quinta-feira, 10 de setembro de 2020

AMOR CONFIANTE IV

 

"O Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido" (Mt 18, 11).

"Sou Eu, não temais" (Lc 24, 36).

(Continuação da Conferência do P. Mateo Crawley-Boevey)

 

Já vos disse antes: para conhecer-vos deveras, mirai-vos no espelho divino dos olhos de Jesus. O sol do Seu Coração (Guarda-te de mirar-te, ainda que por uma vez, fora de meu Coração (Vida y Obras, t. I, p. 93) mostrar-vos-á o que sois e ao mesmo tempo vos animará com a visão das suas misericórdias.

Lendo com atenção o Evangelho, acaba-se por compreender que Nosso Senhor vivia sedento das misérias humanas.

Leiamos refletindo as passagens do Bom Pastor, do Samaritano, as cenas da Madalena e da mulher adúltera, as refeições com os publicanos e onde quer que encontremos as palpitações violentas da Coração misericordioso de Jesus.

Os publicanos não só existiram, mas continuam a existir, somos nós mesmos. E Jesus se apressa a buscar-nos, justamente porque somos publicanos.

Compreendamos portanto, uma vez por todas, que a única maneira de ficarmos quites com o Médico divino é dar-Lhe o coração, cheio de confiança.

Jamais conseguiremos que ela seja bastante grande, dizia Teresinha, jamais!

Quantos não fizeram do Coração de Jesus uma novidade e uma devoçãozinha poética, nascida em Paray-le-Monial!

Mas não é verdade.

O Coração de Jesus autêntico, inteiro, maravilhoso, doutrina substanciosa, vida e misericórdia, centro dos corações, eu o encontro no Evangelho.

Creio - pois claro! - nas grandes revelações feitas a Santa Margarida Maria, justamente porém, o que mais comove nelas e o que mais me convence - depois da autoridade da Igreja - é a concordância perfeita entre o Evangelho e os manuscritos de Margarida Maria.

Nem ela, nem coisa nenhuma me são indispensáveis ao conhecimento daquele Coração que se revelou a nós de maneira maravilhosa em Belém, Nazaré, no Calvário e que prossegue revelando-se no Tabernáculo. Paray lançou forte luz e é deveras uma revelação, seus pedidos e promessas são marcos divinos que dão relevo à doutrina. Esta, porém, encontra-se a cada linha do Evangelho, suprema e definitiva revelação do Coração de Jesus.

O acontecimento de Paray reveste-se, antes, de uma outra importância, certamente capital.

O Salvador regressa a essa terra-santa, para condenar, reafirmando o que há havia dito na Palestina, a heresia horrenda e fatídica do jansenismo.

Resumindo: o que Nosso Senhor disse em Paray condensamos nesta frase: "Crede em Meu amor, não temais, sou Jesus; amai-Me, dando-Me o vosso coração, e fazei-Me amado, porque sou Jesus".

Não era isso nenhuma novidade. Nos lábios, porém, de Jesus, e depois, firmado pela Igreja, constituía o anátema de morte contra o jansenismo hipócrita, heresia daquela época.

Como os fariseus de Jerusalém, estes mais modernos, não menos repugnantes e venenosos, não acertaram que um Mestre de Israel, um enviado do Altíssimo, novo Profeta de uma lei bondosa, manifestasse, como o fazia Jesus, tais preferências, fraquezas de ternura, para com aqueles por eles desdenhados como escória moral.

E precisamente para recolher, com mãos divinas, "essa escória" e convertê-la em tesouros de glória eterna, vinha Jesus, enviado do Pai, para salvar.

Magnífico e eloquente escândalo! As criaturas chamadas justas, os condutores das almas e conhecedores das Escrituras não concebiam um Deus, um Jesus que, sendo quem é, coma e converse com pecadores e que por eles tenha deixado os anjos do céu.

Jansenistas já eram essa turba de fariseus soberbos e hipócritas ... E fariseus são também os idênticos orgulhosos, os idênticos sepulcros caiados que não aceitam como autêntica e divina a doutrina do Coração de Jesus: "Quero Misericórdia", Misericordiam volo  (Mt 9, 13).

Com que veemência maldigo esse jansenismo, que parece haver fomentado, especialmente nas almas mais ricas e generosas, a heresia que, como um vampiro, sorveu-lhes o sangue da nobreza e da generosidade, dissecou-lhes o coração, paralisou-as. Converteu em múmias de terror e aparente austeridade, almas gigantes que, se tivessem amado, se houvessem levantado vôo, se tivessem fixado por horizonte, não suas misérias, mas a Jesus, e muito mais que a obsessão do inferno, o Amor, teriam chagado a maravilhas de santidade.

Jansenismo nocivo, infecto, que se atreveu a converter o Senhor de suma caridade e misericórdia em um Moloch feroz, num Júpiter tonante, cruel e assustador. Quantas e quantas vítimas desse sistema sem luz, sem esperança, sem amor, encontrei em meu caminho!

Mas, demos graças a Deus, esses miasmas parecem ceder, depois de combate rude; e à escola jansenista, falta de entranhas, de piedade e de Eucaristia, sucede hoje no governo das almas a escola do Coração de Jesus, radiante de beleza, rica de doutrina, entusiasta pela Eucaristia, saturada de confiança evangélica.

Fazemos agora tremer, sim, mas de amor imenso.

Nunca poderei esquecer o que me dizia um jansenista, ilustre advogado, que se julgava católico perfeito: "Não me fale, Padre, de misericórdia; o que eu peço e quero é que me seja feita justiça seca". Infeliz dele. Se o Sagrado Coração não houvesse sido mil vezes mais compassivo que rigoroso, já saberia o pobre a estas horas o que é justiça inexorável, eterna.

Mas Nosso Senhor vinga-se, sim, à sua maneira porém. E o tal jansenista morreu abraçando com amor apaixonado uma imagem do Sagrado Coração, e pedindo misericórdia.

Não foram de estilo semelhante os Apóstolos, antes de receberem instrução e educação, quando diziam: "Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma?" (Lc 9, 54).

Não tinham ainda penetrado no espírito e no Coração do Mestre. Quando o Espírito Santo abriu-lhes os olhos e suas almas dilataram-se, fizeram reparação, mandando baixar fogo de Caridade que incendiasse almas e povos no amor de Jesus Cristo. Foi esse o seu apostolado.

Há daqueles para os quais, dir-se-ia, não há senão um atributo em Deus: justiça tremenda.

É claro que Deus, porque é Deus, há de ser infinitamente justo. Mas precisamente por isso, aqui embaixo, enquanto percorremos esse caminho escabroso de viajores, conhecendo Ele o barro com que nos formou, deve ser muito mais bondoso que rigoroso, muito mais Salvador e Pai que Juiz inexorável.

Ele veio e ficou na Eucaristia e na Igreja, para salvar ... Nós o forçamos, desgraçadamente, a condenar, obrigamo-Lo a ser Juiz severíssimo.

Se não houvesse senão justiça, ou se houvesse mais justiça que misericórdia, ou se fosse tanta a justiça quanta a misericórdia, cá embaixo, no governo providencial das almas, para que então o confessionário, o sacerdócio, a Eucaristia, e todo o plano mil e uma vezes prodigioso de redenção misericordiosa?

Para quem tenha um poucochinho de experiência das almas, a aplicação prática e diária desse plano redentor constitui o milagre dos milagres, e milagre permanente.

(A Conferência continua no próximo artigo).

 

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