"O Filho do Homem
veio salvar o que se tinha perdido" (Mt 18, 11).
"Sou Eu, não
temais" (Lc 24, 36).
(Continuação da Conferência do P. Mateo Crawlei-Boevey SS.
CC.)
"Para
consolo vosso, observai que o amor com que Jesus vos ama não é perfeitamente o
mesmo amor com que ama a sua Mãe, toda pura, santa, perfeita, imaculada, única.
Ele é, poderíamos dizer, um amor à parte.
Nem tão
pouco se trata do mesmo amor com que ama aos seus anjos, espíritos perfeitos,
sempre fiéis, puríssimos. Lembrai-vos de que o Verbo deixou-os, os noventa e
nove fidelíssimos, pela... ovelhinha desgarrada que és tu que estás lendo isto.
E há mais: o
amor de que te falo não é, em certo sentido, aquele com que amou ao grupinho de
almas de neve e fogo, almas-lírios, criaturas privilegiadas, que foram e serão
sempre na Igreja o oásis do Coração de Jesus, o "rebanhozinho
pequenino" que O segue, cantando um cântico que mais ninguém poderá
cantar... (Ap 14, 3). Estas almas, preciosas por sua fidelidade heróica e
constante, por sua pureza sem mácula, mereceram as carícias do Rei de Amor.
O amor, no
entanto, com que ama cumula a imensa
maioria de pecadores, miseráveis e ingratos, é o Amor Misericordioso, quer dizer, uma condescendência infinita. É o
Verbo, Deus-Salvador, que baixou ao pântano para converter o lodo em estrelas
contanto que a lama se humilhe e creia na misericórdia do Senhor.
Já
compreendeis por que estabelecemos as diferenças acima, pois era preciso pôr em
relevo aquilo que Teresinha chama o Amor
Misericordioso de Jesus, e fazê-lo apreciado, quanto possível, no seu valor
exato.
São de fato
duas coisas diferentes, uma o amor que doura e diviniza a neve com dardo de
fogo, e outra, o amor que em torrentes de sangue purifica e embeleza a baixeza
do lodo.
Com que e
quando merecemos nós essa condescendência do Amor Misericordioso?
Nunca!
Pecamos, agimos iniquamente, crucificamos e matamos, com maior culpa que os
próprios verdugos, o Senhor da vida... Todos nós Lhe deitamos as nossas mãos
tintas com Seu Sangue. Todos nós! E Ele estende-nos os braços, oferece-nos Seu
perdão, Sua amizade, Seu Coração!
Não é o
cúmulo dos cúmulos, a loucura das loucuras do amor de um Deus?
Por essa
razão é inconcebível o pecado do temor, da desconfiança. Quase diria que é
imperdoável.
É possível
que seu Coração busque o nosso com afã -
atração dos abismos - e que nós, afogados em nossa miséria moral, nos neguemos,
por falta de confiança, a dar entrada Àquele que quer, pede e suplica que o
deixemos preencher o nosso abismo de morte com o seu Coração, abismo de perdão
e vida?
Às Suas
insistências, respondemos com o argumento tocado de indignidade e respeito,
como se Ele ignorasse a verdade ao presentear com o tesouro de Suas ternuras,
como se Ele fosse monopólio dos justos, ou dos que se crêem merecedores de Suas
graças. Dir-se-ia que estes tais pretendem chamar à razão a um Deus que parece exagerar
( ! ) querendo confundir Sua vida imortal com a nossa.
E então,
quando Ele se achega, estas almas retrocedem. Quando diz: "Vinde
todos", elas parecem repetir com o endemoniado do Evangelho, "Que
temos nós contigo, Jesus, Filho de Deus? Vieste aqui atormentar-nos?" (Mt
8, 29). Infelizes, fogem!
Esquecem-se
os pobres que entre o Pai Justiceiro e nós rebeldes, interpõe-se o Filho
Misericordioso, como ponte de esperança pela qual culpados e perdoados teremos
acesso ao Pai de Clemência.
"Passai,
meus filhinhos, diz, passai por esta ponte que Sou o Crucificado. Não temais,
passai, porque Eu sou o Caminho. Por que tremeis? Passai meditando em minha
Cruz, em meu Calvário, em minha Eucaristia. Avançai em paz e com plena
confiança, Eu quero replenar o abismo do vosso pânico com o da minha ternura.
Mas, por favor, meus filhinhos, não caveis o abismo de distâncias e receios que
Eu mesmo suprimi com minha Encarnação e minha Eucaristia".
Almas
pusilânimes e de pouca fé, não percebeis que a maior de vossas faltas, que a
fonte de muitas delas e que a que mais ofende ao Senhor é vossa falta de
confiança!
A quantas de
vós, almas assustadiças, que jamais ficais satisfeitas com vossas confissões,
que estais sempre duvidando do perdão de pecados cem vezes acusados,
poder-se-ia aplicar a história que segue:
Uma dessas
tantas almas que parecem considerar a Jesus um tirano, prepara-se para fazer
uma confissão geral pela centésima vez. Inquieta, perturbadíssima, passa o seu
retiro escrevendo os pecados de toda a sua vida. Não medita, não reza, está
inteiramente engolfada num exame que a sufoca.
Chega, por
fim, ao confessionário. Lê, acusa, repete dez vezes, explica sempre a tremer
transtornada...
Quando
imagina que tenha terminado, ouve o confessor dizer-lhe em voz suave e bem
triste:
- Esqueceste
uma coisa muito importante.
- Bem que
desconfiava, replica ela em sobressalto, dispondo-se a voltar atrás para
recomeçar a leitura das suas laudas...
- Não, diz
então o confessor, não está nos teus papéis, e me entristece muito mais do que
os que acusaste. Acusa sobretudo tua falta de confiança!
Levanta-se;
a voz comoveu-a. Quer certificar-se se realmente é a de seu confessor. Mas o confessionário
está vazio, Jesus viera dar-lhe uma lição SUPREMA.
Não
censuramos, é claro, as confissões gerais, muito proveitosas em determinadas
ocasiões, e sim a falta de confiança, o sobressalto sistemático, o temor
exagerado que é um ultraje à bondade do Salvador.
Semelhante
mentalidade desfigura a Nosso Senhor, diminuindo-O.
Se os cegos,
os leprosos e paralíticos curados por Jesus tivessem raciocinado dessa forma, e
houvessem duvidado de sua cura por acharem-se indignos, teriam merecido,
certamente, recair em suas enfermidades, e com maior gravidade, como castigo de
sua ingratidão e orgulho a que se reduz sempre no fundo o pecado de
desconfiança.
(A conferência continua no próximo artigo).
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