domingo, 17 de setembro de 2017

IMPEDIMENTOS DO ATO HUMANO


"Deus é fiel, o qual não permitirá que sejais tentados além do podem as vossas forças" (1 Cor. X, 13).

Impedimentos do ato humano são as causas que modificam de alguma maneira sua voluntariedade, influem diretamente: uns diretamente no entendimento (inteligência), como, por ex. a IGNORÂNCIA,  e aquelas coisas que a ela se equiparam como a INADVERTÊNCIA, o ESQUECIMENTO e o ERRO;  outras influenciam a própria vontade como a CONCUPISCÊNCIA e o MEDO; outras, finalmente, influem mais na execução da volição ao escolher e executar o que lhe é proposto, como é o caso da VIOLÊNCIA. Sendo o ATO HUMANO constituído de: conhecimento, volição (=vontade) e liberdade, conclui-se que tudo o que venha impedir de alguma maneira qualquer destes três elementos, modifica sua imputabilidade, seu mérito (para os atos em si bons) ou demérito (para os atos de si maus). Falaremos, então, da IGNORÂNCIA, da CONCUPISCÊNCIA e do MEDO; e da VIOLÊNCIA. Por falta de espaço, dividiremos estes assuntos em dois artigos: neste falaremos da IGNORÂNCIA e da CONCUPISCÊNCIA; no seguinte: do MEDO e da VIOLÊNCIA.

IGNORÂNCIA: Em Teologia define-se como: a falta de uma ciência (conhecimento) que moralmente se deveria ter. Esta a noção geral; mas, há várias espécies de ignorância e, explicando cada uma delas, ter-se-á uma compreensão total do que seja IGNORÂNCIA no sentido moral. 

Divisão de ignorância: 1º - POSITIVA:  enquanto é a carência de uma ciência devida, por ex.: o confessor que desconhece a Teologia Moral. NEGATIVA: enquanto é a carência de uma ciência não obrigatória, por ex.:  a ignorância do Direito Canônico para um rude camponês.

2º -IGNORÂNCIA DE DIREITO: enquanto diz respeito à existência, natureza, extensão e vigência da lei. IGNORÂNCIA DE FATO:  quando diz respeito à existência de fatos particulares. Na ignorância de fato, conhece-se a lei mas ignora-se alguma condição requerida (lugar, tempo etc.) para a aplicação da lei.

3º - IGNORÂNCIA VENCÍVEL : quando a ignorância pode muito bem ser desfeita com uma diligência razoável, dadas as condições reais ou pessoais. INVENCÍVEL: quando a pessoa não tem condição razoável para debelar a ignorância. A IGNORÂNCIA VENCÍVEL, se subdivide em: PURAMENTE VENCÍVEL: quando se pôs alguma diligência para sair dela, mas não o suficiente; CRASSA ou SUPINA: quando nenhum ou quase nenhum empenho foi empregado para depô-la. AFETADA, se a pessoa recusa de propósito os meios para averiguar a verdade (Faz-se questão de não conhecer a verdade, para não se ver obrigado a praticá-la, e, assim, poderíamos chamá-la de ignorância de má fé, porque, por ex., quer pecar mais livremente). A ignorância vencível é grave, se a obrigação de depô-la é grave; será levemente culpável, se a obrigação de depô-la é leve. Devemos observar que, à ignorância invencível equiparam-se o esquecimento total e a inadvertência plena. Mas, se o esquecimento e a inadvertência não são perfeitos, então se equivalem à ignorância vencível. 

4º - IGNORÂNCIA ANTECEDENTE: quando ela vem antes da negligência voluntária em indagar a verdade. IGNORÂNCIA POSTERIOR:  quando ela vem depois da negligência voluntária em indagar. A ignorância antecedente é inculpável; e a posterior é culpável.

Uma observação de Santo Afonso (n. 26 e segs): Deve-se fazer menção também da IGNORÂNCIA CONCOMITANTE, que se dá quando alguém ignora o que faz, mas ainda agiria, mesmo que não ignorasse, por ex.: se alguém matasse o seu inimigo julgando que fosse uma fera, no entanto, teria matado assim mesmo caso não ignorasse. Esta ignorância não influencia em nada no ato, mas  somente"per accidens" o cometeria.

A INFLUÊNCIA DA IGNORÂNCIA NO ATO HUMANO.

1º - A ignorância invencível, ainda que tenha por objeto o direito natural, impede totalmente a voluntariedade atinente ao ignorado; portanto, escusa de pecado, porém, não do efeito jurídico de nulidade do ato em leis anulatórias e inabilitantes.

2º - A ignorância vencível não tira o voluntário. Portanto, se não é uma ignorância afetada, o diminui proporcionalmente à dificuldade de dissipá-la. O ato proibido realizado com ignorância vencível é voluntário em causa. Esta ignorância tem uma malícia da mesma espécie moral que o ato ao qual se prevê que vai acontecer, e pelo qual está proibido permanecer nela. A ignorância vencível afetada, segundo diz Santo Tomás, não escusa de pecado nem no todo, nem em parte, mas, pelo contrário, até aumenta mais sua malícia. Na verdade, esta maior malícia parece que deve ser entendida como oriunda da maldade da vontade, enquanto positivamente negligencia conhecer a lei para mais livremente pecar (Cf. S. Thom. QQ. DD., q. 3 De Malo, art. 8). A maldade maior da ignorância vencível afetada também está no desprezo da lei. 

Vejamos algumas aplicações destes princípios: 1 - O marido que peca com uma mulher não sabendo por uma ignorância invencível que ela é irmã de sua esposa, é adúltero, porém não incestuoso.
2 -  O confessor, o médico, o juiz etc. que têm advertência de não ter a ciência necessária para o desempenho de suas profissões (funções) e que, podendo, não empregam os meios para adquiri-la são responsáveis pelos erros previstos de alguma maneira conforme a gravidade de sua negligência.
3 - A ignorância culpável do confessor fica suficientemente acusada pelo penitente ao confessar o ato pecaminoso a que deu lugar; e dele toma sua espécie moral, e com ele constitui uma culpa em concreto.
4 - Crianças que fizeram coisas ilícitas sem o menor peso de consciência ou suspeita de malícia, na verdade, não pecaram formalmente mas só materialmente, embora já tenham o uso da razão. Portanto, depois, quando ficam sabendo que aquelas coisas eram pecaminosas, não têm obrigação de confessá-las, porque pecados materiais não são matéria de confissão.
5 - Pecam gravissimamente os que recusam inteirar-se do que a Igreja ensina e manda, por desprezo absoluto de sua autoridade.

CONCUPISCÊNCIA: Aqui não se estuda a concupiscência no sentido explicado por S. Paulo em Romanos VII, 23, isto é, como aquele estímulo  para depravadas inclinações e que se radicam no apetite racional e sensível;"fomes peccati " (estímulo do pecado) ou "lei da carne"que temos dentro de nós mesmos em consequência do pecado original. Da ação da concupiscência que está dentro de nós, fala S, Tiago I, 15: "Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e alicia: depois a concupiscência quando conceber, dá à luz o pecado". Não é desta, torno a frisar, de que aqui e agora falamos.   Aqui emprega-se o termo CONCUPISCÊNCIA para significar "o movimento do apetite sensitivo, pelo qual tendemos para um bem sensível. Ou, segundo S. Tomás: "movimento  da força apetitiva sensível que vem da visão (imagem) do bem ou do mal".
A concupiscência no sentido aqui tomado, pode ser ANTECEDENTE ou CONSEQUENTE, segundo ela seja anterior ou posterior ao ato da vontade, influindo nele ou sendo sua consequência em ordem de causalidade.

INFLUXO DA CONCUPISCÊNCIA: 1º - A concupiscência antecedente sempre diminui, porém raras vezes tira o uso da razão; daí, quase nunca destrói totalmente a liberdade, nem por conseguinte o pecado; mas sempre o atenua, e às vezes de grave o faz leve. As más ações cometidas no fervor da paixão (=no ímpeto) são em geral voluntárias indiretamente.
2º - A concupiscência conseqüente quando redunda do ato da vontade, nem aumenta nem diminui o voluntário, porque o ato já está realizado; no entanto, como diz Santo Tomás,  indica a intensidade que teve. Quando, por ex. alguém dá uma esmola, esta será mais meritória se quem a deu fê-lo com maior compaixão. No sentido contrário, quem comete um ato impuro com uma libido maior, peca mais, porque, continua S. Tomás, é sinal que o movimento da vontade foi mais forte (De Malo, q. 3. a. 11).

CONSEQUÊNCIAS: 1. Quanto aos movimentos maus, a Teologia Moral distingue os movimentos assim: 1º -  PRIMO-PRIMI, isto é, quando vêm antes da advertência, e por conseguinte feitos sem qualquer deliberação (É o que vulgarmente se diz ÍMPETO). Estes não constituem nenhuma culpa moral diante de Deus. Pode haver alguma culpa em causa, quando, por ex. a pessoa tinha previsão que poderia ter tais movimentos (de cólera por ex.) e todas as vezes que teve advertência que deveria vigiar para se dominar não o fez, será culpado em causa,  porque indiretamente são voluntários.
2º - SEGUNDO-PRIMI: isto é, quando postos com semi-advertência e semi-plena deliberação. Neste caso, estes movimentos maus serão pecados leves.
3º - SEGUNDO-SEGUNDI: São os atos maus plenamente deliberados, e daí, em matéria grave são pecados mortais, e, em matéria leve, são pecados veniais.
Pelo que foi dito, vemos que há obrigação de resistir a tais movimentos maus da concupiscência. Como? Há a resistência negativa e a positiva. Vejamos como e quando devem ser usadas: a) A RESISTÊNCIA NEGATIVA (que consiste em abster-se de todo ato aprobatório ou reprovador), não basta nem quando alguém descobre que, sem se advertir, sua vontade havia dado seu consentimento espontâneo (não revogar, então, este consentimento equivaleria a aprová-lo deliberadamente;  também a resistência negativa não basta quando, sem um ato contrário, não se pode reprimir o consentimento no mal, ou alguma ação ou efeito externo ilícito. Esta resistência negativa bastaria  teoricamente nos demais casos, havendo causa para tolerar as tendências da concupiscência como por ex., nos impulsos da carne ou da imaginação, porque não haveria consentimento; porém, praticamente, ou haverá perigo próximo de consentir, e não afastá-lo será culpa grave ou leve segundo a matéria, ou pelo menos se dará certa desordem, cuja permissão será culpa leve.
b) A RESISTÊNCIA POSITIVA (que põe atos repressivos, externos (material) ou internos (espiritual) é sempre recomendável tanto indiretamente (p. ex. distraindo-se) como diretamente. E quando é necessária, basta a resistência espiritual e indireta. Ademais, muitas vezes é esta mais recomendável, o mesmo nos impulsos da carne como nos outros, como p. ex., impulsos de blasfêmia, ou contra a fé, a caridade, etc..

Uma última observação: A negligência ou tibieza em resistir aos maus movimentos (que não raras vezes é compatível com uma displicência verdadeira da vontade), será culpa leve. Quero observar ainda que da CONCUPISCÊNCIA, consequência do pecado original e que constitui um estímulo para as más inclinações e para o pecado, falaremos, se Deus quiser, quando tratarmos do PECADO. 

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