Extraído do livro "A TEMPO E CONTRATEMPO" de autoria do saudoso Gustavo Corção.
Artigo escrito em 27 - 7 - 1968.
Peço ao leitor o grande obséquio de aguentar o meu obsessivo interesse por um documento que em si mesmo é pouco interessante, mas muito significativo do estado em que se acha uma parte de nosso clero. Refiro-me ao documento assinado por trezentos e cinquenta padres e entregue aos bispos reunidos na IX Conferência. Transcrevo outra passagem elucidativa da mentalidade desses sacerdotes: "A Igreja de Cristo se apresenta sob a roupagem de um Instituto, com funções e doutrinas sacralizantes (?). O homem secularizado (?) não vê como um valor esta Igreja, mas sim a pessoa de Cristo e sua mensagem".
Agora nós: entre as várias mensagens de Cristo está a fundação da Igreja sobre a pedra de Pedro, e a instituição da Sagrada Eucaristia que representa, se não houve um delírio de dois mil anos e não sabemos quantos mil estudiosos e santos, o máximo de condensação de sacralidade, isto é, de algo que se segrega do mundo e do século como uma presença de eternidade.
Agora, eles: "Assim interpretamos o afastamento tranquilo de tantos cristãos, leigos e padres, não poucas vezes em nome da própria fé. Consequência disto é o número decrescente de candidatos ao ministério pastoral"... Aqui os padres se mentem a si mesmos para depois mentirem aos outros com tranquilidade e pedantismo.
Não é verdade o que dizem. Ao contrário, exatamente ao contrário do que dizem esses meta-protestantes, não faltavam vocações nas eras em que os valores sacrais e institucionais da Igreja não eram alegremente desmoralizados por padres "progressistas". Eu mesmo tive ocasião de ver, nos primeiros dias de minha vida católica, nos dias benditos em que descobria em cada hora uma beleza maior na Casa Luminosa, um movimento admirável que levou dúzias de moços inteligentes e bons a procurar no Mosteiro de São Bento e na Ordem dos Pregadores a vida de perfeição e de mais densa sacralidade.
E foi justamente agora, quando surgiram essas novidades com que tentam desfigurar a Igreja, que se esvaziaram os seminários e as casas religiosas. Com esse eufemismo, SECULARIZAÇÃO, os padres da ala protestante avançada trabalham para esvaziar a Igreja e para desvalorizar as coisas sagradas.
Mais adiante continuam: Ser homem de Deus está-se tornando algo a-histórico. Não por causa da função, mas por causa do sistema eclesiástico que impede a inserção na vida real"... "Numa palavra, trata-se de optar entre uma Igreja de cristandade e uma Igreja secularizada, presente no meio dos homens, vivendo suas alegrias e angústias".
Realmente, trata-se de optar, e todos nós gostaríamos que a opção desses signatários de tal manifesto se tornasse mais nítida, de um lado ou de outro, para enriquecer a Igreja de Cristo ou para aliviá-la da presença, da adesão puramente material, guiada não sei por qual interesse, de seus cruéis inimigos.
Quanto ao simpático programa de viver "entre as alegrias e angústias dos homens", quero dizer que poucas vezes vi estampada mais brutal e estúpida injustiça contra a Igreja de Cristo, sim, contra a Igreja institucionalizada, contra a Igreja fundada em cima da Pedra e em torno do Pão, mas pedra e pão elevados a outra ordem. Na opinião desses padres revoltados, a Igreja tem de se dissolver no mundo para poder viver as alegrias e angústias dos homens.
É claro que isso seria verdade se admitíssemos o princípio do imanentismo, pelo qual só pode simpatizar e viver as angústias dos doentes quem é doente como eles. Essa doutrina que nega a possibilidade do verdadeiro amor é um dos mais degradados efeitos do empirismo de nossa cultura, e leva diretamente ao materialismo, como, aliás, todo o democratismo de que se inspira o documento que examinamos.
Torno a dizer: nunca se disse tamanha injustiça contra a Igreja, contra os santos, contra vinte séculos de cristianismo. Estou pensando num São Vicente, que, na opinião dos padres signatários do manifesto, não soube viver entre as alegrias e angústias dos homens. Ele é que sabem. Como? Casando-se? Brincando com os jovens? Tomando parte em passeatas que reivindicam coisas sabidamente ditadas pelos inimigos da Igreja?
Estou pensando também numa Catarina de Sena que andou sempre pelas ruas da Itália. Estou pensando em São João Bosco, em São Paulo Apóstolo, em Santa Teresinha do Menino Jesus. Misturo as épocas, sobrepondo os séculos, e vejo sempre o grande sopro ardente de caridade. Incluí uma contemplativa na minha lista apressada, porque acredito na Comunhão dos Santos, a única forma perfeita de socialização.
Sim, creio na comunhão dos santos e na reversibilidade de méritos e deméritos que decorre do seu dinamismo. Assim como nos laboratórios fechados, defendidos do mundo por paredes e guardados, se preparam medicamentos que depois serão espalhados e transformados em alívio de dores, também na Igreja fechada se prepara, se destila, se transubstancia o pão, se sacraliza a pedra para ulterior distribuição visível ou invisível.
A mim me parece claro como água que atrás dessa "secularização" desejada pelos "novos padres" o que há é simplesmente uma falta de Fé e um jogo de orgulho, muito conhecido, para disfarçar a miséria infinita dessa falta de Fé. Digo isto pelos sinais exteriores, sem poder julgar os corações. Também pode ser que o fenômeno se explique cabalmente pelo assanhamento em que se acha mundialmente a tolice humana.
Mas agora vejo que não expliquei o título! Estou pensando no presbítero de Alexandre Herculano que também, por não poder casar-se, disse esta frase monumental: "Sabes tu, Hermengarda, o que é viver dez anos amarrado ao próprio cadáver?"
Parece-me que os novos presbíteros [=padres] também estão pouco satisfeitos como os próprios cadáveres.
27 - 7 - 1968
P.S.: Leiam, caríssimos leitores, o artigo de Leonardo Boff: "PAPA FRANCISCO: IGREJA EM SAÍDA DE ONDE PARA ONDE?' (25 / 06 / 2015). Vejam até onde os padres esquerdistas e progressistas conseguiram chegar!!! Nós que, pela graça de Deus conservamos a Sagrada Tradição, não podemos ficar calados.
Estes "eclesiásticos" só esperam ainda que o Papa Francisco os liberte oficialmente, de seus próprios cadáveres.
É claro que isso seria verdade se admitíssemos o princípio do imanentismo, pelo qual só pode simpatizar e viver as angústias dos doentes quem é doente como eles. Essa doutrina que nega a possibilidade do verdadeiro amor é um dos mais degradados efeitos do empirismo de nossa cultura, e leva diretamente ao materialismo, como, aliás, todo o democratismo de que se inspira o documento que examinamos.
Torno a dizer: nunca se disse tamanha injustiça contra a Igreja, contra os santos, contra vinte séculos de cristianismo. Estou pensando num São Vicente, que, na opinião dos padres signatários do manifesto, não soube viver entre as alegrias e angústias dos homens. Ele é que sabem. Como? Casando-se? Brincando com os jovens? Tomando parte em passeatas que reivindicam coisas sabidamente ditadas pelos inimigos da Igreja?
Estou pensando também numa Catarina de Sena que andou sempre pelas ruas da Itália. Estou pensando em São João Bosco, em São Paulo Apóstolo, em Santa Teresinha do Menino Jesus. Misturo as épocas, sobrepondo os séculos, e vejo sempre o grande sopro ardente de caridade. Incluí uma contemplativa na minha lista apressada, porque acredito na Comunhão dos Santos, a única forma perfeita de socialização.
Sim, creio na comunhão dos santos e na reversibilidade de méritos e deméritos que decorre do seu dinamismo. Assim como nos laboratórios fechados, defendidos do mundo por paredes e guardados, se preparam medicamentos que depois serão espalhados e transformados em alívio de dores, também na Igreja fechada se prepara, se destila, se transubstancia o pão, se sacraliza a pedra para ulterior distribuição visível ou invisível.
A mim me parece claro como água que atrás dessa "secularização" desejada pelos "novos padres" o que há é simplesmente uma falta de Fé e um jogo de orgulho, muito conhecido, para disfarçar a miséria infinita dessa falta de Fé. Digo isto pelos sinais exteriores, sem poder julgar os corações. Também pode ser que o fenômeno se explique cabalmente pelo assanhamento em que se acha mundialmente a tolice humana.
Mas agora vejo que não expliquei o título! Estou pensando no presbítero de Alexandre Herculano que também, por não poder casar-se, disse esta frase monumental: "Sabes tu, Hermengarda, o que é viver dez anos amarrado ao próprio cadáver?"
Parece-me que os novos presbíteros [=padres] também estão pouco satisfeitos como os próprios cadáveres.
27 - 7 - 1968
P.S.: Leiam, caríssimos leitores, o artigo de Leonardo Boff: "PAPA FRANCISCO: IGREJA EM SAÍDA DE ONDE PARA ONDE?' (25 / 06 / 2015). Vejam até onde os padres esquerdistas e progressistas conseguiram chegar!!! Nós que, pela graça de Deus conservamos a Sagrada Tradição, não podemos ficar calados.
Estes "eclesiásticos" só esperam ainda que o Papa Francisco os liberte oficialmente, de seus próprios cadáveres.
Nenhum comentário:
Postar um comentário