terça-feira, 6 de novembro de 2012

O PAPA LIBÉRIO (continuação - II )

  Para entendermos melhor esta questão envolvendo o Papa Libério, talvez seja útil (para compreendermos melhor o que já escrevi e o que ainda escreverei sobre o assunto) explicar os vários ramos ou divisões que se criaram dentro do Arianismo. 
  Os arianos depois da morte de Ario e de seu sucessor à frente do Arianismo, Eusébio de Nicomédia,  se dividiram em três grupos muito distintos: 1º grupo - os arianos puros, ou anomeanos que sustentavam, intransigentemente, que o Filho não é igual ao Pai e que nem sequer lhe é semelhante. Em grego é expresso com a palavra "anomoios" que em Português quer dizer "não semelhante"; 2º grupo - os semi-arianos, mais transigentes, que rejeitavam a palavra "omoousios", (em Português quer dizer "consubstancial" palavra esta canonizada pelo Concílio de Niceia e defendida intransigentemente por Santo Atanásio), mas admitiam que o Filho era semelhante ao Pai, na substância e em tudo, e empregavam a palavra "omoiousios" (com um i a mais no meio) que quer dizer semelhante em substância. 3º grupo - constituído mais por políticos que por doutrinários. Estes se contentavam com afirmar simplesmente que o Filho é semelhante ao Pai. Em grego "omoios" (=semelhante). Cada um destes grupos escolheu o seu chefe e defendeu sua posição. Lutaram uns contra os outros, no campo da doutrina, e também no campo da política, para alcançarem os favores do Estado (dos imperadores). O chefe dos anomeanos foi Aécio, bispo sem sede.  O dos semi-arianos foi Basílio, bispo de Ancira, ; o dos omoianos foi Acácio, bispo de Cesareia.
   Vimos no post anterior que, segundo testemunho de Sozômeno na sua Historia Ecclesiastica, IV, 15, o Papa Libério estando em Sírmio, excomungou todos aqueles que não criam que o Filho é semelhante ao Pai em substância e em todas as coisas. Na verdade, o Papa Libério não era contra a palavra "consubstancial" mas,  com esta excomunhão deixava claro que não condenava a palavra "omoiousios" desde que fosse devidamente explicada, ou seja, semelhante em substância e em tudo. O fato é que esta atitude de Libério foi acolhida favoravelmente pelos bispos que defendiam a ortodoxia contra os anomeanos. 
  Santo Hilário e Santo Atanásio, os dois grandes exilados, os porta-vozes mais autorizados do Ocidente e do Oriente, aplaudiram ambos a tentativa de Libério de reaproximação de Basílio de Ancira que defendia o "omoiousios". Aproximação evidentemente não só dele mais de todo o grupo de que era chefe. Em fins de 358 ou em inícios de 359 Santo Hilário explicará sua posição numa obra chamada "De Synodis", obra esta endereçada aos seus colegas das Gálias (hoje França) e de Bretanha. Aí Santo Hilário reserva toda a sua severidade contra os anomeanos de 357; ele, em contrapartida, julga com indulgência a fórmula do Concílio de Ancira e lembra aos bispos do Ocidente que até o termo "omoousios" não é isento totalmente de ambiguidade, e que, no fundo, as duas expressões "omoousios" e "omoiousios" tem o mesmo sentido, contanto que os entenda bem; pois exprimem a mesma verdade, ou seja, a perfeita divindade do Filho. Santo Hilário suplica que nunca seja rejeitado o "omoousios" que, aliás foi já canonizado pelo Concílio de Niceia. Ele declara aos Bispos do Ocidente que eles não são arianos e nem têm a aparência de sê-lo. Como diz o Historiador Tillemont, Hilário "desculpa tudo o que pode desculpar. Dá um bom sentido à tudo  que é possível dar. Justifica tudo o que  não é absolutamente mau, tanto para não irritar os Orientais e os poder levar de um estado que lhe parecia tolerável mas perigoso a um outro que fosse inteiramente perfeito mas também para impedir que os bispos de França rompessem sem necessidade com pessoas que poderiam servir à verdade". (Conf. Tillemont, Memoires, t. VII, p. 445). 
  Um pouco mais tarde, ou seja, em fins de 359, Santo Atanásio escreveu, por sua vez, um livro em tudo semelhante ao de Santo Hilário, até no título, isto é, "De Synodis" para promover uma reconciliação. Hoje, chamaríamos de "acordo". Aí, primeiramente Santo Atanásio estuda as diferentes fórmulas de fé que foram propostas aos Orientais depois do Concílio de 341; e chegado ao texto de 358, o aprecia com uma benevolência marcante: "Aqueles, - escreve o Santo Bispo, - que aceitam tudo o que fora decidido em Niceia, conservando deste Concilio inteiramente os cuidados minunciosos sobre o "omoousios", não devem ser tratados como inimigos. Eu não os ataco como os anomeanos nem como adversários dos Padres do Concílio de Niceia; eu discuto com eles como um irmão com os irmãos que pensam como nós e não diferem senão por uma palavra... Deste número incluo Basílio de Ancira que escreveu sobre a fé". (Conf. Santo Atanásio, De Synodis, c. 41). Diz o historiador Filostorge, História Eclesiástica, IV, 16 que, enquanto Santo Atanásio agiu assim com tanta magnanimidade, o próprio Basílio de Ancira conseguira convencer o Imperador a mandar para o exílio nada menos do que 70 bispos arianos (anomeanos). 
  Esta questão envolvendo o mistério da Santíssima Trindade, hoje, para nós pode parecer bem mais simples, uma vez que tudo o que devia ser esclarecido já o foi. Mas no século IV, não era bem assim. O cristãos tinham acabado de sair das 10 grandes perseguições dos pagãos que eram politeístas. Assim o povo católico gostava de ouvir falar num só Deus. Mas sabemos que em Deus há três Pessoas, que são iguais e distintas (são iguais em tudo mas cada uma é uma, distinta da outra, uma não é a outra). Uma substância ou natureza, três pessoas, iguais e distintas. No afã de defender a unidade de natureza houve quem negasse a igualdade ou/e a distinção das Pessoas. Assim antes do arianismo apareceu a heresia de Sabélio afirmando que as pessoas em Deus eram apenas modalidades. Daí Santo Hilário dizer que até o termo "omoousios" = consubstancial, teria que ser bem explicado, do contrário podia trazer ambiguidade. Podia parecer Sabelianismo. 
  O que podemos deduzir atinente ao Papa Libério,  de tudo isto que acabamos de estudar? Não poderemos nunca saber com certeza, mas se Libério realmente assinou alguma fórmula, esta teria sido uma que não trazia o "omoousios", mas em tudo ortodoxa,  ou trazia o "omoiousios", mas explicado no mesmo sentido de "consubstancial". 

No próximo post, se Deus quiser, falaremos ainda sobre o Papa Libério.
  

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