sábado, 25 de agosto de 2018

A PROVIDÊNCIA DIVINA



"A tua providência, ó Pai, é que o governa" (Sab. XIV, 3). Temos a tentação de achar que a Providência de Deus só governa o mundo nos grandes acontecimentos; mas devemos reconhecê-la e adorá-la até nas menores circunstâncias da nossa vida. Na verdade, tudo está sujeito ao domínio da Providência, até o passarinho que morre: "Porventura não se vendem dois passarinhos por um asse? E todavia nem um só deles cairá sobre a terra sem a permissão de vosso Pai" (S. Mat. X, 29). E Nosso Senhor Jesus Cristo, no versículo seguinte, diz ainda: "Até os próprios cabelos de vossa cabeça estão todos contados". Por isso, caríssimos, devemos nos elevar sempre até à primeira causa, que é o mesmo Deus. A primeira homenagem que devemos prestar à Providência, é a de fé, e depois a de submissão. O Espírito Santo na Sagrada Escritura apresenta-nos o exemplo belíssimo do santo varão Jó: "O Senhor o deu, o Senhor o tirou, como foi do agrado do Senhor, assim sucedeu: bendito seja o nome do Senhor" (Jó, I, 21). Verdadeiramente, Deus, Nosso Senhor tudo regula; tudo o que acontece é efeito da vontade divina, que ordena ou que permite.

Deus é o Senhor e, portanto, quando manifesta sua vontade, compete aos homens submeter-se a ela. É Senhor de direito, porque pode, sem que tenhamos motivo para queixar-nos, mandar o que quer; Senhor de fato, porque realiza realmente tudo o que quer. Por justiça, Deus tem direito de regular tudo segundo a sua vontade e não segundo a nossa. Não temos poder nem direito de resistir à Deus. Que força pode prevalecer contra o Onipotente!? Devemos fazer da necessidade virtude. Nas provações devemos estar sempre resignados a santíssima vontade de Deus. Mas, caríssimos, devemos pensar que Deus é um pai, e, portanto, devemos confiar em sua bondade.

E ninguém é excluído dos cuidados paternais de Deus Nosso Senhor. É óbvio, porém, que tem atenções especiais com aqueles que se entregam a Ele. A sua Providência vigia sobre nós; conhece as nossas necessidades, e pensa em socorrer-nos primeiro que nós pensemos em pedir. É o que constatamos na multiplicação dos pães: Jesus viu aquela grande multidão e teve compaixão de todas aquelas pessoas (Cf. S. Marc. VI, 34 e 42). E o seu poder é igual à sua bondade: os poucos pães e peixes se multiplicam nas suas mãos e todos são saciados.

E, caríssimos, consideremos que, se tal é a sua solicitude pelos corpos, que não fará pelas almas? Daí devo dirigir-me sempre pela fé, pois ela ensina-me que nada detém Deus na execução dos seus desígnios. Ensina-me, outrossim, a fé que a sabedoria de Deus é infinita e dispõe todas as coisas com admirável fortaleza e suavidade: "(A sabedoria de Deus) atinge, pois, fortemente desde uma extremidade à outra; e governa tudo convenientemente" (Sab. VIII, 1). Ela sabe tirar o bem do mal, e converter os obstáculos em meios. José do Egito nunca esteve tão perto do trono como quando o prenderam!

Deus considera os meus sofrimentos e as minhas necessidades com os olhos de um pai: "Vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes que vós o peçais" (S. Mat. VI, 8). E o próprio Deus na Santa Escritura nos afirma que não há mãe que tenha para seu filho os carinhos que Ele tem para conosco: "Porventura pode uma mulher esquecer-se do seu menino de peito, de sorte que não tenha compaixão do filho de suas entranhas? Porém, ainda que ela se esquecesse dele, eu não me esquecerei de ti" (Isaías, XLIX, 15).

Compenetremo-nos, caríssimos e amados irmãos, destas verdades tão consoladoras. Amém!

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

A CASTIDADE SACERDOTAL



"Quid est quod dilectus meus in domo mea fecit scelera multa?" (Jeremias XI, 15).
"Como é que aquele que eu amo cometeu tantas maldades na minha casa?"

"Conta-se na Mitologia grega, diz o Pe. Félix Alejandro Cepeda, que em Tebas havia um monstro chamado Esfinge, o qual tinha rosto de mulher, asas de pássaro e garras de leão; sua ocupação era propor aos transeuntes enigmas ou advinhas  que lhe haviam ensinado as musas. Àquele que não sabia adivinhá-las, dava-lhe a morte. Um dia em que passava Edipo, perguntou-lhe a Esfinge: Qual é o ser ao mesmo tempo, o mais grande e o mais pequeno?  E Edipo, aquele infeliz Edipo, que estava destinado a matar  seu pai e a casar-se com sua mãe, respondeu: O HOMEM. Pois bem, continua o Pe. Félix, se a mim fosse feita a mesma pergunta, responderia sem vacilar: O SACERDOTE. O sacerdote, com efeito, é grande por sua excelsa dignidade, porém se envilece até ao máximo se cai no pecado mortal". E, caríssimos, acrescento que, em se tratando de pecados impuros, seu aviltamento é  um dos mais hediondos.

Em Roma, nos tempos do paganismo, havia as Sacerdotisas de Vesta, chamadas Vestais. Eram incumbidas de manter sempre aceso o fogo sagrado no templo da deusa. Eram elas em número de seis; ingressavam no templo com cerca de 10 anos de idade, e ali ficavam durante 30 anos, período durante o qual deviam conservar intacta a sua virgindade. Eram tidas pelos romanos em alta estima, tanto assim que nas solenidades elas tinham sempre os lugares de honra, e vestiam um especial hábito branco ornado de púrpura. Se um magistrado as topava na rua, cedia-lhes a direita. Se uma das Vestais faltasse ao seu dever e violasse a castidade, era condenada a ser enterrada viva num lugar chamado CAMPO CELERADO. Até os pagãos tinham tal veneração pelas pessoas de vida casta que para trabalhar no templo da deusa, elas tinham que conservar a virgindade.

Quão gravíssimo e hediondo é o pecado que cometem na Casa do verdadeiro Deus, muitos clérigos que se consagraram a Deus fazendo o voto de castidade perfeita e pecam justamente quebrando este voto. Dizia um piedoso escritor: "O que guarda com fidelidade a castidade, despe-se da humanidade para se revestir da natureza angélica; assim como o que a imola é um anjo decaído, um demônio". Podemos afirmar que a mais bela joia da coroa sacerdotal é a castidade. Caríssimos, na verdade, o sacerdote sendo já super eminente pela sublimidade de suas funções inteiramente divinas, se continuamente se aplica a espiritualizar sua carne e seus sentidos pela castidade, se, transportado por esta virtude até ao Coração de Jesus, n'Ele estabelece sua morada habitual, não saindo daí senão como os anjos e com a pureza dos anjos para exercer entre os homens seu divino ministério, quem poderá descrever a magnificência de sua glória?

Se esquece, porém, sua grandeza, se esquece sua união inefável com a Carne e Sangue de Jesus Cristo, com que nutre todos os dias sua alma no santo altar, se esquece a rigorosa lei da castidade que o obriga já como cristão, se enfim deixa o coração de Deus e os resplendores celestes para sepultar seu sacerdócio na torpeza e devassidão, que monstro ele se torna!!! Já não é anjo, nem sequer homem; passou a demônio. O sacerdote impudico quebra os laços que o prendiam a Deus, não tendo já luz para se conduzir nem fervor para se consolar, nem coragem para se levantar, nem zelo para salvar seus irmãos, visto que ele mesmo se perde, cai loucamente de abismo em abismo.  E suas desordens, secretas ao princípio, acabam pelo não ser e então é que se vê na Igreja um desses escândalos, que arrancam às almas piedosas, gemidos e lágrimas; escândalo que faz a alegria dos ímpios, que cobre de opróbrio o que o causa, e faz que o divino Salvador diga o mesmo que dizia de seu pérfido apóstolo: "Ai daquele homem... melhor fora que não tivesse nascido!"

Assim, devemos considerar a virtude da castidade como sendo tão indispensavelmente necessária a um padre para edificação do próximo, para o pleno sucesso de seu ministério e para sua própria santificação, que não só não deve fazer absolutamente nada contra esta virtude, mas até abster-se de tudo o que possa despertar um vislumbre de suspeita contra a pureza de seus costumes. E os padres devem estar sempre lembrados que os demônios fazem esforços incríveis para precipitá-los da sua suprema elevação no abismo do lodaçal do vício impuro.

Deus quer anjos para o governo de sua Igreja, que é o seu reino terrestre, como os tem para o seu reino do Céu; por conseguinte é indispensável aos sacerdotes a virtude angélica: Jesus disse que no céu os eleitos são como anjos: "Na ressurreição, nem os homens terão mulheres, nem as mulheres maridos, mas serão como os anjos de Deus no Céu" (S. Mateus XXII, 30). Bossuet, comparando a divina fecundidade do Sacerdote, que dá a Deus filhos espirituais, com a de Maria, afirma que uma e outra requerem uma pureza de todo angélica. A reza do Breviário, o sacrifício de louvores, a oração pública, exige dos sacerdotes quase tanta pureza como a de Jesus Cristo. E que dizer dá pureza ilibada com que deve o sacerdote subir ao Altar para oferecer a Vítima divina!? As coisas santas devem ser exercidas por pessoas santas: "Sancta sanctis". E pode haver algo mais santo sobre a face da terra do que  o Sacrifício do Altar, pelo qual temos Jesus que renova  o Sacrifício do Calvário?!

Três coisas protegem os sacerdotes contra as quedas no vício impuro: a humildade, a vigilância e a generosidade.

A virtude da humildade é a primeira defesa da castidade sacerdotal. Que perto está o homem de cair no abismo, quando confia em si! Nem a gravidade do caráter nem os progressos feitos na perfeição, nem a idade avançada podem dar uma completa segurança. A confiança em si degenera facilmente em presunção. Deus dá a graça aos humildes, e resiste aos soberbos. "Queres ser casto, pergunta Santo Ambrósio, sê humilde; queres ser castíssimo? sê humilíssimo".

A vigilância é uma consequência da humilde desconfiança de nós mesmos, e do conhecimento dos perigos a que os sacerdotes estão expostos. A fraqueza natural é tão grande, o demônio tão astuto, o contágio tão universal, as ocasiões tão numerosas e, hoje, mais do que nunca, que, se não emprega a máxima precaução, o sacerdote terá brevemente um coração de réprobo, será um verdadeiro demônio encarnado. Nas relações mais indispensáveis com o mundo, até nas santas funções do ministério sagrado, por toda a parte estão armados laços à pureza dos sacerdotes. Os sacerdotes trazem o precioso tesouro da castidade perfeita num vaso por demais frágil. Daí a vigilância deve ser aquela lâmpada acesa com que o homem prudente alumia todos os seus passos. Deve vigiar sobre a imaginação, o coração, sobre todos os sentidos exteriores. Na verdade, o sacerdote deve vigiar até sobre o zelo, mas, de uma maneira especial, sobre as relações com as pessoas cuja idade e sexo poria em perigo a sua virtude ou a sua reputação.

Finalmente, é mister que o sacerdote tenha generosidade, porque há laços que ele, sendo prudente, não procura desatar, mas quebra-os e com prontidão. E nenhuma virtude exige tanto a generosidade como a castidade virginal. O sacerdote deve fazer de seu corpo, que é templo de Deus, uma hóstia viva, santa, agradável ao Senhor, para que lha possa oferecer unida ao sacrifício do Altar. É o que manda S. Paulo a todo mundo, e, a fortiori deve-se dizer o mesmo dos sacerdotes: "Rogo-vos, pois, irmãos pela misericórdia de Deus, que ofereçais os vossos corpos como uma hóstia viva, santa, agradável a Deus" (Rom. XII, 1). Como não praticar a mortificação de Jesus Cristo, aqueles que se alimentam todos os dias de Jesus crucificado? O sacerdote deve, além de fugir dos perigos, ter a generosidade de estar sempre ocupado. Deve ter um amor apaixonado pelo estudo das Sagradas Escrituras e dos Santos Padres, isto é,  da Exegese e da Teologia Dogmática e Moral.

Sempre, mas hoje mais do que nunca, um sacerdote sem vida interior, sem meditação e retiro está fadado a ruína que, infelizmente, pode ser eterna! Caríssimos colegas no sacerdócio, sejamos padres santos, e para conseguir o fim almejado, pratiquemos antes de tudo a bela virtude da castidade perfeita, da qual fizemos voto a Deus, no dia mais feliz e solene de nossa vida!. Amém!

ABORTO

ABORTO – VOZ DA CIÊNCIA
                                                         
                                                                                                                                         
  Dom Fernando Arêas Rifan*
             Considerando-se o feto como um amontoado de células ou algo pertencente ao corpo da mãe, o aborto seria defensável. Mas, cientificamente falando, não é. Trata-se, segundo a ciência moderna, de um ser humano, apesar de ainda em formação, - como, aliás, também o é um bebê recém-nascido - com código genético, conjunto de cromossomos e personalidade independente da sua mãe. E a sua morte provocada vem a se constituir em um voluntário e direto ato de se tirar a vida de um ser humano inocente, ato ilícito perante a lei natural e a lei positiva de Deus. 
            E já foi estatisticamente refutado o argumento de que, nos países em que o aborto foi legalizado, o seu número diminuiu. E mesmo que o fosse, continua o princípio de que não se pode legalizar um crime, mas sim estabelecer a proteção da criança que está no ventre de sua mãe. Cada bebê é um dom precioso com personalidade própria e não um número de estatística. 
            E ao argumento falso de que a mulher é dona do seu próprio corpo devemos responder com a ciência que o nascituro não faz parte do corpo da sua mãe, não é um apêndice ou um órgão seu, mas é um ser independente em formação nela. 
           A questão de uma nova vida começar com a concepção é um dado científico atual e não objeto da fé. Portanto, ser contra o aborto é posição normal de quem aceita os dados da ciência. 
           “O ciclo vital, do ponto de vista estritamente biológico, é que, cada ser humano é um organismo distinto e singular... A fertilização dá início ao ciclo vital levando a um período de desenvolvimento, chamado de embriogênese, no qual as células, os tecidos e os órgãos se desenvolvem progressivamente a partir de uma única célula, o zigoto... Segundo as evidências fornecidas pela biologia, o zigoto humano, que dá início ao embrião multicelular que dele deriva, é verdadeiramente um indivíduo, e não parte de um todo ou um agregado de elementos... Isto tudo leva a concluir que o embrião humano, mesmo no seu primeiro passo, não é um amontoado de células, mas um indivíduo real... A partir da constituição do Zigoto, exige-se o respeito, que é moralmente devido aos seres humanos em sua totalidade corporal e espiritual” (exposição do Prof. Dr. Carlos Mateus Rotta, Doutor e Mestre em Medicina, Professor responsável pela disciplina de Clínica Cirúrgica e gestor acadêmico do Curso de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes).
            Dr. Jerôme Lejeune, cientista, professor da Universidade René Descartes, de Paris, e especialista em Genética Fundamental, descobridor da causa da síndrome de Down, em entrevista à VEJA, que lhe perguntou se, para ele, a vida começa a existir no momento da concepção, respondeu: “Não quero repetir o óbvio. Mas, na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos transportados pelo espermatozoide se encontram com os 23 cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano já estão presentes. A fecundação é a marco do início da vida. Daí para frente, qualquer método artificial para destruí-la é um assassinato”.


*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
http://domfernandorifan.blogspot.com.br/ 

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

INGRATIDÃO PARA COM DEUS



Pela gratidão deveria todo homem pensar sempre nos benefícios recebidos de Deus, deveria agradecer ao benfeitor e fazer bom uso dos seus dons. Pois bem, o homem ingrato, em lugar de recordar as graças que recebeu de Deus, esquece-as; em lugar de as agradecer a Nosso Senhor, desconhece que as recebeu d'Ele, e, às vezes até as atribui a si; em lugar de as empregar em servi-Lo, abusa delas para O ofender.

Caríssimos, o Espírito Santo lança em rosto ao antigo povo judaico, este indigno esquecimento: "Abandonaste o Deus que te gerou e esqueceste-te do Senhor, teu criador" (Deut. XXXII, 18); " Nossos pais no Egito não consideraram as tuas maravilhas; não se lembraram da multidão das tuas misericórdias"... "Esqueceram-se de Deus, que os tinha salvado, que tinha feito grandes prodígios no Egito, maravilhas na terra de Cam, coisas terríveis no mar Vermelho" (Salmo 105, 7, 21 e 22); "E esqueceram-se de seus benefícios e das maravilhas que fez à vista deles" (Salmo 77, 11).  O ingrato pode ser comparado aos brutos animais que, debaixo de uma árvore frutífera, comem as frutas que caem  e não olham para cima.

O ingrato não só esquece os benefícios recebidos de Deus mas vai mais além: atribui a si o que recebeu do céu: "Farei desaparecer a sua memória dentre os homens. Mas diferi por causa da arrogância dos inimigos; para que os seus inimigos não se ensoberbecessem e dissessem: Foi a nossa mão poderosa, e não o Senhor que fez todas estas coisas"  (Deut. XXXII, 27). Caríssimos, a ingratidão é fruto do orgulho. É levado por este pecado capital, que o homem pretende, ao menos, participar com Deus da glória do bom êxito; quereria, na verdade, dever tudo a si mesmo; mas não podendo, esforça-se por diminuir a sua obrigação de agradecer os benefícios recebidos de Deus.

Mas a ingratidão leva ao auge sua maldade quando, em lugar de agradecer os benefícios, abusa deles para ofender o Sumo Benfeitor.  E Deus se queixa ao seu povo:  "Tu, Jacó, não me invocaste, nem tu, Israel, fizeste caso de mim. Não me ofereceste carneiros em holocausto, nem me glorificaste com as tuas vítimas, não te fiz render serviços com oblações, nem te dei trabalho de queimar incenso... Antes me tornaste como que um escravo com os teus pecados, e me causaste pena com as tuas iniquidades" (Isaías XLIII, 22-24).  

Caríssimos, por estas palavras divinamente inspiradas do Espírito Santo, podemos avaliar quão pecaminosa é a ingratidão para com Deus. Outras passagens ainda das Sagradas Escrituras mostram toda a enormidade deste crime da ingratidão. O homem ingrato priva a Deus do único tributo que pode e quer receber da sua criatura racional: "Ouve, meu povo, e eu falarei; ouve, Israel, e eu te darei testemunho. Deus, o teu Deus sou eu" (Salmo XLIX, 7). Esta passagem quer dizer o seguinte: Ouve, povo meu; tu não podes desconhecer que sou o teu Deus, e que, tendo recebido de mim todos os bens que possuis, é justo que me mostres a tua gratidão com alguma oferenda. Mas, que me oferecerás tu? Qualquer coisa que queiras oferecer-me, pertence a mim. E Deus mostra, então, o que pode oferecer: "Oferece a Deus sacrifício de louvor; e paga ao Altíssimo os teus votos" (Salmo XLIX, 14). É justamente isto o que o homem ingrato não faz!

Todas as criaturas ainda mesmo insensíveis proclamam a glória de Deus, e nos convidam a louvá-Lo. O ingrato não o faz, e assim, priva a Deus do fruto de Seus trabalhos. O ingrato comete ainda um grande atentado: toma o lugar de Deus, que é o Primeiro Princípio, pois, atribui a si as qualidades que possui, ou julga possuir, como se proviessem de si mesmo.

"Não foram dez os que curei? Só um voltou para
agradecer..."
Por tudo que acabamos de ver, baseados nas Sagradas Escrituras, podemos avaliar quão funestos poderão ser os efeitos da ingratidão para com Deus. Diz S. Bernardo: "Ingratitudo inimica est animae exinanitio meritorum, virtutum dispersio, beneficiorum perditio..., ventus urens, siccans fontem pietatis, rorem misericordiae, fluenta gratiae (Sermão LI in Cant.). Traduzido: "A ingratidão é inimiga da alma, a destruição dos seus merecimentos, a ruína das suas virtudes e a perda dos benefícios que ela tinha recebido..., é um vento abrasador que seca a fonte dos dons celestiais, da piedade, o orvalho da misericórdia, as fontes da graça". E no mesmo sermão o santo doutor diz que a ingratidão é a corrupção do coração, que priva das primeiras graças e obsta às segundas, porque, o ingrato merece perder o bem que possui, e não merece obter o que lhe falta. E eis o que diz a Sagrada Escritura: "Isto diz o Senhor Deus: Visto que te esqueceste de mim, e me lançaste para trás das costas, carrega tu também com a tua maldade..." (Ezequiel, XXIII, 35).  Em Oséias I, 6 , Deus mostra qual o castigo reservado ao povo ingrato de Israel: "...Eu não me tornarei mais a compadecer da casa de Israel, antes os esquecerei inteiramente". Terrível castigo!!!

Jesus curou dez leprosos, e só um voltou para agradecer. O manso Cordeiro reclama: "Não foram dez os que curei? Onde estão os outros nove? Só um voltou para agradecer!

"Ó Senhor, exclama Santo Agostinho, médico das almas, sarai-me para que Vos confesse, ó Saúde da minha alma e Vos agradeça com todo o meu coração, os benefícios com que me sustentastes desde a minha juventude e me sustentareis até ao declinar da velhice". Amém!

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

A CARIDADE PARA COM O PRÓXIMO



"Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o coração, e a teu próximo como a ti mesmo" (S. Luc. X, 27 e 28). Jesus disse que estes dois mandamentos contêm toda a Lei e os profetas (Cf. S. Mat. XXII, 40). Portanto, todos os nossos deveres se resumem no amor de Deus e do próximo. Cumprindo-os, portanto, conseguiremos a vida eterna. Na verdade, a vontade, guiada pelo amor, não quererá senão o bem. O amor de Deus é o princípio do amor ao próximo. Quando uma alma possui a verdadeira caridade, é sinal de que está em paz com Deus: "Sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os nossos irmãos" (1 S.João III, 14). Dizia S. Paulo aos Coríntios: "Não passais, na vida espiritual, de criancinhas, que só podem alimentar com leite; sois ainda muito carnais, já que existem entre vós inveja e discórdias" (1 Cor. III, 1-3).

Há duas espécies de amor do próximo: o natural e o sobrenatural. É natural, por exemplo, ao homem amar sua família, seus amigos, seus semelhantes. Disse um autor pagão: "Sou homem e nada do que é humano me pode ser indiferente". Assim, instintivamente nos compadecemos dos que sofrem e procuramos oferecer-lhes nossos préstimos. Naturalmente temos prazer em fazer alguém feliz. Dizia o pagão Virgílio, grande escritor latino: "Haut ignara mali miseris succurrere disco"; em Português: "Conhecendo a desgraça, sei prestar auxílio aos desgraçados". Este sentimento, embora, puramente natural, é obra de Deus e por conseguinte não podemos desprezá-lo.  A inclinação de fazer bem ao próximo foi colocada na alma humana por Deus. E nos planos divinos, esse amor natural deve servir de começo para o amor sobrenatural, porque a graça sobrenatural não destrói a natureza feita por Deus, mas, pelo contrário, a supõe. A lei de Moisés já rezava: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Levítico XIX, 18).

Mas, caríssimos, nossa natureza foi vulnerada pelo pecado original. Daí necessitamos daquela recomendação feita por Tobias a seu filho: "Não faças a outrem aquilo que não queiras que te façam" (Tobias XVI). Como já dissemos, se o homem traz em si uma inclinação para querer bem ao próximo, por outro lado, é levado, quase que sem perceber, a colocar-se acima do próximo, a achar-se que merece atenções que ele mesmo não emprega em relação aos seus semelhantes. Daí, de um lado, é-lhe agradável fazer o bem, de outro, custa-lhe ser contrariado. E como os interesses dos homens, às vezes, são opostos, isto é, o que constitui a felicidade de um, causa tristeza a outro, as vontades de um e outro se opõem.

De tudo isto devemos concluir, que, para haver caridade é mister renúncia de si mesmo. Não podemos ceder ao amor próprio um tanto excessivo, porque ele leva o homem a ter invejas e aversões. Daí, os corações apaixonados por si mesmos, são mesquinhos e amam poucas pessoas, e mesmo assim, levados pelo mesmo amor de si mesmos. Na verdade, gostam daqueles que têm os mesmos defeitos, daqueles que lhe são simpáticos ou que os lisonjeiam. Por outro lado, criticam  os que não concordam com eles.

Devemos dizer que assim como existe um amor de Deus perfeito e outro imperfeito, assim também existe um amor do próximo que podemos chamar de perfeito, e existe o amor do próximo que é imperfeito.  

O egoísmo é a fonte do amor imperfeito ao próximo. É ele que causa a maior parte das faltas contra a caridade. A Lei mosaica contentou-se com "amar o próximo como a nós mesmos", mas o Coração de Jesus fez e quis que fizéssemos muito mais: "Eu vos dou um novo mandamento, é que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei" Jesus quer que nos amemos, porque somos filhos de Deus. S. Paulo dizia aos Filipenses: "Trago-vos todos em meu coração, eu vos amo com o coração de Cristo" (Filip. I, 8).

O perfeito amor do próximo vem de uma fé viva, perfeita. O Divino Espírito Santo se compraz em dar esta virtude da caridade perfeita também àqueles que são generosos e se esforçam em imitar a Jesus. E também cada sacrifício feito em favor do próximo aumenta-lhes a caridade. Assim, caríssimos, devemos esforçar-nos para obter esta caridade perfeita e já a tendo adquirido, tomarmos todo cuidado em evitar tudo que possa diminuí-la. Devemos, portanto, ter em nós os mesmos sentimentos do Coração de Jesus.

"O meu mandamento, disse Jesus, é que vos ameis uns aos outros como eu vos amei" e acrescenta: "Sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos ordeno". Que felicidade ser amigo do próximo e ser assim amigo de Jesus! Amém!