A vontade de Deus é a do Senhor; a minha é a do servo. A
vontade de Deus é infinitamente esclarecida; a minha é sujeita a erros sem
conta. A vontade de Deus é a mesma santidade e nunca muda; a minha é depravada,
inconstante, capaz de todo o mal. É justo, portanto, que eu me deixe dirigir
pela vontade de Deus, submetendo-Lhe a minha. A união da nossa vontade com a de
Deus, ou melhor dizendo, a fusão da nossa vontade na de Deus, de tal modo que a
nossa desaparece, ficando só a vontade divina,
digo, isto é algo sumamente admirável, sublime e santo. Aliás, é a mesma
santidade. E aqui, logo nossos olhos, nosso pensamento, se voltam para a Mãe de
Deus, pois, entre as simples criaturas humanas (porque Jesus é também Deus)
Maria é santíssima justamente, porque mais do que qualquer outro santo, uniu
sua vontade à de Deus: "Eis aqui a
serva do Senhor, faça-se em mim segundo a sua palavra".
Depois da união da natureza humana com a divina, que
adoramos em Jesus Cristo, e da união da maternidade com a virgindade, que honramos em Maria
Santíssima, não há nenhuma mais admirável que a da nossa vontade com a do
Senhor. Parece que Deus queria mostrar-nos a alegria que lhe causa este
sacrifício da nossa vontade à sua, quando disse: "Achei Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, e que
fará todas as minhas vontades" (Atos XIII, 22). Este abandono filial,
que nos entrega inteiramente nas mãos de Deus, é a mais bela vitória da graça
sobre a nossa vontade, sem ofender o nosso livre arbítrio. Este triunfo da
graça sobre a vontade humana, é sem nenhum prejuízo da sua liberdade, porque o
vencido quer sê-lo, e se julga infinitamente obrigado para com o seu vencedor.
Estou consciente de que assim Deus livra-me de qualquer outra sujeição, para só
depender d'Aquele, cujos servos são outros tantos reis, eleva-me até à vida dos
Anjos, até à vida de Jesus Cristo, que é a vida do mesmo Deus. Caríssimos, pode
haver algo mais honroso?! Diz o Espírito Santo: "Bendizei o Senhor, vós todos os seus anjos, que sois poderosos e
fortes, que sois executores da sua palavra, prontos para obedecer à voz das
suas ordens" (Salmo 102, 20 e 21). Que honra para quem se conforma com
a vontade divina! Eleva-se à altura dos Anjos, cujo único móvel é a vontade de
Deus. Mas, há algo mais sublime ainda: adquiro uma admirável semelhança, uma
espécie de parentesco com Jesus Cristo, o Rei dos Anjos. Elevo-me até Deus,
tomando a sua vontade por norma da minha. Querendo o que Deus quer, como Ele o
quer, porque o quer, tenho o mesmo alimento que o Salvador: "Meu alimento é que eu faça a vontade
d'Aquele que me enviou" (S. João IV, 34).
Pela total conformidade de nossa vontade à vontade de Deus,
participamos de dois atributos divinos, que parecia que a nossa fragilidade
nunca poderia alcançar: a infalibilidade e a impecabilidade; porque, quando
faço a vontade do Senhor e obedeço à direção de sua suma sabedoria, posso enganar-me?
Quando procedo conforme com a santidade infinita, posso pecar? Por tudo isto
devemos concluir que o maior empenho em nossa vida espiritual dever ser o de
conformar inteiramente e sempre a nossa vontade com a vontade de Deus.
Ademais, querendo sempre o que Deus quer, pratico todas as
virtudes: a fé, a confiança, a mortificação, a paciência, a humildade. E
pratico-as pelo motivo mais excelente, isto é, o amor e o amor mais puro. E
assim, querer o que Deus quer, é amá-Lo como Ele se ama, é querer-Lhe todo o
bem que Ele quer a si, e do modo que Ele quer. Caríssimos, quão agradável é
encontrar a santidade em uma só virtude que posso praticar a cada instante, e
que enche a alma de uma suavidade celeste!
Finalmente, com esta virtude da conformidade com a vontade
de Deus, livro-me de todo o mal, e tenho todo bem que desejo. Não mais mal
moral, não mais pecado, pois o pecado não é senão a oposição à vontade divina.
Não mais mal no ordem natural; porque um sofrimento que eu amo, que me agrada,
que eu desejo, longe de ser um mal para mim, é um bem. Refugiando-me na vontade
de Deus, evito todos os verdadeiros males.
Digamos com Santa Teresa d'Ávila: "Ó Senhor meu,
misericórdia minha e Bem meu, que posso desejar de melhor na terra do que estar
de tal maneira unida a Vós que não haja divisão alguma entre Vós e eu?"
Amém!
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