"O Senhor instituiu um memorial das suas maravilhas, ele que é
misericordioso e compassivo. Deu alimento aos que o temem" (Salmo 110, 4 e 5).
A fé
10. Graças a esse sacramento excelentíssimo, onde aparece
sobretudo como os homens são elevados à natureza divina, podem estes fazer os
maiores progressos em todas as virtudes da ordem sobrenatural. E primeiramente
a fé. Em todos os tempos a fé tem tido os seus adversários: porquanto, se bem
que ela eleve o espírito humano pelo conhecimento das verdades mais sublimes,
todavia, como mantém oculta a natureza dessas verdades que ela mostra como
excedendo a natureza, por isso mesmo parece rebaixar os espíritos. Outrora
atacava-se ora tal dogma de fé, ora tal outro; mais tarde, essa guerra estendeu
a muito mais longe as suas devastações, e, na hora presente, chegou-se afirmar
que absolutamente não existe nada de sobrenatural. Ora, nada mais apto a
reconduzir aos espíritos o vigor e o fervor da fé que o mistério eucarístico,
propriamente chamado o mistério de fé:
por uma especial abundância e variedade de milagres, ele sozinho contém tudo o
que está acima da natureza: O Senhor
clemente e misericordioso perpetuou a lembrança de suas maravilhas: deu um
alimento aos que o temem (Salmo 110, 4 e 5). Realmente, se Deus fez tudo o
que está acima da natureza, referiu-o à Encarnação do Verbo, pela qual devia
operar-se a restauração e a salvação do gênero humano, consoante a palavra do
Apóstolo: Ele se propôs... restaurar em
Cristo tudo o que está no céu e tudo o que está na terra (Efésios I, 9 e 10).
11. No testemunho dos santos Padres, a Eucaristia deve ser
considerada como uma continuação e uma extensão da Encarnação; por ela, a
substância do Verbo encarnado é ainda a cada um dos homens, e o supremo
sacrifício do Calvário é renovado de maneira admirável, segundo esta profecia
de Malaquias: Em todo lugar é sacrificada
e oferecida ao meu nome, uma oblação pura (Malaquias I, 11). Esse milagre,
o maior de todos no seu gênero, é acompanhado de milagres inúmeros. Aqui todas
as leis da natureza são suspensas: toda a substância do pão e do vinho é
convertida no Corpo e no Sangue de Cristo; as espécies do pão e do vinho, não
contendo realidade alguma, são sustentadas pelo poder divino; o corpo de Cristo
acha-se presente simultaneamente em tantos lugares quantos lugares houver onde
o sacramento se cumpre simultaneamente. E, para obter da razão humana uma maior
submissão a respeito de tão grande mistério, milagres realizados outrora e em
nossos dias, e de que em mais de um lugar existem testemunhos públicos, lhe
vêm, por assim dizer, em auxílio, e contribuem para a glória da Eucaristia.
Esse sacramento, pois, como vemos, alimenta a fé, nutre o espírito, destrói os
sistemas dos racionalistas, e mostra-nos sobretudo os esplendores da ordem
sobrenatural.
Refreia as paixões
12. Não obstante, o enfraquecimento da fé nas verdades
divinas não é unicamente obra do orgulho de que falamos mais acima; é devido
também à depravação do coração. Porquanto, se é um fato de experiência que,
quanto melhores os costumes de um homem, tanto mais viva também a sua
inteligência, em compensação os prazeres da carne embotam os espíritos:
reconheceu-o a prudência pagã e predisse-o a sabedoria divina (Sab. I, 4). Mas
é sobretudo na ordem das coisas divinas que as volúpias carnais obscurecem a
luz da fé, e mesmo, por uma justa reprovação de Deus, a extinguem. Em nossos
dias, o desejo insaciável desses prazeres da carne [ndr: que diria hoje Leão
XIII?!] incendeia todos os homens, que
mesmo desde a mais tenra juventude, sentem os efeitos desse contágio mórbido. O
remédio para um mal tão horrendo acha-se na Eucaristia. O seu primeiro efeito
é, aumentando a caridade, reprimir a paixão. Santo Agostinho diz, com efeito: O alimento desta (da caridade) é o enfraquecimento da paixão, e a sua
perfeição é ausência da paixão(De diversis quaestionibus LXX XII, quaest. XXXVI). Além disso, como o
ensinou S. Cirilo de Alexandria, a carne castíssima de Jesus comprime a
insolência da nossa carne: Realmente, o
Cristo existente em nós aplaca a lei da carne que impera nos nossos membros (Liv.
IV, c. II, sobre S. João, VI, 57). Bem mais, o fruto todo particular e
dulcíssimo da Eucaristia é Aquele que esta profecia significava: Que há de bom n'Ele (em Cristo), e que há de
belo, se não é o trigo dos eleitos e o vinho que faz germinar as virgens? (Zac.
IX, 17); quer dizer, esse desejo forte e constante da santa virgindade,
que, mesmo num século imerso nas delícias, floresce na Igreja Católica sobre
uma extensão de dia para dia mais vasta e com abundância sempre crescente. Em toda
parte, bem se sabe, é ele uma fonte de progresso e de glória para a religião e
para a sociedade.
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