segunda-feira, 20 de julho de 2020

MANSÃO DOS MORTOS


Perguntaram-me sobre a mudança que, há alguns anos, foi feita na tradução do Credo. A palavra "INFERNOS" foi trocada por "MANSÃO DOS MORTOS".
No Pai-Nosso, houve a mudança de "DÍVIDAS" para "OFENSAS". Sobre isto já postei um artigo e lá demonstro pelas Sagradas Escrituras, que esta mudança não oferece nenhum problema, pois os Evangelistas S. Mateus (VI, 12) e S. Lucas XI, 4) empregaram respectivamente DÍVIDAS (em latim "debita") e "OFENSAS" (em latim "peccata"). Assim sendo, alguns países adotaram ora uma, ora outra tradução. Em Portugal  sempre se empregou a palavra "OFENSAS"; já na Itália foi sempre traduzido segundo S. Mateus, isto é, "DÍVIDAS" (Ital. "DEBITI). E no Brasil fora traduzido por "DÍVIDAS" como na Itália, e só há algumas décadas passou-se a adotar a tradução portuguesa. Fico pensando em Santo Antônio de Pádua que era português (nasceu em Lisboa), e passou a maior parte de sua vida em Itália, onde morreu (Pádua). No tempo que esteve em Portugal, rezava "perdoai nossas ofensas" e depois em Itália passou a rezar "perdoai nossas dívidas". S. José de Anchieta, quando estava em Portugal rezava "perdoai nossas ofensas"; quando veio para o Brasil, rezava "perdoai nossas dívidas". Tenho certeza que o fizeram sem a mínima dificuldade, já que a Sagrada Escritura emprega as duas palavras. Atualmente acho que a mudança até  faz sentido porque a palavra "dívida" passou a ter um sentido muito mais monetário. Mas quem reza "dívidas", pensa em "ofensas". S. Mateus escreveu eu aramaico, e neste idioma, DÍVIDA quer dizer OFENSA ou PECADO.

Agora, a mudança feita no Credo, de "INFERNOS" por "MANSÃO DOS MORTOS", é bem questionável.

Não resta dúvida que também aqui seria compreensível uma mudança, já que o palavra "infernos" evocava a palavra "inferno", lugar dos condenados, embora a tradução "Infernos" seja correta porque corresponde exatamente a palavra original hebraica SHEOL, e em grego HADES. Devemos notar, no entanto, que é INFERNOS (no plural) e não INFERNO (no singular).
SHEOL  (em hebraico); HADES (em grego); INFERNA ou INFERI (em latim) significam LUGARES INFERIORES. Quais são esses lugares inferiores? São: Inferno, lugar dos condenados; Purgatório, onde estão as almas se purificando para depois irem para o Céu; e Limbo dos Justos, onde estiveram as almas dos justos até a Ascensão de Jesus aos céus. Isto porque o Céu, a partir do pecado de nossos primeiros pais, estava fechado. Jesus Cristo. o Salvador, sofreu, morreu e ressuscitou, e justamente no dia que subiu aos Céus, levou consigo todos os justos que morreram antes d'Ele, justos estes que estavam num espécie de cárcere (I S. Ped. III, 19). E S. Paulo diz: "Tendo subido ao alto levou cativo o cativeiro" (Efésios IV, 8).

É sobre este último lugar inferior que falaremos a seguir.

Os Apóstolos disseram em seu Símbolo (=Credo que rezamos antes do Terço) sobre Jesus Cristo: foi sepultado (no 4º artigo); e no 5º artigo diz: desceu aos lugares inferiores (Infernos, Scheol, Hades). São duas coisas bem diferentes, porque a expressão foi sepultado, refere-se ao corpo de Jesus; e quando diz: desceu aos infernos, refere-se a alma. Assim, qualquer tradução da palavra Scheol que não distinga bem estas duas coisas, não é uma boa tradução. E a tradução "MANSÃO DOS MORTOS", justamente confunde estas  duas coisas. Se tivessem traduzido por MORADA já não seria a tradução ideal, porque morada dos mortos, todo mundo entende que é o cemitério, ou, como no caso de Jesus, o sepulcro. MANSÃO, pior ainda, porque significa morada luxuosa de grande extensão. Não creio que um lugar de espera por tanto tempo, seja considerada lugar de luxo. Por isso é que S. Pedro chama este lugar, onde estiveram as almas dos justos, de CÁRCERE. Tornou-se, sim, o próprio Paraíso, quando lá entrou a alma de Jesus e ali ficou desde Sua morte até Sua Ressurreição. Por isso mesmo que Jesus, momentos antes de morrer na cruz, disse a Dimas, o bom ladrão: "HOJE mesmo estarás comigo no PARAÍSO" (S. Luc. XXIII, 43).   
   
Caríssimos, então, qual seria a melhor tradução? O Catecismo da Igreja Católica (CIC) no nº  633, neste particular, cita o Catecismo Romano: "São precisamente essas almas santas, que esperavam seu Libertador [Salvador] no Seio de Abraão, que Jesus libertou ao descer aos Infernos" (CRO, Parte I,  c. 6, nº 3, c). SEIO DE ABRAÃO é uma expressão usada pelo próprio Jesus na parábola do pobre Lázaro e do rico avarento (S. Luc. XVI, 22). Os teólogos modernos não querem traduzir Scheol por SEIO DE ABRAÃO porque dizem que esta expressão de Jesus refere-se ao estado de paz e segurança que é o Paraíso. Na verdade, a alma do Patriarca Abraão estava no Scheol, porque Jesus ainda não havia morrido, ressuscitado e subido ao Céu. Santo Tomás de Aquino, escreveu em latim e traduz por LIMBUS PATRUM=  LIMBO DOS PAIS (dos Patriarcas e demais justos do AT).

Limbo quer dizer ORLA; porque os antigos pensavam assim: o inferno dos condenados estaria no centro da terra, logo depois em torno dele, vinha uma orla, que seria o Purgatório, e a seguir uma outra orla, onde justamente estariam as almas dos justos, até a Ascensão de Jesus; finalmente uma outra orla, que seria o Limbo das almas das crianças mortas sem o batismo. A Igreja nunca definiu nada a este respeito. A Teologia pós conciliar, só fala em ESTADO e não fala em LUGAR. A Bíblia tanto fala dos LUGARES INFERIORES (SCHEOL) como também dos LUGARES SUPERIORES (CÉUS), mas não determina os sítios dos lugares inferiores, nem, dentre os superiores, do mais alto que é o Paraíso. Obviamente, quem vai para os lugares inferiores, a Bíblia diz que DESCEU; quem vai para os lugares superiores diz que SUBIU, ELEVOU-SE (Jesus na Ascensão) ou FOI ELEVADO (Nossa Senhora na Assunção). S. Paulo diz que foi elevado ao terceiro Céu, o que significa que atravessou o céu atmosférico (onde se formam as nuvens), passou pelo céu do firmamento (onde estão os astros) e chegou ao Céu dos Céus, isto é, ao Paraíso, que é o mais alto de todos, onde está Deus (o Nosso Pai que está no Céu). A Bíblia diz que o profeta Elias foi arrebatado vivo ao céu; diz também que voltará no fim do mundo e que só então será morto pelo Anti-Cristo e ressuscitado por Jesus. Estará no 2º céu? Então podemos dizer que, assim como o inferno dos infernos ou o mais baixo dos lugares inferiores, é o lugar dos condenados (Inferno); o Céu dos Céus, ou o mais alto dos lugares superiores, é onde estão Deus, Jesus Cristo, Nossa Senhora, os Anjos e os Santos (o Paraíso). Mas, na verdade, o que importa, é evitarmos descer, e fazermos de tudo para subir até o Nosso Pai do Céu. 

Muitos Santos Padres falam sobre esta verdade: a descida da alma de Jesus aos lugares inferiores. Baseiam-se nos Símbolo dos Apóstolos. Citam como indicação deste mistério, as seguintes passagens das Sagradas Escrituras: Atos II, 24, 1º discurso de S. Pedro após o Pentecostes: "Mas Deus O (=Cristo) ressuscitou e livrou dos laços da morte, porquanto era impossível que por esta fosse retido". E no vers. 27 cita o Salmo XV, 10: "Porque não abandonarás a minha alma nos infernos" , e no vers. 31, aplica este mesmo texto a Jesus Cristo: "Profeticamente falou (Davi) da ressurreição de Cristo, que não seria deixado nos infernos (a alma), nem sua carne (o corpo) sofreria a corrupção" (no túmulo). E o mesmo S. Pedro na sua 1ª Epístola III, 19 e IV, 5 e 6, diz o quê a alma de Jesus foi levar a estas almas dos justos: "No qual Ele também foi pregar aos espíritos que estavam no cárcere"; "por isso foi o Evangelho também pregado aos mortos" (=às almas dos justos que tinham morrido antes da morte de Jesus).

Estuda-se em Teologia que a alma de Jesus, logo após a morte deste, desceu aos três lugares inferiores (ao Scheol), porém de modos diversos. Desceu ao lugar mais baixo que é o Inferno dos condenados, desceu porém, apenas com seu poder, para arguir e convencer os condenados sobre sua infidelidade e malicia. Desceu ao Purgatório, para mostrar às almas benditas (ainda não totalmente santas) aquela glória que com toda certeza, deviam esperar. E, finalmente, a alma de Jesus se fez realmente presente no Limbo dos Pais (nome dado por Santo Tomás) para pregar-lhes o Evangelho (como atesta S. Pedro) e também para iluminá-las com a luz da glória. Isto porque a divindade nunca abandonou nem o corpo e nem a alma de Jesus. E, a partir da entrada da alma de Jesus naquele cárcere, aquele lugar transformou-se no Paraíso.

Donde concluímos, caríssimos, que a tradução  tradicional é a mais adequada. Por isso D. Antônio de Castro Mayer, na época, preferiu conservá-la. Apenas, quero deixar bem claro que os fiéis saibam exatamente o mistério de fé que estão confessando em sua oração. Do contrário, seria mera recitação de fórmula, o que não agrada a Deus.

Aos que me fizeram esta pergunta, estou à disposição para quaisquer outros esclarecimentos. Que Deus os abençoe. Amém!


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