domingo, 28 de agosto de 2016

A CONVERSÃO DE SANTO AGOSTINHO - "CONFISSÕES"

   - "Então não poderás fazer o que estes e estas fizeram? - É porventura por si mesmos que estes o podem fazer? Não é por virtude de seu Deus e Senhor? Foi o Senhor seu Deus quem me entregou a eles. Por que te apoias em ti, ficando assim instável? Lança-te n'Ele e não temas! Ele não fugirá de ti, e tu não cairás. Lança-te confiadamente e Ele recebendo-te curar-te-á.
   Eu estava todo envergonhado porque ainda ouvia os murmúrios daquelas bagatelas e ficava suspenso na dúvida. De novo a castidade parecia dizer-me: "Sê surdo às tentações imundas dos teus membros na terra, para os mortificares. Narram-te deleites, mas estes não são segundo a lei do Senhor teu Deus".
   Esta controvérsia em meu coração, era apenas eu a lutar comigo mesmo.
   Entretanto Alípio, fixo a meu lado, aguardava, silencioso, o desenlace desta insólita agitação.
   Quando por uma análise profunda, arranquei do mais íntimo toda a minha miséria e a reuni perante a vista do meu coração, levantou-se enorme tempestade que arrastou consigo uma chuva torrencial de lágrimas. Para as derramar todas com seus gemidos, afastei-me de Alípio, porque a solidão  representava-se-me mais acondicionada ao choro. Retirei-me o suficiente para que a sua presença me não pudesse ser pesada.
   Eis em que estado me encontrava! Alipio bem o adivinhou, porque lhe disse, julgo eu, qualquer coisa em que se descortinava o tom pesado que o choro imprimia ao timbre da voz. Tinha-me, então erguido. Alípio, no auge do assombro, fixou-se imóvel no sítio onde estivéramos. Retirei-me, não sei como, para debaixo duma figueira, e larguei as rédeas ao choro.
   Prorromperam em rios de lágrimas os meus olhos. Este sacrifício era-Vos agradável (ó Senhor!!!). Dirigi-Vos muitas perguntas, não por estas mesmas palavras, mas por outras do mesmo teor: - "E Vós, Senhor, até quando? Até quando continuareis irritado?(Salmo VI, 4). Não Vos lembreis das minhas antigas iniqüidades" (Salmo LXXVIII,8). Sentia ainda, que elas me prendiam. Soltava gritos lamentosos: - "Por quanto tempo, por quanto tempo, andarei a clamar: - "Amanhã, amanhã? Por que não há de ser agora? Por que o termo das minhas torpezas não há de vir nesta hora?"
   Assim falava e chorava, oprimido pela mais amarga dor do coração. Eis que, de súbito, ouço uma voz vinda da casa próxima. Não sei se era de menino, se de menina. Cantava e repetia freqüentes vezes: - "Toma e lê; toma e lê".
   Imediatamente, mudando de semblante, comecei com a máxima atenção a considerar se as crianças tinham ou não o costume de trautear essa canção em alguns dos jogos. Vendo que em parte nenhuma a tinha ouvido, reprimi o ímpeto das lágrimas, e levantei-me persuadindo-me que Deus só me mandava uma coisa: abrir o códice,(epístolas) e ler o primeiro capítulo que encontrasse. Tinha ouvido que Antão, assistindo, por acaso, a uma leitura do Evangelho fora por ela advertido, como se essa passagem que se lia, lhe fosse dirigida pessoalmente: - "Vai, vende tudo o que possuis, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem e segue-Me". Com este oráculo se converteu a Vós.
   Abalado, voltei aonde Alípio estava sentado, pois eu tinha aí colocado o livro das Epístolas dos Apóstolos, quando de lá me levantei. Agarrei-o, abri-o e li em silêncio o primeiro capítulo em que pus os olhos: - "Não caminheis em glutonarias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites". (Epístola aos Romanos, XIII, 13).
   Não quis ler mais, nem era necessário. Apenas acabei de ler estas frases, penetrou-me no coração uma espécie de luz serena e todas as trevas da dúvida fugiram. Então, marcando a passagem com o dedo ou com outro sinal qualquer, fechei o livro.
   Já com o rosto tranqüilo mostrei-o a Alípio. Por sua vez, ele também me descobriu tudo o que por si se passara e que eu ignorava. Pediu-me que lhe mostrasse a passagem lida por mim. Indiquei-lha e ele prosseguiu ultrapassando o que eu tinha lido. Eu ignorava, porém, o texto seguinte que era este: - "Recebei ao fraco na fé". Alípio aplicou-o a si próprio e mostrou-mo. Com tal advertência, firmou-se no desejo e bom propósito, perfeitamente de acordo com os seus costumes regrados que, desde há muito tempo, o distanciavam enormemente de mim. Vamos ter em seguida com minha mãe, e declaramos-lhe o sucedido. Ela rejubila. Contamos-lhe como o caso se passou. Exulta e triunfa, bendizendo-Vos, Senhor, "que sois poderoso para fazer todas as coisas mais superabundantemente do que pedimos ou entendemos. Ela (Santa Mônica) bendizia-Vos porque via que, em mim, lhe tínheis concedido muito mais do que ela costumava pedir, com tristes e lastimosos gemidos.
   De tal forma me convertestes a Vós, Senhor, que eu já não procurava esposa, nem esperança alguma do século, mas permanecia firme naquela regra de fé em que tantos anos antes, me tínheis mostrado a minha mãe. Transformastes a sua tristeza numa alegria muito mais fecunda do que ela desejava, e muita mais querida e casta do que a que podia esperar dos netos nascidos da minha carne.
  "Ó SENHOR! ESSE HOMEM, PARTICULAZINHA DA CRIAÇÃO, DESEJA LOUVAR-VOS. VÓS O INCITAIS A QUE SE DELEITE NOS VOSSOS LOUVORES, PORQUE NOS CRIASTES PARA VÓS E O NOSSO CORAÇÃO VIVE INQUIETO, ENQUANTO NÃO REPOUSA EM VÓS!
                                                                                                    28 de agosto, festa de Santo Agostinho

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