terça-feira, 3 de dezembro de 2019

NOÇÃO DE ADORAÇÃO E LATRIA

   Nem as nossas imagens são ídolos, como acabamos de ver; nem também o culto que a elas prestamos é de latria ou de verdadeira adoração.
   É o que iremos provar.
   Sabemos todos, católicos e protestantes, que só DEVEMOS ADORAR A DEUS.
   Mas o que não deixa de lançar uma certa confusão sobre o assunto é que a palavra ADORAÇÃO pode ter vários sentidos: existe a adoração impropriamente dita e a adoração propriamente dita.
   ADORAR, por exemplo, pode significar: querer bem, ter muita estima. Um pai pode dizer: Adoro os meus filhinhos. Um filho extremoso pode dizer: Adoro minha mãe. E no entanto não estão cometendo nenhum ato de ofensa a Deus, pois se adorar aí no caso quer dizer querer muito bem, então este pai tem obrigação mesmo de ADORAR os seus filhinhos, isto é, querer bem a eles; este filho tem obrigação de ADORAR a sua mãe, isto é, amá-la de todo o coração. Deus mesmo quer que seja assim; o erro só haverá, se estas pessoas puserem o amor de seus filhinhos ou o amor de sua  mãe acima do amor de Deus, que deve ser superior a todos os outros amores.
   É comum ouvir-se este expressão: uma CRIATURA ADORÁVEL, que ao pé da letra deveria indicar uma criatura digna de ser adorada, mas que, sem nenhuma blasfêmia, exprime simplesmente isto: uma criatura que nos merece toda simpatia, benevolência e estima.
   Na linguagem bíblica, no latim e também no português antigo, a palavra ADORAR tem igualmente o sentido de PROSTERNAR-SE, isto é, ajoelhar-se com os dois joelhos e fazer uma inclinação de cabeça que pode ser mais ou menos profunda e que pode ser profunda até o ponto de se fazer chegar a cabeça até o chão. Existe vários sistemas de saudação entre os diversos povos, como sejam entre nós, por exemplo: tirar o chapéu, fazer uma inclinação de cabeça, dar um aperto de mão etc. Os orientais, muito mais pródigos e exagerados do que nós neste assunto de cumprimentos, costumam diante de personagens muito ilustres, que mereciam grande respeito, levar a saudação até este ponto: a prosternação completa, isto é, não só de joelhos, mas também com muito profunda inclinação de cabeça. Daí não se segue que considerassem a pessoa que recebia tais saudações como se fosse UMA DIVINDADE. O gesto significa apenas isto: um profundo respeito.
   Qual é, então, o conceito da verdadeira adoração, da adoração no sentido próprio(que se expressa com o termo técnico LATRIA) e que só a Deus é devida?
   Latria ou ADORAÇÃO PROPRIAMENTE DITA é o ato pelo qual se tributa homenagem a um ser, como ao Supremo Senhor de todas as coisas, ou em outras palavras, como tendo o supremo domínio sobre nós.
   É um erro, por exemplo, dizer: ajoelhar-se diante de alguém ou de alguma coisa é adorar, é fazer ato de idolatria. Eu posso ajoelhar-me diante de meu pai, de minha mãe ou de uma pessoa qualquer, para lhes pedir perdão de uma falta que cometi; daí não se segue que eu lhes esteja prestando a adoração que só a Deus é devida. Pois posso ajoelhar-me diante dessas pessoas, exclusivamente por um ato de humildade, sem considerar a nenhuma delas, como sendo o SUPREMO SENHOR DE TODAS AS COISAS. Nem mesmo, o ato de ajoelhar-se e curvar a cabeça até o chão indica o culto de latria, pois os orientais faziam este gesto tão espetacular, simplesmente com a intenção de manisfestar o profundo respeito que lhes inspira aquela criatura. Por aí se vê que a adoração propriamente dita, ou seja, o culto de latria é um ATO INTERNO que se processa no nosso espírito, no nosso coração e ato pelo qual se reconhece os nossos sentimentos internos. Esta adoração a Deus, podemos manifestá-la de diversas formas, mas entre estes atos externos só há UM que por si mesmo, indica diretamente, necessariamente o culto de latria: é o SACRIFÍCIO. Imolava-se a vítima precisamente para isto: para indicar com aquela vítima sacrificada, a qual morria ou desaparecia, que o Ser cultuado é o Supremo Senhor da VIDA E DA MORTE. Por isto se explica muito bem que Paulo e Barnabé, confundidos em Listra, respectivamente, com os deuses Mercúrio e Júpiter, rasgassem as suas vestiduras e protestassem veementemente quando o sacerdote de Júpiter, que estava à entrada da cidade, trazendo para ante as portas touros e grinaldas, queria SACRIFICAR com o povo (Atos, XIV, 12).
   Diante dos ÍDOLOS, ou seja dos deuses falsos, qualquer ato externo de homenagem que se fizesse, como seja queimar incenso, ajoelhar-se, ou simplesmente curvar a cabeça era um ATO PECAMINOSO, porque aqueles ídolos eram apresentados como sendo DEUSES, como se tivesse qualquer um deles, ou sozinho ou de parceria com outros, o SUPREMO DOMÍNIO DE TODAS AS COISAS.  Quem lhes prestava culto o prestava diretamente àquela estátua, que não correspondia a nenhuma realidade e assim dava gosto ao demônio que se servia de tão abomináveis invenções para afastar os homens do culto do verdadeiro Deus, trazendo todos os povos pagãos na mais grosseira idolatria.
   Quando, porém, nós católicos que sabemos só existir um Deus, que é Espiritual e Eterno, Supremo Senhor de todas as coisas e só a Ele prestamos o culto de latria, cercamos de carinho e veneração as sagradas imagens de Jesus Cristo, de Maria Santíssima e dos santos, a coisa é muito diversa. Não estamos diante de ÍDOLOS, ou de DEUSES FALSOS.  Diante de uma imagem de Jesus Cristo, sabemos muito bem que não é aquela imagem, mas sim o seu protótipo, Jesus, que é o Supremo Senhor do Universo, Autor da Vida e da morte. Diante da imagem da Maria Santíssima e dos santos, sabemos muito bem que nem aquela imagem, nem o seu protótipo é o Supremo Senhor do Universo. Isto, porém, não nos impede de mostrar-lhes o nosso amor, de fazer-lhes as nossas súplicas, diante destas venerandas representações e imagens que tanto nos excitam ao fervor e à devoção.
   E quando afirmamos categoricamente que não estamos prestando a estas imagens um culto de latria, é inútil que venham os protestantes teimar conosco, querendo convencer-nos de que o nosso culto é de verdadeira adoração. Pois adoração é um sentimento interno, e os protestantes não podem saber melhor do que nós mesmos (e Deus) aquilo que realmente se passa no nosso íntimo, no interior do nosso coração.
   Caríssimos e amados leitores, antes que os protestantes levantem a voz, vamos, se Deus quiser, na próxima postagem, falar sobre a ADORAÇÃO EM ESPÍRITO E VERDADE.

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