quarta-feira, 9 de setembro de 2020

AMOR CONFIANTE II


"O Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido" (Mt 18, 11).

"Sou Eu, não temais" (Lc 24, 36).

(Continuação da Conferência do P. Mateo Crawlei-Boevey SS. CC.)

 

"Para consolo vosso, observai que o amor com que Jesus vos ama não é perfeitamente o mesmo amor com que ama a sua Mãe, toda pura, santa, perfeita, imaculada, única. Ele é, poderíamos dizer, um amor à parte.

Nem tão pouco se trata do mesmo amor com que ama aos seus anjos, espíritos perfeitos, sempre fiéis, puríssimos. Lembrai-vos de que o Verbo deixou-os, os noventa e nove fidelíssimos, pela... ovelhinha desgarrada que és tu que estás lendo isto.

E há mais: o amor de que te falo não é, em certo sentido, aquele com que amou ao grupinho de almas de neve e fogo, almas-lírios, criaturas privilegiadas, que foram e serão sempre na Igreja o oásis do Coração de Jesus, o "rebanhozinho pequenino" que O segue, cantando um cântico que mais ninguém poderá cantar... (Ap 14, 3). Estas almas, preciosas por sua fidelidade heróica e constante, por sua pureza sem mácula, mereceram as carícias do Rei de Amor.

O amor, no entanto, com que ama  cumula a imensa maioria de pecadores, miseráveis e ingratos, é o Amor Misericordioso, quer dizer, uma condescendência infinita. É o Verbo, Deus-Salvador, que baixou ao pântano para converter o lodo em estrelas contanto que a lama se humilhe e creia na misericórdia do Senhor.

Já compreendeis por que estabelecemos as diferenças acima, pois era preciso pôr em relevo aquilo que Teresinha chama o Amor Misericordioso de Jesus, e fazê-lo apreciado, quanto possível, no seu valor exato.

São de fato duas coisas diferentes, uma o amor que doura e diviniza a neve com dardo de fogo, e outra, o amor que em torrentes de sangue purifica e embeleza a baixeza do lodo.

Com que e quando merecemos nós essa condescendência do Amor Misericordioso?

Nunca! Pecamos, agimos iniquamente, crucificamos e matamos, com maior culpa que os próprios verdugos, o Senhor da vida... Todos nós Lhe deitamos as nossas mãos tintas com Seu Sangue. Todos nós! E Ele estende-nos os braços, oferece-nos Seu perdão, Sua amizade, Seu Coração!

Não é o cúmulo dos cúmulos, a loucura das loucuras do amor de um Deus?

Por essa razão é inconcebível o pecado do temor, da desconfiança. Quase diria que é imperdoável.

É possível que seu Coração busque o nosso com afã  - atração dos abismos - e que nós, afogados em nossa miséria moral, nos neguemos, por falta de confiança, a dar entrada Àquele que quer, pede e suplica que o deixemos preencher o nosso abismo de morte com o seu Coração, abismo de perdão e vida?

Às Suas insistências, respondemos com o argumento tocado de indignidade e respeito, como se Ele ignorasse a verdade ao presentear com o tesouro de Suas ternuras, como se Ele fosse monopólio dos justos, ou dos que se crêem merecedores de Suas graças. Dir-se-ia que estes tais pretendem chamar à razão a um Deus que parece exagerar ( ! ) querendo confundir Sua vida imortal com a nossa.

E então, quando Ele se achega, estas almas retrocedem. Quando diz: "Vinde todos", elas parecem repetir com o endemoniado do Evangelho, "Que temos nós contigo, Jesus, Filho de Deus? Vieste aqui atormentar-nos?" (Mt 8, 29). Infelizes, fogem!

Esquecem-se os pobres que entre o Pai Justiceiro e nós rebeldes, interpõe-se o Filho Misericordioso, como ponte de esperança pela qual culpados e perdoados teremos acesso ao Pai de Clemência.

"Passai, meus filhinhos, diz, passai por esta ponte que Sou o Crucificado. Não temais, passai, porque Eu sou o Caminho. Por que tremeis? Passai meditando em minha Cruz, em meu Calvário, em minha Eucaristia. Avançai em paz e com plena confiança, Eu quero replenar o abismo do vosso pânico com o da minha ternura. Mas, por favor, meus filhinhos, não caveis o abismo de distâncias e receios que Eu mesmo suprimi com minha Encarnação e minha Eucaristia".

Almas pusilânimes e de pouca fé, não percebeis que a maior de vossas faltas, que a fonte de muitas delas e que a que mais ofende ao Senhor é vossa falta de confiança!

A quantas de vós, almas assustadiças, que jamais ficais satisfeitas com vossas confissões, que estais sempre duvidando do perdão de pecados cem vezes acusados, poder-se-ia aplicar a história que segue:

Uma dessas tantas almas que parecem considerar a Jesus um tirano, prepara-se para fazer uma confissão geral pela centésima vez. Inquieta, perturbadíssima, passa o seu retiro escrevendo os pecados de toda a sua vida. Não medita, não reza, está inteiramente engolfada num exame que a sufoca.

Chega, por fim, ao confessionário. Lê, acusa, repete dez vezes, explica sempre a tremer transtornada...

Quando imagina que tenha terminado, ouve o confessor dizer-lhe em voz suave e bem triste:

- Esqueceste uma coisa muito importante.

- Bem que desconfiava, replica ela em sobressalto, dispondo-se a voltar atrás para recomeçar a leitura das suas laudas...

- Não, diz então o confessor, não está nos teus papéis, e me entristece muito mais do que os que acusaste. Acusa sobretudo tua falta de confiança!

Levanta-se; a voz comoveu-a. Quer certificar-se se realmente é a de seu confessor. Mas o confessionário está vazio, Jesus viera dar-lhe uma lição SUPREMA.

Não censuramos, é claro, as confissões gerais, muito proveitosas em determinadas ocasiões, e sim a falta de confiança, o sobressalto sistemático, o temor exagerado que é um ultraje à bondade do Salvador.

Semelhante mentalidade desfigura a Nosso Senhor, diminuindo-O.

Se os cegos, os leprosos e paralíticos curados por Jesus tivessem raciocinado dessa forma, e houvessem duvidado de sua cura por acharem-se indignos, teriam merecido, certamente, recair em suas enfermidades, e com maior gravidade, como castigo de sua ingratidão e orgulho a que se reduz sempre no fundo o pecado de desconfiança.

 

(A conferência continua no próximo artigo).

  

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