segunda-feira, 27 de julho de 2020

TIBIEZA



      Primeiramente, que é tibieza? "É uma espécie de relaxamento espiritual, diz Tanquerey, que amortece as energias da vontade, inspira horror ao esforço e conduz assim ao afrouxamento da vida cristã. É uma espécie de languidez ou torpor, que não é ainda a morte, mas que a ela conduz, sem se dar por isso, enfraquecendo gradualmente as nossas forças morais". Dificilmente acontece isto com os neo-convertidos e com os que já chegaram a uma união maior com Deus. Manifesta-se, sobretudo em almas que estão em progresso na vida espiritual, isto é, na via iluminativa. São, geralmente, almas piedosas e até fervorosas, que, tendo deixado o pecado, não vigiaram o suficiente para arrancar do coração os apegos a coisas mais leves, mas que, na verdade são afeições ainda remanentes dos seus pecados passados. Eis o que a este respeito diz S. Francisco de Sales: "Filotéia, uma vez que aspiras sinceramente à devoção, não só deves deixar o pecado, mas é também necessário que teu coração se purifique de todos os afetos que lhe foram as causas e são presentemente as consequências; pois, além de constituírem um contínuo perigo de recaídas, enfraqueceriam a tua alma e te abateriam o espírito... Essas almas, que, tendo deixado o pecado, são tão tíbias e vagarosas no serviço de Deus, assemelham-se a pessoas que têm uma cor pálida; não é que estão verdadeiramente doentes, mas bem se pode dizer que seu aspecto, seus gestos e todas as suas ações estão doentes. Comem sem apetite, riem sem alegria, dormem sem repouso e mais se arrastam do que andam. Deste modo aquelas almas, em seus exercícios espirituais, que nem são numerosos nem de grande mérito, praticam o bem com tanto dissabor e constrangimento que perdem o brilho e graça que o fervor dá às obras de piedade" (Filotéia, parte I, c. VII).

   Apresento algumas comparações para que se possa compreender bem em que consiste este grande empecilho na vida espiritual. Comparemos a tibieza a uma tuberculose pulmonar. A pessoa acometida desta doença, vai-se definhando aos poucos. Assim faz a tibieza na alma que era fervorosa.  A tibieza pode ser comparada à rêmora. É um peixe marítimo relativamente pequeno  e munido  de uma espécie de ventosa em cima da cabeça, que o prende no casco de embarcações, estorvando-as, quando em cardume. Assim, a tibieza, pelos muitos pecados veniais, impede que a barquinha de nossa alma prossiga em demanda do porto da vida eterna.

   Comparemos a vida espiritual a água num vasilha que é levada ao fogo. Dois fatores fazem esta água esquentar e logo ferver: o fogo bem forte, bem atiçado e a tampa da vasilha hermeticamente fechada. Se houver um descuido com uma destas duas coisas e, mais ainda, com as duas, a água pára de ferver, e chega a um ponto que fica morna, isto é, nem quente e nem fria. Assim, comparando: O fogo que esquenta a alma é o amor de Deus. Este fogo é intensificado pelos exercícios de piedade bem feitos: meditação, leituras espirituais, oração da manhã e da noite, exercício da presença de Deus pelas orações jaculatórias, o santo Terço, o cumprimento fiel dos deveres de estado etc. A tampa bem fechada é o recolhimento. Pois bem, se a alma fervorosa descuida destas duas coisas, forçosamente mas aos poucos, vai perdendo o fervor do amor de Deus. Comete muitos pecados veniais exatamente em fazer por rotina e negligência, estas coisas que a colocariam sempre em maior comunhão com Deus, a fonte da vida sobrenatural. As forças e as luzes que vinham do divino Espírito Santo vão diminuindo. A alma torna-se morna na sua vida, porque ou não põe a lenha destes exercícios, ou põe lenha verde ou podre. Quer dizer, entrega-se voluntariamente às distrações nas orações; e está também dissipada pelas as coisas do mundo. E nunca até hoje, foi tão grande o perigo da dissipação pela TV, celular e Internet. O cuidado hoje contra a tibieza deve ser triplicado. Sobretudo, deve-se ter muito cuidado para não criar um fanatismo por jogos e notícias. Aqui estamos falando de pecados veniais. Mas diz a Sagrada Escritura que se a gente desprezar as coisas pequenas, aos poucos se cai nas grandes. A pessoa perde um tempo que poderia ser empregado no estudo do Terceiro Catecismo, em leituras espirituais, e mesmo em mais orações. Além disso se indispõe para os raros momentos que ainda sobram para conhecer melhor as verdades da fé, e para fazer suas poucas orações. Não queremos dizer que não sejam legítimos e até necessários alguns recreios honestos, mas quando muito demorados são contraproducentes. Em lugar de descansar o espírito, cansa-o, indispondo-o para a boa leitura e para a oração.

   O que a Sagrada Escritura diz da tibieza é realmente assustador: "Conheço as tuas obras (diz Deus ao bispo de Laodicéia), que não és nem frio nem quente; oxalá foras frio ou quente; mas, porque és morno, nem frio nem quente, começar-te-ei a vomitar da  minha boca. Tu dizes: sou rico, e enriqueci-me, e não conheces que és um coitado e um miserável e pobre e cego e nu" (Apoc. III, 15 - 17). Na verdade, a tibieza como que causa náuseas ao próprio Deus, porque envolve ingratidão e fraude para com Ele:"Maldito o homem que faz a  obra de Deus fraudulentamente" ( Jeremias XLVIII, 10). Além disso, é muito difícil o tíbio se converter.  A alma que estava na altura do fervor e cai de repente num pecado mortal (como aconteceu com Simão Pedro) leva um grande susto e logo procura se reerguer. Quando vai descendo aos poucos por uma ladeira escorregadia (a tibieza), termina chegando em baixo sem perceber, isto é, relaxa a consciência.

Uma barca tem que estar sempre impulsionada pelos remos. Parando estes, ela é levada pela correnteza. Um fogo deve ser sempre atiçado, do contrário, termina se apagando. Vejamos os remédios da tibieza:
·         São receitados pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo: "Aconselho-te que me compres ouro acrisolado no fogo, para te enriqueceres (o ouro da caridade e do fervor), e roupas brancas, para te vestires e não aparecer a vergonha da tua nudez (pureza de consciência), e um colírio para os teus olhos, para poderes ver (a franqueza consigo mesmo e com o próprio confessor). Porque aqueles que eu amo, repreendo-os e corrijo-os; arma-te, pois, de zelo e faz penitência. Eis que eu estou de pé à porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo" (Apoc. III, 18-20). NB.: É continuação do texto anterior supra citado do Apocalipse, mas os parênteses são do teólogo Tanquerey.

·         Para muitas almas que caíram na tibieza, a melhor farmácia para se adquirir os remédios indicados pelo próprio Jesus, é um retiro espiritual.

·         Para os que não podem ir a esta farmácia, receito-lhes alguns remédios caseiros: 1º - Esforçar-se em casa mesmo, para meditar sobre os novíssimos; 2º - Diminuir, o quanto for possível, o acúmulo de afazeres cotidianos. Alma querida que quer voltar a ser fervorosa, eis o meu conselho: se não puderes cumprir bem todos os teus deveres, por serem demais, desista de alguns; 3º - Por amor a Jesus, deixe de lado por algum tempo o seu celular, sua Internet e a TV (caso infelizmente a tenha) e você vai verificar como sua vida espiritual vai voltar a ser fervorosa. E compreenderás que vai ser necessário arrancar estes olhos para poderes entrar no reino do Céu.

·         Segundo o teu estado de vida, procure guardar ao máximo o silêncio, sem é claro, faltar com a caridade para com o próximo, sem singularidade. No mínimo, falar menos. Tenho certeza que você nunca irá se arrepender de o ter feito.

·         Não deixar os exercícios espirituais que fazia antes da tibieza chegar. E isto mesmo em meio a aridez e distrações que persistirão no início do tratamento. Isto é normal como acontece com os efeitos colaterais de certos remédios.

·         Procurar adquirir o hábito de pequenas mortificações exteriores, como aquela supra recomendada: aposentar o celular e a internet. Depois, à sua hora, virão as mortificações interiores. Afastastes-vos de Deus, cedendo às inclinações da natureza; aproximai-vos d'Ele, reprimindo-as.

   Mas, caríssimos, não esqueçamos que para conseguirmos todos os remédios da tibieza, só há uma moeda aceita no banco de Deus: a ORAÇÃO. E primeiro, a oração pedindo a graça de a fazer bem: "Senhor, ensinai-nos a orar" (S. Luc. XI, 1). Orai, portanto, por mais aborrecimento que vos cause a oração e apesar da sua aparente inutilidade: humilhai-vos diante de Deus. Ele quer a vossa cura, mas quer que a peçais. Amém!
  

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