Em se tratando de Teologia, nunca será supérfluo lembrar, de
quando em vez, que muitos termos teológicos não coincidem exatamente com a
noção que vulgarmente deles se tem. Assim sendo é bom lembrar que MORALIDADE no
sentido teológico significa algo que é feito livremente e levando em conta a
bondade ou malícia do objeto. Portanto, ato moral não é só o que é bom, mas
também pode ser o que é mau. Assim pois, MORALIDADE, teologicamente falando, é a
consideração se a coisa é boa ou má diante de Deus.
FONTES DA MORALIDADE são os elementos que podem contribuir
para que um ato seja conforme ou não com a norma de moralidade. E são três: o
OBJETO do ato, as CIRCUNSTÂNCIAS do mesmo e o FIM do agente. Todas estas três
coisas devem ser inteiramente boas para que o ato seja bom; se, portanto, uma
só delas for má, também o ato moral, será mau. Daí aquele célebre axioma
teológico: Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu (=para uma coisa ser moralmente boa é
necessário que o seja inteiramente, isto é, que o objeto, as circunstâncias e o
fim sejam bons; para ser má, basta que uma só destas três coisas seja má).
NB. Desculpem-me os teólogos por eu, às vezes, me estender em
explicações, porque falo evidentemente para todos, inclusive para os que não
são afeiçoados à Teologia. E como hoje infelizmente, pessoas da hierarquia
eclesiástica, estão lançando a verdadeira Teologia às urtigas, é mister que
todos os fiéis a conheçam bem claramente, e não venham perder a fé.
Consideremos hoje estas três fontes da moralidade: o objeto,
as circunstâncias e o fim.
1. O OBJETO.
É aquilo para o qual o ato moral tende imediatamente e no
qual proximamente e por si mesmo termina o vontade do agente. É o que constitui
a moralidade essencial e primária, pois, ela aparece antes de qualquer outra
proveniente do fim ou das circunstâncias.
A MORALIDADE DO
OBJETO: 1º - Pode ser EXTRÍNSICA e INTRÍNSECA.
A moralidade do objeto é extrínseca quando o objeto,
indiferente em si mesmo, se torna bom ou mau porque foi mandado ou proibido. A
moralidade do objeto é intrínseca se está mandado ou proibido por ser em
si mesmo bom ou mau, seja em absoluto,
ou seja, independentemente de toda circunstância; seja condicionalmente, isto é, em função de algo que pode mudar. Devemos
observar que, às vezes, se diz intrinsecamente mau o que com mais propriedade
deveria dizer-se intrinsecamente perigoso,
como por ex. o olhar algo incentivo da luxúria.
Na verdade, o objeto é bom,
ou mau, ou indiferente, enquanto está de acordo com a razão, a lei ou com a
reta ordem (bom) ou não(mau); ou então está fora da lei ou da reta razão
(indiferente). Quando o objeto é indiferente, isto é, em si mesmo não é nem bom
nem mau, o ato terá sua moralidade determinada ou pelo fim ou pelas
circunstâncias. Quando a moralidade é proveniente do objeto, chama-se
moralidade (bondade ou malícia) OBJETIVA.
2º - O ATO EXTERNO enquanto é objeto da vontade, comunica ao
ato interno sua própria moralidade objetiva, específica; e quando é efeito ou
realização, nada acrescenta de per si à moralidade do ato interno; contudo,
circunstancialmente a modifica quase sempre, já por seu influxo no ato interno,
que intensifica ou faz repetir, já por razão dos efeitos e consequências que se
originam do ato externo, como são a edificação, o escândalo, as censuras, o
dever de reparar o dano, etc.. Se o ato
externo é gravemente pecaminoso, se deve manifestar sempre na confissão, pois,
constitui moralmente um mesmo ato com o interno.
Devemos notar que os atos maus podem ser de três classes: a)
ABSOLUTAMENTE MAU: é mau
independentemente de toda circunstância; isto porque estes atos envolvem uma
repugnância com a reta ordem absolutamente necessária, por exemplo, o ódio a
Deus, a blasfêmia etc.. b) INTRINSECAMENTE MAU: não precisamente em si mesmos,
mas em razão de algum adjunto ou condição que depende do poder de domínio de
Deus ou do homem, por exemplo, tirar coisa alheia, lesar o corpo ou a fama e
coisas semelhantes que, às vezes, se tornam lícitas. Resumindo: Intrinsecamente
maus são ditos proibidos porque são maus; e extrinsecamente maus são ditos
maus, porque são proibidos. c) MAU
SOMENTE EM RAZÃO DO PERIGO que ordinariamente vem acompanhando o ato, como por
ex., o olhar de um objeto torpe, a leitura de um livro mau, etc. Estes atos,
quando houver uma causa razoável, e o perigo é remoto, se tornam
lícitos.
AS CIRCUNSTÂNCIAS: São
as qualificações acidentais do ato, sem as quais este pode existir quanto à
substância (substancialmente), e que, no entanto atingem de algum modo a sua
moralidade. Em outras palavras: circunstâncias são as condições acidentais que
modificam o moralidade substancial que sem elas tinha já o ato humano. São
sete, expressas em latim neste frase: "Quis,
quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando?". Traduzido: Quem,
que coisa, onde, com que meios, por que, como, quando? Vamos explicá-los:
QUEM: isto é,
qual o agente? Por ex.: se é solteiro ou casado, se é leigo ou consagrado a
Deus, etc. - QUE
COISA: isto é, qual a qualidade
acidental ou a quantidade do objeto?
- ONDE: isto é, em que lugar, se sagrado ou profano, etc. - COM QUE MEIOS: isto é, que
instrumentos, meios etc. usou o
agente? - POR
QUE: ou seja, com que finalidade, certamente extrínseca? - COMO: por exemplo, se de má fé ou boa
fé, se de modo intenso ou não, se advertidamente ou não etc. - QUANDO: isto é, em que tempo e por
quanto tempo? (Cf. S. Tomás, 1-2, q. 7, a. 3 e 4).
O ato humano haure sua verdadeira moralidade das
circunstâncias, porque elas, que só podem ser procuradas juntamente com o
objeto seja direta ou indiretamente, afetam o ato em si mesmo, enquanto é ato
humano, e este depende da regras dos costumes. Ora, muitas vezes têm relação de
conveniência ou inconveniência com a
razão e reta ordem. Logo, as circunstâncias afetam no ser do costume ou quanto
à moralidade; e nos atos indiferentes, são as circunstâncias que determinam a
moralidade do ato.
INFLUXO DAS
CIRCUNSTÂNCIAS: umas determinam a moralidade do ato; outras em nada a
modificam, e são consideradas indiferentes; umas deixam o objeto em sua própria
espécie; e outras mudam a própria espécie do ato, ou acrescentam uma nova
espécie. Assim por ex. um único pecado pode ser tornar mais de um: quem rouba
comete um pecado contra o 7º mandamento de Deus; com a circunstância de roubar
num igreja, acrescenta outro pecado de espécie diferente que é o sacrilégio.
Assim sendo, há obrigação de na confissão contar as circunstâncias que mudam a
espécie de pecado. Lembramos também que
umas circunstâncias agravam e outras diminuem a malícia do ato. E podem agravar
de tal modo a malícia de um ato que, de venial, se torne mortal; como também
pode diminuir de tal modo a gravidade que, de mortal, o torne venial. Nestes
casos dizemos que o ato permanecendo em sua mesma espécie moral diz-se que
mudou quanto à espécie teológica. As circunstâncias GRAVEMENTE pecaminosas
danificam gravemente a bondade natural do ato e destroem a sua bondade
sobrenatural porque afastam totalmente do fim último. Já as CIRCUNSTÂNCIAS
LEVEMENTE pecaminosas (p. ex. orar com tibieza, agir precipitadamente) não tiram
TODA bondade do ato, porque este conserva a moralidade essencial que lhe vem do
objeto.
O FIM: É aquilo
que intenta conseguir aquele que obra. O fim da obra é intrínseco à própria
obra e é justamente para ele que a obra por si mesma tende. Já o fim
do operante é aquele para o qual o agente livremente dirige sua
intenção ou é aquele que o agente preferiu, quer se identifique com o fim da
obra, quer lhe seja diverso e extrínseco à obra. Aqui considera-se somente o
FIM DO OPERANTE porque, na verdade, só ele é propriamente considerado FIM.
SEU INFLUXO: O
FIM DO AGENTE comunica ao ato humano uma moralidade, não
precisamente ESSENCIAL, a não ser que se identifique com o fim da obra. O fim
comunica, porém, uma moralidade PRINCIPAL, pois é a causa principal do ato (S.
Tomás, 1-2 q. 7 a. 4).
1 - UM FIM GRAVEMENTE MAU corrompe
TOTALMENTE o ato se ele é o único
motivo de obrar. Por ex.: se alguém dá uma esmola tão somente para arrancar a
fé ao pobre que socorre. UM FIM GRAVEMENTE MAU também corrompe o ato mas SÓ
PARCIALMENTE, quando o fim mau não é o motivo total e adequado da ação, p. ex.,
alguém vai à Missa para cumprir o preceito dominical e, ao mesmo tempo, para se
encontrar com uma pessoa e fomentar maus desejos.
2 - UM FIM LEVEMENTE MAU se é TOTAL , vicia também todo o
ato, porque toda a intenção do agente é má, como naquele que reza unicamente
para ser visto pelos homens. Se O FIM LEVEMENTE MAU é PARCIAL,
vicia o ato só parcialmente, pois não destrói a tendência da vontade
para a bondade objetiva da ação ou para outro fim extrínseco bom, p. ex.,
quando alguém se aproxima dos sacramentos com reta intenção e ao mesmo tempo
com o vão desejo de agradar aos homens.
3 - Um ato humano é bom na ordem moral, se é buscado como
tal e com referência a Deus, com uma relação ao menos virtual implícita. Esta
consiste em que a obra, por sua própria natureza e objetivamente, está ordenada
ao fim último, isto é, em que seja conforme com a natureza racional e se a
realize como tal.
CONSEQUÊNCIAS: Sendo
Deus o único fim último, buscar um
prazer não proibido por outros capítulos,COMO FIM ÚLTIMO, é pecado grave, pois encerra uma grave
desordem, com desprezo virtual de Deus. No entanto, quando O FIM NÃO É ÚLTIMO,
aí temos duas hipóteses: a) se o agente exclui positivamente o fim que pretende
a natureza, pelo menos é pecado venial, pois há nisso alguma desordem; b) se o
agente não exclui positivamente, provavelmente não comete nenhum pecado já que
com isso não se faz senão secundar a intenção de Deus.
NOTAS: 1ª - ATOS MORAIS INDIFERENTES podem dar-se EM ABSTRATO
na ordem natural, se levamos em conta só o objeto; segundo a sentença mais
comum, porém, não podem dar-se EM CONCRETO, levando em conta o fim e as
circunstâncias: p. ex., passear para recrear-se é uma ação boa, não indiferente,
se o recreio é moderado e portanto pode ser referido a Deus; do contrário, é
mau.
2ª - Para que o objeto e as circunstâncias comuniquem ao ato
sua bondade, devem buscar-se diretamente e por razão dessa bondade; em troca,
para que o infeccionem com sua malícia, basta que se os busque ainda indiretamente
em sua causa voluntária pecaminosa e sabendo que são maus, ainda que não se
queira precisamente por serem maus.
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