domingo, 23 de agosto de 2020

OBSERVAÇÕES SOBRE O DOM DOM DAS LÍNGUAS


Não há unanimidade entre teólogos e exegetas na explicação deste carisma.

Uns acham que consistiria numa espécie de oração em língua estranha  com animação de vozes e de gestos.

Renan (França, + 1892), padre apóstata, historiador, filósofo, exegeta racionalista, em seu livro HISTOIRE DES ORIGINES DU CHRISTIANISME, t. II. Les Apôtres, p. 66-72, afirma que os Apóstolos no Pentecostes proferiram sons inarticulados. Diz o exegeta e teólogo Renié: "Uma tal explicação colide com o texto sagrado: 'cada um de nós os ouvimos falar a nossa língua materna' (At II, 8); além do mais ... a possibilidade duma interpretação, claramente proposta por S. Paulo [I Cor XIV, 28] sugere que o apóstolo olhava estes sons como possuindo uma significação".

Outros pensam que seria falar a língua dos ouvintes (língua que ele não conhece naturalmente); ou o de, falando em sua língua materna, ser ouvido pelos assistentes, cada qual em sua própria língua. Tudo isto é inspirado gratuita e milagrosamente ao pregador que fala em nome de Deus, justamente como instrumento para tocar os corações, convertendo os infiéis e edificando e consolando os fiéis.

Santo Tomás assim o explica: "A faculdade de falar pode significar o uso do idioma pelo qual quem ensina se faz entender (= é o dom da variedade das línguas). E a faculdade de falar pode significar também o sentido das palavras proferidas (= é o dom da interpretação das palavras). Falando especificamente do dom das línguas no Pentecostes, diz o Doutor Angélico:"Assim como os povos, que caíram na idolatria, segundo refere a Escritura em Gen. XI, vieram a falar línguas diversas, assim também, quando foram convertidos ao culto de um só Deus, o dom das línguas vem a ser o remédio a essa diversidade" ... "Àquilo da Escritura em Atos II, 6: 'A eles os ouvia falar cada um na própria língua' -diz a Glosa: Porque falaram todas as línguas; ou porque, falando a própria deles, i. é, a hebraica, eram entendidos por todos como se falassem a língua particular de cada um... Contudo era mais conveniente falarem eles as línguas de todos' (S. T. II, II, q. CLXXVI. a.1).

De passagem, queria lembrar o que Deus Pai falou a S. Catarina de Sena  a respeito deste que é talvez o maior teólogo da Igreja: "É o conhecimento infuso, que concedo àqueles que realmente me amam e servem. Foi com essa iluminação que Tomás (de Aquino) adquiriu grande sabedoria" (L. O DIÁLOGO, 18.5.7; pag. 172).

 Há, ainda, os que procuram conciliar as duas opiniões, dizendo que o Espírito Santo concede o dom de a pessoa orar em línguas e também o de pregar em línguas (ambos= dom de línguas). O primeiro seria uma  consequência imediata da recepção abundante do Espírito Santo; o que serviria de preparação para o segundo. Isto teria acontecido no dia de Pentecostes. Os Apóstolos, ao receberem o Espírito Santo, extasiados, começaram a orar em línguas, louvando as maravilhas de Deus. Então, pelo grande ruído do vento, pessoas de todas as nações que estavam em Jerusalém acorreram para junto do Cenáculo; os 12 Apóstolos (já incluindo Matias) saíram e começaram a pregar em línguas a todos aqueles povos. 

Também poderia ser concedido o dom de orar em línguas como encaminhamento para um dom muitíssimo superior, ou seja, a graça habitual, pelo santo Batismo, como aconteceu segundo narram os Atos X, 47 e 48: "Então Pedro disse: Porventura pode alguém recusar a água do batismo àqueles que receberam o Espírito Santo como nós? E mandou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo" (i. é, com o batismo instituído por Jesus).

 O teólogo Tanquerey assim diz: "O dom das línguas, em S. Paulo, é o dom de orar em língua estranha com certo sentimento de exaltação; e segundo os teólogos, é o dom de falar várias línguas".

O certo é que ORAR EM LÍNGUAS só seria um carisma com utilidade comum, se houvesse quem pudesse servir de intérprete aos ouvintes. E este intérprete poderia ser alguém iluminado pelo Espírito Santo através do dom da interpretação das línguas. Inclusive, S. Paulo aconselha a quem tiver recebido o dom de orar em línguas, que também peça a Deus o dom de as interpretar (I Cor XIV, 13).

Conclui-se daí que na oração em línguas, a pessoa fala uma verdadeira língua (embora desconhecida) e  o dom é dado quando o Espírito Santo quer.

 S. Paulo em I Cor XII, 1-3, dá o critério pelo qual se possa reconhecer um carisma autêntico: os atos ou discursos que tendem a diminuir a pessoa ou a missão do Salvador certamente não vêm do Espírito Santo. Se, porém, o cristão sincero diz que Jesus é o Senhor, este está sob a influência do verdadeiro Espírito de Deus. S. Paulo também chama a atenção para que seja tudo feito com decência e ordem (I Cor XIV, 40).

Os teólogos dizem que os poderes extraordinários dos carismas eram indispensáveis aos primeiros pregadores tanto para tornar mais eficaz seu ensinamento, (e assim espalhar rapidamente a Igreja pelo Universo) como para fortificar na fé os primeiros cristãos diante das perseguições. O célebre exegeta D. Delatte diz: "A efusão [dos...] dons carismáticos foi abundante na origem da Igreja, porque a Igreja não tinha história; esta efusão de carismas é menor hoje, porque a história e a ação da Igreja suprem-na com vantagem" (Les Épîtres de Saint Paul, t. I, 2, pag. 353). S. João Crisóstomo (+ 408) em sua 29ª Homilia já confessava que o sentido de muitas destas manifestações carismáticas tinha se perdido. (Cf. Patrologie Grecque de Migne, col. 239 e sgs). Santo Agostinho no Trat. super Joan. diz: "Atualmente (s. V), quando alguém recebe o Espírito Santo, ninguém fala as línguas de todos os povos, porque já a Igreja as fala todas; e quem a ela não pertence não recebe o Espírito Santo".

S. Paulo, ao pôr os pingos nos is, embora não desaprove o dom de línguas, diz claramente que os outros dons são mais excelentes porque todos diretamente concorrem para a conversão e edificação. Por ex. o dom de profecia (que, de alguma maneira, engloba  quase todos os outros) edifica a Igreja. O dom de orar em línguas, porém, só edifica aquele que o tem.

S. Paulo em I Cor XIV, 12 diz: "Assim também vós, já que sois desejosos de dons espirituais, procurai abundar neles para edificação da Igreja".  Penso que os missionários podem pedir ao Espírito Santo o dom de línguas, para que, em qualquer país que fossem enviados pela Igreja, pudessem pregar sem demora e de maneira milagrosa para assim levar mais almas a Jesus!

Quero terminar este artigo transcrevendo alguns tópicos do livro O DIÁLOGO de Santa Catarina de Sena, onde o próprio Deus Pai dá as características de seus filhos adoradores em espírito e verdade. Passando pelo via purgativa e iluminativa, chegam à via unitiva por uma espécie de terceira conversão: "O sinal [para se reconhecer o homem perfeito] é o mesmo que aconteceu aos Apóstolos, após terem recebido o Espírito Santo; saíram do Cenáculo pregando a mensagem do meu Filho (...) Os perfeitos agem como que embriagados e inflamados de caridade (...) É no lado aberto de Cristo que ele toma consciência da grandeza do amor divino (...) O homem perfeito fala comigo pelo desejo santo, o qual constitui uma contínua oração. Em sua "fala" espiritual, apresenta-me amorosos anseios pela salvação dos homens; com o uso da palavra, anuncia a mensagem do meu Filho, dá conselhos, professa a fé sem medo algum de perseguições, testemunha a todos conforme a condição de cada um. Tal pessoa conquista muitas almas na mesa da santa cruz. (...) Ao ter a experiência da minha caridade, desaparece a vontade própria e a pessoa goza de paz e tranquilidade interior. Imensa é a paz adquirida (...) Quaisquer que sejam as condições de vida, tudo faz para me louvar, sempre alegre, na paz, na quietude de espírito... Em tudo só vê a minha vontade.(...) Alegremente permanecem no campo da luta, inebriados no Sangue de Cristo crucificado. (...) Morreram inteiramente para si mesmos. Conservam sempre a graça com toda satisfação do espírito. Suas vontades se encontram num altíssimo grau de união com a minha; nada as consegue separar. Todo lugar é lugar de oração; todo tempo é tempo de oração. Seu modo de viver desprendeu-se da terra, encontra-se no céu (Fl III, 10). (...)

 Deus Pai falando da oração extática no homem perfeito:"Impulsionado por grandes desejos de amar, pratica as virtudes e caminha célere na mensagem de Cristo crucificado; elevando-se espiritualmente, atinge na caminhada da ponte aquela porta que é Jesus; inebria-se no Sangue de Jesus, arde no fogo da caridade, experimenta a minha própria divindade. Neste oceano de paz realiza-se a união. Já não faz nenhuma movimento fora de mim. (...) As faculdades ficaram alienadas devido ao ímpeto do amor... Durante a união extática as faculdades fundem-se, imergem-se, inflamam-se em mim...".

Falando a Catarina de Sena, dos vários tipos de lágrimas, Deus Pai explica as lágrimas de fogo: "Se prestares atenção, verás que o Espírito Santo chora em cada servidor meu que possui o desejo santo e faz orações contínuas e humildes na minha presença. Foi o que pretendia afirmar o glorioso apóstolo Paulo, ao dizer que o Espírito Santo chora em mim "com gemidos inenarráveis (Rm VIII, 26), a vosso favor". (Excertos do Livro "O DIÁLOGO" de Santa Catarina de Sena).

VINDE ESPÍRITO SANTO, ENCHEI OS CORAÇÕES DOS VOSSOS FIÉIS E ACENDEI NELES O FOGO DO VOSSO AMOR! Amém!

 

 


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