quinta-feira, 30 de junho de 2016

SALVAÇÃO: Impossível concordar com Lutero


O QUE É CRER

    A CONCEPÇÃO DE LUTERO. 

   Quem não sabe o que é CRER? Quem não entende o que quer dizer crer em Cristo? É aceitar como verdadeiro, abraçar e professar tudo o que Cristo ensinou; qualquer criança sabe disto. Que necessidade há de fazermos uma longa dissertação sobre este assunto?

   Sim; não haveria necessidade, se Lutero e os protestantes não houvessem confusamente adulterado esta noção. Lutero, como sabemos, quis ir buscar nas Escrituras a certeza absoluta de que estava salvo folgadamente, sem ter que continuar naquela luta tremenda contra as tentações. Gostou muito daqueles textos em que se diz que quem crê em Cristo se salva. Mas, se fosse tomar a palavra CRER no sentido de convencer-se de todas as palavras de Jesus, isto iria dar novamente num ponto que ele não queria, porque Cristo se mostrou não só um Salvador, mas também um Legislador. Daí a alteração que faz no sentido da palavra CRER: crer em Cristo é crer que eu estou salvo, certamente salvo, e salvo por Cristo; é, portanto, confiar em Cristo, como em meu Salvador. 

   Todo o mundo percebe logo a adulteração que se está fazendo aí da noção de fé. 

   Que Cristo é meu Salvador é de fé, está na Bíblia. Mas a mesma Bíblia nos mostra que uns se salvam, outros se condenam, o que não impede que Cristo seja o Salvador de TODOS, é sinal apenas de que muitos não se sabem aproveitar da salvação que a todos é oferecida por Cristo. E irão estes para o suplício eterno, e os justos para a vida eterna (Mateus XXV-46). Que uns se salvam, outros se condenam é de fé; que eu, Martinho Lutero; que eu Lúcio Navarro; que eu, Fulano de tal, me salvo com toda certeza, isto não é objeto de FÉ, porque não foi revelado. Não é o fato de sugestionar-me a mim mesmo de que estou salvo que me dá a salvação, pois o que a Bíblia nos diz é que Cristo é o autor da salvação eterna para TODOS OS QUE LHE OBEDECEM (Hebreus V-9). Posso ter esperança firme de salvar-me. Mas aí já se trata de outra virtude diferente: a virtude da esperança. E é a própria Bíblia quem no-las apresenta como virtudes diversas: Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, a caridade, estas TRÊS,  virtudes; porém a maior delas é a caridade (1ª Coríntios XIII-13). Sejamos sóbrios, estando vestidos da couraça da FÉ e da CARIDADE  e tendo por elmo  A ESPERANÇA DA SALVAÇÃO (1ª Tessalonicenses V-8). Sois fiéis em Deus, o qual O ressuscitou dos mortos e Lhe deu glória, para que a vossa FÉ e a vossa ESPERANÇA fosse em Deus, fazendo puras as vossas almas na obediência da CARIDADE (1ª Pedro I-21 e 22). 
   

quarta-feira, 29 de junho de 2016

As famílias devem reagir

Capítulo XXII da "CARTA ABERTA AOS CATÓLICOS PERPLEXOS" escrita por D. Marcel Lefebvre em 1984


   É o tempo apropriado de reagir. Quando Gaudium et Spes fala do movimento da história que "se torna tão rápido que cada um tem dificuldade de o seguir", pode-se entender este movimento como uma precipitação das sociedades liberais na desagregação e no caos. Acautelemo-nos de o seguir!

   Como compreender que dirigentes apelem para a religião cristã ao passo que destroem toda a autoridade no Estado? Importa ao contrário restabelecê-la, que foi querida pela Providência nas sociedades naturais de direito divino cuja influência neste mundo é primordial: a família e a sociedade civil. É a família que recebeu nestes últimos tempos os mais rudes golpes; a passagem para o socialismo em países como a França e o Espanha não fez senão acelerar o processo.

   As leis e medidas que se sucederam mostram uma grande coesão na vontade de arruinar a instituição familiar: diminuição da autoridade paterna, divórcio facilitado, desaparecimento da responsabilidade no ato da procriação, reconhecimento administrativo dos casais irregulares e mesmo de duplas homossexuais, coabitação juvenil, casamento de experiência, diminuição das ajudas sociais e fiscais às famílias numerosas... O mesmo Estado, em seus interesses próprios, começa a perceber as consequências disto no que toca à diminuição da natalidade, ele se pergunta como, num tempo próximo, as jovens gerações poderão assegurar os regimes de retração daquelas que deixaram de ser economicamente ativas. Mas os efeitos são consideravelmente mais graves no domínio espiritual.

   Os católicos não devem seguir mas ponderar com todo o seu peso, uma vez que são também cidadãos, para endireitar tudo o que for preciso. É por isso que eles não poderiam ficar à margem da política. Portanto seu esforço será sobretudo sensível na educação que proporcionam a seus filhos.

   Sobre este assunto, a autoridade é contestada nas suas próprias fontes por aqueles que declaram que "os pais não são os proprietários dos filhos", querendo dizer com isto que a educação destes cabe ao Estado, com suas escolas leigas, suas creches, suas maternais. Censuram-se os pais de não respeitar a "liberdade de consciência" de seus filhos quando os educam segundo suas próprias convicções religiosas. 

   Estas ideias remontam aos filósofos ingleses do século XVII que não queriam ver nos homens senão indivíduos isolados, independentes de nascimento, iguais entre si, subtraídos a toda autoridade. Nós sabemos que isto é falso. A criança recebe tudo de seu pai e de sua mãe, alimento corporal, intelectual, educação moral, social. Eles se fazem ajudar por professores que partilharão, no espírito dos jovens, a sua autoridade mas, seja por meio de uns ou por meio de outros, a quase totalidade da ciência adquirida no decurso da adolescência pessoal será mais uma ciência apreendida, recebida, aceita, do que uma ciência deduzida da observação e da experiência pessoal. Os conhecimentos vêm por uma parte considerável da autoridade que transmite. O jovem estudante acredita em seu pais, em seu professores, em seus livros e assim seu saber se estende.

   Isto é ainda mais verdadeiro com os conhecimentos religiosos, com a prática da religião, com o exercício da moral conforme à fé, às tradições, aos costumes. Os homens em geral vivem em função das tradições familiares, isto se observa em toda a superfície do globo. A conversão a uma outra religião do que aquela que se recebeu durante a sua infância encontra sérios obstáculos.

   Esta extraordinária influência da família e do meio é querida por Deus. Ele quis que seus benefícios se transmitissem em primeiro lugar através da família; é por esta razão que concedeu ao pai de família a grande autoridade, um imenso poder sobre a sociedade familiar, sobre sua esposa, sobre seus filhos. A criança nasce numa fraqueza tão grande que se pode julgar da necessidade absoluta da permanência do lar, de sua indissolubilidade.

   Querer exaltar a personalidade e a consciência da criança em detrimento da autoridade familiar, é fazer a sua desgraça, impeli-la à revolta, ao desprezo dos pais, enquanto que a longevidade é prometida àqueles que honrarem os seus. São Paulo, ao relembrá-lo, estabelece também um dever aos pais de não exasperarem os filhos, mas de educá-los na disciplina e no temor do Senhor.

   Se fosse preciso esperar ter a inteligência da verdade religiosa para crer e converter-se, não haveria senão bem poucos cristãos atualmente. Crê-se nas verdades religiosas porque as testemunhas são dignas de credibilidade por sua santidade, seu desinteresse, sua caridade. Pois, como diz Santo Agostinho, a fé dá inteligência.

   A função dos pais tornou-se muito difícil. Nós o vimos, a maioria das escolas livres foram laicizadas de fato, e nelas não se ensina mais a verdadeira religião nem as ciências profanas a luz da fé. Os catecismos difundem o modernismo. A vida trepidante é devoradora de tempo, as necessidades profissionais distanciam pais e filhos dos avôs e avós que participavam outrora da educação. Os católicos não estão apenas perplexos mas desarmados.

   Mas isto absolutamente não a ponto de não poderem assegurar o essencial, suprindo a graça de Deus o resto. O que é preciso fazer? Existem escolas verdadeiramente católicas, se bem que em número reduzido. Enviai para lá vossos filhos, mesmo se isto pesar no vosso orçamento. Abri novas, como alguns já o fizeram. Se não podeis frequentar senão escolas onde o ensino é desnaturado, manifestai-vos, reclamai, não deixeis os educadores fazer vossos filhos perder a fé.

   Lede, relede em família o catecismo de Trento, o mais belo, o mais perfeito e o mais completo. Organizai "catecismos paralelos" sob a direção espiritual de bons sacerdotes, não tenhais medo de ser tratados, como nós, de "selvagens". Aliás, numerosos grupos já funcionam que acolherão vossos filhos.

   Rejeitai os livros que veiculam o veneno modernista. Fazei-vos aconselhar. Editores corajosos difundem excelentes obras e reimprimem as que os progressistas destruíram. Não adquirais qualquer Bíblia; toda família cristã deveria possuir a Vulgata, tradução latina feita por São Jerônimo no século IV e canonizada pela Igreja. Atende-vos à verdadeira interpretação das Escrituras, conservai a verdeira missa e os sacramentos tais como eram administrados por toda a parte até bem pouco.

   Atualmente o demônio desencadeou-se contra a Igreja pois é bem disso que se trata: nós assistimos talvez a uma de suas últimas batalhas, uma batalha geral. Ele ataca em todas as frentes e se Nossa Senhora de Fátima disse que um dia ele subiria até as mais altas esferas da Igreja, é que isto podia acontecer. Nada afirmo de mim mesmo, entretanto há sinais que podem fazer-nos pensar que, nos mais elevados organismos romanos, pessoas perderam a fé.

   Devem-se tomar medidas espirituais urgentes. É preciso rezar, fazer penitência, como a Santíssima Virgem o pediu, recitar o terço em família. As pessoas, viu-se em cada guerra, se põem a rezar quando as bombas começam a cair. Mas precisamente, elas caem neste momento: estamos a ponto de perder a fé. Compreendeis que isto ultrapassa em gravidade todas as catástrofes que os homens temem, as crises econômicas mundiais ou os conflitos atômicos?

   Renovações se impõem, mas não creiais que não possamos contar para isto com a juventude. Não é toda a juventude que está corrompida, como se tenta persuadir-nos. Muitos tem um ideal, a muitos outros basta propor um. Abundam os exemplos de movimentos que fazem apelo com sucesso à generosidade: os mosteiro fiéis à tradição os atraem, não faltam vocações de jovens seminaristas ou de noviços que pedem formação. Há um magnífico trabalho a realizar conforme as instruções dadas pelos Apóstolos: Tenete traditiones...Permanete in iis quae didicistis [=Conservai as tradições... Permanecei firmes em todas as coisas que aprendestes]. 

   O velho mundo chamado a desaparecer é o do aborto. As famílias fiéis à tradição são ao mesmo tempo famílias numerosas, sua própria fé lhes assegura a posteridade. "Crescei e multiplicai-vos!" Conservando o que a Igreja sempre ensinou, vós vos ligais ao futuro. 

terça-feira, 28 de junho de 2016

Lutero e o Demônio

Excertos do livro "A Igreja, a Reforma e a Civilização" de autoria do Padre Leonel Franca.

   "Satanás não o deixa um instante tranquilo; acompanha-o de dia e de noite, na igreja e na adega. Mais de uma vez declarou Lutero que a sua vida fora "uma série de duelos com Satã". Com o diabo dormia ele mais vezes de que com a sua Catarina. Em toda parte o via: na nuvem que passa, no raio que fuzila, no trovão que ribomba, nas florestas, nas águas, nos desertos, empestando os ares e os campos; diabos se escondem nas serpentes e lagartos, nos macacos e nos papagaios; diabo na mosca que vem pousar nas páginas do seu livro, diabos, até, nas nozes que lhe envia uma admiradora. O espírito do mal é o deus ex-máquina que desata todos os nós difíceis. À sua ação maligna atribui o reformador todas as desordens morais, todas as calamidades sociais desencadeadas por suas doutrinas subversivas.
   Esta obsessão diabólica que torturava a alma do infeliz renegado espelha-se em todos os seus escritos. De diabos está cheio o seu estilo; algumas das suas páginas dir-se-iam escritas no inferno. No opúsculo contra o duque Henrique de Brunswick, o demônio tem a honra de ser nomeado 146 vezes; no livro dos concílios em 4 linhas se fala 15 vezes de diabos.
   Em 1541 quando os turcos ameaçavam invadir a Alemanha, publicou Lutero a seguinte oração: "Sabeis, Senhor, que o diabo, o papa e o turco não têm razão nem direito de nos vexar, porque nunca os ofendemos. Mas porque confessamos que vós, Pai, vosso Filho, Jesus Cristo, e o Espírito Santo sois um só Deus eterno, nos odeiam e perseguem. Se renunciáramos a esta fé, nada teríamos que recear deles".(Erlangen, XXXII, 89). Quanta ceguira! quanta calúnia! O diabo, o papa e o turco postos no mesmo plano! O papa que persegue a Lutero pela sua fé na Santíssima Trindade! Lutero que se gloria de nunca haver descontentado o demônio!!!
   Os adversários da Reforma, têm "o coração satanizado, persatanizado e supersatanizado". A Lutero cabe a inglória iniciativa de haver posto em voga este novo gênero de literatura diabólica, em cujo diapasão afinaram o tom os outros reformadores.
   Sinceramente, esta linguagem, estas incertezas e contradições doutrinais, esta frivolidade em construir e destruir dogmas, esta soberba luciferina dizem bem num enviado do céu para restaurar o cristianismo?
   Até aqui não acenamos senão aos vícios que mancham a parte superior do homem. Mas por uma lei infatigável da Divina Providência, a soberba do espírito é castigada com as rebeldias da carne. Desce abaixo do bruto quem se arvora em divindade.
   Lutero ofereceu à história mais um triste exemplo desta punição providencial. Em 1521, uns restos de educação católica ditavam-lhe estas palavras de uma carta a Spalatino: "Santo Deus! os nossos Wittembergenses quererão casar também os frades? A mim é que não hão de impingir mulher... Toma tento e não cases para não incorreres nas tribulações da carne". (De Wette, II, 40 e 41). Com os anos, as novas doutrinas abriram brecha no seu propósito. Em 1525, estalou às súbitas no mundo reformado a inesperada notícia que Lutero, aos 41 anos, havia casado com Catarina de Bora, religiosa egressa cisterciense. Que acontecera? Lutero resolvera-se repentinamente ao casamento para fechar a boca às más línguas. As más línguas, porém, não taramelavam sem motivo. Numa carta de 1525 endereçada a Rühel, conselheiro de Mansfeld, dizia o heresiarca: "se posso, a despeito do demônio (sic!) ainda hei de casar com a minha Catarina, antes de morrer". (De Wette, II, 655). Como quer que seja, a impressão causada nos contemporâneos e correligionários foi das mais desfavoráveis. Lutero percebeu-o. "Com este meu casamento tornei-me tão desprezível que os anjos se hão de rir e os demônios chorar. Só em mim escarnece o mundo a obra de Deus como ímpia e diabólica". (De Wette, III, 2,3). A vida escandalosa de Lutero já tinha começado havia mais tempo, como se pode ver numa carta datada de 1522 ao amigo Spalatino.
   Tanto esta carta como outros escritos sobre a vida desregrada de Lutero são escritos em latim, tal a vergonha que os escritores sentiam em relatar tantas baixezas nojentas. Também, muito menos tenho coragem de traduzí-los para o português. Assim sendo, paremos por aqui.. Só uma frase do próprio Lutero ao seu amigo Bernardo Koppe: "Saiba que estou ligado à cauda de minha Kette". ( De Wette, III, 9). Este o santo que o ecumenismo elogia!!!

Lutero: Reformador?

Textos e comentários extraídos do livro "A Igreja, a Reforma e a Civilização", livro escrito pelo célebre, seguro e erudito Padre Leonel Franca, S. J.

   "Não é meu intuito humilhar aqui os protestantes. Quisera tão somente iluminá-los. Verdades que amargam são muitas vezes verdades que salvam.
   Lutero inaugura a sua missão com o gravíssimo pecado do sacrilégio e da apostasia. Jovem, era livre. Um dia, enamorado do ideal evangélico de perfeição, desejoso de seguir de perto a Cristo, estende espontaneamente a mão sobre o altar e pronuncia os votos religiosos de pobreza, obediência e castidade. Passam os anos (dois). Raia o dia do seu sacerdócio. Ainda uma vez, quando o crisma sagrado lhe ungia as mãos, o neo-levita renova a consagração do religioso. Mais tarde que faz Lutero de todas estas promessas firmadas com a santidade inviolável do juramento? Quebra a fé empenhada, rasga os seus compromissos, atira o burel do religioso às urtigas e enxovalha a candura da estola sacerdotal no lodo de um casamento duplamente sacrílego!
   O orgulho fizera o fedífrago, o orgulho cegou o doutor. Na sua autossuficiência dir-se-ia que esqueceu não só a humildade evangélica mas as reservas da modéstia mais elementar. Até ao aparecimento do seu Evangelho ninguém soubera quem era Cristo, que eram sacramentos, que era a fé, quem era Deus e a sua Igreja. Os Santos Padres, os Apóstolos, os Concílios, a Igreja toda errou! Sua doutrina é a única verdadeira. "Muito embora, escreve Lutero, a Igreja, Agostinho e os outros doutores, Pedro e Apolo e até um anjo do céu ensinem o contrário, minha doutrina é tal que só ela engrandece a graça e a glória de Deus e condena a justiça de todos os homens na sua sabedoria". (Cf. Weimar, XL, 1 Abt., 132).  Que demência de soberba!
   Mais ao vivo ainda se revela o frenesi desta inteligência decaída, nestas palavras que não têm semelhantes nos fastos do despotismo e do orgulho humano: "Quem não crê como eu, escreve Lutero, é destinado ao inferno. Minha doutrina e a doutrina de Deus são a mesma coisa. Meu juízo é o juízo de Deus". (Cf. Weimar, X, 2 Abt., 107). "Tenho certeza que meus dogmas vêem do céu... eles hão de prevalecer e o Papa há de cair a despeito de todas a portas do inferno, a despeito de todos os poderes dos ares, da terra e do mar" (Cf. Weimar, X, 2 Abt., 184). "Não devemos ceder aos ímpios papistas... Nossa soberba contra o Papa é necessária... Não havemos de ceder nem a todos os anjos do céu, nem a Pedro, nem a Paulo, nem a cem imperadores, nem a mil papas, nem a todo o mundo... a ninguém, "cedo nulli". (Cf. Weimar, XV, 1Abt., 180-1). "Este Lutero nos vos parece um homem extravagante? Quanto a mim penso que ele é Deus. Senão, como teriam os seus escritos e o seu nome a potência de transformar mendigos em senhores, asnos em doutores, falsários em santos, lodo em pérolas". (Cf. Ed. Wittemb. 1551, t. IV, pág. 378). Orgia de orgulho satânico ou caso de patologia mental?
   Não é pois de maravilhar que este homem assim enfatuado de sua ciência, depois de haver negado a infalibilidade do Papa e proclamado a liberdade de exame para legitimar os próprios excessos, se tenha arvorado em cátedra inerrante de fé, constrangendo os seus sequazes a curvarem submissos a fronte ante os arestos inapeláveis de suas decisões infalíveis. Não houve tirania mais insuportável nem arrogância mais impetuosa que a deste pregador do livre exame. Todos os seus correligionários gemem sob o peso de seu jugo de ferro. Münzer dizia: "há dois papas: o de Roma e Lutero, e esse mais duro". Ao seu confidente Bulinger escrevia Calvino: "já não é possível suportar os arrebatamentos de Lutero; cega-o a tal extremo o amor próprio que não vê os próprios defeitos nem tolera que o contradigam"; e a Melanchton dizia Calvino: "com que impetuosidade fulmina o vosso Pericles! Singular exemplo deixamos à posteridade quando preferimos abrir mão de nossa liberdade a irritar com a menor ofensa um homem só! Dizem que é de gênio arrebatado, de movimentos impetuosos, como se esta violência não se exaltasse com lhe comprazerem os outros em tudo. Ousemos ao menos soltar um gemido livre". (Calvini Opera, XII, 99). "Vivo na escravidão, como no antro de Cyclope", murmura por sua vez Melanchton. (Bossuet, Hist, des variations, 1. 5, n. 15 e16). Contra Carlostadt, seu antigo mestre, que em tirar as conclusões da nova doutrina foi além do que pretendia o reformador, obteve o decreto de expulsão da Saxônia e não o readmitiu senão com a promessa de "não defender em público, por palavra ou por escrito, suas opiniões contrárias às de Lutero". (Weimar, XVIII, 86 sgs). A Münzer, por motivo análogo, cassou a liberdade de palavra apesar do "verbum Dei non est alligatum", que ele tantas vezes invocara contra a Igreja Católica. Assim entendia Lutero o livre exame!
   Ao ver esta prepotência com que o chefe da Reforma impunha despoticamente as suas opiniões, crê toda a gente sensata que nada mais firme, nada mais assentado e maduramente refletido que a nova doutrina. Erro. O inculcado emissário divino que modestamente se prefere a todos os doutores do céu e da terra, que blasona de inspirado do Espírito Santo, que recebeu "os seus dogmas do céu", hesita, retrata-se, contradiz-se, assenta e destrói dogmas pelos motivos mais fúteis, muda de opinião como um ator de roupa.
   NB.: Entre os inúmeros exemplos apresentados pelo Padre Leonel Franca, cingir-me-ei apenas à alguns, para não cansar meus caríssimos leitores.
   "Quanto à origem e legitimidade de sua missão, em pouco mais de 15 anos, Lutero mudou pelo menos 14 vezes de parecer. (Cf. Döllinger, Die Reformation, III, 205 ss.)
   Em 1519 Lutero escreve: "Confesso plenamente o supremo poder da Igreja Romana; fora de Jesus Cristo, Senhor Nosso, nada no céu e na terra se lhe deve preferir". (Cf. De Wette, I, 234). "Esta Igreja é a predileta de Deus; não pode haver razão alguma, por mais grave, que autorize a quem quer que seja a apartar-se dela e, com o cisma, separar-se da sua unidade". (Cf. Weimar, II, 72.). Em 1520 na sua Epístola Luterana tece os mais rasgados encômios a Leão X, louva-lhe a vida intemerata superior a qualquer ataque. (De Wette, I, 498). Nesse mesmo ano já Leão X é o Anticristo, e a igreja romana "uma licenciosa espelunca de ladrôes, o mais impudente dos lupanares, o reino do pecado, da morte e do inferno" ( De Wette, I, 498).
   ... Em 1523 escrevia: "Se acontecesse que um, dois, mil ou mais concílios decidissem que os eclesiásticos pudessem contrair matrimônio, preferiria, confiado na graça de Deus, perdoar a quem, por toda a vida, tivesse uma, duas ou três meretrizes, do que, consoante à decisão conciliar, tomasse mulher legítima e sem tal decisão não a pudesse tomar". (Cf. Weimar, XII, 237).

NB.: A obra do autor mais citado pelo Padre Leonel Franca é: "D. Martin Luthers, Werke. Kritische Gesmtausgabe, 1883 ss. Desta Edição crítica que até 1914 contava 50 volumes, é que o Pe. Leonel Franca mais freqüentemente se serviu.
            Depois, se Deus quiser, entenderemos melhor ainda  este homem desequilibrado quando fizermos a seguinte postagem: "Lutero e o Demônio".

quinta-feira, 16 de junho de 2016

RECESSO

Por problemas de saúde estarei por algum tempo me tratando. Peço as orações de todos!
Desde já agradeço de coração.
Padre Elcio Murucci.

domingo, 12 de junho de 2016

POR ELE, COM ELE, NELE

Extraído do Livro JESUS, REI DE AMOR, pelo Pe. Mateo Crawley-Boevey, SS. CC.

   Para que se compreenda bem a imponente majestade da Missa, evocarei agora, cheio de emoção, um gesto do celebrante que resume admiravelmente todo o ideal de glorificação da Trindade pelo admirável Pontífice e Mediador da Santa Missa. Parece-me que nesse momento, mil vezes sublime, os nove coros dos Anjos, toda a assembléia dos Santos, e o Purgatório, circundando de perto o celebrante, bebem suas palavras e ficam suspensos a seus gestos, impregnados de divina majestade.
   Pouco depois da consagração, o sacerdote, tendo na mão direita a Hóstia divina, traça com Ela cinco cruzes sobre o Priciosíssimo Sangue, dizendo: "Por Ele, com Ele e n'Ele, a Ti, Deus Pai Onipotente, na unidade do Espírito Santo, damos toda honra e glória!" e, com essas palavras, eleva ao Céu a Hóstia e o Cálice juntos.
   Sublinhemos com ardor a grandeza inexplimível desse gesto, divino entre todos...
   O próprio genial São Paulo, descendo do terceiro Céu, teria tido a eloquência necessária para explicar-nos toda a majestade dessa fórmula litúrgica, de infinita riqueza de significado?
   Por Ele, o Homem-Deus de Belém, do Tabor e do Calvário, realmente presente nas mãos do padre, tal como estava presente nas mãos de Sua Mãe Santíssima...
   Com Ele, o Homem-Deus crucificado, morto e ressuscitado... que subiu aos céus e está sentado, como Deus à direita do Pai, e a quem o Pai conferiu todo poder no céu e na terra...
   N'Ele, o Homem-Deus, por Quem e para Quem tudo foi criado, que foi constituído Rei imortal, e que virá sobre as nuvens do céu, como Juiz, a julgar os vivos e os mortos...
   Sim: por Ele, com Ele e n'Ele, glória infinita à Trindade adorável e augusta!
   Se neste momento lhe fora milagrosamente revelado, em clarão divino, toda a significação desse gesto, morreria o celebrante, não de temor, porém de emoção e júbilo!
   Somente à Virgem-Mãe coube o insigne privilégio de antecipar-se ao padre, mediante a oblação por Ela feita do Filho ao Pai, em Belém, no templo de Jerusalém, e no Calvário.
   Não é, pois, exato ser a Santa Missa o hino oficial de glória, único digno da Trindade augusta?
   E nessa ordem de idéias, saboreemos deliciosamente a magnífica estrofe desse hino, pelo próprio Cristo ensinando aos apóstolos, e tal como Ele o canta no Altar, pela voz e liturgia da Igreja: "Pai nosso que estais no céu... Pai santificado seja o Vosso nome!... Pai, venha a nós o Vosso reino!... Pai, seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu!..."
   Consideremos que o orante que assim reza é o próprio Verbo Encarnado, o Filho de Deus e de Maria Santíssima, que no Altar exalta a glória d'Aquele que é Seu Pai e nosso Pai!
   Podemos pois afirmar que a criação do Universo, tirado do nada, é apenas pálida centelha de glória, quando comparada à glória que Jesus, Grão-Sacerdote, rende no Altar às Três Pessoas da Trindade augusta.
   E agora, fixos o olhar e o coração no Gólgota do Altar, façamos uma audaciosa hipótese, legítima e verossímil criação de nossa fantasia... o próprio Senhor a utilizou para pintar os inimitáveis quadros de Seus discursos figurados e de Suas incomparáveis parábolas.
   Suponhamos que, desde os tempos dos imperadores romanos Augusto e Tibério, já tivessem sido descobertos e vulgarizados os maravilhosos aparelhos de televisão, com aperfeiçoamento ainda maior que os de hoje. (Como atualmente, diria o Pe. Mateo). E suponhamos que César, informado por seus agentes acerca da emoção produzida na Palestina pela prédica de Jesus, e sobre a resolução do Sinédrio de fazê-Lo morrer, houvesse ordenado a Pilatos o envio a Roma, juntamente com os autos do processo, de um filme do drama da crucifixão do pretenso Rei dos Judeus.
   Qual não seria nossa indizível emoção se esse filme sonoro-visual, reprodução exata, fotográfica, do deicídio da Sexta feira Santa, nos fosse exibido nas igrejas, antes do Santo Sacrifício da Missa! Tal filme seria uma visão autêntica, de ordem natural e científica, do divino drama da nossos altares. Ele nos permitiria ouvir as sete palavras de Jesus, e também as blasfêmias pronunciadas pelos inimigos diante da vítima adorável. Veríamos com os próprios olhos o que viram as três testemunhas fiéis, Maria, João e Madalena, desde o meio-dia até as três horas da tarde.
   Pois bem: infinitamente maior do que tudo isto é a maravilhosa realidade que, através do fino e transparente véu, nos mostra a Fé, incapaz de nos enganar, quando, bem instruídos e piedosos, assistimos ao Santo Sacrifício! o filme teria apresentado um fato passado, tal como o santo sudário de Turim, ao passo que a Santa Missa nos oferece uma realidade atual e presente!
   Essa mesma Missa, renovada, reproduzida, prolongada, através do tempo, constitui essencialmente nossa Missa quotidiana... Mais uma vez insistimos: não se trata de um belo símbolo religioso, ou de um filme admirável tirado, digamos, pelos Anjos: trata-se da admirável e divina realidade do Calvário, exatamente reproduzida no Altar, exceto a dor e o derramamento de sangue, pois a Vítima eucarística é hoje impassível, porque gloriosa.
   É nesses princípios que se baseia o Concílio de Trento ao declarar que o Santo Sacrifício realiza, antes de tudo, uma obra de estrita justiça, resgatando as nossas faltas com o "Sangue do Cordeiro que apaga os pecados do mundo".
   É fato verificado, de ordem sobrenatural, que o Santo Sacrifício nos salva, aplacando a Justiça divina quando oferece, no Cálice, o preço já oferecido no Calvário. Sem tal resgate - único adequadro - não teriam remissão os nossos delitos. Felizmente para nós, porém, Jesus morreu exclamando: "Pai, perdoa-lhes!"
   Uma vez consumada a obra de rigorosa justiça, irrompe a misericórdia como sol fulgurante. Firma-se a reconciliação entre o céu e a terra revoltada... Deus, porém, exige a constante aplicação do Sangue redentor às cicatrizes de nossas almas pecadoras, o qual, derramado outrora no Calvário, enche agora o Cálice do Santo Sacrifício!
   É de toda conveniência salientar com nitidez a diferença entre o Gólgota de Jerusalém e o Calvário de nossos Altares. Este é um Tabor glorioso, embora sempre purpureado de um sangue adorável... Digo, "glorioso" pois a Vítima que se imola é o Homem-Deus ressuscitado, vencedor da morte na madrugada do Domingo de Páscoa.
   Ao mesmo tempo que Tabor, o Altar é também legítimo Calvário, radioso porque revestido dos esplendores da Ressurreição.
   Ah! se não existisse o véu discreto do Mistério, nem mesmo o Santo Cura d'Ars teria ousado celebrar o Santo Sacrifício... e Santa Teresinha de Lisieux teria hesitado em aproximar-se da Mesa Santa, de tal modo a glória do Senhor ofusca, aos olhos dos Anjos, o celebrante e os fiéis. Assim, graças a penumbra do Mistério, torna-se o Altar acessível, e até convidativo, embora esteja muito mais perto do Céu que o próprio Sinai.
   Assim compreendida, a oração oficial do Cristo Mediador durante a Missa é a única que tem o poder de atravessar as nuvens, indo atingir e empolgar o Coração do Pai... Esta súplica é verdadeiramente uma onipotência, pois que jorra do próprio Coração de Jesus, Mediador todo-poderoso. É Ele mesmo quem no-lo declara: "O Pai me ouve sempre!" Quando Ele reza, Ele ordena. Sua palavra realiza o que pede, pois Ele é Deus! Eis porque nossa primeira oração espontânea, nas visitas ao Santíssimo Sacramento, na adoração eucarística ou quando fazemos adoração noturna no lar, e sobretudo quando assistimos ao Santo Sacrifício, deveria ser sempre o "Cânon" da Missa, fórmula litúrgica mil vezes sagrada e venerável, por seu conteúdo dogmático e por sua antiguidade. Poderíamos desta forma unir-nos, em todas as horas do dia e da noite, aos milhares de celebrantes que elevam, como rutilante arco-íris, a Hóstia e o Cálice... E por meio deste tão simples impulso do coração, realizaríamos esplendidamente o "Glória a Deus nas alturas" dos Anjos, na noite de Natal.

sábado, 11 de junho de 2016

ORAÇÃO DA FAMÍLIA CATÓLICA

Caríssimos, nesta luta satânica para destruir o matrimônio e a família cristã temos, antes de tudo, que pedir a Deus  apresse a vitória do Coração Imaculado de Maria Santíssima. Há quase cem anos foi isto que nossa Mãe do Céu nos garantiu: "POR FIM MEU IMACULADO CORAÇÃO TRIUNFARÁ". E temos que fazer a nossa parte. E o principal é rezar e fazer penitência. Rezemos esta oração:

Sacratíssimo Coração de Jesus, a quem nossa família tem a honra de ser consograda, prostrados em vossa presença, desejamos suplicar-vos que sejais em verdade o nosso Rei, o nosso Mestre, o Senhor de nossa casa.

Vós, que prometestes a paz ás famílias devotas de Vosso Coração, concedei-nos a paz. Afastai de nosso lar o ódio, a discórdia, os desentendimentos. Conservai-nos todos unidos na Fé, firmes na Esperança, perseverantes na Caridade.

Pedimo-Vos de coração que nos guardeis a todos sob vossa proteção. Convertei os pecadores de nossa família, amparai nossos idosos e doentes, conservai a inocência de nossas crianças, dai força e coragem aos nossos jovens na luta contra as tentações, consolai-nos em todas as nossas aflições, dai-nos a saúde do corpo e a santidade da alma.

Nossa família, Senhor, deseja ser vossa. Pedimo-vos portanto que nos ajudeis a cumprir nossos deveres de católicos e afastar de nossa casa tudo o que Vos ofende, especialmente as enxurradas de obscenidades dos programas de TV , Internet, revistas e jornais, as festas mundanas, as modas indecentes, as conversas levianas, enfim a vida pagã da sociedade que nos cerca.

Suplicamo-Vos que nos conservais a fidelidade à doutrina e à moral que a Santa Madre Igreja sempre nos ensinou. Afastai de nós todas as heresias e erros atuais, especialmente o progressismo que sorrateiramente extenua a santidade de vossos preceitos e destrói a integridade das verdades que nos revelastes. Senhor, fazei que sejamos firmes até o fim, em defender a indissolubilidade do sacramento do matrimônio, sem modificar em nada o que Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou. Senhor, fazei que vivamos segundo o que Nosso Divino Mestre nos ensinou e não segundo o que o mundo ensina. Queremos a paz de Jesus Cristo e não a do mundo que é enganadora. Queremos a alegria do Amor de Deus, e por Ele, a alegria do amor do próximo. 

Concedei-nos enfim que um dia toda a nossa família se reúna no Céu, tendo trilhado aqui na terra o caminho que para lá conduz.

Nós v-lo pedimos pela intercessão de Vossa e Nossa Mãe Santíssima, a Puríssima Virgem Maria. Amém. 

sexta-feira, 10 de junho de 2016

VÍNCULO INDISSOLÚVEL DO MATRIMÔNIO


LEITURA ESPIRITUAL

REFLEXÕES SOBRE TEMA DA SAGRADA ESCRITURA

"Foram ter com ele os fariseus para o tentar e disseram-lhe: É lícito a um homem repudiar sua mulher por qualquer motivo? Ele, respondendo, disse-lhes: Não lestes que quem criou o homem no princípio, criou-os homem e mulher, e disse: Por isso deixará o homem pai  e mãe, e unir-se-á com sua mulher, e os dois serão uma só carne? Por isso, não mais são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu" (S. Mateus XIX, 3 e sgs).

No último dia do ano de 1930, no início de sua Encíclica "CASTI CONNUBII", Pio XI já constatava com tristeza "a ignorância total da altíssima santidade do matrimônio cristão"... Lamentava como a maior parte dos homens desconhecia essa santidade. Ou negavam-na impudentemente, ou ainda, apoiando-se sobre os princípios falsos de uma moralidade nova e absolutamente perversa, calcavam-na aos pés. Aliás, 50 anos já antes de Pio XI, o Papa Leão XIII, na Encíclica "ARCANUM", denunciava que os detratores da fé cristã recusavam admitir sobre a origem do matrimônio a doutrina constante da Igreja e se esforçavam já há muito tempo por destruir a Tradição de todos os povos e de todos os séculos.

"... Tendo Deus no sexto dia da criação formado o homem do limo da terra e insuflado na sua face o sopro da vida, quis dar-lhe uma companheira, que maravilhosamente tirou do lado do mesmo homem, enquanto ele dormia; quis Deus com isto, na Sua alta providência, que estes dois esposos fossem o princípio natural de todos os homens e a fonte de onde o gênero humano deveria sair e conservar-se através dos tempos por uma série ininterrupta de gerações. E para que esta união entre o homem e a mulher melhor se harmonizasse com os Seus sapientíssimos desígnios, lhe imprimiu desde esse dia, à maneira de um selo e de um sinal, duas qualidades principais, nobres entre todas as outras, a saber: 'a unidade e a perpetuidade'. - É isto que vemos declarado e abertamente confirmado no Evangelho pela divina autoridade de Jesus Cristo, quando afirmou aos judeus e aos Apóstolos que o casamento, segundo a sua própria instituição, não deve ter lugar senão entre duas pessoas, um homem e uma mulher; que os dois devem constituir como que uma só carne e que o laço nupcial está pela vontade de Deus tão íntima e tão fortemente ligado, que nenhum homem tem o poder de o desligar ou quebrar. 'O homem unir-se-á à sua companheira e serão dois numa só carne'. Por isso já não são dois, mas uma só carne. 'O que Deus uniu não o separe o homem' (Mt 19, 5 e 6).

"Mas esta forma de matrimônio, tão excelente e tão elevada, começou pouco a pouco a corromper-se entre as nações pagãs, e até entre os hebreus pareceu eclipsar-se e obscurecer-se. Tinha-se na verdade introduzido entre eles o costume geral de permitir a um homem possuir mais de uma mulher, e quando, mais tarde, Moisés, 'em virtude da dureza do coração deles', teve a tolerância de autorizar a repúdio das mulheres, abriu-se a porta ao divórcio.  Com relação à sociedade pagã, custa crer a que grau de corrupção e de fealdade desceu o casamento, entregue à ondas dos erros de cada povo e das mais ignóbeis e vergonhosas paixões. (...).

"Mas todos estes vícios e todas estas ignomínias, que maculavam os casamentos, encontraram em Deus a reforma e o remédio. Porquanto, Jesus Senhor Nosso, restabelecendo a dignidade humana e aperfeiçoando as leis mosaicas, fez do casamento um dos objetos importantes da Sua solicitude. Com efeito honrou com a Sua presença as bodas de Caná, na Galileia, e tornou-as memoráveis pelo primeiro dos Seus milagres. Em virtude deste fato, parece que desde esse dia o matrimônio começou a receber um novo caráter de santidade. Em seguida o Salvador restabeleceu o matrimônio na nobreza da sua origem primitiva, já reprovando os costumes dos judeus com relação à pluralidade de mulheres e ao uso que faziam do repúdio, já proclamando sobretudo o preceito de que ninguém ousasse reparar o que o próprio Deus uniu por um laço perpétuo. Por isso, depois de ter resolvido as dificuldades provenientes da legislação das instituições mosaicas, formulou, na qualidade de Legislador Supremo, esta Lei sobre o matrimônio: 'Em verdade vos digo que todo aquele que separar de si sua mulher, exceto o caso de adultério, e tomar outra, é adúltero; e todo aquele que tomar a que foi repudiada é adúltero' (Mt 19, 9).

 (Salvo o primeiro parágrafo, este artigo compõe-se de excertos da Encíclica "ARCANUM" do papa Leão XIII).  

A VIDA INTERIOR


"Vivo, mas já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gál. II, 20.

Este artigo é dirigido especialmente a nós do Clero, mas, obviamente,  "mutatis mutandis", se aplica também aos leigos.
Hoje lamenta-se a falta de padres, mas antes a lamentar seria a falta de padres santos. Sob o pretexto desta falta de padres, avoca-se até a necessidade de se acabar com o celibato sacerdotal. Realmente teríamos mais padres, mas o necessário é que tenhamos padres santos. Aí está a diferença, aí está a solução. 

Também, D. Gänswein disse:  "um ministério ampliado – com um membro ativo e um membro contemplativo", se referindo respectivamente ao Papa Francisco e ao "Papa Emérito" Ratzinger. "Data venia", na minha humilde visão, acho isto impossível de ser legitimado por argumentos teológicos, e mesmo, pelos da Teologia Ascética e Mística.

Deus exige de nós Padres, seus Ministros, uma dupla vida: a vida interior, vida de recolhimento, de piedade, de oração e mortificação, "vigiai e orai", "fazei penitência"; e a vida exterior, a vida ativa, a vida das obras, do apostolado: "ensinai"; pregai"... "apascentai minhas ovelhas". Estas duas vidas não se devem separar, aliás completam-se maravilhosamente.

Embora a vida contemplativa seja em si mesma, melhor que a ativa, o ideal todavia, para o sacerdote, é a fusão das duas vidas que constitui o verdadeiro apostolado, obra principal do cristianismo. Mas é preciso que a vida contemplativa seja a base da vida ativa, que esta seja a exteriorização daquela. A contemplação deve ser a raiz da seiva da qual a vida ativa vive e se alimenta.

A vida interior é a vida mesma de Jesus Cristo animando a alma como a alma anima o corpo ao qual está unida. Do mesmo modo como a alma é o princípio das operações do corpo, cujos órgãos move; os olhos para ver, os pés para andar, a língua para falar, a mão para agir, assim Jesus Cristo vivendo na alma verdadeiramente interior é o princípio de todas as suas operações sobrenaturais, sem nunca encontrar da sua parte a menor resistência. É Ele que inspira todos os pensamentos, todos os afetos, todas as determinações, quem regra mesmo exteriormente todos os atos e movimentos do seu corpo para contê-los nos limites de uma perfeita modéstia.

Por conseguinte, a alma é penetrada do Espírito de Jesus Cristo, espírito que , a leva a pensar, julgar, amar, detestar, sofrer, trabalhar, querer como Ele, por Ele, com Ele e então as ações exteriores só podem ser a manifestação da vida, do espírito de Jesus Cristo em nós. "Não sou mais eu que vivo, é Jesus que vive em mim". Este é o ideal da vida cristã.

São Paulo, para no-la fazer entender melhor, serve-se da comparação do enxerto que vem a ser uma mesma coisa com a árvore em que foi inserido, vive da sua vida, alimenta-se de sua seiva. A alma interior é este enxerto, inserido em Jesus Cristo, a árvore de cuja vida participa, de sorte que ela tem com ele uma só pensamento, um só querer e não querer.

O mesmo Apóstolo diz ainda que Jesus Cristo é o chefe do corpo do qual nós somos membros, "Cristo é a cabeça... nós somos os membros do seu corpo" (Ef. V, 30). Mas a cabeça e os membros vivem da mesma vida; e como da cabeça a vida dimana sobre os membros inferiores, assim de Jesus dimana sobre as almas que Lhe são unidas, como ao seu Chefe, uma vida toda divina e esta vida é a vida interior. Portanto, vida cristã, vida interior, santidade não diferem essencialmente; são três graus desta união da alma a Nosso Senhor, da ação de Nosso Senhor sobre a alma, dócil à sua direção; são a aurora, a plena luz, o esplendor do mesmo sol. VIDA INTERIOR é, pois, o estado da atividade de uma alma que, pela sua união a Jesus Cristo, reage contra as inclinações naturais e se esforça por alcançar ao hábito de julgar e dirigir-se em tudo, segundo a doutrina e os exemplos de Jesus Cristo. Dois movimentos, portanto: a alma se retira, se separa daquilo que a criatura tem de contrário à união a Deus; e se orienta para Deus. Faz o caminho inverso do pecado.

Caríssimos, não posso deixar de enumerar aqui alguns princípios e avisos práticos dados por D. Chautard:
1.       Não se lançar nas obras por mera atividade natural. Orar para conhecer e seguir sempre a vontade de Deus.
2.       É imprudente e nocivo ficar durante muito tempo num período de ocupações excessivas.
3.       Regulamento determinando o emprego habitual do tempo.
4.       Quanto mais ocupações, maior necessidade de contemplação.
5.       Nas múltiplas obras que são da vontade de Deus, conservar a sede de vida interior.
6.       Relance de olhos seguro, justo e penetrante para distinguir se é sob a influência de Jesus que se conserva na ação.

AVISOS PRÁTICOS:
1.       Convencer-se profundamente da necessidade do regulamento sobretudo quanto a hora de se levantar rigorosamente fixada. E levantar cedo, dizia S. Francisco de Sales, faz bem ... "à la santé et à la sainteté"...
2.       A meditação de manhã é a base e elemento indispensável da vida interior.
3.       Missa, comunhão, recitação do Breviário, funções litúrgicas são minas incomparáveis de vida interior e devem ser exploradas com fé e fervor cada dia crescentes.
4.   Exame particular e exame geral, bem como meditação e vida litúrgica, devem tender sempre par o hábito da guarda do coração, por meio da qual se realiza a união do "vigilate" e do "orate".
5.       Comunhões espirituais e orações jaculatórias.
6.       Piedoso estudo da Sagrada Escritura, sobretudo do Novo Testamento. Todos os dias, ou pelo menos muitas vezes na semana.
7.       Preparada pela guarda do coração, confissão hebdomadária impregnada de contrição sincera, de dor verdadeira e de firme propósito cada vez mais leal e resoluto.
8.       Retiro anual utilíssimo, mas insuficiente. É preciso também um retiro mensal sobretudo ao homem de obras.
- Todos estes meios concorrem para a meditação bem feita ou dela decorrem. Por isso a meditação é o elemento indispensável da vida interior e portanto do apostolado.

(O assunto continua no próximo artigo).


quinta-feira, 9 de junho de 2016

PERIGOS DA VIDA ATIVA SEM A VIDA INTERIOR



Caríssimos, na verdade, a vida das obras sem a vida interior é o caminho curto e certo da tibieza e do pecado. Primeiramente a tibieza, porque o padre absorto pela vida ativa e esquecido da vida interior, escorrega necessariamente no hábito do pecado venial, o que já é tibieza. É fácil compreendê-lo: Eis um padre ativo, trabalhador, mas inexperiente; aliás correto em sua conduta, mesmo piedoso, mas de uma piedade talvez mais de sentimento que de vontade. A oração mental, se ainda a pratica, é coisa vaga, vaporosa; o exame de consciência, a leitura espiritual superficiais, quando não omitidas; o Breviário despachado o mais depressa possível e, muitas vezes, o mais tarde possível. Esta alma é um terreno preparado para a dissipação cada dia mais acentuada, para as curiosidades, para os apegos por demais naturais, para a invasão progressiva de toda forma de fraquezas e sutis sensualidades.

Com tudo isso consideremos o germe de corrupção que a concupiscência entretém em nossa natureza, a guerra sem tréguas que nos movem nossos inimigos de dentro e de fora, os perigos que nos ameaçam de toda parte. Então as feridas são frequentes, as faltas se acumulam fatalmente. Pululam os pecados veniais. O que outrora perturbava a consciência reta, hoje passa por vão escrúpulo desprezível. De resto, as obras prosperam, (pelo menos parece); os homens aplaudem, mas o Anjo do Santuário já está desconfiado, está triste, talvez já chore. Está prevendo o infalível desenlace. A alma está cega, está enfraquecida, basta uma tentação mais forte, uma ocasião mais perigosa e dá-se a queda.

E do hábito dos pecados veniais, da tibieza ao pecado mortal, a passagem é fácil e freqüente. Num retiro clerical, diz D. Chautard, um padre disse-me: "Foi a dedicação que me perdeu! Minha disposição natural fazia-me experimentar alegria em me despender, felicidade em prestar serviço. O sucesso aparente dos meus empreendimentos ajudando, Satanás soube obrar tão bem durante longos anos, para me iludir, excitar o delírio da ação, desgostar-me de todo trabalho interior, até finalmente atrair-me ao abismo".

Como caiu esta alma? Por falta de fé, de piedade, falta de vida interior. A alma acaba por ver as obras e não a Deus, procura a si e não a Deus, daí relaxamento, presunção, imprudência, anemia e morte.
"É preciso, diz o card. Lavigérie, persuadir-se de que para um apóstolo não há meio termo entre a santidade completa, ao menos desejada e prosseguida com fidelidade e coragem, ou a perversão completa". O padre, ou é santo, e então santifica; ou não o é, e então, arruína. O Santo Cura d'Ars derramava muitas lágrimas "pensando na desgraça dos sacerdotes que não correspondem à santidade de sua vocação. O sábio e prudente Pe. Desurmont afirmava: "Meditação, ou grande, muito grande risco de condenação para o padre em contato com o mundo".

Portanto, caríssimos colegas no sacerdócio, para obviar tão grande perigo, nunca descuidemos da vida interior. E para nos animarmos a trabalhar neste sentido é bom meditarmos nas vantagens e na fecundidade da vida interior. É o  que, com a graça de Deus, iniciaremos neste artigo e prosseguiremos no seguinte.

1. O homem de vida interior está sempre vigilante, desconfia de si a cada instante, e se acautela contra o perigo, segundo o conselho de São Paulo: "Revesti-vos  da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio..." (Ef. VI, 11). Qual é esta armadura? Conhecimento do seu nada, convicção de nada poder sem a graça, pureza de intenção, solicitude pela sua salvação e, por isto, oração  freqüente e suplicante.

2. A vida interior repara as forças que o apostolado porventura nos faz perder. É como aquele pão do profeta Elias. São Vicente de Paulo queria que os missionários, depois de algumas missões, voltassem para casa para refocilar o corpo e o espírito no recolhimento. Ordenava-lhes um dia de retiro. É a este  repouso que Jesus Cristo convidou os Apóstolos depois de suas primeiras missões: "Vinde à parte, num lugar deserto e descansai um pouco" (S. Marc. VI, 31). Caríssimos colegas no sacerdócio, sem isto as nossas obras de apostolado (em si tão santas) podem se tornar "ocupações malditas", na expressão de S. Bernardo a seu discípulo o Papa Eugênio III: "Temo que, no meio de vossas numerosas ocupações, deixeis endurecer vossa alma. Fareis bem em suspender de vez em quando vossas ocupações, para não vos deixar dominar por elas. Sem isso é para temer que chegueis aonde não desejais chegar. Aonde? ao endurecimento do coração. Sim, é até lá, continua o Santo, que podem levar "as ocupações malditas". E eis o comentário de D. Chautard: "Que há aí de mais augusto, de mais santo que o governo da Igreja? Haverá nada mais útil para a glória de Deus e para o bem das almas? E contudo, malditas ocupações, exclama S. Bernardo, se hão de servir para impedir a vida interior daquele que a elas se dedica. 'Ocupações malditas', que expressão! Vale por um livro inteiro, tanto ela amedronta e tanto obriga a refletir. E estaria exigindo um protesto, se não caísse da pena tão precisa de um doutor da Igreja, de um São Bernardo".

3. A vida interior multiplica as energias e os méritos: Em Jesus Cristo está a força da vida interior. Podemos enumerar seus caracteres:

1º - Empreender coisas difíceis e enfrentar resolutamente os obstáculos.
2º - Desprezo das coisas da terra: "Omnia detrimentum feci et arbitror ut stercora".
3º - Paciência nas tribulações: "Fors ut mors dilectio".
4º - Resistência às tentações: "... cui resistite fortes in fide".
5º - Martírio interior. Testemunho da própria vida que clama a Jesus: "Quero ser todo vosso". Combater as concupiscências, domar os vícios, trabalhar com energia na aquisição das virtudes: "Bonum certamen certavi".

"Sem esta vida, diz S. Pio X, as forças faltarão para suportar com perseverança as dificuldades que acarreta todo apostolado, a frieza e o pouco concurso dos mesmos homens de bem, as calúnias dos adversários (e piores quando vindas dos próprios colegas como delas foram vítimas alguns santos, por ex, o S. Cura d'Ars e S. Pio de Pietrelcina).

A vida interior dá ainda um acréscimo de méritos: pela vida de oração, de piedade, de união a Nosso Senhor, porque quanto mais dificultoso o ato de virtude, mais meritório, não por causa da dificuldade, mas por causa da intensidade de amor que a dificuldade supõe.


(Continua no próximo artigo). 

segunda-feira, 6 de junho de 2016

A GRANDE PROMESSA DO SACRATÍSSIMO CORAÇÃO DE JESUS

Por Frei  José Agostinho
Terceiro dos Menores Franciscanos

(Editado em 1954 pela Editora Vozes Ltda., PETRÓPOLIS, R. J.)

   A esta última [12ª promessa] costuma-se dar o nome de "grande promessa", não tanto porque exige maior esforço e persistência do beneficiário, como principalmente porque lhe proporciona o alcance da graça inapreciável da perseverança final, augúrio certo da salvação eterna, o maior e único bem que importa ao homem receber. 

   1. O Fato

   Revelando a Santa Margarida Maria esse seu desígnio, Nosso Senhor fez-lhe ouvir explicitamente estas palavras: "Eu te prometo, na excessiva misericórdia do meu Coração, que concederei a graça da penitência final a todos que comungarem na primeira sexta-feira de nove meses consecutivos. Eles não morrerão no meu desagrado, nem sem receber os Sacramentos; e, nesse transe extremo, receberão asilo seguro no meu Coração". 

   "Foi numa sexta-feira do mês de maio de 1686, escreveu a Santa, que, durante a Santa Comunhão, meu Divino Mestre me disse estas palavras". A Igreja anima-nos a acreditar na veracidade de tal revelação, proclamando a visitandina de Paray-le-Monial "iluminada pela luz divina" e fazendo-nos honrá-la na oração de sua festa como aquela "a quem Jesus revelou de modo admirável as insondáveis riquezas de seu Coração". 

   2. Esclarecimentos

   O Cardeal Richard, Arcebispo de Paris, no seu conhecido Catecismo do Sagrado Coração de Jesus, procurou dissipar as dúvidas que o conhecimento dessa extraordinária promessa costumava suscitar no espírito dos que a ouvem pela primeira vez, formulando as perguntas e respostas que adiante reproduzimos. 

   1ª  É certa esta promessa? 
   Esta promessa é certa quanto à origem e quanto aos efeitos. Foi certamente feita a Santa Margarida Maria, como fazem crer os escritos autênticos da Serva de Deus, os quais foram examinados pela Santa Sé por ocasião da sua beatificação. Cumprir-se-á, pois, certamente, em favor de todos aqueles que satisfizerem as condições a que está subordinada. 

   2ª  Como devemos interpretar esta promessa?
   É preciso compreender esta promessa no seu verdadeiro sentido e livrar-se de toda a interpretação falsa. 
   Nosso Senhor não disse que todos aqueles que cumprissem as condições estipuladas ficariam dispensados de uma atenta vigilância para evitar o pecado, de um combate corajoso para vencer as tentações e cumprir todos os mandamentos, do emprego assíduo da oração e da penitência. Assegura somente que aqueles que fizerem estas nove comunhões obterão as graças necessárias para guardar perfeitamente os preceitos e os conselhos evangélicos para carregar a cruz que lhes for destinada, todos os dias da vida, e para perseverar até à morte no caminho estreito que conduz ao céu.

   (...)

   3ª  Que meio empregará Nosso Senhor, para tirar os homens desta invencível apatia, vizinha da morte? 
   Ele vai servir-se do desejo de salvar-se, que estes cristãos tão negligentes ainda conservam. Como auxílio desta última centelha escondida sob a cinza da tibieza, vai procurar reanimar as chamas do amor dos homens, fazendo-os tornar ao caminho da mesa santa. Não lhes pedirá diretamente a comunhão frequente, porque sabe que não seria atendido, mas, pede-lhes uma série de comunhões transitórias, é verdade, mas bastante multiplicadas e acompanhadas de circunstâncias assaz difíceis para habituar, ao menos, à comunhão mensal.

   4ª  Quais são as condições necessárias para se ter direito aos frutos desta grande promessa?
   Três:

   1ª) - A comunhão deve ser feita numa sexta-feira, a primeira do mês, e não em outro dia.

   2ª) - Deve ser feita em nove meses consecutivos. A novena, porém, deverá ser recomeçada, se na série das primeiras sextas-feiras houver uma interrupção.

   3ª) - Deve não somente ser feita em estado de graça, como também na intenção especial de honrar o Sagrado Coração. Essas condições, fáceis na aparência, apresentam dificuldades tais que é preciso o cristão amar verdadeiramente Nosso Senhor, para se sujeitar a elas.

   5ª  Aqueles que, logo depois de terem feito com sincera piedade, as nove comunhões, afastarem-se da frequência dos sacramentos, ou pecarem, perderão o direito aos frutos da promessa divina?
   Não!
   Não, certamente, porque os benefícios de Deus não são susceptíveis de arrependimento. O Sagrado Coração saberá pelos efeitos de seu amor tirar do abismo do pecado esses pobres náufragos, e preservá-los do abismo do inferno.
   As graças obtidas pelas nove comunhões são, porém, tão abundantes, que esse esquecimento completo dos deveres essenciais à vida cristã só poderá ocorrer como rara exceção ou, pelo menos, será momentâneo.

CONCLUSÃO: Estas explicações devem impelir todos os cristãos a abraçar uma prática tão salutar. Podemos começá-la em qualquer mês. (...).

   

   
   
   

domingo, 5 de junho de 2016

Jesus pregando Retiro para os seus sacerdotes - ( VII )

A solidão do sacerdote

   Meu filho, durante a tua curta existência sobre a terra vive só com Deus. Que nada turbe o trato interior da tua alma comigo.
   Esforça-te por teres só um ideal, uma tendência única. Sê outro Jesus, reveste-te do meu espírito, ama-me e faze-me amar dos outros.
   Evita a disjunção das forças e a multiplicidade dos negócios. Não deixes o teu espírito embaraçar-se com dúvidas, escrúpulos, preocupações sobre o passado, o presente e o futuro, não o escravizes pelo apego desregrado a uma ocupação ou a uma pessoa.
   O espírito foi-te dado para conheceres o teu Deus, para propor à vontade o Bem supremo e fazer-lhe adotar na ação os meios melhores de o atingires. Tudo o que fora dessa ordem dás às criaturas, tira-lo a Deus.
   Guarda a liberdade de teu coração e serás feliz, e encontrar-me-ás no centro da tua alma.
   Modera a multiplicidade dos teus desejos. Acaba com os sonhos de prazer, de bem-estar, de honrarias que te inquietam.
   No dia da tua ordenação escolhes-te-me como a parte da tua herança. Com este fim separei-te do resto das criaturas, par seres unicamente meu.
   Compreendes os meus divinos ciúmes? Aniquilei-me para te vir procurar no teu nada e no teu pecado. Guarda--me pois, íntegro o carinho do teu coração sacerdotal. 
   A caridade, a gratidão, as conveniências sociais, e ainda os deveres do teu ofício põem-te em frequente contato com o mundo.
   Todavia, enquanto tratas com as criaturas, o teu coração deve ficar perto de mim. Não lhe permitas expandir-se livremente e apegar-se a tudo o que fascina. Sem isto levarás uma vida preocupada e um dia cobrirás de vergonha a tua dignidade sacerdotal.
   Não te creias mais forte do que os outros, que se deixaram arrastar pela sedução.
   Evita a ocasião de pecado. Corta corajosamente certas afeições perigosas para a tua virtude ou nocivas à tua reputação.
   Confia teu coração sacerdotal à Virgem das virgens, à Mãe do sacerdote.
   Ela guardar-lhe-á as entradas e as saídas e dar-lhe-á a graça de me poder amar com um amor perfeito. Ela duplicará as suas energias, obrigando-te ao trabalho, à dedicação e ao sacrifício.
   Tu estás neste mundo, mas não és deste mundo.
   Quando os teus deveres de sacerdote estiverem cumpridos, e tiveres satisfeito as conveniências da vida social, recolhe-te comigo ao silêncio e à solidão.
   A mola, perdida a tensão, volta à sua posição natural. A tua posição e o teu lugar de repouso, após as tuas ocupações e enredos de cada dia, sou eu, é o meu divino Coração. Aqui virás repousar e tomar de novo forças.
   Guarda os teus sentidos. Nenhuma necessidade tens de fixar os teus olhares nas vaidades deste mundo. Sem esta preocupação bem depressa serás seu vil escravo.
   Evita com cuidado todas as relações inúteis, todo o comércio epistolar supérfluo, toda a curiosidade com respeito às novidades do mundo.
   Possuís em ti mesmo todo um mundo, o mundo sobrenatural. Acostuma-te a viver comigo, teu Irmão que tanto te ama, com nosso Pai e nossa Mãe do Céu, com os anjos e com os santos.
   Lembra-te constantemente que és sacerdote. O que diz bem nos homens do mundo, não diz bem em ti.
   Só deves entrar em contato com os outros para lhes levares os meus benefícios: para os instruíres, para os alentares, para os consolares e sarares, e, quando andarem extraviados, para os trazeres ao meu redil.
   Não mendigues as consolações dos mortais. És tu quem por mim foi constituído para, da minha parte, lhes levar a felicidade e a paz. Esta felicidade procurá-la-ás em mim, porque eu sou o Deus de toda a consolação: sou teu amigo, teu Irmão, com quem tu participas graça e privilégios.
   Procura frequentemente viver na solidão. Falar-te-ei nela mais intimamente ao coração, mostrando-te as lacunas da tua vida sacerdotal e a maneira de as encheres, e descortinando-te os inefáveis segredos do meu divino Coração.

sábado, 4 de junho de 2016

POSIÇÃO DE D. MARCEL LEFEBVRE - Excertos de algumas declarações

  Refiro-me a posição de D. Lefebvre em relação à Santa Sé ou, mais explicitamente, atinente ao cisma ou sedevacantismo. Tempo de guerra, mentira como terra!  Ontem como hoje houve muitos mal-entendidos atinentes à posição de D. Lefebvre em relação à Santa Sé. Com a grande diferença que, enquanto era vivo, D. Lefebvre sempre que mal interpretado, procurava dar esclarecimentos. Hoje, cada qual, dependendo de sua posição, procura puxar a brasa para a sua sardinha, como se diz vulgarmente aqui no Brasil. 

  Defunctus adhuc loquitur: fala através de suas declarações públicas que até à morte não foram desmentidas: 

  Foi célebre a Declaração de 21 de novembro de 1974:

    "Nós aderimos de todo o coração, de toda a nossa alma à Roma Católica, guardiã da Fé Católica e das tradições necessárias para a manutenção desta Fé, à Roma eterna, Mestra de Sabedoria e de verdade.

   Nós recusamos, ao contrário, e sempre recusaremos seguir a Roma de tendência neomodernista e neoprotestante que se manifestou claramente no Concílio  Vaticano II e, depois do Concílio, em todas as reformas que dele saíram. Todas estas reformas, de fato, contribuíram e contribuem ainda para a demolição da Igreja, para a ruína do Sacerdócio, do Sacrifício e dos Sacramentos.
    
   Eis porque, sem nenhuma rebelião, nenhuma mágoa, nenhum ressentimento, nós prosseguiremos nossa obra de formação sacerdotal, sob a orientação do Magistério de sempre, persuadidos de que não podemos prestar melhor serviço à Santa Igreja Católica, ao Sumo Pontífice e às gerações futuras..."

    Em 18 de maio de 1975, D. Lefebvre dava o sentido exato desta declaração:

    "Jamais foi minha intenção e a dos meus colaboradores, romper em qualquer coisa que fosse, com a unidade com a Igreja Católica e com o seu Chefe legítimo o Papa Paulo VI. Por isso, solenemente renovo minha adesão dedicada ao Soberano Pontífice e à Hierarquia católica de que, pela graça de Deus e autoridade da Sé Apostólica, faço parte já há cerca de 30 anos. Interpretar minha declaração de 21 de novembro (de 1974) num sentido cismático, é uma coisa impossível e esclareci ao Revmo. Padre de Nantes em minha carta de 19 de março de 1975 na qual eu escrevia: "Sabei que se um bispo romper com Roma este não serei eu". Minha declaração di-lo explicita e fortemente. 

    No entanto, negar a influência modernista que se exerce na Igreja, especialmente depois do Concílio Vaticano II, nas reformas que pretendem ser inspiradas no Concílio, equivaleria negar a evidência que se faz cada dia mais premente e dolorosa ao coração dos fiéis.

    Nós respeitamos com toda sinceridade os textos deste Concílio pastoral na linha de toda Tradição, assim como o indicava com precisão o Soberano Pontífice João XIII em sua alocução no final da missa de abertura (do Concílio) em 11 de Outubro de 1962. 

    Por isso reprovamos com vigor toda ambiguidade e toda interpretação abusiva dos textos do Vaticano II e professamos a autoridade deste Concílio no que diz respeito às diferentes notas teológicas, aplicáveis a todos os textos conciliares. 

  Fé na Igreja, fé no Primado do Romano Pontífice, a rejeição de tudo o que contribui para a autodemolição da Igreja, tal é a linha que nós seguimos no meio e apesar da provação presente". 
  
  Ecône é um manancial sacerdotal para contribuir na edificação de Igreja Católica, Apostólica e Romana. Ecône não tem outra pretensão". 


Declaração de 16 de Janeiro de 1979 (alguns excertos)


  "O problema que se põe: como pode acontecer que, existindo as promessas que Nosso Senhor Jesus Cristo fez de assistir ao seu Vigário, ao mesmo tempo esse Vigário possa, por si mesmo ou por outros, corromper a fé dos fiéis?"

  "Alguns insistem sobre o caráter da assistência ao Papa e que, por isso, ele não pode equivocar-se, logo deve-se obedecer-lhe: logo não temos o direito de discutir de nenhuma maneira o que faz ou diz o Papa. Esta é uma obediência cega, que tão pouco é conforme à prudência". 

  "Constatamos que coisas que nos são ensinadas, não estão em conformidade com o que a Tradição nos ensina. Há uma situação de fato diante da qual nos encontramos. Que devemos fazer? (...)

   "Evidentemente, aqueles que raciocinam de uma maneira muito lógica, sem considerar todos os matizes que há na realidade, a qual não é feita de uma lógica implacável, concluem precipitadamente que o Papa não é Papa".

   "Há dois princípios de solução:

  - Afirmar que o Papa diz heresias; logo não é Papa; logo é um intruso; logo não devemos obedecer. 
  - Questionar-se em que medida as promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo de assistir ao Papa deixam a este a possibilidade de realizar certos atos ou dizer certas coisas que, por sua própria lógica, fazem perder a fé aos fiéis. Em que medida são compatíveis as promessas e a destruição da fé por negligência, omissão, atos equívocos, etc. Dadas as dificuldades para resolver todas estas questões difíceis e delicadas, eu não ouso dirimir, de maneira absoluta, entre todas estas opiniões, hipóteses. Não me sinto capaz posto que não conheço suficientemente as circunstâncias que rodeiam os fatos do Papa, para determinar de maneira certa que não temos Papa". 

  "Na prática isto não tem influência sobre nossa conduta, porque rechaçamos firmemente tudo aquilo que vai contra a fé, sem saber inclusive quem é o culpado".

   "Prefiro partir do princípio de que tem que se defender nossa fé. Este é o nosso dever. Aqui não há lugar para dúvida alguma. Conhecemos a nossa fé. Se alguém ataca nossa fé, dizemos: não! Mas daqui a dizer em seguida que, porque alguém ataca nossa fé, é herético, logo não é mais autoridade, logo seus atos não têm nenhum valor... Atenção, atenção, atenção!... Não nos metamos em um círculo infernal do qual não saberemos como sair. Nesta atitude existe um verdadeiro perigo de cisma". 

   "Não pretendo ser infalível; pretendo combater nas circunstâncias atuais com toda a fé possível, com a oração e com o auxílio da graça". 

   
Declaração de 08 de Novembro de 1979 (alguns excertos)

  "A questão da visibilidade da Igreja é demasiado importante para sua existência, como para que Deus possa omiti-la durante décadas".

   "O argumento dos que afirmam a inexistência do Papa põe a Igreja em situação confusa. Quem nos dirá onde está o futuro Papa? Como poderia ser designado um Papa onde não houvesse mais cardeais? Este espírito é um espírito cismático, ao menos para a maioria dos fiéis, que se afiliarão a seitas verdadeiramente cismáticas como a de Palmar de Troya, a da Igreja Latina de Toulouse, etc.".

   "Queremos permanecer aderidos a Roma, ao sucessor de Pedro, mas rechaçamos seu liberalismo por fidelidade aos seus antecessores. Não temos medo de dizê-lo respeitosa mas firmemente, como São Paulo frente a São Pedro. Por isso, longe de rechaçar as orações pelo Papa, aumentamos nossas rezas e suplicamos para que o Espírito Santo o ilumine e o fortaleça no sustento e defesa da fé".

    "Por isso jamais rejeitei ir a Roma a seu chamado ou ao chamado de seus representantes. A verdade deve firmar-se em Roma mais do que em qualquer outro lugar. Pertence a Deus quem a fará triunfar". 

    "...Creio necessário fazer estas precisões para permanecer dentro do espírito da Igreja". 

  Caríssimos e amados leitores, devo dizer que, pelo que eu sei, D. Marcel Lefebvre manteve esta posição até o fim, mesmo após o desastroso encontro de Assis, conforme suas declarações em Março de 1986 e Dezembro de 1988. 

   Para o bem da verdade, pelo o que eu pude até agora constatar, em um ponto somente D. Lefebvre voltou atrás: é o caso das Sagrações Episcopais: Eis o que o Fundador da FSSPX escreveu no final de seu Livro "CARTA ABERTA AOS CATÓLICOS PERPLEXOS", escrito em 04 de julho de 1984: 

Olhar perscrutador! Teria sagrado quatro
bispos, se pudesse ter lobrigado o futuro?
Creio que não sagraria aquele que hoje
 é o fundador da "RESISTÊNCIA", porque
D. Lefebvre nunca aprovou qualquer
espírito de rebelião e desacato
às autoridades. 
     "Escreve-se também que minha obra desparecerá depois de mim, porque não haverá bispos para substituir-me. Estou certo do contrário, não tenho inquietação alguma. Posso morrer amanhã, o Bom Deus tem todas as soluções. Encontrar-se-ão pelo mundo, eu o sei, bispos suficientes para ordenar nossos seminaristas. Mesmo se ele se cala hoje em dia, um ou outro destes bispos receberia do Espírito Santo a coragem de se erguer a seu turno. Se minha obra é de Deus, Ele saberá mantê-la e fazê-la servir ao bem da Igreja. Nosso Senhor no-lo prometeu: "As portas do inferno não prevalecerão contra ela".
        "É por isso que eu me obstino, e se quereis conhecer a razão profunda desta obstinação, ei-la. Eu não quero, na hora de minha morte, quando Nosso Senhor me perguntar: "Que fizeste de teu episcopado, da tua graça episcopal e sacerdotal?" ouvir de sua boca estas palavras terríveis: "Tu contribuístes para destruir a Igreja com os outros". 

        Quando em 30 de junho de 1988, deixando de lado aquela "obstinação", sagrava não um ou dois mas quatro bispos, D. Lefebvre fez a seguinte declaração: "Não é de modo algum no espírito de ruptura e de cisma que nós realizamos estas sagrações. Nós afirmamos nossa adesão e submissão à Santa Sé e ao Papa". 
  
  

    
  

sexta-feira, 3 de junho de 2016

AMOR CONFIANTE ( I )

LEITURA ESPIRITUAL

"O Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido" (Mt 18, 11).
"Sou Eu, não temais" (Lc 24, 36)
Pelo Padre Mateo Crawley-Boevey  SS. CC.
É uma conferência extraída do seu Livro "JESUS, REI DE AMOR"
Vou distribuí-la em vários artigos a serem publicados no mês de Junho.

Caríssimos, não acrescentarei uma só palavra minha, não venha ela empanar o brilho daquela eloquência mais do céu que da terra; nem arrefecer o calor daquele fogo divino que abrasava o peito deste grande apóstolo da devoção ao Sacratíssimo Coração de Jesus. Assim, demos a palavra ao Servo de Deus:

"Palavra inefável, eloquente como poucas, talvez como nenhuma. Tende confiança, "sou Eu".

- Eu, vosso Pai, vosso Amigo, vosso Salvador. Nolite timere! "Não temais!".

- Mas, como?... E minhas ruindades?

- Ego sum! "Porque sou Eu" ...

Se fosse um Anjo, um profeta, um Santo, poderíeis temer, pois as criaturas, as melhores, não podem amar-vos como Eu ... Não temais, porque sou Jesus.

E por isso Ele disse: "Eu vos dou a minha paz" (Jo 14, 27). A Sua, não a nossa, tão desprezível. A Sua e não a do mundo, falsificada, perigosa, envenenada.

Sobre os fundamentos da Sua misericórdia, tenhamos a paz. Não porque nos creiamos justos e confirmados em graça, mas porque cremos com fé imensa em seu amor, remédio e reparação para nossas misérias.

Que faríamos sem esta energia sobrenatural, divina, da confiança em Nosso Senhor? ao cimo da santidade, chega-se pela vereda da confiança; não há outro caminho.

Porque sendo o que somos todos nós, um abismo de baixezas e pecados, pedir-nos que assim mesmo subamos sem nos dar antes de tudo as asas da confiança, seria arrojar-nos num outro abismo: o do desânimo definitivo e sem remédio.

Mas, por essa escada santa, mas, com tais asas divinas, quero, sim, e posso, ser santo. Quero e posso subir muito alto, de profundis, das profundezas da minha maldade, do abismo da minha miséria.

Não me venham dizer que isso é pretensão, que é ilusão ... Se pensasse em chegar ao cume com meus pés de argila, então, mil vezes seria loucura e soberba. Mas, nos braços de Jesus, sobre seu Coração, estou certo de que chegarei com êxito, porque sou menos que uma formiga.

Ele transforma sempre as formigas confiantes  em águias reais.

Se Ele, o Deus de perdão e de graças, se Ele, Jesus, o Deus de misericórdia e ternura; se Ele, Jesus, o Deus Crucificado e Sacramentado por amor e Encarnado para salvar, não me inspira confiança cega, imensa, ilimitada, quem poderá inspirar-me?

Veio, acaso, à terra para trazer-nos...  o quê? Os arremessos de tremenda justiça? As chamas de uma cólera divina? A sentença de morte eterna, mil vezes merecida? Não! Absolutamente não! Abri o Evangelho em qualquer página, ao acaso, e ainda em suas iras e anátemas encontrareis inebriante, irresistível, o Coração do Salvador.

Veio perdoar, salvar, semear paz, dar o céu, ainda àqueles, e sobretudo a eles, que Lhe prepararam a cruz: "Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem" (Lc 23, 34).

Com este fim redentor "aniquilou-se, tomando a natureza de servo" (Filip 2, 7). Revestiu-Se da nossa roupagem leprosa, e por isso o fulminou o Pai.

Tomou consigo nossas misérias, segundo está escrito: "Tomou sobre si nossas fraquezas, e ele mesmo carregou com as nossas dores" (Is 53, 4). "Homem de dores e experimentado nos sofrimentos" (Is 3, 3).

Não, por certo, em sentido literal, mas figurado, poderíamos pois aplicar-Lhe aquela expressão dos Livros Santos: "Um abismo chama outro abismo" (Sl 41, 8). Isto é, o abismo da nossa miséria e corrupção, dir-se-ia, atraiu o abismo de Sua misericórdia e bondade.

Belém é apenas, com toda a sua pobreza, um reflexo, um quadro poético, se comparado com outro berço consciente de sua pobreza e indignidade: o coração de quem comunga.

Jesus, que sabe disso, manda que o recebamos, que comunguemos.

Sobre a base do arrependimento e da humildade, parece Jesus correr um véu de paraíso sobre este presépio menos que palha, e comprazer-Se nele. E tem ânsias supremas de descansar nesse altar desmantelado. Negar-Lhe o direito à sua condescendência seria feri-Lhe o Coração!

Sabeis qual  é, para mim, a transfiguração que me enlouquece? não a do Tabor, onde, por um instante, parece recobrar o que havia deixado por meu bem, o manto da sua majestade esplendorosa. A transfiguração que me comove e arrebata é outra: a de Belém, quando vejo o Criador revestido das roupinhas da nossa natureza. A de Nazaré, quando contemplo meu Juiz, coberto com o véu do anônimo, de qualquer um. E aquela do Calvário, quando adoro, debaixo da púrpura sangrenta e da mortalha da morte, Aquele que é a Vida. Oh! Jesus, à força de quereres assemelhar-Te a nós, já não Te pareces contigo mesmo!

Esta transfiguração tríplice que o faz tão meu, tão Irmão, tão condescendente, tão parecido comigo, ensina-me, melhor que o Tabor, quanto devo amá-Lo e com quanta confiança, se possível infinita, devo aproximar-me de Seu Coração.

O contraste prodigioso entre o que o Tabor mostra num instante e o que é e permanece em Belém, Nazaré e no Calvário, prega-me, patentemente, e com eloquência esmagadora, a loucura do Seu amor e a realidade daquela palavra da Escritura: "Não quero a morte do ímpio, mas que se converta a viva (Ez 33, 11). E ainda: "Veio buscar e salvar o que tinha perecido" (Lc 19, 10).


(Continua no próximo artigo).