Sendo o
pecado o mal absoluto e extremo, devemos empregar todos os meios, todos os
esforços, para evitá-lo. E nunca alcançaremos a
pureza de coração que nos dá aquela liberdade e facilidade em
compreender as coisas de Deus, senão levarmos o combate ao pecado até às suas
fontes. Quais são estas fontes dos rios e regatos de lamas contaminadas do
pecado? São as nossas paixões.
I - Devemos temer todas as paixões,
porque todas nos conduzem ao pecado: Enganam-nos, lisonjeiam-nos e tiranizam-nos. Três efeitos
terríveis.
1 -
ENGANAM-NOS: As inclinações desregradas obscurecem a luz da fé, e até a da
razão. O pecador fica cego quando se deixa dominar por alguma paixão. Por
exemplo: Que dizia a Caim a inocência de Abel, a voz do sangue? Era seu irmão!
Que diziam os cabelos brancos e o seu cargo de magistrados, aos infames
anciãos, que tentaram manchar a virtude de Suzana, e não o conseguindo
condenando à morte através de calúnia uma mulher santa, quando era obrigação
deles defendê-la? Que diziam a Judas Iscariotes a bondade e as ternas palavras
de Jesus?
Logo que
alguma paixão entra em uma alma, encontra-se sempre alguma desculpa; ou melhor,
inventa-se uma, fundada na mesma paixão, na sua violência. A Bíblia diz que o
temor de Deus é o início da sabedoria, mas a pessoa abafa a voz da consciência.
2 -
LISONJEIAM-NOS: com os deleites que prometem, seduzem o coração, e arrastam a
vontade. Em vão reclama a razão, brada a consciência, avisa a graça de Deus; a
nada se atende. A imaginação inflama-se; ela EXAGERA o prazer, faz esquecer as
consequências, e o homem cai. Oh! quanto importa que nos arranquemos, desde o
princípio, aos atrativos da paixão! Caso contrário, a queda será fatal.
3 -
TIRANIZAM-NOS: Concedendo-lhes alguma coisa, aumento o seu poder, torno-as
exigentes, imperiosas. Tiro a mim mesmo a força que lhes dou. Cedi
primeiramente às suas solicitações importunas, dentro em pouco tempo, já nada sei
recusar-lhes, e as minhas condescendências tornam-se um hábito. Ora, o hábito,
diz S. Agostinho, é como um corrente de ferro, que prende a vontade; e aonde
não pode ela arrastar?
II - De todas as paixões, as mais
temíveis são as que se disfarçam, porque arrastam aos últimos excessos do
pecado: As paixões disfarçam-se para: a) ou
esconder o crime; b) ou o multiplicar; c) ou tranquilizar a quem o
comete.
a) Na
verdade, o crime descoberto será sempre odioso, até àquele que o comete, porque
a consciência lho representará sempre como oposto à ordem, à razão, e à lei da
justiça, escrita no coração de todos os homens; e se ele é odioso até ao
culpado, como o não será aos que o presenciam? Para escapar à vergonha e ao
ódio que merece, é que a paixão se encobre. Por exemplo, quem acreditaria que o
Iscariotes, ladrão, quisesse passar por advogado dos pobres? Contudo, a sua
avareza é que lhe inspira esta queixa no episódio da Madalena: "Porque se
não vendeu este bálsamo, para se dar aos pobres? Este disfarce é um crime a
mais, isto é, a hipocrisia.
b) Raras
vezes sucede que uma paixão, que se mostra descaradamente, não seja reprimida,
ou ao menos perturbada nas suas desordens. Mas, se ela consegue ocultar-se,
nada a detém; entrega-se a todos os excessos. A mina explosiva, se é
descoberta, é pouco perigosa; pelo contrário, tudo é para temer, quando o
inimigo esconde o sua bomba aos olhos que o observam. Exemplo: Cobrindo a sua inveja contra Jesus
com a capa de zelo do bem público e da religião, é que os fariseus, com uma
série de iniquidades, chegam ao crime mais monstruoso, ao deicídio.
c) Que
artifícios, que subterfúgios, para ocultar aos olhos dos homens a desordem de
certas paixões! Como se fosse possível, ocultar também aos olhos de Deus e enganar
a Justiça divina, que vai pedir contas até de uma palavra ociosa. Muitas vezes
até, quando a astúcia hipócrita não pode impedir que o mal transpire,
procuram-se abafar as suspeitas à força de frieza e insensibilidade. Judas
Iscariotes: A triste declaração que Jesus fez aos seus discípulos que um deles
o atraiçoará, consterna-os. Cada um se consulta a si mesmo, nenhum ousa fiar-se
na sua própria consciência; só o pérfido Apóstolo pergunta friamente, com a
maior cara de pau: "Por acaso sou eu, Mestre?"
Santo Ambrósio compara as paixões àquela febre ardente que padecia a sogra de S. Pedro. Mas Jesus entrou na casa desta enferma, e a sarou. Na comunhão, peçamos a Jesus esta cura. Amém.
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