LEITURA ESPIRITUAL
Acautelemo-nos contra uma paixão, que pôde perverter um
Apóstolo, na escola, e à vista de Jesus Cristo, e lança na alma tão densas
trevas a ponto de poder levá-la ao desespero mesmo diante da própria
Misericórdia.
Vimos que toda paixão cega. Mas, talvez este efeito seja
mais espantoso na avareza. Vamos avaliar isto considerando seu triste efeito em
um Apóstolo, Judas Iscariotes. Quem, melhor do que Judas, devia conhecer o nada
das riquezas e a excelência da pobreza voluntária? E até podemos dizer que este
infeliz Apóstolo tinha mais oportunidade de ver que o dinheiro nos pode ajudar a ganhar o céu, quando o damos
aos pobres. Ele era encarregado exatamente desta missão de caridade. Mas, pelo
contrário, só pelo fato de estar lidando com o dinheiro, a ele se apegou. O
dinheiro que ele recolhia era justamente para a Igreja poder ajudar aos pobres.
Mas ele começou a se apegar, não combateu desde o início o vício da avareza. e
cresceu tanto que os remédios foram frustrados, embora concedidos pelo Médico
de nossas almas, Nosso Senhor Jesus Cristo. Confesso que prego contra a
avareza, só porque Jesus Cristo pregou, mas, no fundo, acho que perco tempo,
pelo menos em relação àqueles que já são dominados por este terrível vício.É
óbvio, que, se pela pregação conseguir pela graça de Deus que muitos não venham
cair neste precipício infernal, já seria razão suficiente para não só não
deixar de pregar, mas um incentivo para pregar muito sobre este assunto. Os corações dos avarentos são um terreno
coberto de espinhos. Se não riem do pregador abertamente, por dentro não deixam
de zombar. Estão sufocados pelos espinhos da avareza. Voltemos ao lúgubre
exemplo de Judas.
Judas Iscariotes tinha ouvido os divinos ensinamentos de
Jesus Cristo, a respeito do desapego dos bens da terra: "Bem-aventurados
os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus" (S. Mateus, V, 3;
tinha ouvido os anátemas que fulminou
contra os ricos: "Ai de vós, ó ricos! porque tendes a vossa consolação [neste mundo]; e também: "Jesus vendo esta tristeza [do moço rico a
quem Jesus exigiu que deixasse tudo para O seguir] disse: Quanto é difícil que
aqueles que têm riquezas entrem no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo
[corda grossa de segurar navio] pelo orifício de uma agulha, do que entrar um
rico no reino de Deus" (S. Lucas, XVIII, 24 e 25). Judas, outrossim,
ouviu muitas vezes, as instantes recomendações que fizera aos seus Apóstolos e
a ele mesmo, mandando-os anunciar o seu Evangelho(Cf. S. Marcos VI, 8). Tinha
experimentado, assim como os demais Apóstolos, como o Céu abençoa o ministério
dos pobres. Quando a sua paixão desatou em murmurações contra Madalena: "Por que [este desperdício]se não
vendeu este bálsamo por trezentos
dinheiros e se não deu aos pobres? Disse isto, não porque se importasse com os
pobres, mas porque era ladrão, e, tendo a bolsa, roubava o que se lançava
nela"(S João XII, 4-6); então Jesus louva a piedosa prodigalidade
desta mulher, e profetiza que esta ação a honrará aos olhos de todo o mundo.
Jesus ensinava assim que o dinheiro também ajuda a levar para o céu aqueles que
o dão à Igreja para o culto de Deus. Mas Judas estava cego.
Mas, caríssimos, o exemplo do Salvador devia convencer o
Iscariotes melhor que tudo o mais. Ele acreditava na sua divindade: tantas eram
as provas que disso lhe tinha dado! Não ignorava que tudo o que Deus despreza,
é desprezível, e o que Ele estima, estimável.
Ora, ele tinha diante dos olhos o Senhor dos universo, que não possuía
nada, e nada queria possuir. E Judas com todas estas luzes não vê!
Ainda mais: o amor do dinheiro cega-o, a ponto de lhe fazer
esquecer os interesses da sua mesma cobiça; pois, conhecendo a sanha dos
inimigos de Jesus, podia explorar-lhes o ódio e vender por alto preço uma
vingança que para eles nunca seria demasiadamente cara. Nada disto faz; é o que
eles quiserem dar: "Quanto vocês me
querem dar?" Contenta-se com trinta dinheiros, ele que pouco antes
lamentava tanto ter perdido mais trezentos. Oh! que delírio, oh! que monstruosa
cegueira! exclama São João Crisóstomo. Mas terá ela melhor explicação hoje?
Bossuet observa que Jesus Cristo não diz: Cuidado com a
avareza; mas sim: "Guardai-vos e
acautelai-vos de TODA a avareza, porque a vida de cada um, ainda que esteja na
abundância, não depende dos bens que possui" (S. Lucas XII, 15).
Caríssimos, o amor do dinheiro endurece o coração e torna-o
capaz dos maiores crimes. Apenas Judas se deixou dominar pelo espírito de
interesse, tornou-se insensível a tudo: já não tem amor senão ao dinheiro. Os
esforços do Salvador para o atemorizar e comover, são inúteis. Se fala da sua
morte próxima, e da traição de um dos seus discípulos, todos os outros se
entristecem, só Judas fica impassível. Se Judas pensava que Jesus poderia mais
uma vez se escapar da morte, e assim ganharia as trinta moedas e continuaria
junto do seu Mestre, Jesus desfaz este sofisma satânico, predizendo que era
chegada a hora de ser entregue aos
inimigos e vai ser morto,; mas, como já dissemos, esta paixão, talvez mais do
que as outras, cega o infeliz por ela dominado. Só acorda quando vê que Jesus
realmente ficou preso e era conduzido pelos inimigos. Mas, em lugar de pedir
perdão a Jesus, que o chamara de amigo no momento mesmo do beijo traidor, não!
se desespera. e se suicida.
Jesus havia se abatido para lavar os pés dos Apóstolos.
Pedro não pode consenti-lo, e exclama:
"Senhor tu, lavares-me os pés? (S. João XIII, 6). Mas, Judas mostra-se
indiferente e apresenta-lhe os pés. No Jardim das Oliveiras vê milagres: homens
armados caindo ao som de uma palavra, e uma ferida curada repentinamente; vê a
inefável bondade de seu Mestre que se inclina para receber o seu pérfido
ósculo, e que ainda o trata de amigo! Nada o comove. Advertências, repreensões,
ameaças, lágrimas, carícias, insinuações ternas e delicadas, Jesus emprega
todos os meios para o ganhar; mas em vão; a sua alma materializada resiste a
tudo; a sua avareza impele-o ao mais feio, ao mais sacrílego de todos os
atentados. "Quanto quereis me dar, e
eu vo-lo entregarei? Deus vítima da avareza! O Criador do mundo posto à
venda, pois, há aqui um verdadeiro contrato: Jesus de um lado: eis, se é lícito
dizê-lo, a mercadoria proposta; trinta dinheiros, eis o preço; Judas
negociante, compradores os príncipes dos sacerdotes; Deus o vendido! A comunhão
sacrílega e a desesperação virão completar estes horrores! Judas se suicida
enforcando-se, e, como castigo visível de Deus, parte-se ao meio e suas
vísceras se derramam pelo chão. Como não temer esta paixão, como não procurar
dar esmolas aos pobres, como não pedir todos os dias a graça do desprendimento
dos bens desta terra?!
E há ainda algo a mais neste vício que o torna ainda mais
temível. É que a idade enfraquece as outras paixões, mas esta a idade
fortalece. O avarento que viver muito para continuar procurando ter sempre
mais. Quanto mais vive, mas quer juntar dinheiro. E quanto mais junta dinheiro,
mais quer viver. No fundo sabe, que o ladrão da morte, roubar-lhe-á tudo.
Procura não pensar nisso. Mas a graça de Deus por vezes o acorda. Mas ele abafa
esta voz, abafa a consciência e procura abafar até a própria realidade.
Terminemos com a oração inspirada pelo Espírito Santo:
"Inclina, Senhor, o meu coração para
os teus preceitos, e não para a avareza" (Salmo 118, 36). Amém!
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