes quando vinham para trabalhar nas missões do Brasil, eram da Companhia de Jesus de Santo Inácio de Loyola.

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

LEMAS DE SANTO INÁCIO DE LOIOLA

"TUDO PARA A MAIOR GLÓRIA DE DEUS"

   Só um interesse inspirou a vida deste santo extraordinário: o da glória de Deus e da salvação das almas. A este interesse sacrificou e subordinou tudo. É próprio dos santos fazer sempre e em tudo o que Deus quer: fazer a santíssima vontade de Deus e nunca a própria; ou melhor a própria vontade desaparece unida que foi inteiramente à Vontade de Deus. Fazer só o indispensavelmente necessário, com algum cuidado de evitar o pecado mortal, é característico dos tíbios e não dos santos. É mais perfeito procurar sempre o agrado de Deus e dirigir todos os atos à glória de Deus e à salvação da alma. 

"VENCE-TE A TI PRÓPRIO"

   A própria vida de Santo Inácio, desde a sua conversão, foi a fiel interpretação deste lema. Vencendo-se a si, tornou-se o grande Santo. O "vencer-se a si próprio" deve ser o programa de todos os que pretendem chegar à perfeição. O mundo é um vale de lágrimas e misérias, porque o primeiro homem não se soube vencer. O céu regurgita de Santos, que devem a glória ao combate contínuo, que sustentaram contra a natureza. - "Vence-te a ti mesmo" "Vince te ipsum" e terás garantida a tua salvação. Santo Inácio dizia: "Não há outro caminho para a santidade senão o da abnegação e da mortificação. Anima-te, pois! Começa resolutamente! Uma única mortificação, feita com decisão, é mais agradável a Deus que praticar muitas boas obras". 

"QUÃO DESPREZÍVEL É A TERRA QUANDO OLHO PARA O CÉU"

   "A boca fala da abundância do coração": Santo Inácio era chamado o homem que está sempre em colóquio com Deus e vê o céu aberto. Os olhos procuram o que mais lhes agradam. Caríssimos, nós somos cidadãos do céu. Ele é nossa pátria definitiva. Estamos na terra como peregrinos e estrangeiros. Portanto, despojemo-nos do apego a qualquer coisa da terra: riquezas, prazeres, honras. Olhemos para o céu. "Senhor! dai-me a vossa graça e o vosso amor: e serei suficientemente rico" (Santo Inácio).
   "SANTO INÁCIO DE LOIOLA!  ROGAI POR NÓS!

ATO DE PERFEITO AMOR DE DEUS

  LEITURA ESPIRITUAL  -  dia 31º

"Conhecemos e cremos no amor que Deus tem por nós. Deus é amor; quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus nele"... "Nós, portanto, amemos a Deus, porque Deus nos amou primeiro" (1 S. João, IV, 16 e 19). 

 Primeiramente um esclarecimento: Habitualmente, em nosso amor de Deus há mistura de amor puro e de amor de esperança, o que quer dizer que amamos a Deus por Si mesmo, porque é infinitamente bom, e também porque é a fonte de nossa felicidade. Estes dois motivos não se excluem, pois Deus quis que em O amar e glorificar encontrássemos a nossa felicidade. Não nos inquietemos, pois, desta mistura, e, pensando no céu, digamo-nos somente que a nossa felicidade consistirá em possuir a Deus, em O ver, amar e glorificar; então o desejo e a esperança do céu não impedem que o motivo dominante das nossas ações seja verdadeiramente o amor de Deus.
   O Ato de Amor a Deus é a maior e mais preciosa ação que se possa ser feito, tanto no céu como na terra. A alma que faz mais Atos de Amor a Deus, é a alma mais amada por Deus no céu e na terra. O Ato de Amor a Deus é o mais poderoso e eficaz meio para chegar bem depressa, e facilmente, a mais íntima união com Deus, à mais alta santidade e à maior paz da alma. (Beato Olier).
   O Ato de perfeito Amor a Deus realiza imediatamente o mistério da união da alma com Deus. E se esta alma fosse culpada dos maiores erros, ainda que numerosos, adquiriria imediatamente a Graça de Deus com este Ato, com a condição de desejar se confessar o quanto antes. Não pode comungar antes da confissão. Mas queremos dizer que feito o Ato de perfeito Amor a Deus, a alma por mais pecadora é perdoada por este Ato e se morrer antes de se confessar não vai para o inferno. Está salva.
   Este ato purifica a alma dos pecados veniais, das imperfeições, dá o perdão do pecado, dá também a remissão da pena por todos os pecados e restitui os méritos perdidos. O Ato perfeito de Amor a Deus torna a dar a alma imediatamente, a inocência batismal. É este ato o meio eficaz para converter os pecadores, salvar os moribundos, libertar as almas do Purgatório, e para consolar os que sofrem, para ajudar os Padres, para ser útil às almas e à Igreja.
   Um Ato perfeito de Amor a Deus aumenta a glória exterior do próprio Deus, da Santíssima Virgem e de todos os Santos do Paraíso; soergue todas as almas do Purgatório; obtém acréscimo da graça para todos os fiéis sobre a terra, reprime o poder maligno do inferno sobre as criaturas. O menor Ato de amor a Deus chega como bênção e graça até o selvagem que mora na última choupana abandonada nos limites da terra.
   O Ato de Amor a Deus é o mais poderoso meio de evitar o pecado, de vencer as tentações e também para adquirir todas as virtudes e merecer todas as graças.
   "O menor Ato de perfeito Amor a Deus tem mais efeito, mais merecimento e mais importância, que todas as boas obras em conjunto". (São João da Cruz) É óbvio que São João da Cruz está se referindo às obras boas mas não feitas com perfeito amor a Deus.
   O Ato de Amor a Deus é a ação mais simples, mais fácil, mais curta ou rápida que se pode fazer, pois basta dizer com toda simplicidade: "Meu Deus, eu Vos amo".
   É tão fácil fazer um Ato de Amor a Deus. Pode-se realizá-lo a todo momento, em todas as circunstâncias, no meio do trabalho, entre a multidão humana, seja qual for o lugar, e num instante de tempo. O Bom Deus está sempre presente, ouvindo, esperando afetuosamente colher do coração da criatura essa expressão de amor. Ele deseja somente que a alma que faz um Ato de Amor conserve-se atenta um momento para poder Ele, Deus responder-lhe por sua vez: "Eu também te amo; Eu te amo muito!"
   O Ato de amor não requer esforço nem inteligência. Não interrompe a atividade, não exige fórmulas particulares.
   O Ato de Amor não é um ato de sentimento; é um ato da vontade. Elevado infinitamente acima da sensibilidade e é também imperceptível aos sentidos. Basta que a alma diga ou mesmo exprima sem palavras ao bom Deus: "Meu Deus, eu Vos amo!"
   Na dor sofrendo em paz e com paciência, a alma manifesta seu Ato de Amor deste modo: "Eu Vos amo Meu Deus, por isto sofro tudo por amor a Vós!"
   Em meio aos trabalhos e preocupações exteriores, no cumprimento do dever cotidiano: "Meu Deus, eu vos amo, trabalho convosco, para Vós, por Vosso Amor".
   Na solidão, no isolamento, na imolação, na desolação: "Obrigado, meu Deus, sou assim mais semelhante a Jesus. Basta-me amar-Vos muito!"
   Por ocasião de defeitos, mesmo graves: "Meu Deus, sou fraco, perdoai-me. Recorro a Vós, refugio-me em Vós porque Vos amo muito!"
   Nas alegrias, nas horas de felicidade: "Meu Deus, obrigado por este dom. Eu Vos amo".
   Quando a última hora se aproximar: "Obrigado, meu Deus por tudo. Amei-Vos sobre a terra; espero amar-Vos para sempre no Paraíso!"
   Pode-se fazer o Ato de Amor a Deus de mil modos diversos. Mas ele é realizado de modo particular pela vontade sempre disposta a cumprir a Santa Vontade de Deus, de qualquer modo que ela se apresente e nos seja manifestada.
   Faz-se o Ato de Amor a Deus, também, quando se cumpre mesmo uma pequenina obrigação, quando se sofre uma bem pequena pena ou frui-se qualquer ventura ou alegria, tudo por seu Amor.
   "Para o bom Deus, vale mais apanhar um alfinete do chão por seu Amor, do que realizar ações notáveis por outros objetivos, ainda que honestos", - diz um santo.
   Faz-se Atos de Amor a Deus todas as vezes que se Lhe diz pela vontade: "Meu Deus, eu Vos amo".
   Uma pobre alma, ignorada de todos, pode fazer por dia 10.000 Atos de Amor a Deus. Na realidade, uma alma simples, e que vive no meio do mundo, e no meio da agitação e das preocupações, pode repetir cada dia 10.000 vezes: "Meu Deus, eu Vos amo".
   A ALMA PODE FAZER O ATO DE AMOR A DEUS EM TRÊS GRAUS DE PERFEIÇÃO.
   1º) - Vontade de sofrer quaisquer penas e até mesmo a morte para não ofender gravemente o Senhor. "Meu Deus, antes morrer que cometer um pecado mortal".
   2º) - Vontade de sofrer qualquer pena e até mesmo a morte de preferência a consentir num pecado venial. "Meu Deus, antes morrer que ofender-Vos, mesmo levemente".
   3º) - Vontade de escolher sempre o que for mais agradável a Deus. "Meu Deus, uma vez que Vos amo, quero somente o que quereis".
   Cada um destes três atos contém um Ato perfeito de Amor a Deus.
   Santo não é quem faz milagres, tem êxtases ou visões, mas quem faz mais Atos de Amor a Deus no decorrer do dia.
   Santo não é quem nunca consente num pecado, mas quem faz pecados por fraqueza mas logo se reergue e encontra em sua própria fraqueza nova razão de amar ainda mais o bom Deus e de se abandonar melhor nos braços divinos.
   Santo não é quem se flagela, usa de fortes mortificações ou que foge ao mundo, ou que realiza obras notáveis que maravilham os homens, mas quem diz maior número de vezes e com mais amor ao bom Deus: "Meu Deus, eu Vos amo muito, e por vosso amor, quero florescer onde me semeastes".
   Santo é quem repete com maior vontade e maior número de vezes o Ato de Amor pela jornada diária afora: "Meu Deus, eu Vos amo muito".
   A alma mais simples e escondida, ignorada de todos, mas que faz o maior número de Atos de Amor a Deus, é muito mais útil às almas e à Igreja do que aquelas que fazem grandes obras com menor amor.
   As obras grandiosas e maravilhosas de alguns santos tiveram muito valor justamente porque tiveram como motivo o grande amor a Deus que lhes inflamava a alma.

   Esta postagem é um folheto distribuído por Religiosas no alto da "Escada Santa" em Roma. Foi traduzido para o português e publicado em 1958. Recebeu para tanto o Nihil obstat do Cônego Vital B. Cavalcanti ( Censor ad hoc); e o "imprimatur" = pode imprimir-se - foi dado pelo Mons. Caruso , Vigário Geral no Rio de Janeiro.

terça-feira, 30 de julho de 2019

O AMOR A DEUS

LEITURA ESPIRITUAL, dia 30º

O primeiro e o máximo mandamento é amar a Deus sobre todas as coisas. É sumamente útil e necessário conhecermos bem este assunto.

Em primeiro lugar, devemos  distinguir dois elementos no amor: a complacência e a benevolência. Que é complacência? Vamos dar exemplo do que acontece com o amor entre pessoas aqui na terra e depois aplicaremos subindo até Deus. Assim, as qualidades dos entes queridos nos enlevam: eis aí a complacência. Agora, queremos bem àquelas pessoas cujos dotes nos cativam: eis aí a benevolência. E nosso amor de complacência e de benevolência deve ser afetivo e efetivo. Há amor afetivo quando suscitamos no nosso coração, tais sentimentos tanto de complacência como de benevolência. E, desde já devemos saber que este amor afetivo para com Deus se exerce e se dilata na oração.

Mas, caríssimos, este amor afetivo só será sincero se for acompanhado do amor efetivo, ou seja, é mister que opere e que realmente sirvamos a Deus. Em outras palavras, o nosso amor deve ser provado pela prática das virtudes. Portanto o amor interno deve ser manifestado externamente e é assim que conhecemos  inclusive o seu valor exato. Como disse o Divino Mestre: "Não é aquele que diz Senhor, Senhor, que vai entrar no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai que está no céu". Diz também: "Quem me ama, guarda os meus mandamentos, faz o que eu mando". Portanto, querer julgar a intensidade do amor apenas pelo surtos do coração é expor-se a ilusões. É na renúncia da própria vontade e na aceitação amorosa e inteira da vontade divina, que encontramos a prova inconfundível do verdadeiro amor de Deus. Se o amor perfeito não pode nascer nem crescer sem o exercício da oração e a prática constante do amor afetivo, tão pouco se pode desenvolver sem as obras, sem a luta generosa contra os nossos defeitos e a fidelidade às virtudes cristãs.

E que vem a ser AMOR PERFEITO a Deus? Caríssimos, devemos evitar dois extremos: Não se trata apenas de um ato PASSAGEIRO de caridade perfeita; isto seria uma resolução sincera de evitar todo pecado mortal, a fim de não ofender o Deus infinitamente bom, infinitamente digno de amor. Na verdade, esta disposição basta à alma para alcançar o perdão das faltas graves e recuperar a graça santificante que perdera, desde que acompanhada do desejo de receber o sacramento da Penitência. Não é permitido, porém comungar, sem antes se confessar. Se Jesus chamar esta pessoa repentinamente sem ter condição de se confessar, ela se salva. Mas este ato passageiro de caridade perfeita não é ainda o AMOR PERFEITO  a Deus, de que falamos aqui. Por outro lado, devemos excluir o outro excesso, isto é, não deva haver nenhuma interrupção nem desfalecimento para que o amor fosse perfeito. Na realidade seria exigir um amor que só será possível no céu. Assim sendo, devemos dizer que uma alma atinge o amor perfeito a Deus aqui na terra, quando se encontra na disposição habitual de renunciar a tudo quanto lhe possa arrefecer o ardor da caridade. Portanto, significa não ter nenhum apego voluntário, nem às faltas ligeiras, nem às imperfeições; quando se propõe a fazer, em tudo, o que Deus quer, e como Deus quer. E prestemos bastante atenção neste particular: esta resolução não pode ser fruto de um ímpeto de entusiasmo, em que a sensibilidade tem grande parte, mas deve ser uma determinação calma, firme e constante da vontade. Conhece as dificuldades, mas sabe vencê-las, porque não há nada mais forte do que o amor perfeito.

Então, resumindo: O amor perfeito a Deus supõe que a alma esteja sempre na presença de Deus. Pelo menos, o pensamento da pessoa se volta frequentemente para Deus. O amor perfeito supõe, portanto, um amor afetivo intenso e freqüente; supõe também um amor efetivo, generoso, habitual, e devemos dizer que também supõe um amor delicado. Porque daria provas de amor vulgar  e um tanto interesseiro, quem não soubesse prestar serviços a um amigo sem deixar perceber o que isso lhe custa. Na realidade, o verdadeiro amor nunca pensa fazer bastante para o ente amado, desprezando suas fatigas e seus trabalhos; raramente fala de seus sacrifícios, e, se falar, é para dizer que é pouca coisa e que está pronto a fazer outros, maiores ainda.

Não há meio melhor para compreendermos bem o que vem a ser o amor perfeito a Deus do que lendo a vida dos santos, porque, na verdade, é neste amor perfeito, onde se procura fazer sempre a vontade de Deus, que encontramos a verdadeira santidade. Amém!

sexta-feira, 26 de julho de 2019

O CORAÇÃO DE JESUS E A HUMILDADE

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA, dia 26º

"Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração". Nosso Senhor Jesus Cristo, na verdade, é o modelo perfeito de todas as virtudes. No entanto quis fazer menção especial da humildade e da mansidão, virtudes estas que podemos chamar de irmãs. Os teólogos dizem que a humildade  com sua forma própria não se encontra em Deus, porque ela supõe pequenez e inferioridade. Como a humildade é a verdade, ela só se aplica a nós homens porque a verdade é que somos nada e um nada pecador. Reconhecer isto é humildade de inteligência mas ainda não é virtude. Aceitar ser tratado assim como pecadores e nada merecedores de elogios é a virtude da humildade. A virtude está na vontade. Reconhecer que o que temos de bom não é nosso mas vem de Deus é também humildade, porque esta é a verdade: por nós mesmos não podemos ter nem sequer um bom pensamento. Toda nossa capacidade para o bem vem de Deus. São Paulo diz: "Que tens tu, que não recebesses? E, se o recebeste, porque te glorias, como se o não tiveras recebido? (1 Cor., IV, 7).

A criatura, com efeito, se quiser ser justa e veraz, deve reconhecer que Deus é tudo e que ela é nada; que toda força, toda a virtude, toda a beleza, toda a bondade provêm de Deus, e que, por si mesma, não é senão fraqueza e miséria, ou antes é o próprio nada. A criatura, se quiser ser justa e sincera, não pode desconhecer as grandezas de Deus; e diante d'Ele deve se aniquilar. Deus é santo, a criatura é pecadora; Deus é a Justiça e a Bondade, e ela, injustiça e egoísmo; que Deus é paz e misericórdia, e ela, ira e maldade.

Até aqui falamos de uma humildade comum. Há uma humildade muito mais perfeita, mais difícil e consequentemente mais meritória. Consiste em nos rebaixarmos além do que merecemos. Jesus Cristo é o modelo acabado dessa humildade. O Homem-Deus, o Verbo Encarnado, como escreveu S. Paulo, humilhou-se até ao aniquilamento: "Tende entre vós os mesmos sentimentos que houve em Jesus Cristo, o qual, existindo no forma (=natureza) de Deus, não julgou que fosse uma rapina o seu ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens e sendo reconhecido por condição como homem. Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até a morte, e morte de cruz!" (Filipenses, II, 5-8).

Na verdade, já desde o início de sua vida terrestre, o Verbo, fazendo-se carne praticou um ato sublime de humildade. E toda Sua vida foi uma série de atos de humildade. Entregou o seu espírito como fez ao recebê-lo no início (Eis que venho, ó Pai, para fazer a Vossa vontade", e fez-se obediente até a morte, e morte de cruz, que é a mais humilhante.

Em Jesus a natureza humana deixou livre campo à graça para realizar suas obras enquanto a vontade humana de Jesus foi plenamente submissa à vontade divina: "Seja feita a vossa vontade e não a minha", esta oração do Horto das Oliveiras é o resumo de toda a vida do Divino Mestre.

Nas leituras anteriores meditamos como o Coração de Jesus sempre renunciou à estima, à consideração, à reputação, coisas estas de que os homens se mostram tão ciosos.  Os Santos contemplando sempre este Divino Modelo de infinita humildade, se tornaram tão humildes, que às vezes, os mundanos são tentados a tachá-los até de loucos, quando eles mesmos, ou seja, os santos consideravam uma verdadeira loucura,  pretender elogios e estima sendo como eram um nada criminoso, enquanto que Jesus, a própria inocência e santidade, fez-se obediente até à morte e morte de cruz.


Caríssimos, já que Deus só dá sua graça e sua luz aos humildes, peçamos sempre a humildade. Pedindo, pois, a humildade, pedimos uma riqueza espiritual que vale bem longos anos de súplica. Deus nos dará a graça das ocasiões de praticarmos a humildade através das humilhações que sofrermos. Não deixemos passar estas graças, que elas não sejam vãs em nós. Rezemos sempre com grande desejo e sinceridade: "Jesus, manso e humilde de coração! Fazei o meu coração semelhante ao Vosso!" Amém!

quinta-feira, 25 de julho de 2019

O CORAÇÃO DE JESUS NA SUA PAIXÃO E MORTE

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA
17º dia de junho

São Paulo resume todo o amor do Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo nesta frase: "Amou-me e entregou-se por mim". Outra palavra do divino Espírito Santo que mostra o amor infinito do Salvador pelos homens é esta profecia de Isaías: "Foi oferecido em sacrifício, porque ele mesmo quis" (Isaías 53, 7). Temos aqui a causa da Paixão e morte do amantíssimo Salvador: o amor de seu adorável Coração  por todos e por cada um de nós. Caríssimos, na verdade, só o amor infinito do divino Coração de Jesus pode explicar a maneira tão dolorosa e humilhante com que Nosso Senhor Jesus Cristo quis realizar a obra da nossa redenção. Segundo a profecia de Isaías, assim foi porque "Ele quis". Se, como afirma S. Paulo, entregou-se por mim e fê-lo voluntariamente, é porque foi movido unicamente pelo amor de seu Coração. Porque, por efeito da união hipostática da natureza divina à humana, todo ato do Homem-Deus tinha valor infinito: uma lágrima, uma gota de sangue, uma oração, mesmo um suspiro seriam suficientes para remir toda a humanidade. Mas como diz muito bem São João Crisóstomo: "o que bastava para a redenção não bastava para nos revelar o seu amor". Jesus quis mostrar de um modo bem patente a imensidade do amor de seu Coração. Sendo Ele a própria inocência quis VOLUNTARIAMENTE, padecer tristezas, quis ser saturado de opróbrios, humilhações, dores e angústias. Foi traído, suas faces foram conspurcadas por escarros, machucadas  por tapas e bofetadas, todo seu corpo despedaçado por açoites, sua sacrossanta cabeça ferida por uma coroa de espinhos penetrantes e que se tornaram verdadeiro martírio porque enterrados mais fundos por golpes da cana. Jesus quis que seu Sacratíssimo Coração fosse alvo de todas as humilhações. Pois, quis ser condenado à morte como malfeitor. E morte na Cruz. E ele mesmo carregou o madeiro no qual seria pregado e suspenso da terra. Quis permanecer três horas suspenso e seguro por três pontiagudos cravos. Quis sofrer uma sede horrível. Quis sofrer assim em todo seu corpo exterior e interiormente. E também no espírito: a amargura e desolação infinitas.

E nesta cátedra de amor e de misericórdia, quais foram os sentimentos do Coração amabilíssimo de Jesus? Pediu perdão para os que o crucificaram, concedeu o Paraíso ao bom ladrão que se arrependeu, deu-nos, na pessoa do discípulo amado, Maria Santíssima como nossa Mãe. Declarou que tinha sede, com certeza sede física, mas para significar a sede mística de almas. Inclinando a cabeça e encomendando o espírito a seu Pai, expirou. "Tudo estava consumado": com o seu sacrifício, a obra da nossa redenção estava realmente consumada. O Coração de Jesus desejou ardentemente esta hora do supremo sacrifício, deste batismo de sangue, para salvar a humanidade. Estava estendida a ponte entre o paraíso que perdemos e o paraíso que agora podemos esperar pelos merecimentos infinitos do Coração do Salvador.

Jesus havia dito que Ele era a PORTA,  a porta por onde suas ovelhas podem entrar no Céu. Como tudo isto foi feito pelo amor infinito de Jesus e deste amor é símbolo o coração, Jesus quis, que já consumada esta obra de supremo amor, fosse patenteada esta porta e este refúgio; quis mostrar a ternura do seu Coração, permitindo que fosse aberto o seu lado com uma lança, para dar-nos com isso a entender que nos ficava aberta a entrada para o seu Coração, aonde podemos sempre acolher-nos como a sagrado e doce refúgio.


Caríssimos, contemplemos agora, o Salvador cravado na cruz por nosso amor, com a coroa de espinhos na cabeça, todo o seu corpo coberto de sangue, com as quatro chagas dos cravos e a da lança.  Estas cinco chagas abertas são como outras cinco bocas que estão pedindo amor como explica Santo Agostinho: "Grava, Senhor, as tuas chagas no meu coração, para que me sirvam de livro, onde eu possa ler a tua dor e o teu amor: a tua dor para suportar por Ti toda a sorte de dores; o teu amor para amar-Te ardentemente e para desprezar pelo teu todos os outros amores." Disse S. Paulo: "O amor de Cristo obriga-nos" (2 Cor. V, 14). E assim comenta São Francisco de Sales: "Verdadeiramente nada move tanto o coração dos homens como o amor... Ora, sabendo nós que Jesus Cristo, nosso verdadeiro Deus, nos amou até sofrer por nós a morte, e morte na cruz, não é isto razão para ter os nossos corações apertados e comprimidos para tirar deles todo o sumo precioso do amor, com uma violência que, quanto mais forte é, mais deleitoso se torna?" Amém!

terça-feira, 23 de julho de 2019

OUTRA QUALIDADE DA CONFISSÃO: SINCERA

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA, dia 23º

Confissão sincera é aquela em que não há mentira e nem desculpa.

1. Confissão sem mentira: Uma mentira em matéria leve, dita na confissão, torna-se um falta mais grave, sem todavia ser mortal; mas mentira seria um pecado mortal, se a matéria fosse grave, por exemplo: quem acusasse um pecado mortal que não cometeu, ou negasse um pecado mortal que tivesse cometido e que nunca tivesse confessado, ou negasse o hábito contraído, isto seria enganar em matéria grave o ministro de Deus.

Lemos na vida de S. José de Anchieta, jesuíta e missionário no Brasil, que certa mulher,  de grande virtude na aparência, frequentando os sacramentos, com um exterior humilde e modesto, ocultava sob essa aparência enganadora hábitos criminosos. Por sua hipocrisia, tinha ganho a estima de toda a cidade e dos seus diretores. Ora, um dia, não encontrando o seu confessor ordinário, procurou o Padre José de Anchieta. Este, sem dúvida inspirado por Deus, mandou-lhe dizer que se recusava a confessá-la. Como houvesse admiração, disse: "Esta mulher dá-se a um trabalho inútil". Com efeito, logo sua vida infame se tornou pública, e, por um justo castigo de Deus, ela não tardou a morrer com todos os sinais de condenação.

2. Confissão sem desculpa: No tribunal da penitência, o pecador deve ser o acusador de si mesmo: acusador e não advogado de defesa. Quem se acusa sinceramente, sem atenuar as suas faltas, obterá delas o perdão, e receberá de Deus maior abundância de misericórdia. O duque do Osuna, vice-rei de Nápoles, estando um dia em uma galera, pôs-se a interrogar a cada um dos forçados, sobre o crime que tinha cometido. Todos responderam que eram inocentes, exceto um, que confessou merecer um grande castigo. O duque disse então a este último: "Pois, então, não é este o teu lugar: um celerado, como tu, no meio de todos estes inocentes!" Em seguida, mandou pô-lo em liberdade. Deus perdoa mais liberalmente ao penitente que se reconhece culpado, e não procura desculpar-se.

"Quantos não há, diz o teólogo Perriens, que se confessam mal! Alguns dizem ao confessor o pouco bem que fazem, e não falam dos seus pecados: 'Padre, eu ouço a missa todos os dias, recito o terço, não blasfemo, não juro, não roubo ...' Pois, bem! para que dizeis isto? é para que o confessor vos louve? Os vossos pecados é que deveis acusar. Examinai-vos, e encontrareis mil, aos quais deveis remediar: maledicências, palavras desonestas, mentiras, imprecações, aversões, pensamentos desonestos ... Outros não fazem senão desculpar os seus pecados, e parecem advogar a sua causa junto do confessor, por exemplo: 'Padre, eu blasfemo, porque tenho um superior insuportável. Tive ódio a uma vizinha, porque ela falou mal de mim'. De que serve, continua Perriens, semelhante confissão? que pretendeis? Quereis que o confessor aprove os vossos pecados? Escutai o que diz S. Gregório: 'Se vos desculpais, Deus vos acusará; e, se vos acusais, ele vos desculpará'.

Nosso Senhor, numa aparição a Santa Maria M. de Pazzi, queixou-se daqueles que, na confissão, se desculpam dos seus pecados, e os lançam sobre outros.

Se o(a) penitente diz assim: Tal pessoa deu-me ocasião; ou, fulano tentou-me. Confessar-se assim não é senão ajuntar novos pecados; pois, para desculpar as próprias faltas, atacam a reputação do próximo.

Já ouvi contar o seguinte episódio (contado naturalmente pela culpada): Uma mulher que, para desculpar os seus pecados, relatou todo o mal que sabia do marido:   -  Pois bem! diz-lhe o confessor por fim: por vossos pecados, recitarás uma Salve Rainha; e pelos do teu marido jejuarás durante um mês.  - Mas, perguntou a penitente, como sou eu obrigada a fazer penitência pelos pecados do meu marido?  -  E vós, como viestes, respondeu o confessor, acusar os pecados do teu marido, dizendo todo o mal que ele tem feito, para desculpar os teus próprios pecados? Diz o provérbio italiano: "Si non è vero, è bene trovato".

Caríssimos, devemos contar os nossos pecados e não falar dos pecados alheios. O penitente, sendo humilde, nunca vai procurar se desculpar. Pensa sempre assim: sou eu mesmo que, por minha própria maldade e fraqueza, quis consentir em ofender a Deus.

Agora, faz-se necessário aqui uma observação: O penitente, deve algumas vezes descobrir a falta do próximo, para fazer conhecer ao confessor, seja a espécie do pecado de que se acusa, seja o perigo em que se acha, afim de que ele possa julgar o que tem a fazer. Se, neste caso, a pessoa que se confessa, puder se dirigir a um confessor que não conheça a pessoa em questão, então deve procurar este confessor. Mas, se for difícil em mudar de confessor, ou se a pessoa julga que o seu  confessor ordinário, conhecendo melhor a sua consciência, está no caso de lhe dar conselhos acertados, não está  obrigada a procurar um outro. No entanto, a pessoa deve ter o cuidado em encobrir o seu cúmplice o melhor possível. Basta, por exemplo, designar o seu estado: dizer se é uma pessoa casada ou não, ou ligada por voto de castidade, sem pronunciar o seu nome.


Outra coisa: é pura perda de tempo dizer assim na confissão: "Eu me acuso dos sete pecados capitais, dos cinco sentidos, dos dez mandamentos de Deus". Vale mais declarar ao confessor uma falta que há muito vens cometendo, sem dela te corrigires.  Devemos confessar as faltas de que nos queremos corrigir. Pois, de que serviria a pessoa se acusar de todas as maledicências, de todas as mentiras, de todas as imprecações, não querendo desfazer-se destes vícios? Seria mais uma zombaria, um abuso do sagrado tribunal da penitência. Caríssimos, a pessoa deve ter o cuidado quando se confessar de tais faltas, ainda que elas sejam veniais, em formar um bom propósito de não mais recair nelas. 

segunda-feira, 22 de julho de 2019

A CONFISSÃO DEVE SER INTEIRA

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA, dia 22º

Se o pecador não se confessar dos pecados mortais de que tem lembrança, não recebe o perdão. Falo dos pecados lembrados, porque, esquecendo involuntariamente um pecado, desde que a pessoa tenha um arrependimento geral de todas as ofensas feitas a Deus, este pecado esquecido será perdoado; mas, se a pessoa se lembrar dele depois, deve então confessá-lo.

No caso, porém, de a pessoa deixar voluntariamente de declarar um pecado mortal, então deve acusar-se desta omissão, e renovar além disso a confissão de todos os outros pecados já declarados; pois, a confissão foi nula e sacrílega.

Santa Teresa d'Ávila, que vira o inferno, não deixava de repetir aos pregadores: "Pregai, pregai contra as más confissões; pois, é pelas más confissões que a maior parte dos cristãos se condena".

Caríssimos, é, na verdade, vergonhoso cometer o pecado, mas não é vergonhoso livrar-se dele pela confissão. Aqui podem-se aplicar as palavras das Sagradas Escrituras: "Há  vergonha que leva ao pecado, e há vergonha que traz consigo glória e graça" (Eclesiástico, IV, 25). Devemos fugir da vergonha que nos torna inimigos de Deus pelo pecado, mas não da que, pela confissão do pecado cometido, alcança a graça de Deus e a glória do céu.

Que vergonha houve para os santos convertidos e penitentes, quando fizeram a confissão de seus grandes e inúmeros pecados? Assim: Santo Agostinho, Santa Maria do Egito, Santa Margarida de Cortona, etc.? Foi pelas suas confissões que adquiriram o céu, onde agora gozam de Deus. Quando Santo Agostinho se converteu, não contente de confessar os seus pecados, ele os consignou em um livro, para os tornar conhecidos de todo o mundo.

Santo Antônio de Lisboa (de Pádua) conta que um bispo viu um dia o demônio ao lado de uma mulher que se dispunha à confissão, e lhe perguntou o que fazia ali. O espírito maligno respondeu: "Estou restituindo o que roubei; quando tentei esta mulher para pecar, tirei-lhe a vergonha; agora, lha restituo, a fim de que não tenha coragem de confessar o pecado". S. João Crisóstomo diz o seguinte: "Deus deu a vergonha para o pecado, e a confiança à confissão. O demônio faz tudo ao contrário: liga ao pecado a confiança, e à confissão a vergonha". 


Cuidado com o demônio mudo, muito cuidado com ele! Faz como o lobo: este toma a ovelha pelo pescoço, para que ela não possa gritar; e, segurando-a assim, a arrasta e a devora. Do mesmo modo age o demônio com certas almas: toma-as pela garganta, impedindo-as de declarar o seu pecado. e, por este meio, leva-as para o inferno. 

domingo, 21 de julho de 2019

OCASIÃO NECESSÁRIA E ABSOLVIÇÃO


LEITURA ESPIRITUAL, dia 21º

Primeiramente quero lembrar que certas ocasiões, remotas para muitos, serão próximas ou quase próximas para aqueles que são mais inclinados ou mais habituados a algum vício, principalmente à impureza; vício este, que como diz Santo Tomás de Aquino, é de grande aderência. Se não afastam essas ocasiões, recairão sempre nas mesmas desordens.

Mas, dirá alguém, não me é possível separar-me dessa pessoa, não deixar aquela casa, sem ter com isso um grande prejuízo. Neste caso esta pessoa quer dizer que a sua ocasião não é voluntária, mas NECESSÁRIA. Dada a fraqueza humana, sobretudo nesta matéria de castidade, é evidente que o confessor não pode acreditar assim tão facilmente. Mas em casos indubitavelmente constatados, como agir? A pessoa que realmente se achar numa ocasião necessária,  deve empregar dois meios para transformar a ocasião próxima em remota, e  são: 1). oração, pedindo muito a Deus a fortaleza para não cair, e 2) evitar toda familiaridade com a pessoa com quem pecava. O confessor deve diferir a absolvição, afim de que o (a) penitente se aplique a fazer uso destes dois meios que consistem em se recomendar frequentemente a Deus e a evitar a familiaridade. É preciso que desde a manhã, ao levantar-se renove o bom propósito de não mais pecar, e suplique ao Senhor, não só de manhã mas ainda várias vezes no dia, diante do Santíssimo Sacramento, ante o crucifixo, ou a imagem da santa Virgem, a graça de não recair.

E que significa evitar toda familiaridade? Primeiro, nunca ficar a sós com a pessoa que foi cúmplice no pecado,  nunca lhe falar senão em caso de necessidade, e, apresentado-se a necessidade não o fazer senão com pesar e o estritamente necessário. Tornamos a frisar: ambos, devem passar algum tempo, e não muito breve, sem receber os sacramentos da penitência e da comunhão.

E perguntamos: Se, apesar de todos estes meios, os penitentes recaírem sempre em seus pecados, que remédio restaria para eles? Então o único é o que o divino Mestre prescreveu no Evangelho: Se o vosso olho vos escandaliza, arrancai-o e lançai-o longe de vós. Vale mais perder o vosso olho do que conservá-lo e ir para o inferno. Assim, em um tal caso, é preciso resolver-se absolutamente, ou a afastar a todo preço a ocasião, ou a sujeitar-se à eterna condenação.


E, caríssimos, hoje muitos dirão que isto é falta de misericórdia, é uma interpretação rigorista dos Evangelhos. Respondemos que as palavras de Jesus foram sempre assim interpretadas pelos Santos Padres da Igreja. E assim, devemos dizer que agir de modo diverso é monstruosa falta de caridade. Porque podemos perder tudo neste mundo, mas nunca podemos perder a nossa alma.  É bom e salutar meditarmos mais na vida dos santos mártires. Pedir uma fé mais viva e um amor mais ardente a Nosso Senhor. Amém!

sábado, 20 de julho de 2019

OCASIÃO PRÓXIMA VOLUNTÁRIA E ABSOLVIÇÃO

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA, dia 20º

Como já vimos anteriormente em outro artigo, todos os teólogos tradicionalistas concordam em que o mesmo preceito que nos proíbe pecar nos proíbe também de nos expor à ocasião próxima voluntária. Daí conclui-se que aqueles que estão na ocasião próxima voluntária não podem ser absolvidos, a menos que se proponham firmemente a fugir destas ocasiões; pois, só o fato de se exporem a elas é para todos um pecado grave, mesmo quando lhes acontecesse por vezes não sucumbir.

Quando a ocasião voluntária está atualmente presente, como ensina São Carlos Borromeu, o penitente não pode ser absolvido antes de ter afastado a ocasião; pois, sendo o afastamento de uma tal ocasião um ato que lhe custa muito, se o penitente não o executa antes de receber a absolvição, dificilmente se resolverá a isso depois de a ter recebido.

Com muito maior razão não poderia ser absolvido aquele que se recusasse a afastar a ocasião, prometendo apenas não mais recair no pecado.  Uma comparação: é possível alguém colocar uma estopa no fogo e ela não se queimar? Assim, como pode alguém ter a confiança de evitar o pecado, permanecendo na ocasião? E isso sobretudo em se tratando de ocasião de pecados contra a castidade com outrem. Na verdade,  a mulher é estopa, o homem fogo, e o demônio o soprador e atiçador.  Cabe aqui aplicarmos a palavra do próprio Espírito Santo: "Vossa fortaleza será como uma mecha de estopa, e a vossa obra como uma faísca; uma e outra se queimarão ao mesmo tempo e não haverá quem as apague" (Isaías, I, 31).

Um sacerdote ao exorcizar um possesso, obrigou o demônio a dizer qual de todos os sermões lhe desagradava mais, e confessou: "O sermão sobre ocasião". Contanto que a ocasião permaneça, pouco importa ao demônio que se façam bons propósitos, promessas, juramentos e mesmo muitas penitências; enquanto não se afastar a ocasião, o pecado permanecerá. A penitência que indica o verdadeiro arrependimento é justamente o fugir da ocasião próxima. Por exemplo: aquele e aquela que vivem em adultério, só podem ser absolvidos si se separarem de fato, não só de leito, mas também de casa. E para comungar exige-se um certo tempo que seja suficiente para todo mundo ver que realmente se converteram. Sem isto, dar a comunhão, seria motivo de escândalo, e, portanto, um enorme prejuízo para as almas.

A ocasião, principalmente em matéria sensual, é como que um véu que se tem ante os olhos, e que não mais permite ver nem Deus, nem inferno, nem paraíso. Enfim, a ocasião cega o homem; ora, quando cego, como poderá distinguir o caminho do céu? Tomará o caminho do inferno, sem saber para onde vai. É preciso, pois, que aquele que está em ocasião de pecar se esforce por sair dela; de outro modo, ficará sempre no pecado. Alguém dirá: ninguém pode ir para o inferno sem saber que está indo. Resposta: primeiro para os modernistas que procuram tranquilizar as consciências no pecado, devem ficar sabendo que isto pode enganar, mas não salva, porque o demônio é astuto. Que faz ele: leva a pessoa a encontrar argumentos facilmente com a cumplicidade das pessoas da Igreja, leva-a achar até santo aquilo que lhe é agradável à natureza. Mas o demônio tira esta venda dos olhos do moribundo e tenta-o ao desespero. E muitas almas podem se condenar por isso. Só a verdade é que salva. A mentira e o erro são  obras do demônio e só podem levar à condenação.  


sexta-feira, 19 de julho de 2019

INSTITUIÇÃO DIVINA DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA


LEITURA ESPIRITUAL  MEDITADA, dia 19º

Como rezamos no ato de Contrição: "Senhor meu, Jesus Cristo, Deus e Homem verdadeiro...", sabemos que o Messias, o Salvador é o Filho de Deus feito Homem. Foi sempre Deus porque Deus não teve princípio, existiu desde todo sempre, e nunca deixará de existir. Fez-Se Homem, sem deixar, portanto, de ser Deus. E assim, Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Pois bem, todos os sacramentos foram instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus feito Homem. Entre os sete Sacramentos está o da Penitência ou Confissão. O Sacramento da Penitência é, portanto de instituição divina, e não uma coisa criada por um simples homem. Daí devemos dizer que a Confissão é divina. E para demonstrar esta verdade basta-nos consultar o Santo Evangelho, a Tradição e podemos também dar argumentos de razão a favor de sua conveniência.

1. O EVANGELHO:

 O Evangelho atesta em primeiro lugar que Jesus Cristo tem o poder de perdoar os pecados. S. João Batista mostra Jesus ao povo e diz: "Eis o Cordeiro de Deus, eis o que tira os pecados do mundo" (S. João, I, 29). Lemos também no Evangelho que um dia apresentaram a Jesus um paralítico. O Salvador, querendo provar a sua divindade, disse: Teus pecados são-te perdoados. Então os escribas e os fariseus murmuraram entre si dizendo: "quem pode perdoar os pecados senão Deus?" Mas Jesus Cristo, conhecendo seus pensamentos lhes disse: "Que estais vós a pensar nos vossos corações? Que coisa é menos difícil dizer: São-te perdoados os pecados, ou dizer: Levanta-te e caminha? Pois, para que saibais que o Filho do homem tem poder sobre a terra de perdoar pecados, (disse ao paralítico): Eu te digo: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa. Levantando-se logo em presença deles, tomou o leito em que jazia e foi para sua casa, glorificando a Deus" (S. Lucas, V, 20 a 25).


 Realmente, trata-se de um poder divino, ou seja, só Deus pode perdoar pecados. Mas Deus em sua infinita misericórdia, delegou este poder aos homens, não a todos mas àqueles que Ele escolheu e escolherá até o fim do mundo para fazer as suas vezes, isto é, para serem seus instrumentos, dispensadores deste poder: são primeiramente os Apóstolos e depois seus sucessores. Este grande poder de perdoar os pecados Jesus Cristo prometera primeiramente a São Pedro quando disse-lhe: Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus: tudo que ligares na terra será ligado no Céu e tudo que desligares na terra será desligado no Céu" (S. Mateus, XVI, 19). Depois Jesus Cristo fez a mesma promessa a todos os Apóstolos reunidos: "Tudo  que ligares na terra, será ligado no Céu, e tudo que desligardes na terra será desligado no Céu" (S. Mateus, XVII, 18). Por estas memoráveis palavras o Divino Redentor prometeu a seus Apóstolos comunicar-lhes o poder de abrir e fechar o Céu. Ora, a porta do Céu não se fecha senão pelo pecado e não se abre senão pelo perdão dos pecados.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

A INSTITUIÇÃO DIVINA DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA PROVADA PELA TRADIÇÃO

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA, dia 18º

Antes de expor os argumentos da Tradição é sempre útil ver quais são os adversários da tese e refutá-los. Pois bem, como todos sabem, os grandes adversários do Sacramento da Penitência são os protestantes. Estes, seguindo Calvino, e também os ímpios modernos ousam dizer que a confissão era desconhecida nos primeiros séculos do Cristianismo. Sustentam que a confissão data dos 4º Concílio de Latrão em 1215, época em que o Papa Inocêncio III tê-la-ia inventado. Caríssimos, isto constitui um grave erro que denota a mais grosseira ignorância, ou, pior ainda, é uma demonstração da mais insolente má fé. Vamos ouvir Santo Afonso: este grande Doutor da Santa Igreja diz que o Papa Inocêncio III, não fez senão determinar o tempo em que a confissão deve ser feita pelos fiéis, isto é, ao menos uma vez por ano, como já haviam prescrevido os papas Inocêncio I (+ 417), Leão I (+ 474), Zeferino (+218). Além disso, sabemos que a Tradição e a História da Igreja se apoiam no Santo Evangelho de S. João para provar que a confissão foi instituída por Jesus Cristo. Suponhamos os Sacramento da Penitência como a Igreja o administra, realmente estabelecido por Nosso Senhor Jesus Cristo: Eis aqui os fatos que se devem produzir e dos quais a História Eclesiástica dá, sem dúvida, testemunho; os Padres da Igreja falarão da Confissão em seus escritos, e dirão que ela vem de Jesus Cristo; hão de afirmar que é necessária à salvação, que deve ser feita com sinceridade e com contrição; que só os sacerdotes podem absolver, etc. Os Concílios traçarão as regras aos confessores, para remediar os abusos que nascerão em diversas épocas da história. Conservar-se-ão muitos nomes de confessores que prestaram o socorro de seu ministério a personagens históricos. Talvez se encontre nas mais antigas igrejas o lugar dos tribunais da penitência; enfim, as seitas separadas da Igreja de Jesus Cristo, desde os primeiros séculos, terão provavelmente conservado alguns vestígios dessa salutar instituição.

Consultando as antiguidades eclesiásticas obteremos precisamente estes resultados que acabamos de enumerar. Até historiadores protestantes, devendo ser sinceros diante da evidência, declararam que a Confissão entre os Católicos já era exercida nos quatro primeiros séculos. Por exemplo, o historiador protestante Gibbon diz: "o homem instruído não pode resistir ao peso da evidência histórica que estabeleceu a Confissão como um dos principais pontos da doutrina católica em todo o período dos quatro primeiros séculos".


Entre outras seitas heréticas encontramos também quem dá testemunho histórico da existência da Confissão já nos primeiros séculos da Igreja Católica. Por exemplo: os eutiquianos, os jacobitas, os armênios, os nestorianos, em um palavra, as Seitas do Oriente, separadas da Igreja Romana desde o 4º e o 5º séculos, praticavam a confissão como necessária. Muitos sábios autores atestam que se vêem nas catacumbas de Roma os confessionários próximos aos altares, cujas pinturas, semelhantes às de Pompéia, remontam aos primeiros séculos do Cristianismo. 

terça-feira, 16 de julho de 2019

A RETA RAZÃO HUMANA PROVA A ORIGEM DIVINA DO SACRAMENTO DA CONFISSÃO

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA

Em Teologia usam-se os argumentos tirados das Sagradas Escrituras e depois os argumentos da Tradição. Frequentemente, usam-se também os argumentos da reta razão humana. Esta mostra a conveniência de uma determinada tese. Assim, em se tratando da origem divina do Sacramento da Penitência, vamos, com a graça de Deus, apresentar também os argumentos da reta razão, ou também chamados argumentos do bom senso.

Pois bem! O mais simples bom senso nos mostra que a confissão não pode ter senão uma origem divina. Suponhamos que seja uma invenção humana; certamente, uma tal invenção é bastante notável para que se conhecesse o seu autor. Sabe-se o primeiro cultor da ciência: foi Thales. Arquimedes inventou as espelhos-ustórios; Nilton descobriu a lei da gravidade; Gutemberg descobriu a arte de imprimir. Pedro Álvares Cabral descobriu o nosso querido Brasil; Colombo descobriu a América etc. etc., ... quem é, pois,o inventor da confissão? Foi, acaso, um grande santo? Mas acabamos de ver no artigo anterior que os santos Padres desde os mais próximos dos Apóstolos já supõem a confissão como um fato existente e conhecido. Logo, não foram eles que inventaram a confissão. Se os padres, os bispos e os papas fossem isentos da confissão, aquela afirmação teria alguma aparência de verdade; eles, porém, estão sujeitos a ela como os simples fiéis. Onde, pois, a razão que os induziria a impor-se uma obrigação tão humilhante? Por que força secreta teriam eles podido constranger os reis a irem ajoelhar-se ante um pobre padre para lhe fazer acusação de suas fraquezas, a submeter-se sem réplica às suas decisões, e receber dele, com respeito, uma penitência proporcionada às suas faltas? Se os padres tivessem inventado a confissão, teriam sido levados por um motivo qualquer. Qual seria este motivo? O interesse? Evidentemente que não; pois o confessor não recebe remuneração alguma pela confissão. O prazer? Mas sabeis o que é ser confessor?   - Ser confessor é ser escravo de todos - depender dos outros desde a manhã até à noite  -  a qualquer hora do dia e da noite. O confessor tem que sondar as chagas mais repugnantes, sem tremer, ouvir os crimes por maiores que sejam, sem arrepiar-se.

É sobretudo à cabeceira dos doentes e moribundos que os padres devem estar presentes. O padre deve administrar os sacramentos aos pestíferos com risco de contaminar-se do mal. Sua vida é uma vida de sacrifícios, de prisão e de fadiga, sobretudo no confessionário e junto aos leitos dos doentes.
Quem teria inventado a confissão? Talvez os fiéis? Mas esta segunda suposição é tão absurda como a primeira. A confissão é um constrangimento, um ato de humildade. Ora, o homem, em lugar de submeter-se de boa vontade a uma coisa que o constrange e humilha, é ao contrário levado a repelir tudo que o contraria.


Quando alguns do Anglicanismo quiseram introduzir a confissão na Inglaterra; que resultou? As revoltas populares, os gritos sediciosos levantaram-se ao mesmo tempo em todos os pontos do país. Uma tal imposição por parte de fiéis só merece a irrisão pública. Só Deus tem autoridade para impor este ato de humilhação como condição para se receber o perdão dos pecados. Portanto, o homem não podia inventar a confissão; ela é obra de Deus. Só Ele, o soberano Mestre, a poderia impor ao homem; e o homem, qualquer que seja, rei ou súdito, rico ou pobre, é obrigado a submeter-se a essa lei divina, sob a terrível pena de condenação eterna para os que, depois do Batismo, tenham cometido pecado mortal. 

segunda-feira, 15 de julho de 2019

EFEITOS DA MISERICÓRDIA DE DEUS COM RESPEITO AOS PECADORES

LEITURA ESPIRITUAL, dia 15º

'Não quero a morte do ímpio, mas que se converta e viva" (Ezequiel XXXIII, 11).

São três os admiráveis efeitos da misericórdia divina com respeito aos pecadores: 1) Deus espera-os com paciência; 2) Busca-os com solicitude; 3) Recebe-os com alegria, quando voltam arrependidos.

1- ESPERA-OS COM PACIÊNCIA:  Nesta meditação em primeiro lugar convém relembrar o que é o pecado e a aversão que Deus lhe tem, e, consequentemente as razões que parecem obrigar a Justiça divina a puni-lo sem delongas. Assim teremos mais facilidade em fazer uma ideia de quanto é misericordiosa esta paciência de Deus em esperar o pecador, isto é,em não condená-lo logo. Então, que faz o homem, quando se rebela contra Deus pelo pecado mortal? Vamos relembrar algumas passagens bíblicas: "Estendeu sua mão contra Deus, e se fez forte contra o Onipotente. Correu contra ele com o pescoço levantado, armou-se duma soberba inflexível" (Jó XV, 25 e 26); "Estes são os que disseram a Deus: Retira-te de nós, pois não queremos saber nada dos teus caminhos. Quem é o Onipotente para que o sirvamos? (Jó, XXI, 14 e 15); "Crucificam de novo o Filho de Deus em si mesmos e O expõem à ignomínia" (Hebreus, VI, 6). Que audácia! que insolência! que furor ímpio e sacrílego! E esses vasos de ira, que mereceriam por tantos títulos ser quebrados, Deus sofre-os com paciência, cinqüenta, sessenta anos e, às vezes até mais do que isto! "E se Deus querendo mostrar a sua ira e tornar manifesto o seu poder, suportou com muita paciência os vasos de ira, preparados para a perdição" (Romanos, IX, 22). Deus alimenta estes pecadores, bondosamente os traz no seu seio, enche-os de benefícios. Pouco falta para que os justos se escandalizam. Aliás a Bíblia diz: "Os meus pés por pouco não vacilaram, diz o profeta Davi, por pouco se não transviaram meus passos. Porque invejei os iníquos, vendo a paz dos pecadores" (Salmo LXXII, 2 e 3); "Levanta-te, por que dormes, Senhor?" (Salmo XLIII, 23). Na verdade os maus abusam duma bondade, que não podem compreender, e gloriam-se dos seus atentados contra o Céu: "Até quando os pecadores, Senhor, até quando os pecadores se hão de gloriar? (Salmo XCII, 3). Persuadem-se que, se Deus não pune os seus crimes, é porque não os vê: "E chegam a dizer: Porventura Deus sabe isto, e tem disto notícia o Altíssimo? Eis que estes pecadores, que têm tudo na abundância neste mundo, adquiriram novas riquezas" (Salmo LXXII, 11 e 12). Mas que dizeis? Não pode o Senhor vingar-se? Ele que só com um olhar faz estremecer a terra: "Aquele Senhor que, só com olhar para a terra, a faz tremer; que toca os montes, e eles fumegam" (Salmo CIII, 32) pode ser indiferente às ofensas que recebe? Deus aborrece necessária e infinitamente o pecado; só o considera bastante punido no inferno, bastante chorado pelas lágrimas de um Deus, bastante reparado pela morte de um Deus. Ora, em Deus tão inimigo do pecado, que prodigiosa misericórdia não é, tanta constância em suportar o pecador! É o que expressa o próprio divino Espírito Santo: "Por isso o Senhor espera o momento em que terá misericórdia de vós; ele exaltará a sua glória, perdoando-vos, porque o Senhor é um Deus de equidade; ditosos os que esperam n'Ele" (Isaías XXX, 18); "Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns pensam, mas usa de paciência convosco, não querendo que nenhum pereça, mas que todos se convertam à penitência" (2 Pedro III, 9). Isto é o que suspende o seu braço, e impede que os ministros da sua ira procedam contra os que o ofendem. Os servos do pai de família pedem licença para arrancar o joio que o homem inimigo semeou no seu campo; todas as criaturas pedem a Deus licença para vingar à sua glória ultrajada pelo pecador. E a tantas vozes que pedem vingança, Deus responde: Deixai crescer a ambos. É verdade que Eu evitaria muitos insultos, ferindo os ímpios a quem a minha bondade não comove; mas custa-me perdê-los. Ah! antes quero que voltem para mim e vivam! "Não quero a morte do ímpio, mas que se converta e viva" (Ezequiel, XXXIII, 11). Caríssimos, não são estas delongas, esta paciência, este amor do Senhor um poderoso motivo de conversão? De fato, a bondade de Deus, não é para a gente pecar mais, mas para se arrepender por ter ofendido um Pai tão bondoso. É motivo para se fazer penitência. Assim dizia a santa mulher Judite: "Mas, porque o Senhor é paciente, arrependamo-nos disto mesmo, e derramando lágrimas, imploremos a sua misericórdia; porque Deus não ameaça como os homens, nem ele se inflama em ira como os filhos dos homens" (Judite VIII, 14 e 15).

2 - DEUS BUSCA O PECADOR COM SOLICITUDE. Está no ordem das coisas humanas que o ofensor dê os primeiros passos para a reconciliação. É Deus, porém, que busca ao homem  pecador! Quando deveria fazer milagres de rigor para nos punir, faz milagres de clemência para nos salvar.  O pecador foge e Deus chama-o pela voz da consciência: Que fizeste, meu filho?! Medite na incerteza da hora da morte; pensa nas penas da outra vida; medite nos benefícios de Deus , na sua justiça e na sua bondade. Caríssimos, ai de nós se não fosse a misericórdia divina! Somos um nada pecador, nada para o bem, mas, infelizmente com muita força para nos arrancarmos dos braços de nosso Pai do Céu e nenhuma temos, quando se trata de voltarmos para Ele! É mister que digamos com Davi: "Andei errante como ovelha que se desgarrou; buscai o vosso servo" (Salmo CXVIII, 176). E Deus assim o faz, e multiplica as parábolas para no-lo explicar. É um pastor que deixa todo o seu rebanho no deserto, para ir buscar uma ovelha que se havia perdido.  Onde está ela? Chegará ele a tempo? - É como uma mulher que perdeu uma dracma. Ela acende a sua candeia, revolve tudo em sua casa, até que a ache. Dir-se-ia, ó meu Deus, que a perda duma alma  é para vós a perda de um reino! Jesus Cristo é o Bom Pastor que nos ensinou com palavras, e com o exemplo. Basta lermos os Santos Evangelhos!

3 - DEUS RECEBE COM ALEGRIA O PECADOR QUE VOLTA ARREPENDIDO - Recordai-vos do acolhimento feito ao filho pródigo, das festas celebradas por ocasião da sua volta. É o pastor  quando achou a sua ovelha, com que alegria a põe sobre os seus ombros. Não a coloca para ir andando na sua frente, não! a carrega carinhosamente nos ombros! E pensar que  este pecador havia levantado a mão contra o Onipotente!!!  Mas o pastor, não só carrega a ovelha, mas apenas chega a sua casa, a alegria transborda-lhe do coração; ele convida os seus amigos a felicitá-lo. Dir-se-ia que um homem feliz a mais, é para Deus um acréscimo de felicidade. Caríssimos, nesta meditação vamos fazer a seguinte reflexão: Se o Bom Pastor recebe com alegria a ovelha desgarrada, por que há de recear o pecador arrependido não ser acolhido na sua volta, ou abandonado na suas fraquezas? Deus amou-me, quando eu o perseguia; odiar-me-á quando Lhe torno a trazer um coração contrito e humilhado? Buscou-me, quando d'Ele fugia; repelir-me-á, quando me lanço nos seus braços.?


Ó Jesus, agora entendo que se para ir ao céu é preciso fazer violência a si mesmo, também não é menos verdadeiro que para se condenar é preciso Vos fazer violência. Se o pecador nunca desanimar de se levantar, Deus também nunca deixará de o receber. São Francisco de Sales dizia: "O leito de uma boa morte deve ter por colchão a caridade, mas é utilíssimo ter a cabeça apoiada nos dois travesseiros: expirar com uma confiança humilde na misericórdia de Deus". Amém!

sábado, 13 de julho de 2019

FRUTOS DE SANTIFICAÇÃO QUE PRODUZ O PENSAMENTO DA ETERNIDADE

LEITURA MEDITADA, dia 13º 


Primeiramente, o pensamento da eternidade é uma luz segura, que nos dirige nas nossas resoluções. Que é o conjunto de todas as dores, e o agregado de todas as venturas, se umas e outras são eternas? Tratando-se de uma eternidade, diz S. Gregório, nunca há demasiada precaução e prudência porque nunca há demasiada segurança. Esta máxima tem sido a de todos os santos. São Luiz de Gonzaga, por exemplo, dizia: "O que não é eterno, nada é". E antes de fazer qualquer coisa dizia: "Que vale isto para a eternidade". Riqueza ou pobreza, vida cômoda ou penitente, honras ou opróbrios? E, é claro, consultavam não o que o mundo diz, mas o que Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou. E seguiam com generosidade e alegria o que o Divino Mestre mostrou como mais seguro para se conquistar o Reino de Deus. 

Depois, o pensamento da eternidade ampara-nos e fortalece-nos. Opõe prazer a prazer, dor a dor. Na presença de um gozo que durará sempre, um prazer que é momentâneo, perde todo o seu atrativo; e temo deveras os tormentos que nunca terão fim; e assim não me assusta uma tribulação que dura um momento. Tudo o que não é eterno, nada vale, ou deve ter-se em conta de nada: é a minha resposta aos atrativos do vício, e aos rigores da virtude.

Ademais, o pensamento da eternidade é motivo de zelo na prática do bem. Seguro de que acharei na eternidade o fruto de minhas boas obras, e não sabendo quando nela entrarei, animo-me com esta poderosa consideração: Não esqueças, alma minha, que trabalhas para a eternidade. Em recompensa deste ato de humildade e de caridade, verei a Deus mais claramente, possuí-Lo-ei mais deliciosamente por toda a eternidade. Vem a noite; multipliquemos os nossos merecimentos, enquanto temos tempo. Diz a Sagrada Escritura que aquele que semeia pouco, colherá pouco, e o que semeia em abundância colherá em abundância. E Nosso Senhor Jesus Cristo dá-nos este conselho: "Juntai um tesouro no Céu, onde o ladrão não rouba, a traça não rói, nem a ferrugem consome"
Devemos estar profundamente persuadidos de que aquilo que sacrificamos pela nossa santificação, o pomos nas mãos de Deus, que no-lo restituirá cem vezes mais na felicidade eterna. Caríssimos, devemos fazer as nossas ações conscientes de que as suas consequências podem ser eternas. E a eternidade se aproxima. Somos como uma vela acesa: a medida que ilumina, vai-se acabando. Assim, a medida que vivemos, estamos morrendo. E não sabemos nem o dia, nem a hora. Devemos trabalhar para o céu enquanto é dia.


Vinde, ó Jesus, Rei dos bens eternos; Vós no-los prometestes no vosso Evangelho, e no-los alcançastes com a vossa morte, e disso nos dais penhor no altar: "Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, terá a vida eterna" (S. João VI, 55). Ó meu doce Jesus, se me alimentais com o pão dos escolhidos, é porque só quereis que eu participe da sua felicidade. Oh! vinde, Senhor, tomar posse da minha alma, e contrair com ela uma aliança que nada possa alterar daqui em diante! Amém!

sexta-feira, 12 de julho de 2019

A ETERNIDADE

LEITURA  ESPIRITUAL MEDITADA, Dia 12º

Tal vida, tal morte: morte do justo e morte do pecador
  Ó cegueira  e dureza do coração humano, que só pensa no presente, sem cuidar da eternidade. Devemos estar sempre preparados para a eternidade. Entramos na eternidade pela morte que vem como um ladrão. Tememos a morte. É natural. Mas se tivermos sempre boa consciência, não temeríamos assim tanto a morte. Morrendo, pois, na graça de Deus, a morte nos introduz na vida verdadeira e eterna. Por isso, melhor fora evitar o pecado que fugir da morte. Fugindo do pecado, fugimos da verdadeira morte que a Bíblia chama de segunda morte. 
  O dia de amanhã é incerto; e quem sabe se chegarás lá? Ah! a vida longa nem sempre nos emenda, antes, muitas vezes, aumenta os pecados. Oxalá houvéramos vivido sequer um dia bem neste mundo! Bem-aventurado o que traz sempre diante dos olhos a hora da morte, e cada dia se dispõe para a eternidade. Quando estiver se aproximando a eternidade, ver-se-á que o tempo de vida, por mais largo, parecer-se-á mui curto. Também nesta hora decisiva da morte, diferentemente começaremos a sentir de toda a vida passada, e nos arrependeremos muito de termos sido tão negligentes e preguiçosos no que se refere à salvação eterna. 
  Quando se trata da eternidade, todo o cuidado é pouco. Que ditoso e prudente é aquele que procura ser na vida passageira aqui na terra qual deseja que Deus o ache na porta da eternidade. 
  O perfeito desprezo do mundo, o ardente desejo de progredir nas virtudes, a penitência, as obras de caridade, a negação de si mesmo, a paciência em toda adversidade por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, tudo isto na verdade, nos dará grande confiança e até felicidade nos umbrais da eternidade.
  Agora é tempo precioso; "agora são os dias de salvação; agora é o tempo aceitável". Trabalhemos enquanto é dia, enquanto estamos aqui no tempo, porque virá a noite da morte e a partir daí, já na eternidade, a árvore não poderá dar mais fruto, e caída por um lado aí ficará eternamente. Ai! no entanto, vemos como a maioria não cuida de se preparar para a eternidade! Virá tempo em que vamos desejar pelo menos mais um dia, ou uma hora para nos emendar-nos e talvez não o conseguiremos! Caríssimo, trata agora de viver de tal modo que na hora de passar para a eternidade possas antes alegrar que temer. Aprende agora a morrer para o mundo, para que então comeces a viver com Cristo. Aprende agora a desprezar tudo, para que então possas ir livremente para Nosso Senhor Jesus Cristo. Castiga agora a teu corpo pela penitência, para que então possas ter uma confiança certa. Faze agora, caríssimo, o que puderes; pois não sabes quando entrarás na eternidade, nem o que te acontecerá nela. Enquanto tens tempo, entesoura riquezas imortais. Seja teu único cuidado tratar de tua salvação e das coisas de Deus. Isto é a melhor parte, isto é o único necessário. Conserva o teu coração livre e elevado para Deus, porque "não tens aqui morada permanente". Somos estrangeiros e peregrinos, nossa pátria verdadeira e definitiva é a eternidade feliz no céu. 
  Endereça a Deus tuas orações e gemidos cada dia com lágrimas, para que mereça tua alma depois da morte passar para a eternidade perfeitamente ditosa com Deus, Nosso Senhor e Nosso Pai. 
  Infelizmente percebemos que na face da terra o dinheiro é o deus da maioria. Não se ocupa de outra coisa mais que das riquezas. Os filhos aprendem dos pais, e, quando estes morrem, os filhos só pensam na herança e muitas vezes há inimizades entre os irmãos por causa dos bens materiais, Morrem, porque afinal, todos morrem, e deixam a mesma herança e a mesma avareza. Por isso que o Divino Mestre dizia: "Juntai um tesouro no céu, que o ladrão não rouba". Nem o ladrão da morte! Verdadeira herança esta que os pais santos deixam aos seus filhos e às gerações futuras! 
  A eternidade será feliz ou infeliz. Terrível, tremenda alternativa! À vista disto, caríssimo, continuarás ainda a viver embaraçado nos cuidados do mundo? Diferirás ainda tua conversão ou melhora de vida? Dirás porventura : amanhã ainda será tempo? Mas, este tempo de que abusas, vai fugindo diante de ti, dizendo sempre: amanhã, amanhã! Entretanto, chega a eternidade e o amanhã da conversão nunca chega!
  Ó meu bom Jesus, lume de meus olhos, luz de minha ignorância, resplendor que alumiais minha cegueira, ensinai-me o segredo de vossos caminhos para que aprenda todos os dias a morrer, e a hora de meu trânsito para a eternidade seja o começo duma vida eternamente feliz. Amém!
  O ramalhete espiritual de hoje será: "Quem perder a sua vida aqui na terra, vai ganhar a vida na eternidade; e quem quiser ganhar a vida neste mundo, vai perder a vida eterna no céu". 

quarta-feira, 10 de julho de 2019

O INFERNO

LEITURA ESPIRITUAL, dia 10º



 Nossa alma é imortal. Com o último suspiro cessa o TEMPO DA PROVA e se entra no ESTADO DO TERMO.  Agora é o tempo de semear; depois da morte isto não é mais possível: o que o homem semear, isto ele vai colher. Criados por Deus, caminhamos para Deus. Durante esta vida devemos decidir: queremos estar unidos a Deus por meio da graça? Queremos estar separados de Deus pelo pecado mortal? Perseverando no primeiro estado, teremos, depois da morte o CÉU; perseverando no segundo estado, teremos o INFERNO (alhures já expliquei um pouco sobre o PURGATÓRIO). O prêmio e o castigo são eternos. Esta eternidade é afirmada clara e repetidamente por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Vamos explicá-lo à luz do amor de Deus. Caríssimos, Deus nos amou e nos ama infinitamente, e as provas do seu infinito amor são abundantes tanto no campo natural como no sobrenatural. Deus nos criou, nos remiu e nos santifica para nos unir a Ele. Na verdade, Deus é infinitamente feliz em si mesmo, mas sendo a própria Bondade e o Sumo Bem, nos criou para Ele, pois só assim, poderíamos ser felizes. Deus quer a união de nossos corações e a união sobrenatural das almas com Ele neste mundo, para começar já aqui no mundo a união que será perfeita no céu. S. Paulo diz que tudo é nosso, mas nós somos de Jesus Cristo. Todas as coisas criadas com suas grandiosidades e belezas,  a Igreja com seus sacramentos e apostolado, pela eficácia do Sangue de Jesus Cristo, tudo isto nos conduz a Deus que é nosso último fim.

Mas Deus não nos quer forçados no Céu.Levar à força não coaduna com a Bondade e Perfeição divinas. Deus quer que sejamos felizes amando-O e servindo-O livremente e de boa vontade, isto é, por amor. Daí Ele respeita a nossa liberdade. Deus quer uma adoração livre e consciente.

É imensa e monstruosa a nossa estupidez quando nos revoltamos contra Deus e nos voltamos para as criaturas buscando em vão o que possa encher o nosso coração. Se Deus fez o nosso coração só para Ele é porque só Ele o pode tornar inteira e eternamente feliz; e assim, é claro,  estaremos sempre inquietos, se não repousarmos em Deus.

Devemos dizer que é, em certo sentido, infinita a gravidade de nossos pecados, porque esta se mede pela dignidade da pessoa ofendida. E, aqui se ofende a Deus de infinita grandeza. Daí é infinita a nossa culpabilidade, quando nos revoltamos contra o Onipotente e nos voltamos para as criaturas. Ora, o inferno não pode ser infinito, porque é uma criatura. A justiça divina, torna-o, no entanto, em certo sentido INFINITO, pela ETERNIDADE. A justiça exige que depois do período da misericórdia, haja proporção entre o pecado e o castigo.

Caríssimos, é inominável a nossa ingratidão para com Deus quando nos revoltamos contra Ele. Deus nos deu o que possuímos, elevou-nos à dignidade de filhos Seus, divinizou-nos, morreu por nós na cruz, cumulou-nos de graças e quis ser o nosso alimento pela Santíssima Eucaristia. E até o último instante nos dá a graça suficiente de salvação. Deus quer a salvação de todos, mas, como dissemos, respeita a liberdade. E quem se condena, abusa desta liberdade, e prefere morrer no pecado rejeitando até ao último suspiro a graça suficiente que Deus lhe dá. Por culpa do pecador, a graça que era de si suficiente, torna-se ineficaz. Portanto, quem morre em pecado mortal opõe a um amor infinito, uma ingratidão infinita. Assim, se os incrédulos meditassem estas duas coisas: o infinito amor divino de um lado, e de outro a infinita ingratidão humana, sentiriam morrer nos lábios qualquer objeção contra o inferno eterno.

Acontece que após a morte, isto é, já na eternidade, a outra vida já não nos oferece a possibilidade da emenda do pecado ou a aquisição de novos méritos. A união ou a separação de Deus será definitiva. Na oitava estação da Via Sacra meditamos naquelas palavras de Jesus às santas mulheres que batiam no peito e O lamentavam: "Filhas de Jerusalém, não choreis sobre mim, mas chorai sobre vós mesmas e sobre vossos filhos. Porque eis que virá tempo em que se dirá: Ditosas as estéreis, e ditosos os seios que não geraram e os peitos que não amamentaram. Então começarão os homens a dizer aos montes: Caí sobre nós; e aos outeiros: Cobri-nos". E também S. João no Apocalipse, falando sobre o fim do mundo diz: "E diziam aos montes e aos rochedos: caí sobre nós, escondei-nos da face daquele que está sentado sobre o trono e da ira do Cordeiro, porque chegou o grande dia da ira de ambos" (Apocalipse VI, 16). Na verdade, os condenados preferirão ser aniquilados. Mas a Justiça divina, da mesma forma que dará a recompensa aos bons: "Vinde benditos de meu Pai, possuí o reino que vos foi preparado desde o início do mundo" ( S. Mateus XXV, 34); também dará o castigo aos maus: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para os demônios e seus seguidores"(S. Mateus XXV, 41).

O homem deve estar unido a Deus em razão da ordem natural e sobrenatural. O inferno, ao contrário, é a eterna e definitiva separação de Deus. Se fosse  infinitamente maiores as penas que sofrem os condenados mas não estivessem sujeitos à pena do dano, não existiria o inferno. Mas agora isto não é compreendido. Os grandes santos compreendem-no mais um pouco. Mas o pecador que se engolfa nas coisas sensíveis e perecedoras, como não pensa em Deus, não chega a compreender como o verdadeiro inferno possa consistir na separação do Senhor. A perda de Deus será para o condenado o seu verme roedor e principal tormento.

Mas Jesus Cristo fala também da pena dos sentidos. Já que os condenados enquanto estavam aqui no mundo, pecaram não só se afastando de Deus como também fazendo uso de seu corpo para se voltarem para as criaturas, é justo que sejam castigados também desta maneira, isto é, nos seus sentidos pelo tormento do fogo e outros de acordo com os pecados cometidos.

Caríssimos, se o pensamento do inferno e das suas penas deve despertar em nós sentimentos de temor, nem por isto devemos chegar ao desespero. Sigamos o conselho do primeiro Papa: "Irmãos, ponde cada vez maior cuidado em tornardes certa a vossa vocação e eleição por meio das boas obras, porque, fazendo isto, não pecareis jamais" (2 Pedro I, 10). Amém!


sexta-feira, 5 de julho de 2019

A MEDITAÇÃO SOBRE A MORTE É UMA PREPARAÇÃO PARA A MESMA



Tomemos a morte como mestra que nos instrui sobre como torná-la a coisa mais benéfica.


Consideremos, então, as lições da morte: 1ª - Devemos fazer agora o que talvez não possamos fazer na hora da morte; 2ª - Devemos fazer agora o que será indispensável fazer na hora da morte; 3ª - Devemos fazer agora o que se quereria ter feito, quando for necessário morrer.

FAZER AGORA O QUE TALVEZ NÃO SE POSSA FAZER NA HORA DA MORTE. Há mortes repentinas e mortes previstas com certeza, a menos que haja um milagre. Quantas doenças incuráveis! Pois bem, à aproximação do último momento qual a primeira coisa que se oferecerá ao nosso espírito? Sem dúvida, será a imagem de nossa vida, tal qual tiver sido realmente. Durante a vida, na verdade, nunca se aprofunda as coisas tanto como na proximidade da morte. Frequentemente iludimos nossa consciência, nos desculpamos e, pode acontecer, de a gente fazer vistas grossas até sobre coisas necessárias para a salvação. Deixo-me enganar pelos elogios e não procuro me corrigir de pecados secretos. Durante a vida, quem sabe? a pessoa usou de espertezas para ganhar dinheiro em negócios? Não gostaria que o outro fizesse consigo o que fez com ele. Quantos ressentimentos secretos que certamente extinguiram a caridade no coração! Estarei tranqüilo a respeito das minhas penitências? Sei que pequei, mas fiz a penitência devida? Não haverá confissões mecânicas e por formalidade? Pior: sacrílegas? E como será difícil (caso for possível) fazer uma confissão geral na proximidade da morte para reparar tudo o que durante a vida ou uma grande parte dela, não se teve força e coragem para fazer!

A saída para todas estas coisas é fazer agora o que talvez não se possa fazer na hora da morte: Fazer confissão geral  e extraordinárias(só os escrupulosos não precisam e nem podem se já a fizeram uma vez). Reparar todo dano causado aos bens materiais e/ou espirituais dos próximos; praticar mais a caridade, fazer mais penitência e orações. Em poucas palavras, se tenho a peito a minha salvação, devo dispor a minha consciência de tal sorte, que ela não possa na proximidade da morte, arguir-me de ter sido negligente nos exames de consciência, de não ter tido sincera dor, e de não ter cumprido bem a penitência, de não ter perdoado do fundo do coração aqueles que me ofenderam ou deram prejuízo.  Caríssimos, feliz de quem, pelo menos uma vez na vida, tenha feito um santo retiro! Este é o tempo mais favorável, é um tempo de salvação! Uma santa confissão geral feita num santo retiro, não precisa ser repetida nem na hora da morte. Devemos frequentemente fazer atos de amor a Deus durante a vida, para que, nas proximidades da morte, seja esta a nossa exclusiva ocupação.

FAZER AGORA O QUE SERÁ INDISPENSÁVEL FAZER NO HORA DA MORTE: Quer queiramos quer não, na hora da morte teremos que abandonar tudo. Se não nos desapegarmos agora de tudo voluntariamente, por amor a Deus e, portanto, com merecimento, seremos forçados pela morte a fazê-lo e sem merecimento. Deus, nosso Pai do Céu, pede-nos com toda bondade, que renunciemos a tudo por Seu amor. "Estais mortos, e a vossa vida está escondida com Jesus Cristo em Deus" (Coloss. III, 3). S. Paulo entendia assim que os primeiros cristãos tinham renunciado a todas as sua afeições carnais e terrenas. Os que tinham bens, não lhes tinha apego; se até então antes da conversão, tinham hábitos viciosos, tinham-nos sepultado na água do Batismo. Devemos estar mortos para todos os falsos bens do mundo, para todas as paixões, para todos os vícios. Assim tudo estará em ordem: "As despedidas estão feitas", dizia S. Francisco de Sales. Mas, como chegar a ter esta morte mística? A oração, o exercício da presença de Deus, a mortificação dos sentidos, a cruz de Jesus Cristo abraçada por amor, são os meios que devemos empregar agora, enquanto é dia, porque, vindo a noite da morte, não se poderá fazer mais nada.

FAZER AGORA O QUE SE QUERERIA TER FEITO, QUANDO FOR NECESSÁRIO MORRER: Um dos maiores pesares do moribundo é ver o mau uso que fez do tempo, este tempo que, podemos dizer, vale o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Então compreende que a vida só lhe foi dada para merecer o Céu. Enquanto a vida dura, podia fazer valer os talentos que Deus lhe deu; podia juntar merecimentos, e, agora, está prestes a ouvir esta sentença: "Já não poderás mais administrar; presta conta da tua administração". Levarás agora para a eternidade o que tens neste momento. Caríssimos, vivamos e não cessemos de viver como quereríamos então ter vivido. A verdade é que nunca faremos tanto bem, que na hora da morte não desejemos ter feito mais. O avarento nunca julga ter conseguido o suficiente! Por que não pensemos o mesmo em relação ao tesouro no Céu?!

Quem pensa na morte não peca. Por este meio evitarei todos os pecados e sempre. O pensamento da morte reprime e torna impotentes as duas paixões que ocasionam todos os pecados: a soberba e a sensualidade. E se pecar, não permanecerei no pecado. Penso: se o meu coração deixa de palpitar, o meu corpo cai sobre a terra. E a minha alma cairá, onde? Por conseguinte, vivo sempre no estado de graça.

O pensamento da morte desapega de todas as coisas perecedoras, e deixa ao nosso coração a liberdade para se unir a Deus. Pois, mostra o nada das coisas deste mundo. Tudo é vaidade e aflição de espírito: riquezas, honras, prazeres, amizades humanas.

O pensamento habitual da morte concorre para morrer com o coração cheio de confiança: o homem terá a prudência de empregar bem todos os seus instantes; daí, os dias cheios, em que tudo é para o Céu, porque tudo é para Deus. O pensamento da morte fará que eu ande diante de Deus em santidade e justiça, e assim, conduzir-me-á à felicidade de morrer na paz da confiança, na alegria do amor de Deus.

Senhor, que eu aproveite verdadeiramente a minha vida para juntar um tesouro no Céu, tesouro este, que, como dissestes, o ladrão não rouba, a traça não rói e a ferrugem não consome. Amém!