"Aquele que come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna,
e eu o ressuscitarei no último dia" (S. João VI, 55).
"Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice,
anunciareis a morte do Senhor até que ele venha" (1 Cor. XI, 26).
"Visto que há um só pão, nós, embora muitos, formamos um só corpo,
nós todos que participamos de um mesmo pão" (1 Cor. X, 17).
A esperança
13. Eis aqui outro efeito deste sacramento: ele fortifica
maravilhosamente assim a esperança dos bens imortais como a confiança no
socorro divino. De feito, o desejo da felicidade, natural a todas as almas e
inato nelas, é cada vez mais aguçado pela falsidade dos bens terrenos, pelas
injustas violências de homens infames, enfim por todas as outras dores físicas
e morais. Ora, o augusto sacramento da Eucaristia é ao mesmo tempo a causa e o
penhor da felicidade e da glória, não para a alma somente, mas também para o
corpo. Porquanto, enriquecendo as almas da abundância dos bens celestes, eles
as inundam de alegrias dulcíssimas bem superiores aos que os homens imaginam e
esperam: ampara-os na adversidade, dá-lhes forças no combate pela virtude,
guarda-os para a vida eterna, e a ela os conduz fornecendo-lhes de alguma sorte
os víveres necessários à viagem. Quanto ao corpo frágil e sem força, essa divina
Hóstia comunica-lhe o germe da ressurreição futura: o corpo imortal de Cristo
infunde-lhe uma semente de imortalidade que, um dia, germinará e dará seus
frutos. Que esta dupla sorte de bens deva daí resultar para a alma e para o
corpo, sempre o ensinou a Igreja, conformemente à afirmação de Cristo: "Aquele que come minha carne e bebe meu
sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia (Jo VI, 55).
A penitência
14. O nosso assunto leva-nos a considerar, e é isto para nós
de grande interesse, que a Eucaristia, instituída por Nosso Senhor como um
memorial eterno da sua paixão, demonstra ao cristão a necessidade de emendar-se
eficazmente (S. Tomás de Aquino, Opusc. LVIII, Ofício da festa do SS.
Sacramento). Jesus disse, efetivamente, aos seus primeiros sacerdotes: Fazei isto em memória de mim (S. Lucas,
XXII, 19); quer dizer, fazei-o para recordar minhas dores, minhas amarguras,
minhas angústias, minha morte na cruz. É por isso que este sacramento - e esse
sacrifício - é uma exortação constante a fazer penitência
em todo tempo, e a suportar os maiores sofrimentos; é também uma grave e severa
condenação desses prazeres que homens sem pudor tanto gabam e exaltam: Todas as vezes que comerdes este pão e
beberdes este cálice, anunciareis a morte do Senhor até que ele venha (1
Cor XI, 26).
A caridade do próximo
15. Além disso, se investigarmos seriamente as causas dos
males presentes, veremos que eles decorrem de haver a caridade dos homens entre
si esmorecido ao mesmo tempo que se lhes arrefecia o amor a Deus. Eles se
esqueceram de que são filhos de Deus e irmãos em Jesus Cristo; não se preocupam
senão com seus interesses pessoais; quanto aos negócios alheios, não somente os
descuram, mas não raras vezes os atacam e deles se apossam. Daí, entre as
diversas classes de cidadãos, distúrbios e frequentes conflitos: a arrogância,
a dureza e as fraudes, entre os poderosos; entre os pequenos, a miséria, a
invejas e as divisões. Debalde se procura remediar esses males por leis
previdentes pelo temor do castigo e pelos conselhos da prudência humana. Como
já mais de uma vez e mais detidamente lembramos, é preciso preocupar-se e
esforçar-se por obter que, por uma permuta de bons ofícios, as diversas classes
de cidadãos contraiam entre si uma união de que Deus seja o princípio, e que
produza obras conformes ao espírito
fraterno e à caridade de Jesus Cristo. Trouxe Cristo à terra essa virtude e
quis que todos os corações sejam abrasados dela, a única capaz de proporcionar,
mesmo para a vida presente, um pouco de felicidade assim para a alma como para
o corpo: por ela, com efeito, o amor imoderado de si é refreado no homem; por ela é reprimido o desejo ardente das
riquezas, que é a raiz de todos os males (1Tim VI, 10). Se bem que, em verdade,
se devam fazer observar todas as prescrições da justiça nas relações das
diversas classes de cidadãos, todavia é principalmente com o socorro e os
temperamentos da caridade que se poderá enfim obter a realização e a mantença,
na sociedade humana, dessa igualdade aconselhada por São Paulo (2 Cor. VIII,
14).
16. Instituindo esse augusto sacramento, Cristo quis excitar
o amor a Deus e, por esse mesmo fato, reaquecer o afeto mútuo entre os homens.
Evidente é, com efeito, que este deriva naturalmente daquele, e que dele decorre
como que espontaneamente. É impossível que ele venha a faltar no quer que seja;
muito mais, ele será necessariamente ardente e vigoroso se os homens
considerarem seriamente nesse sacramento o amor de Cristo a eles: aí, o poder e
a sabedoria de Cristo manifestam-se com esplendor, e as riquezas do seu divino
amor aos homens aí são como que derramadas (Conc. Trid. ss. XIII. De Euchar.,
cap. II). À vista do exemplo insigne de Cristo prodigalizando-nos todos os seus
bens, quanto não devemos nós amar-nos e ajudar-nos mutuamente, nós que estamos
unidos por laços fraternos cada dia mais estreitos! Acrescentemos que os sinais
constitutivos desse sacramento são, por sua vez incitamentos muito apropriados
a essa união. A este respeito, S. Cipriano escreve: Enfim, os próprios sacrifícios do Senhor afirmam a universal união dos
cristãos entre si por uma caridade firme e indissolúvel. Com efeito, quando o
Senhor chama "seu corpo" ao pão formado por um conjunto de grãos,
indica a união do nosso povo; e quando chama "seu sangue" ao vinho
espremido desses milhares de cachos ou bagos de uva e formando uma só
quantidade líquida, designa também o nosso rebanho formado pelo mistura de uma
multidão de homens reunidos (Ep. 69, ad Magnum, n. 5). Do mesmo modo,
nestes termos reproduz o Doutor angélico o pensamento de Agostinho (Trat. XXVI,
in Joan., n. 13, 17): Nosso Senhor
confiou seu corpo e seu sangue a essas substâncias que são formadas de
múltiplos elementos reduzidos a um só corpo; primeiramente é o pão, composto de
numerosos grãos reunidos; e em seguida é o vinho, proveniente de bagas
inúmeras; e é por isso que Agostinho diz noutro lugar: Ó sacramento de piedade,
ó sinal de unidade, ó vínculo de caridade! (Sum. Theol., III p., q. 79).
17. Essa doutrina é confirmada pelo Concílio de Trento, que
ensina haver Cristo deixado à Igreja a Eucaristia "como o símbolo da sua unidade, e da caridade pela qual Ele quis
que todos os cristãos fossem unidos e ligados entre si...; o símbolo desse
corpo único de que Ele foi a cabeça, e ao qual quis que estejamos intimamente
presos, como membros, pelos laços estreitíssimos da fé, da esperança e da
caridade" (Sessão XIII, De Euchar., c. II). É também o que São Paulo
ensinara: Por sermos um só pão, um só
corpo, apesar do número, nós todos, que participamos de um só pão (1 Cor X,
17). E, certamente, belíssimo e dulcíssimo exemplo de fraternidade cristã e de
igualdade social é ver se comprimirem indistintamente em torno dos altares o
patrício e o homem do povo, o rico e o pobre, o sábio e o ignorante,
participando todos igualmente do mesmo banquete celeste. E se, merecidamente,
nos anais dos seus primórdios, cabe à Igreja uma glória especial de que a multidão dos crentes não tivesse senão um
só coração e uma só alma (Atos IV, 32), não há dúvida alguma de que esse
resultado tão precioso era devido à frequentação da mesa divina. Lemos, com
efeito, a respeito dos primeiros cristãos: Eles
perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão da fração do pão (Atos
II, 42).
(Da Encíclica
"MIRAE CARITATIS" de Leão XIII
Sobre a Santíssima Eucaristia).
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