sábado, 21 de outubro de 2017

O ATO MORAL


"Muitos dizem: Quem nos fará ver os bens? Gravada está, Senhor, sobre nós a luz do teu rosto" (Salmo IV, 6 e 7)

Vimos anteriormente em que consiste o ATO HUMANO. Mister se faz notar, porém, que formalmente  ato humano não é o mesmo que ATO MORAL. A essência da moralidade primariamente consiste na relação do ato humano com a Lei Eterna, que é a vontade de Deus que manda seja conservada a ordem natural, e proíbe que a mesma seja violada. Somente a vontade de Deus pode ser a regra da moralidade, porque só ela é a suprema norma infalível, indefectível e que tem poder de obrigar em consciência. Somente esta lei eterna dá força obrigatória às outras leis. Secundariamente, porém, a essência da moralidade consiste no modo se ser do ato humano em relação à reta razão. Pois, as ações humanas não podem ser comensuradas pela norma suprema da moralidade senão mediante a razão humana, que é, na verdade, uma certa participação e consequentemente, manifestação da razão divina.

NOÇÃO DE ATO MORAL: É aquele que é feito livremente e atendendo a bondade ou malícia do objeto. A moralidade acrescenta ao ato humano, enquanto tal, a consideração da conveniência, e não conveniência que apresenta o objeto com relação ao ser racional; ou seja, a consideração de sua bondade e malícia [alguns autores, como os Scotistas, acrescentam a indiferença] de maneira que os atos e objetos se dizem morais por esta relação.

É oportuno colocar aqui algumas observações de Santo Afonso de Ligório, que, por sua vez se baseia em Santo Tomás de Aquino: 1- O Ato moral (ou ser moral) é tudo e só aquilo que está sob a regra dos costumes, ou sob a Lei de Deus que manda ou permite. Pois, somente por ele nos ordenamos para o nosso fim último ou dele nos afastamos. 2 - É falso colocar a essência da moralidade somente na liberdade. Pois esta é pré-requerida como condição para que o ato possa ser imputado, mas não é em razão dela que o ato é imputado para o louvor ou o vitupério. Pois, quem age livremente, só por isso não é digno de prêmio, mas somente aquele que, sendo livre, age em conformidade com a divina razão ou vontade de Deus. 3 - É falso também fazer consistir a moralidade somente no voluntário. Pois, o voluntário sem liberdade de nenhum modo é imputável, porque sem ela o homem não seria senhor de suas ações. 4 - É falso, outrossim, colocar a opinião pública como regra da moralidade, porque, ela nem é infalível, nem imutável, e portanto, amanhã poderia dizer ser iníquo o que hoje apregoa como honesto (e vice-versa). 5 - Até mesmo as próprias leis civis não podem ser regra suprema dos costumes, porque as leis tanto determinam a bondade ou a malícia do ato, quanto são honestas e racionais, e portanto enquanto participam de um outro critério superior (Cf. Santo Afonso, n. 34 e 35).  

DIVISÃO DA MORALIDADE: É SUBJETIVA ou FORMAL quando é considerada no mesmo ato afetando o sujeito como uma forma. É OBJETIVA ou MATERIAL quando é considerada no objeto mesmo afetando o sujeito a maneira de matéria sobre que versa o ato.

Devemos observar também que se distinguem duas classes supremas, a saber: bondade e malícia moral [alguns autores acrescentam a indiferença moral, pelo menos num sentido impróprio e incompleto] segundo o que o ato e seu objeto estejam de acordo ou não com a natureza racional [ou lhes sejam indiferentes]. Por conseguinte, como os atos tendem para seus objetos não como são em si, senão como os apreende a inteligência, pode acontecer que um mesmo ato seja bom em si mesmo, e mau por razão do objeto enquanto apreendido pelo intelecto, e também se dá o inverso. Por ex.: Quem desse por esmola um dinheiro que falsamente crê ter sido roubado, faria uma obra boa materialmente falando, mas que seria má formalmente; e no sentido inverso: se fizesse a esmola de um dinheiro recebido de alguém, sendo que não pôde suspeitar ter sido roubado, faria uma obra boa formalmente, embora má materialmente considerada.

Observação: Em se tratando de opiniões discutíveis, não as exporei aqui sobre se há ou não ação moralmente indiferente. Apenas esclareço que Santo Tomás de Aquino, prova na Suma Teológica que não há (Cf. S. T. 1. 2, q. 1, a. 6; q. 18, a. 9). S. Tomás confirma sua opinião de que não existe ato indiferente no indivíduo, pelo próprio fato de o ato indiferente ser ocioso, e portanto mau, segundo se vê em Mateus, XII, 36: "Eu digo-vos que de qualquer palavra ociosa que tiverem proferido os homens, darão conta dela no dia do juízo". Aliás, S. Paulo diz que tudo deve ser feito para a glória de Deus: "Ou comais, ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1 Cor.  X, 31). Pergunta-se, porém, como fazer para que os nossos atos humanos e morais sejam sempre direcionados para ao fim último, isto é, honestamente bons e  meritórios? É evidente que, dada a fragilidade humana, não é possível ter uma intenção explícita atual de fazer tudo por amor a Deus. Assim Santo Afonso diz que, para tanto, basta a pessoa ter a intenção implícita quer atual quer só virtualmente. Em outras palavras, basta agir sob o influxo da intenção de um bem honesto, pelo menos havido anteriormente, porque é uma verdadeira direção do ato para o fim último. E, na prática, Santo Afonso e outros autores espirituais recomendam (não impõem) que os fiéis muitas vezes por dia ou, pelo menos, de manhã ofereçam explicitamente todas suas ações para Deus. Ademais, todas as vezes que urge o preceito de fazer um ato de caridade, urge também o preceito de, atualmente, referir todos os atos para Deus como o Fim Último (Cf. Santo Afonso, L. 2, Tract. 3, c. 2). Lembro aqui para o maior bem das almas a premente recomendação de S. Francisco de Sales, do uso das orações jaculatórias. É salutar lembrar, outrossim, o que o próprio Deus, Nosso Senhor, disse a Abraão: "Anda sempre em minha presença, e serás perfeito"(Gênesis VII, 1).

NORMA DA MORALIDADE: A moralidade, isto é, a bondade ou malícia [ou indiferença] moral, tem como norma: a) CONSTITUTIVA PRÓXIMA: É  a natureza racional humana em quanto tal, considerada em todos seus aspectos e em todas suas relações com os demais seres; CONSTITUTIVA REMOTA: É a natureza divina, como seu protótipo. b) MANIFESTATIVA PRÓXIMA: É  reta razão humana; MANIFESTATIVA REMOTA: é o entendimento divino. c) PRECEPTIVA PRÓXIMA E SUBJETIVA: É a consciência; PRECEPTIVA REMOTA E OBJETIVA: É a lei eterna de Deus.

CONSEQUÊNCIAS:  A MORAL DE SITUAÇÃO, ou existencialismo ético, em que cada qual se entenderia em particular com Deus, tomando diante d'Ele suas decisões não com base nas leis morais universais mas nas condições e circunstâncias concretas nas quais se obra, segundo o juízo da consciência individual, esta moral, digo, repugna à fé e aos princípios católicos. As leis universais não valem tão somente em abstrato para o homem UT SIC, senão também nos casos particulares para o homem UT HIC,  já que o homem existencial com suas notas individuais se identifica em sua íntima estrutura com o homem real para quem se foram promulgadas as leis universais, e não pode, por conseguinte, aceitá-las ou recusá-las à mercê do conhecimento e valorização que delas faça subjetivamente, ainda que com plena sinceridade e disposição afetiva filial diante de Deus (Cf. Pio XII, Aloc. AAS 44 (1952) 414-418; 45 (1953) 280-281).


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