quinta-feira, 25 de abril de 2019

AS MISÉRIAS HUMANAS

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA
(Inspirada no Livro da Imitação de Cristo)

     Infeliz serás onde quer que estejas e para onde quer que te voltes, se  não recorreres a Deus. Ninguém vive no mundo sem alguma tribulação ou angústia, ainda que seja rei ou papa. Porque certamente estará melhor aquele que pode padecer alguma coisa por amor de Deus. 
    Levanta o pensamento aos bens do céu, e verás que todos os bens temporais nada são! Sempre incertos, são pesados porque nunca se possuem sem cuidado e temor. Não consiste a felicidade do homem em ter abundância de bens temporais; basta-lhe a mediania. É verdadeira loucura e dureza de coração passar a vida apegado à terra. Muitos acham que tendo dinheiro, prazeres, televisão, Internet, têm tudo e não pensam no céu. E pior ainda, não rezam e se o fazem, rezam mal e não trabalham para o único necessário: a salvação da alma. 
   Os Santos de Deus, porém, e todos os fiéis amigos de Cristo não atendem ao que agrada à carne nem ao que neste mundo brilha; mas toda a sua esperança e intenção se dirige aos bens eternos. Todo seu desejo se eleva para as coisas duráveis e invisíveis, para que o amor do visível os não arraste a desejar as coisas baixas. 
   Não percas, caríssimo irmão, a confiança de aproveitar nas coisas espirituais; ainda tens tempo e ocasião. 
   Por que queres dilatar de dia em dia o teu propósito? Levanta-te, começa neste mesmo instante e dize: Agora é tempo de obrar, agora é tempo próprio para me emendar. 
   Quando estás atribulado e aflito, então é tempo de merecer. 
   Se não te fizeres violência, não vencerás o vício. 
   Enquanto estamos neste frágil corpo, não podemos estar sem pecado, nem viver sem fadiga e dor. Por isso nos importa ter paciência, e esperar a misericórdia de Deus "Até que esta maldade se acabe e se destrua a mortalidade pela vida" (2 Cor., V, 4). 
   Oh! quão grande é a fraqueza humana que sempre está inclinada aos vícios! Hoje confessas teus pecados e amanhã tornas a cair neles, embora tenhas feito a confissão sincera e com propósito firme. Agora propões acautelar-te, e daqui a uma hora obras como se nada houveras proposto. Como diz São Paulo, o homem vê o bem e aprova-o; vê o mal e desaprova-o; no entanto termina fazendo o mal que desaprova e não o bem que aprova. Com muita razão, pois, nos devemos humilhar e não nos ter em grande conta, pois somos tão frágeis e tão inconstantes!
   Depressa se perde por descuido o que com muito trabalho dificultosamente se ganhou pela graça. Que será de nós no fim, se já somos tão tíbios no princípio.
   Ai de nós, se assim queremos buscar o descanso; como se já tivéramos paz e segurança quando em nossa vida não aparece ainda sinal de verdadeira santidade!
    "O homem nascido de mulher vive poucos dias e é oprimido de muitas misérias". Esta é a sorte que nos fez o pecado. Sobre esta grande miséria Jó se lamentava; mas pensando na eternidade não perdeu a esperança: "Sei que meu Redentor vive, e que serei de novo revestido de minha carne e nela verei o meu Deus; hei de vê-lo e meus olhos o contemplarão" (Jó XIX, 23-27). 
   Desde logo tudo muda: aquelas dores, antes sem consolação alguma, unidas às do Redentor, não são mais do que uma expiação necessária, uma prova de justiça e de misericórdia, um germe de eternas alegrias.
   Jesus Cristo, nosso Redentor abriu, por sua morte, o céu ao homem decaído, que, por graça única, pedia à terra uma sepultura. E nós poderíamos queixar-nos dos sofrimentos a que Deus reserva tão grande prêmio? Murmuraríamos quando, pelas tribulações se digna Jesus Cristo associar-nos aos méritos de seu sacrifício?
    Senhor, reconheço minha cegueira, minha ingratidão, a nada mais quero desejar neste mundo que ter parte em vossa paixão, afim de ser um dia participante de vossa glória. Desta hora para sempre sede Vós o senhor desta alma, o morador pacífico dela. Alumiai meus olhos, meu bom Jesus, para que sempre vejam a suavidade e brandura, desse Vosso coração, e, preso de Vossa formosura, tudo o mais não tenha em mim entrada. 
   O ramalhete espiritual  que levarei desta leitura meditada são as palavras do Divino Mestre: "Se alguém estiver aflito, acabrunhado com muitos problemas, venha a mim, e eu o aliviarei".

quarta-feira, 24 de abril de 2019

AMOR DA SOLIDÃO E DO SILÊNCIO

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA

   Jesus Cristo, nosso Divino Mestre, passou trinta anos em casa, e os três dias que passou fora de casa, estava no Templo, casa de Seu Pai.  Nos três anos  de vida pública, fora de casa, retirava-se muitas vezes para as montanhas, e, às vezes sozinho, sem a companhia de seus próprios discípulos. A estes, certo dia, Nosso Senhor deu este conselho: "Vinde para um lugar retirado dos homens, um lugar deserto, e descansai um pouco". Ali, no retiro, Jesus falou-lhes dos Reino dos Céus. Diz Deus pelo profeta Oseias: "Conduzirei a alma à solidão e ali lhe falarei ao coração".Diz a Bíblia que Deus não está na agitação. E o profeta Jeremias pergunta: "Por que a terra está desolada?" e responde: "Porque não há quem pare para pensar em seu interior". Caríssimos, não sou profeta, por isso não sei se haverá  para o futuro tempo mais tumultuoso, barulhento, dissipado e inimigo da meditação do que o de hoje; mas, com toda certeza, os tempos atuais são mais dissipados e avessos à vida interior do que os tempos do profeta Jeremias. Como profeta e inspirado pelo Espírito Santo, suas palavras abrangiam, com certeza, se não unicamente, também os nossos tempos. 
  São Bernardo dizia em latim (e só em latim a expressão tem encanto): "O Beata solitudo, o sola beatitudo!" 
   Deixa as coisas curiosas e lê, ao menos uns 15 minutos por dia, livros, artigos, posts que te levem a pensar em Deus, no Céu, em tua alma, nos benefícios de Deus, na tua ingratidão e nos teus pecados para teres no coração a compunção. 
   Quando foi que o filho pródigo se converteu, saiu da miséria espiritual e material? Quando, levado pela desilusão do mundo e pelas provações, parou para pensar. Enquanto estava nas orgias com seus amigos e amigas do mundo, não tinha como se converter, porque não ouvia a voz de Deus. Eis o que é o mundo! Quando o filho pródigo tinha dinheiro, seus amigos e amigas estavam ao seu lado; quando o dinheiro acabou e os "amigos e amigas" não puderam mais filá-lo, todos o abandonaram. Convertido, no interior de sua casa em companhia de seu bondoso pai, o filho mais novo era agora feliz, verdadeiramente feliz. Adeus barulho do mundo!
   Se te apartares da televisão, das conversações supérfluas e passeios ociosos, como também de ouvir novidades e murmurações, acharás tempo bastante e oportuno para te entregares a santas meditações. Estamos na terra de passagem; nossa conversação deve estar no céu.
  Disse Sêneca, filósofo antigo: "Quantas vezes estive entre os homens, voltei menos homem". Experimentamos isto quando falamos muito e com muitos; porque é mais fácil calar de todo, que falar sempre acertadamente. Na verdade, a boca fala o que temos no coração. Se vivermos com Jesus e sempre na presença de Deus, quando falarmos  sempre deixaremos boa impressão nos ouvintes e faremos bem à sua alma. 
    Ninguém seguramente se alegra senão o que possui em si mesmo o testemunho de boa consciência. 
   Muitas vezes os mais estimados no conceito dos homens têm caído em grandes perigos e enganos, por causa de seu orgulho, muita confiança em si mesmos e presunção. Se contradizem: durante anos a fio, a tempo e fora de tempo, querem impor suas ideias com a presunção de achá-las infalíveis como as palavras de São Paulo, e depois, a tempo e fora de tempo, querem que o próximo rejeite estas mesmas ideias. Pouquíssimas vezes nos vamos arrepender de ter calado, mas muitíssimas por ter falado.
   Outro grande proveito da vida mais retirada e silenciosa é o que se tira da leitura e medição das Sagradas Escrituras. Com a tradução e explicações tradicionais dos Santos Padres, a leitura meditada das Sagradas Escrituras é mel para os nossos lábios, melodia para os ouvidos, compunção e consolação para as nossas almas. 
   O mundo não entende estas coisas e critica e zomba do que não entende. O mundo está entregue ao espírito das trevas, a todas as concupiscências que ele inspira, a todos os crimes que ele provoca, a todos esses males de que é o princípio; por isso exclamava o profeta David: "Apartei-me, fugi (do mundo) e moro na solidão" (Salmo 54,8).
   Deixa aos vãos as coisas vãs, deixe que os mortos enterrem os mortos, e tu tem cuidado do que Deus te manda. Se não podes corporalmente fugir do mundo, ao menos deves fazer uma espécie de retiro no teu coração. Deste estratagema usaram alguns santos como, por exemplo, Santa Catarina de Sena. No meio das ocupações, da sociedade e do bulício do mundo, todos devem criar, no fundo de seu coração, um  lugar à parte,  onde possam retirar-se para conversar com Jesus Cristo e recolher-se em sua presença. 
   Ó Jesus! quando Vos verei como sou de Vós visto! Dai, Deus meu, o que quereis; dai, Salvador divino, o que minha alma precisa, e acharei nela o que vosso amor deseja!
   O ramalhete espiritual colhido no jardim desta leitura meditada serão as palavras de São Paulo: "Nossa vida está escondida em Deus com Cristo" (Coloss. III, 3). 
    
   
   

segunda-feira, 22 de abril de 2019

HUMILDADE E BONDADE

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA
(inspirada no Livro da IMITAÇÃO DE CRISTO)

  Quando alguém se humilha por seus defeitos, abranda facilmente os outros, e sem dificuldade satisfaz aos que estão irados contra ele.
  Deus defende e livra o humilde; ama-o e dá-lhe consolação, inclina-se para ele, concede-lhe graça, e, depois de seu abatimento, o eleva a grande honra.   
  O humilde, recebida a afronta , fica em paz, porque tem sua confiança em Deus e não no mundo.
  Não cuides que tens progredido na vida espiritual, se te não avalias por inferior a todos.
  Não te preocupes com o que os outros dizem ou pensam de ti. Não são eles que te hão de julgar. Se te acusam sem razão, Aquele que vê o fundo das consciências já te justificou. Se te lançam em rosto faltas reais, não és porventura feliz de sofrer uma mortificação saudável? A humildade nos deixa sempre tranquilos; o que nos pode perturbar é o orgulho. 
   Quem é humilde, também é bondoso, porque não se irrita, não se comove, ainda quando a paixão do próximo o condenar injustamente. Penetrado do sentimento de sua miséria, nunca o humilham tanto quanto ele mesmo se humilha em seu coração.
  Queres que nada altere o sossego de tua alma? Abandona-te a Deus em todas as coisas, e nos trabalhos, nas adversidades e nos contratempos da vida, dize com Jesus Cristo: "Sim, meu Pai, porque essa é vossa vontade" (S. Luc. X, 21). "Bom me foi o ter sido humilhado; possa assim aprender vossos preceitos" (Sl. 118, 71).
  Procura a paz primeiro para ti e depois poderás procurá-la para os outros.
  O homem pacífico é mais útil que o muito douto. Quem, porém, se deixa dominar pelo orgulho, quanto mais douto, mais sem caridade para com o próximo. Começa achando que os outros são ignorantes. Até o bem ele converte em mal, e crê o mal com facilidade. 
  Pelo contrário, o homem humilde e pacífico julga tudo pela melhor parte. Se tem muitas razões para julgar mal e uma apenas para julgar bem, ele escolhe esta última hipótese. 
  Quem está em boa paz, de ninguém suspeita mal; mas quem vive descontente e inquieto, com diversas suspeitas se atormenta; nem vive em sossego, nem deixa sossegar os outros.
  Tem pois principalmente zelo de ti e depois o terás justamente de teu próximo. Mais justo fora que te acusasses a ti e desculpasses a teu irmão. Suporta com paciência os defeitos do próximo, se queres que eles  suportem os teus. Olha quão longe estás ainda da verdadeira caridade e da humildade, que não sabe irar-se senão contra si.
  Não é ação de avultado merecimento viver em paz com os bons e mansos. Isto a todos naturalmente agrada, e cada um de boa vontade tem paz e ama os que concordam com ele. 
   Porém, viver em paz com os ásperos, perversos e de má índole, ou com aqueles que nos contrariam e combatem, é grande graça e ação varonil e louvável.
   Alguns há que têm paz consigo e com os outros. Outros há que nem a tem consigo, nem a deixam ter aos demais: molestos para os outros, ainda o são mais para si mesmos. E há outros que têm paz consigo, e trabalham por dá-la aos outros. Pois toda a nossa paz nesta miserável vida consiste mais no sofrimento humilde, que em deixar de sentir contrariedades. Por isso, quem melhor souber padecer, maior paz terá. Este tal é vencedor de si mesmo, senhor do mundo, amigo de Jesus Cristo e herdeiro do Céu. 
   Bem-aventurados os pacíficos, porque eles serão chamados filhos de Deus" (S. Mat. V, 9). Entende bem a grandeza deste nome e a instrução profunda que ele encerra. A paz é a ordem perfeita; e a perturbação, as dissenções, as discórdias, a guerra, não entram no mundo senão pela violação da ordem ou pelo pecado. Assim não há paz onde reina o pecado; não tem paz um homem cujos pensamentos, afeições, vontades, não são em tudo conformes à ordem ou à verdade e vontade de Deus; e todo aquele que quebranta esta lei, recebe logo o castigo de seu crime. Um mal desconhecido se apodera dele; não sei que força desordenada o arrasta para um e outro lado, e em parte nenhuma acha descanso; como Caim, depois do seu crime de tudo tem medo. 
   A paz pertence aos filhos de Deus: gozam dela em si mesmos e a difundem entre os outros; corre ela, por assim dizer, de seu coração, como esses rios que regavam a venturosa morada dos nossos primeiros pais, no tempo de sua inocência. Acompanha o homem na vida, sustenta-o na enfermidade, e até na última hora será sua herança; porque "o reino de Deus é justiça e paz" (Rom. XIV, 17). Filhos de Deus, "entrai no reino que vos está preparado desde o princípio do mundo" (S Mat. XXV, 34).
   Dai-me, Deus meu, aquela paz que o mundo não pode dar, paz de espírito e de coração, para que, praticando com sossego a vossa Lei, possa ir gozar um dia do eterno descanso.
   O ramalhete espiritual de hoje será a bem-aventurança pregada por Nosso Senhor Jesus Cristo: "Bem-aventurados os pacíficos porque serão chamados filhos de Deus" (S. Mat. V, 9)
  
  

domingo, 21 de abril de 2019

SANTA PÁSCOA!


SANTA PÁSCOA



Desejo aos caríssimos leitores uma FELIZ E SANTA PÁSCOA!



"Vós não sabeis que todos os que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte? Nós fomos, pois, sepultados com Ele, a fim de morrer (para o pecado) pelo batismo, para que assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim nós vivamos uma vida nova" (Rom. VI, 3 e 4).

Os méritos de Jesus Cristo adquiridos pela sua Paixão e Morte, subsistem para depois da Sua gloriosa Ressurreição. Para isto significar, quis conservar as cicatrizes das chagas: apresenta-as ao Pai em toda a sua beleza, como títulos à comunicação da sua Graça. Como diz São Paulo: "... (Jesus) porque permanece para sempre, tem um sacerdócio que não passa. Por isso pode salvar perpetuamente  os que por Ele mesmo se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder por nós"(Hebr. VII, 25).
É logo no Batismo que participamos da graça da Ressurreição. É também o que diz S. Paulo, como acima transcrevemos.  A água santa em que mergulhamos no Batismo é, segundo o Apóstolo, a imagem do sepulcro (Na época se administrava o batismo também por imersão). Ao sair dela, fica a alma purificada de toda a falta, de toda a mancha, livre da morte espiritual e revestida da graça, princípio da vida divina. Jesus Cristo tem infinito desejo de nos comunicar a Sua vida gloriosa, assim como teve um ardente desejo de ser batizado com o batismo de sangue para nossa salvação. E o que é mister seja feito para correspondermos a este desejo divino e nos tornarmos semelhantes a Jesus ressuscitado? É preciso viver no espírito do nosso Batismo: renunciar de verdade (e não só de lábios) a tudo o que na nossa vida é viciado pelo pecado; fazer "morrer" cada vez mais o "velho homem". Continuando o texto supracitado no início: "Porque, se nos tornarmos uma só planta com Cristo, por uma morte semelhante a d'Ele, o mesmo sucederá por uma ressurreição semelhante, sabendo nós que o nosso homem velho foi crucificado juntamente com Ele, a fim de que seja destruído o corpo do pecado, para que não sirvamos jamais ao pecado" (Rom. VI, 5 e 6). Assim, tudo em nós deve ser dominado e governado pela graça. Nisto consiste para nós toda a santidade: afastar-nos do pecado, das ocasiões do pecado, desapegarmo-nos das criaturas e de tudo o que é terreno, para vivermos em Deus e para Deus com a maior plenitude e estabilidade possíveis.  E São Paulo continua explicando: "De fato aquele que morreu, justificado está do pecado. E, se morremos com Cristo, creiamos que viveremos também juntamente com Cristo"...

Caríssimos, esta obra de santidade inaugurada no Batismo, continua durante toda a nossa existência. São Paulo dizia: "Eu morro todos os dias". É certo que Jesus Cristo só morreu uma vez; deu-nos assim o poder de morrer com Ele para tudo o que é pecado. Nós, porém, devemos "morrer" todos os dias, pois conservamos em nós as raízes do pecado, raízes estas que o demônio trabalha para fazer brotar de novo. Portanto, destruir em nós essas raízes, fugir de toda a infidelidade, desapegar-se de todo criatura amada por si mesma, afastar das nossas ações todo o motivo, não só culpável, mas puramente natural; libertar-nos de tudo o que é criado, terreno, conservar o coração livre duma liberdade espiritual, - eis, caríssimos, o primeiro elemento da nossa santidade. Mostra-o S. Paulo em termos os mais expressivos: "Purificai-vos do velho fermento para serdes uma massa nova; pois, desde que Jesus Cristo, nosso Cordeiro Pascal, foi imolado por nós, tornastes-vos pães ázimos. Participemos portanto do banquete, não com o fermento antigo, o fermento do mal e da perversidade, mas com os ázimos da verdade e da sinceridade".

Aqui também faz-se mister uma explicação: Entre os Israelitas, nas vésperas da festa da Páscoa, deviam desaparecer das casas toda a espécie de fermento; No dia da festa, depois de imolado o cordeiro pascal, comiam-no com pães ázimos, isto é, sem fermento, não levedados (Cf. Ex. XII, 26 e 27).  Pois bem! Tudo aquilo eram apenas "figuras e símbolos" da verdadeira Páscoa, a Páscoa cristã. Naquele momento da regeneração batismal, participamos da morte de Cristo, que fazia morrer em nós o pecado: tornamo-nos, e assim devemos permanecer pela graça, uma nova massa, isto é, "nova criatura", "novo homem", a exemplo de Jesus Cristo saído glorioso do sepulcro.

Os judeus, chegada a Páscoa, se abstinham de todo  o fermento para comer a cordeiro pascal, "assim também vós, cristãos,  que quereis participar do mistério da Ressurreição e unir-vos a Jesus Cristo, Cordeiro imolado e ressuscitado por vós, deveis, doravante, levar uma vida isenta de todo o pecado; deveis abster-vos desses maus desejos que são como que um fermento de malícia e perversidade; deveis conservar em vós a graça que vos fará viver na verdade e na sinceridade da lei divina.

Não podemos servir a dois senhores ao mesmo tempo. E, se renunciamos ao demônio, suas obras que são os pecados, e suas pompas e vaidades que levam ao pecado, digo, se renunciamos a tudo isto, é justamente para vivermos para Deus. E este viver para Deus encerra em si uma infinidade de graus. Supõe em primeiro lugar afastamento total de todo pecado mortal; pois, entre este e a vida divina há incompatibilidade absoluta. Há depois a separação do pecado venial, das raízes do pecado, de todo o motivo natural; desapego de tudo quanto é criado. Quanto mais completa for esta separação, mais libertados estamos, mais livres espiritualmente e mais se desenvolve e desabrocha também em nós a vida divina; à medida que a alma se liberta do humano, abre-se para o divino, vive na verdade a vida de Deus.

Caríssimos, permaneceremos em Jesus que é a Vida, pela graça, pela fé que n'Ele temos, pelas virtudes de que Ele é o modelo perfeito. E é preciso que Jesus Cristo reine em nossos corações. É mister que tudo em nós Lhe seja submetido.  Jesus deve ser a nossa vida. Oxalá pudéssemos dizer com todo verdade como São Paulo: "Vivo, mas não sou mais que vivo, é Jesus Cristo que vive em mim!"


Vamos resumir tudo também com palavras de São Paulo: "Portanto, se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são lá de cima, onde Cristo está sentado à destra de Deus; afeiçoai-vos às coisas que são lá de cima, não às que estão sobre a terra. Porque estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus" (Col. III, 1-3). Amém!

quinta-feira, 18 de abril de 2019

A SANTÍSSIMA EUCARISTIA ENQUANTO SACRIFÍCIO


"Em todo lugar é sacrificada e oferecida ao meu nome uma oblação pura" (Malaquias I, 11).

23. Enquanto sacrifício, esse mistério augustíssimo derrama não somente sobre cada homem, mas sobre todo o gênero humano, uma grandíssima abundância de frutos de salvação; por isso a Igreja costuma oferecê-lo assiduamente pela salvação do mundo inteiro. Convém que todos os piedosos cristãos se esforcem por aumentar cada vez mais a estima e o culto desse sacrifício; e nos nossos dias é isto mais do que nunca necessário. Por isto nós queremos que as suas virtudes múltiplas sejam conhecidas mais perfeitamente e mais atentamente meditadas.

24. Os princípios seguintes são manifestamente reconhecidos pelas luzes naturais da razão: Deus criador e conservador possui sobre os homens, quer a título privado quer sob o ponto de vista público, um poder supremo e absoluto; tudo o que somos e tudo o que temos de bom, individualmente e na sociedade, vem-nos da liberalidade divina: em troca, testemunhar a Deus o maior respeito como ao nosso senhor, e uma vivíssima gratidão como ao nosso principal benfeitor. E no entanto, hoje em dia quantos homens se contam que praticam e observam estes deveres com a piedade que convém? Se jamais houve época em que se mostrasse o espírito de revolta contra Deus é certamente esta, em que de novo reboam mais fortes contra Cristo estes gritos ímpios: "Não queremos que este reine sobre nós" (S. Luc. XIX, 14), e estas palavras criminosas "Arranquemo-lo do meio de nós" (Jer. XI, 19). E há mesmo uns que se encarniçam com impetuosa violência em banir definitivamente Deus de toda sociedade civil e conseguintemente de toda associação humana.

25. Se bem que um tal grau de demência celerada não se manifeste em toda parte, todavia é triste ver quantos esqueceram a divina Majestade, dos seus benefícios e sobretudo da salvação que Cristo nos adquiriu. Mas agora tal perversidade ou tal despreocupação devem ser reparadas por uma reduplicação de ardor de piedade comum para com o sacrifício eucarístico: nada pode honrar mais a Deus nem lhe ser mais agradável. Divina, com efeito, é a vítima que é imolada: por ela, pois, nós tributamos à augusta Trindade toda a honra exigida pela sua imensa dignidade; oferecemos também a Deus Pai um holocausto de valor e de doçura infinitos, seu Filho único; donde resulta que não somente rendemos graças à sua benevolência, mas nos quitamos inteiramente para com o nosso benfeitor.

26. Desse tão grande Sacrifício podemos e devemos recolher ainda um duplo fruto dos mais preciosos. A tristeza invade o espírito de quem reflete nesse dilúvio de torpezas que por toda parte se entornou depois, que, como dissemos, o poder divino foi deixado de lado e desprezado. O gênero humano parece, em grande parte, chamar sobre si a cólera do céu; de resto, essa messe de obras culpadas que se levanta está também madura para a justa reprovação de Deus. Cumpre, pois, excitar os fiéis piedosos e zelosos a se esforçarem por aplacar a Deus que pune os crimes, e por obterem para um século de calamidades socorros oportunos. Saibamos que esses resultados devem ser pedidos sobretudo por esse Sacrifício. Porquanto não podemos satisfazer plenamente as exigências da divina justiça, nem obter em abundância os benefícios da clemência divina, senão pela virtude da morte de Cristo. Ele quis que essa virtude da morte de expiação e de oração ficasse inteira na Eucaristia: esta não é uma vã e simples comemoração da sua morte, mas é a sua reprodução verdadeira e maravilhosa, posto que mística e incruenta.

27. Aliás, apraz-nos declará-lo, grande alegria experimentamos em ver que nestes últimos anos as almas dos fiéis começaram a renovar-se no amor e devoção ao sacramento da Eucaristia, o que nos faz esperar tempos e acontecimentos melhores [ndr.: foi o tempo de São Pio X, o Papa da Eucaristia]. Neste intuito, como fizemos notar no início desta Carta, obras numerosas e variadas foram estabelecidas por uma piedade inteligente, especialmente as confrarias, fundadas quer para aumentar o brilho das cerimônias eucarísticas, quer para adorar perpetuamente, dia e noite, o augusto Sacramento, quer enfim para reparar os insultos e as injúrias que a ele são feitos. Todavia, Veneráveis Irmãos, não nos é lícito, nem a vós tão pouco, descansar sobre o que foi realizado: porque muito mais ainda resta por fazer e por empreender para que esta dádiva, de todas a mais divina, receba, daqueles mesmos que praticam os deveres da religião cristã, homenagens mais numerosas e mais esplendentes, e para que tão grande mistério seja honrado o mais dignamente possível.

Conclusão: renovar o antigo fervor.

28. É por isso que cumpre aperfeiçoar com ardor dia a dia mais vigoroso as obras empreendidas, fazer reviver, onde quer que tenham desaparecido, as antigas instituições, e entre outras as confrarias eucarísticas, as rogações ao Santíssimo Sacramento exposto às adorações dos fiéis, as procissões solenes e triunfais feitas em sua honra, as piedosas genuflexões diante dos divinos tabernáculos, e todas as outras santas e salutaríssimas práticas do mesmo gênero; cumpre-nos, além disso, empreender tudo aquilo que nesta matéria podem sugerir-nos a prudência e a piedade. Mas é preciso sobretudo nos esforçarmos por fazer reviver em larga medida nas nações católicas o uso frequente da Eucaristia. É o que ensinam o exemplo da Igreja nascente, lembrado mais acima, os decretos dos Concílios, a autoridade dos Padres e dos homens mais santos de todas as épocas. Como o corpo, a alma precisa a miúdo de alimento: ora, a Sagrada Eucaristia oferece-lhe o alimento de vida por excelência. E é por isso que mister se faz dissipar os preconceitos dos adversários, os vãos temores de grande número de pessoas, e afastar absolutamente as razões especiosas de se abster da comunhão. Porque se trata de uma devoção que, mais do que qualquer outra, será útil ao povo cristão, já para desviar o nosso século da sua inquieta solicitude pelos bens perecíveis, já para fazer renascer e alimentar constantemente em nossas almas o espírito cristão.

29. Sem dúvida alguma, as exortações e os exemplos dados pelas classes elevadas, mormente o zelo e a atividade do clero, para isso contribuirão poderosamente. Com efeito, os sacerdotes que o Cristo Redentor encarregou de cumprir e de dispensar os mistérios do seu Corpo e do seu Sangue, melhor não podem certamente agradecer-lhe a grandíssima honra que receberam, do que se esforçando para desenvolver com todo o seu poder a glória eucarística de Jesus Cristo, e, consoante os desejos do seu Coração santíssimo, convidar e atrair as almas dos homens às fontes ordinárias de tão augusto sacramento e de tão grande sacrifício".


(Excerto da Encíclica "MIRAE CARITATIS" escrita pelo Papa Leão XIII em 28 de maio de 1902). 

DOUTRINA SOBRE O SANTÍSSIMO SACRIFÍCIO DA MISSA SEGUNDO O CONCÍLIO DE TRENTO - C. 4º, 5º e 6º

CAPÍTULO QUARTO

   "Sendo conveniente que as coisas santas se administrem santamente, e sendo este sacrifício entre todos o mais santo, instituiu a Igreja Católica já há muitos séculos o Cânon sagrado, tão purificado de todo o erro, que nele não há nada que não rescenda a suma santidade e piedade, nada que não eleve a Deus as almas dos que o oferecem. Pois ele se compõe das palavras do mesmo Senhor, como das tradições dos Apóstolos e das piedosas instituições dos Sumos Pontífices".

   CAPÍTULO QUINTO

   "Já que a natureza humana é tal, que não pode, facilmente e sem socorros exteriores, elevar-se a meditar as coisas divinas, por isso a Igreja, piedosa Mãe que é, instituiu certos ritos para se recitarem na missa, uns em voz submissa, outros em voz alta. Juntou a isto cerimônias, como bênçãos místicas, luzes, vestimentas e outras coisas congêneres da Tradição apostólica, com que se fizesse perceptível a majestade de tão grande sacrifício, e para que o entendimento dos fiéis se excitasse, por meio destes sinais visíveis da religião e da piedade, à contemplação das coisas altíssimas que se ocultam neste sacrifício". 

CAPÍTULO SEXTO

   "Desejaria o sacrossanto Concílio que os circunstantes que assistem a cada uma da Missas comungassem, não só espiritualmente, mas também com a recepção sacramental da Eucaristia, a fim de participarem mais abundantemente dos frutos deste santíssimo sacrifício. Contudo, se tal nem sempre se dá, nem por isso condena como privadas e ilícitas aquelas Missas em que somente o sacerdote comunga sacramentalmente, pois na verdade também estas Missas se devem considerar comuns, já porque nelas comunga o povo espiritualmente, já porque as celebra o ministro público da Igreja, não somente por si, mas por todos os que pertencem ao corpo [místico] de Cristo". 

PRESENÇA DE DEUS

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA

"O Senhor apareceu-lhe (a Abraão), e disse-lhe: Eu sou o Deus Onipotente; anda em minha presença, e sê perfeito"  (Gênesis XVII, 1).

Logo ao se abrirem os olhos na paz da aurora se há de saudar a Deus Onipotente e Pai. Dizia o célebre Contardo Ferrini: "Não posso conceber uma vida sem oração, um despertar da manhã sem encontrar o sorriso de Deus e um noturno reclinar da cabeça sem recliná-la antes sobre o peito de Cristo". Viver na presença de Deus e viver com a alma sempre elevada para Deus, tudo isto nada mais é que viver de oração.  Não vemos a Deus mas estamos em Sua presença, conversamos com o nosso Pai do Céu, oferecemos a Ele tudo o que fazemos e tudo o que nos acontece. É um santo método aquele do Manual do Apostolado da Oração: O Oferecimento Cotidiano! S. João Crisóstomo fazia a comparação entre uma carta e as nossas ações: "Se escreveis uma carta sem pôr o endereço é impossível que chegue ao destino. Cada um dos atos que praticamos durante o dia, é semelhante à uma carta; ponhamos-lhe também previamente o endereço".

Ouçamos Santa Teresa d'Ávila: "No meio das ocupações devemos retirar-nos em nós mesmos. Ainda que seja por um só momento, o recordar que temos companhia dentro de nós, é de grande proveito" (Caminho, 29, 5). Isto vale não só para as religiosas, mas também para aqueles que vivem em constante contado com os outros. A santa Reformadora do Carmelo continua: "Se falar, procure lembrar-se que tem dentro de si mesmo com quem falar [ou seja, com Deus]. Se ouvir, lembre-se que deve ouvir a quem de mais perto lhe fala. Enfim, tenha em conta que pode, se quiser, não se apartar nunca de tão boa companhia... Se puder [recorde-o] muitas vezes ao dia, se não puder, sejam poucas" (ib. 7).

Caríssimos, nada impede que apliquemos este método à presença de Deus na alma dos outros. Infelizmente é verdade que nem em todos os homens Deus está presente pela graça, mas está ao menos presente como Criador e Conservador de seu ser. Infelizmente, nem todos são filhos de Deus, ou porque não foram batizados ou porque estão em estado de pecado mortal, mas todos são criaturas de Deus. E além do mais, podem e devem (e devemos concorrer para isto) se tornar ou, então voltar a ser filhos de Deus. Ver Deus assim presente em todos inspira-nos sentimentos de benevolência, de caridade, de respeito para com todas as pessoas com que tratamos e pode levar-nos a servi-las em homenagem e em relação a Deus, que nós reconhecemos presente nelas. Assim, procuramos servir e amar a Deus presente nos nossos irmãos. E isto ajuda-nos a estarmos sempre na presença de Deus.

Devemos tomar todo cuidado para agirmos sempre com espírito de fé, evitando todo olhar puramente humano que nos faria considerar as pessoas e os acontecimentos quase só sob o ponto de vista terreno e material. É claro que, enquanto estamos aos pés do Senhor em oração, é-nos fácil pensar que O podemos descobrir em todas as criaturas e em todos acontecimentos; mas no meio de algumas pessoas e dificuldades, há o perigo de sumir o pensamente de fé, e passarmos a pensar de maneira puramente humana. E, aí, perdemos a presença de Deus. Portanto, o grande remédio para este perigo é cultivar um profundo espírito de fé.

Na verdade, a fé é que nos faz ver Deus em todas as criaturas e em todas as conjunturas da vida. A fé nos ensina que Deus está presente em toda a parte com a Sua ação providencial. A fé nos ensina que nada acontece no mundo que não esteja submetido ao governo divino. Para deixar livres suas criaturas Deus permite o mal e o pecado, mas, no Seu plano divino, de todo mal Ele tira um bem; tudo é ordenado para a Sua glória, para a salvação e santificação das almas. São Paulo diz: "Para aqueles que amam a Deus, tudo coopera para o bem" e Santo Agostinho acrescenta: até mesmo os pecados, "etiam peccata". Portanto, nada posso ver separado de Deus, em qualquer pessoa, ou em qualquer circunstância posso encontrar Deus. E a alma de fé não se encontra com Deus apenas na oração, mas, vendo-O em todas as coisas , em todas O encontra e pode manter-se em contato com Ele, mesmo no meio dos afazeres. Daí, saber reconhecer e encontrar a Deus em cada criatura, é um dos grandes segredos da vida interior. No entanto, este espírito de fé assim profundo exige da nossa parte um exercício assíduo.

As horas de oração devem servir-me para ver, a esta luz sobrenatural, todos os pormenores da minha vida, para que, através deles, eu possa encontrar sempre o Senhor. A presença de Deus está em toda parte, contém tudo, supera tudo, conduz tudo, penetra tudo, basta a tudo e dispõe tudo para tudo governar com amor e onipotência infinita. Diante da presença de Deus tudo o resto é nada; ela é tão poderosa que, absorve e faz desaparecer tudo o mais.

No próximo artigo, se Deus quiser, falarei sobre as Orações Jaculatórias.
Dai-me, Senhor, um olhar de fé tão grande e penetrante que, para além das criaturas e das vicissitudes humanas, eu veja sempre a Vossa mão que tudo guia. Amém!

quarta-feira, 17 de abril de 2019

JUÍZOS TEMERÁRIOS

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA


   Põe os olhos em ti mesmo e guarda-te de julgar as obras dos outros. Julgar os outros é ocupação vã para o homem, que de ordinário se engana e facilmente peca; mas, julgando-se e examinando-se a si mesmo, trabalha sempre com fruto.
   De ordinário julgamos das coisas segundo a inclinação do nosso coração, porque o amor próprio altera facilmente em nós o verdadeiro juízo delas. 
   Se Deus fora sempre o fim puro de nossos desejos, não nos perturbaria tão facilmente a contradição da nossa sensualidade.
   Muitas vezes temos dentro de nós, escondida, ou de fora nos ocorre alguma coisa, cuja afeição nos leva após de si. Muitos se buscam secretamente a si mesmos nas obras que fazem, e não o entendem.
   Também lhes parece estarem em perfeita paz quando as coisas correm à medida de seus desejos; mas, se de outra maneira sucedem, logo se inquietam e entristecem.
   Se confias mais na tua razão e indústria que na virtude e na submissão de que Jesus Cristo nos deu o exemplo, tarde e raramente serás ilustrado; porque é vontade de Deus que lhe sejamos perfeitamente submissos, e que prescindamos de toda a humana razão, inflamados no seu amor. 
   Há em nós uma secreta malícia que se compraz em descobrir as imperfeições de nossos irmãos, e eis aqui porque somos tão propensos a julgá-los, esquecendo que só a Deus pertence julgar os corações.
   Em lugar de pesquisar tão curiosamente a consciência alheia, metamos a mão na nossa; ali acharemos bastantes motivos para sermos indulgentes com o próximo e não menos inquietações a nosso respeito. "Não julgueis para não serdes julgados" disse o Divino Mestre. Na medida que a gente medir o próximo, seremos também medidos, ou seja, se a gente for misericordioso com o próximo, Jesus o será também conosco; se a gente for severo, Jesus o será também conosco. Que motivo de tranquilidade na hora da morte, se durante a vida a gente procurar julgar sempre bem o próximo! 
   Por outro lado, quão terrível será o julgamento do malicioso logo após a sua morte! Pois ele nunca pensa que o próximo age com santa intenção, e julga o bem que vê pelo mal que se lhe antolha. 
   Tomemos muito cuidado porque a nossa mente tem facilidade em criar fantasias. Evitemos estes juízos precipitados. Eis um caso que leva a gente se examinar melhor neste ponto: Um homem que perdera o machado começou a alimentar suspeitas sobre o filho do vizinho. Sem dar a perceber, tinha-o de olho: o modo de caminhar, o aspecto, as palavras, os movimentos, pareciam-lhe mesmo de um ladrão. Não cabia dúvidas. Por acaso, um dia sua esposa resolveu fazer uma faxina melhor em torno de sua casa. Revolvendo o lixo na beira do terreiro, eis que encontrou a bendito machado já um tanto enferrujado. Pegou-o e mostrou-o ao seu marido. O homem sentiu um arrepio na consciência. E logo tornou a olhar o filho do vizinho: o modo de caminhar, o aspecto, as palavras, os movimentos, pareceram-lhe em tudo e por tudo os de um homem de bem. É desnecessário dizer que aquele homem nunca mais julgou o próximo. 
   Livrai-me, Deus meu, desta propensão maligna; enfreai minha língua para que nunca fale contra o meu próximo; moderai os meus pensamentos para que em tudo sejam conformes à lei santa de Vosso amor e dilatai meu coração com os ardores da caridade para que sempre siga a vosso divino Filho, que na agonia do Calvário Vos pediu perdão para os que O crucificavam. 
   O ramalhete espiritual que colherei desta leitura meditada e levarei comigo para ajudar-me a continuar nestes pensamentos, serão as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Não julgueis, para não serdes julgados".

terça-feira, 16 de abril de 2019

COMO SE HÁ DE RESISTIR AS TENTAÇÕES

Leitura espiritual meditada

    Na adversidade é que cada um de nós começa a conhecer o que na verdade é. "Que sabe aquele que nunca foi provado?" (Ecles. 34, 9). Deveria o homem firmar-se de tal modo em Deus, que lhe não fosse necessário buscar muitas consolações humanas. Quando o homem é atribulado, ou tentado, ou combatido de maus pensamentos, então conhece ter de Deus maior necessidade, experimentando que sem Ele não pode obrar coisa boa. Então pede ao Senhor o livre dos males de que padece. 
   A verdade é que, enquanto vivemos neste mundo, não podemos estar sem tribulações, trabalhos e tentações. Por isso está escrito no livro de Job: "A vida do homem sobre a terra é uma contínua luta". Em nós mesmos está a causa donde as tentações vêm, pois nascemos com inclinação ao pecado. O demônio encontra na nossa natureza corrompida pelo pecado original um aliado para nos tentar. 
    Cada qual pois deve ser muito cuidadoso nas tentações, procurando, vigilante na oração, não dar lugar às ilusões do demônio, "que nunca dorme e está em torno de nós como um leão rugindo e procurando nos devorar".
    Ninguém há tão santo e tão perfeito, que não tenha algumas vezes tentações, e não podemos viver sem elas. São contudo as tentações muitas vezes utilíssimas ao homem, posto que sejam importunas e pesadas; porque nelas é humilhado, instruído e purificado. Todos os santos passaram por muitas tentações e trabalhos e foi assim que progrediram na vida espiritual.
    Muitos querem fugir às tentações e caem nelas mais gravemente. Devemos, sim, fugir das ocasiões perigosas. Devemos vigiar e rezar como manda Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas não podemos vencer as tentações só com fugir-lhes, mas com paciência e verdadeira humildade nos fazemos mais fortes que todos os nossos inimigos. Quem somente evita as ocasiões exteriores e não procura arrancar o mal pela raiz, pouco aproveitará. Temos que pedir muito a Deus que nos livre de qualquer afeto ao pecado.
    Toma muitas vezes conselho na tentação, e não sejas desabrido e áspero com o que está tentado, antes procura consolá-lo como quiseras ser consolado.
    Devemos vigiar principalmente no princípio da tentação, porque mais facilmente se vence o inimigo quando o não deixamos passar da porta da alma, e lhe saímos ao encontro logo que bate. Donde veio dizer um poeta latino : "Principiis obsta; sero medicina paratur, cum mala per longas invaluere moras" (Ovídio). Em Português: Resiste no princípio: tarde chega o remédio se já, por largo tempo, o mal lançou raízes. 
    Porque, principalmente, se oferece à alma um simples pensamento, depois, a importuna imaginação, logo, o deleite, daí a nada, movimento torpe, e finalmente, o consentimento. E, em se tratando de pureza e fé, é como se estivéssemos nos equilibrando sobre uma esfera. Muito cuidado por não perder o equilíbrio, pois, do contrário, não se fica no meio do caminho. Quanto à pureza, cai-se até a lama; quanto à fé, cai-se até à heresia. Quanto à pureza, a ladeira é íngreme e escorregadia; quanto à fé, todas as verdades estão interligadas. Quebrado um elo da corrente, desliga-se da Autoridade suprema que é Deus, a Verdade eterna. 
    E assim pouco a pouco entra o maligno inimigo e se apodera de tudo, porque se lhe não resistiu no princípio. E quanto mais demorado e fraco  for o homem em resistir-lhe, tanto se fará cada dia mais vulnerável e fraco, e o inimigo mais forte e audacioso. 
     Alguns há que vencem as grandes tentações, e muitas vezes das ordinárias e pequenas são vencidos, para que, humilhando-se, não confiem em si nas coisas grandes, pois são fracos nas pequenas. 
    Devemos ter muito cuidado com a presunção. Assim sucumbiu São Pedro, porque teve demasiada confiança em si mesmo, e se expôs ao perigo sem se fortificar com a vigília e a oração. Devemos fugir dos maus não por orgulho, ou seja, por nos acharmos melhores, mas por humildade, por reconhecermos que somos fracos, e, se procurarmos o perigo, perecemos. 
    Mas, se, como São Pedro, formos descuidados ou presunçosos, sejamos como ele, contritos e arrependidos. Reconheçamos a nossa fraqueza e miséria, e humilhemos-nos cada vez mais. A humildade será o fundamento da nossa segurança, do nosso aproveitamento, da nossa paz e de toda a perfeição.
    Bem sei, Senhor, que aos que Vos amam e temem tudo se lhes converte em bem; não vos peço, Deus meu, ser isento de tentações, mas luz para conhecê-las, fortaleza para resistir-lhes, humildade para não confiar em mim, conforto para não desfalecer e vitória no combate; fazei, Senhor, que se tornem vãs e sejam frustradas as ciladas do inimigo; e vencedor dele eu possa colher os saudáveis frutos da santa humildade, que são a paz interior neste mundo e a glória na pátria dos bem-aventurados. Amém!
    O ramalhete espiritual de hoje serão as palavras do Divino Mestre: "Vigiai e orai para não cairdes em tentação".

sábado, 13 de abril de 2019

BOM PROPÓSITO DE NÃO MAIS PECAR

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA

O Santo Concílio de Trento declara que o verdadeiro arrependimento é uma dor da alma e uma detestação do pecado cometido, COM O BOM PROPÓSITO DE NÃO MAIS PECAR. Donde concluímos que o arrependimento e o bom propósito vêm necessariamente juntos. Em outras palavras: não pode haver verdadeiro arrependimento se não houver ao mesmo tempo o propósito firme, universal e eficaz de não mais pecar. E o propósito só será sincero e verdadeiro, se  apresentar estas três condições: ser firme, ser universal e ser eficaz. Vamos explicar estas três características do bom propósito. Neste artigo veremos que o bom propósito deve ser FIRME.

1. PROPÓSITO FIRME: É firme quando o penitente está resolvido a sofrer tudo antes do que a ofender a Deus. Deve poder dizer com São Paulo: "Quem nos separará, pois, do amor de Jesus Cristo? Será a fome, a sede, a pobreza, a perseguição, a espada, a morte? Não, nem a morte, nem a vida, nem nenhuma criatura qualquer que seja, poderá separar-nos do amor de Deus. (Rom. VIII, 35, 38).

Dirá alguém: Quereria não mais ofender a Deus; mas as ocasiões e a minha fraqueza far-me-ão recair. Quem fala assim é porque não tem um verdadeiro propósito. Por isso diz: "quereria". Podemos afirmar que tal pessoa que assim fala só tem uma simples VELEIDADE, isto é, simples capricho passageiro. O verdadeiro propósito, como foi dito acima, é uma resolução de sofrer toda a espécie de mal, antes do que recair no pecado. Sem dúvida, as ocasiões estão aí, e somos fracos, principalmente se contraímos algum hábito vicioso, enquanto o demônio é forte; mas Deus é mais forte do que o demônio: com o socorro de Deus podemos vencer todas as tentações do inferno. Assim dizia S. Paulo: "Tudo posso n'Aquele que me fortalece" (Filip. IV, 13). É verdade que, por causa da nossa fraqueza, devemos sempre temer, e sempre desconfiar das nossas próprias forças. Mas devemos esperar em Deus, confiando em que a sua graça nos fará vencer todos os ataques dos nossos inimigos. Davi dizia: "Invocarei o Senhor, e serei livre dos meus inimigos" (Salmo 17, 4).


Quem se recomenda a Deus nas tentações nunca sucumbirá. Muitos ainda dizem: Mas tenho-me recomendado a Deus, e a tentação continua. - Caríssimos que assim falais: - Então! continuem a reclamar o socorro do Senhor, enquanto durar a tentação, não sucumbireis. "Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças" (1 Cor. X, 13). Deus prometeu conceder o seu socorro àqueles que o pedem, e prometeu a todos, justos e pecadores: "Quem pede recebe" (Mat. VII, 8). Não há, portanto, desculpa para o pecador, pois, se ele se recomendasse a Deus, o Senhor estenderia sua mão para o sustentar. Assim, aquele que cai no pecado, nele cai por sua culpa, ou porque não quer pedir a Deus o socorro de que necessita, ou porque não quer aproveitar o socorro que Deus lhe dá. 

sexta-feira, 12 de abril de 2019

ORAÇÕES JACULATÓRIAS



Caríssimos, devemos ter vida interior, estar sempre em oração, sempre na presença de Deus. Esta vida de oração é essencialmente o que distingue a vida espiritual da vida do mundo. O santo é homem de oração; o mundano é homem que não reza. É necessário, pois, para sermos de Deus e não do mundo, que rezemos sempre. "É preciso orar sempre e nunca deixar de o fazer" (S. Lucas XVIII, 1). E orar sempre é sentir continuamente a doce necessidade da oração; é ansiar por ela, porque a oração fortifica a nossa fé e inflama o nosso amor a Deus.

Os autores espirituais são quase unânimes em aconselhar que nos exercitemos na prática das orações jaculatórias. Caríssimos, elevemos ao céu durante o dia frequentes e espontâneas aspirações, aspirações estas que brotam livremente do grande fervor dos nossos corações. Como já vimos alhures, rezar sempre é também renovar frequentemente nossos atos de reta e pura intenção, isto é, procurando em tudo a glória de Deus. Quem reza sempre, vive num mundo diferente do que os outros homens que não rezam. Ao empreender alguma coisa, o homem interior sempre invoca o Espírito Santo. Recebida a graça, volta-se logo para o Pai Celestial, para o doce Hóspede da alma, e agradece. Reconhecendo suas culpas, pede sempre misericórdia: "Tem compaixão de mim, Senhor, porque sou um pecador". Quando se senta a mesa para a refeição, diz: "Meu Pai do Céu, como sois bom!" E quando vai para o descanso noturno, na oração da noite reza: "Dulcíssimo Coração de Jesus, recomendo-Vos  nesta noite o meu coração e o meu corpo, para que repousem docemente em Vós"; "Fazei que as palpitações do meu coração sejam outros tantos louvores que ofereçais, por mim, à Santíssima Trindade"; "fazei que o meu respirar se torne em atos de ação de graças e de afetos inflamados de amor por Vós"; "Meu Pai do Céu, nas vossas mãos encomendo a minha alma pedindo-Vos me façais tornar a ver a luz do dia para Vos servir e amar, viver e morrer na vossa santa graça, e, por fim, vos gozar na glória eterna. Amém!"

Caríssimos, vou resumir o que diz S. Francisco de Sales sobre as orações jaculatórias (Filotéia, Parte II, cap. XIII). Eleva muitas vezes o teu espírito e coração a Deus, através de jaculatórias breves e ardentes. Volve teu coração para todos os lados e dá a Deus todos os movimentos que puderes (de adoração, de petição, de oferecimento de si mesmo, de louvor, perdão das ofensas olhando para Jesus na cruz, põe a sua cruz em teu coração). Se nossa alma se acostuma a tratar tão familiarmente com Deus, aos poucos copiará em si as perfeições divinas. E este exercício do uso das orações jaculatórias não é incompatível com as nossas ocupações; e até favorece-as tornando a atenção a elas mais eficaz e suave. O viajante  -   diz o santo da doçura  -   que toma um pouco de vinho, para refrescar a boca e alegrar o coração, não perde o seu tempo porque renova as forças e se detém apenas para depois andar mais depressa e percorrer um caminho maior. Devemos dizer com o coração ou com os lábios tudo quanto o amor nos inspirar no momento, pois ele te inspirará tudo o que podes desejar. Quando são cantados com atenção e seriedade, os cânticos espirituais também podem servir como orações jaculatórias.

"Cabe aqui, diz S. Francisco de Sales, o exemplo de pessoas que se amam com um amor humano e natural; tudo nelas se ocupa desse amor. Quantas lembranças e recordações! Quantas reflexões! Quantos enlevos! Quantos louvores e protestos! Quantas conversas e cartas! Está-se sempre querendo pensar e falar disso e até nas cascas das árvores, nos passeios, há de se inscrever uma qualquer coisa. "Assim, continua o santo, aqueles que estão possuídos do amor a Deus só respiram por Ele e só aspiram ao prazer de amá-Lo; nunca deixam de falar e pensar n'Ele e, se fossem senhores dos corações de todos os homens, quereriam gravar neles o nome sacrossanto de Jesus. Nada neste mundo que não lhes fale dos atrativos do divino amor e não lhes anuncie os louvores de seu Dileto. Sim -  diz Santo Agostinho, depois de Santo Antão  -  tudo o que existe neste mundo lhes fala de Deus na eloquência duma linguagem muda, mas muito compreensível à inteligência deles, e seu coração transforma estas palavras e pensamentos em aspirações amorosas e em doces surtos, que os elevam até a Deus".

De tudo que acontece nesta vida mortal se podem deduzir pensamentos salutares e santas aspirações. "Oh! infelizes daqueles - exclama o autor da Filotéia  - que usam das criaturas dum modo contrário à intenção do Criador. Bem-aventurados aqueles que procuram em tudo a glória do Criador e que usam da vaidade das criaturas para glorificar a verdade incriada.

"Grava bem profundamente em tua mente que a devoção consiste principalmente neste exercício de recolhimento espiritual e de orações jaculatórias. A sua utilidade é tão grande que pode suprir a falta de todos os modos de rezar; e, ao contrário, se se é negligente neste ponto, dificilmente se encontra um meio de ressarcir a perda. Sem este exercício não se podem cumprir os deveres da vida contemplativa e, quanto aos da vida ativa, só com muita dificuldade. O descanso seria sem ele um meio ócio e o trabalho não passaria dum estorvo e dissipação. Por estas razões eu te exorto e conjuro a adquirir com todo o teu coração esta prática e a jamais a abandonar". Amém!

quarta-feira, 10 de abril de 2019

A "Nova Igreja" prega contra a família

   Extraído do livro "A TEMPO E CONTRATEMPO" de autoria do saudoso Gustavo Corção.
   Artigo escrito em 20 de abril de 1968.



    EM meu último artigo referi-me a um livro publicado pelo ISPAC (Instituto Superior de Pastoral Catequética) intitulado Os Jovens e a Fé, e disse que esse livro cuidava de tudo, até do fogo-fátuo dos cemitérios, mas omitia uma Coisa muito importante. Deixei o suspense. O que é, o que é que os novos padres, que se dizem especialistas em jovens, esquecem de mencionar, e quando mencionam é para agredir? Hoje trago a resposta: é simplesmente a FAMÍLIA.

   Sim, senhores, neste livro de duzentas páginas não há um só tópico para tentar, ao menos timidamente, um ajustamento do moço dentro da família em que nasceu, e uma preparação para a família que venha a fundar. Todos nós sabemos o papel de destaque que a família tem nas preocupações e nos ensinamentos da Igreja. Durante dois mil anos todos nós católicos ensinamos que a Família é a célula da sociedade, o seminário onde se preparam os homens para a Cidade ou para a Igreja. Hoje se diz que os jovens devem "fazer opções livres" sem se "deixarem enquadrar".

   Sim, a doutrina clássica, que qualquer homem do povo conhece e respeita, não é mais conhecida e respeitada pelos pregadores da "Nova Igreja". Em todo livro editado pelo ISPAC o jovem é visto no espaço, sem raízes, ou então é convidado a enquadrar-se nos grupos de segregação etária, onde o moço fica privado das ricas experiências do mundo e da vida, e de certo modo fixado na imaturidade.

   Poucas são, nesse livro, as referências aos pais, e essas mesmas em termos de conflito, como se houvesse um essencial antagonismo entre as gerações. Da Família, como instituição, não encontrei uma linha. E é contra esse desserviço prestado aos moços, à sociedade e à Igreja que eu clamo.

   Domingo passado, no sermão, um padre de Botafogo me fulminou, me arrasou, me achatou, por estar eu "combatendo os padres que cuidam dos jovens". Não é verdade. Eu não combato os padres que zelam pelos jovens, combato sim, e combaterei enquanto persistir o fenômeno, e enquanto os dedos tiverem força para calcar as teclas da máquina, o novo padre que entra no mimetismo dos jovens, com mentalidade de adolescente, para ajudar o mundo a desagregar a Família.

   Vimos há dias alguns eclesiásticos excitados tomarem parte nas desordens feitas por estudantes visivelmente teleguiados pelos comunistas, que nem se deram ao trabalho de disfarçar tal comando. Essa atitude foi imprudente e nociva a todos os altos valores que deviam prezar. Ouso entretanto dizer que mal maior fazem os que pregam contra a instituição familiar. O veneno corrosivo que espalham é muito mais grave do que a desordem social, porque atinge as almas nos mais profundos afetos. E, no entanto, por incrível que pareça, aí está o fenômeno: padres, organizações eclesiásticas, a serviço da desagregação da Família. 

   O livro editado pelo ISPAC é antes de tudo bobo. Tem frases assim: "Hoje o homem é capaz de conduzir a história, ao passo que ontem a história o conduzia (pág. 99), à qual, sem hesitar, eu daria o prêmio Nobel da estupidez do ano. Adiante, na página 121, encontramos o sucedâneo da família no capítulo intitulado A PROGRESSIVA SOCIALIZAÇÃO DOS JOVENS. Que quererá dizer isto? O autor responde: "Damos a entender por socialização que os jovens abandonem, cada vez mais, os traços próprios de sua individualidade, e o individualismo de seu impulso, em benefício de um nivelamento e de uma ação no grupo e pelo grupo".

   Não discuto hoje a imbecilidade desta frase escrita em mau francês e traduzida em português ainda pior. Obstino-me na reclamação: e a Família? E a mãe? E o pai? E a casa, os irmãos, as paredes, o chão em que nasceram, o teto que os protege?

   Tempos atrás apareceu no Rio um dominicano francês que escreveu um artigo contra a família, instituição burguesa. Foi muito festejado pelos espertinhos da UNE que nesse tempo tiravam milhões das tetas da Entidade Máxima. Escrevi eu um artigo contra o dominicano que supunha ser um idiota isolado. Hoje tornou-se legião esse tipo de frade ou de padre, e tornou-se trivial o sermão contra o Quarto Mandamento de Deus. Ouvi eu mais de dez. Um jovem padre excitado ensinava do púlpito: "Os jovens têm de fazer suas experiências próprias, e digo ainda que doa nos sacrossantos ouvidos dos adultos".

   Outro, ainda mais excitado, num sermão de domingo publicou um conflito caseiro onde evidentemente o jovem tinha toda a razão e mais alguma. E acrescentava esta nota pitoresca: "Ontem o pai veio me procurar, um pai com cara de palhaço". Perto daqui, no Largo do Machado, havia uma missa especial para jovens. Quem acaso entrasse na igreja para rezar, era convidado a se retirar. Dizia o padre, ao microfone, que uma pessoa de idade imprópria estava presente e era convidada a retirar-se.

   Numa reunião de jovens, quando apareceu a mãe de um dos garotos, com vontade de ver como era a dita reunião, o padre, irritado, disse à senhora que não havia ali lugar para espiões. Tudo isto parece mentira, mas infelizmente o que pareceria monstruosa mentira anos atrás tornou-se verdade hoje.

   Todos nós sabemos que os moços estão hoje vivendo uma situação dramática, justamente por causa da desagregação familiar. Ora, o que dói a mais não poder é ver um dos nossos a trabalhar com tanto entusiasmo na mesma direção da desagregação familiar. Não pararei, ainda que em todos os bairros e em todos os domingos me injuriem os padres da bossa revolucionária.

   Em nome da verdade exijo que digam publicamente que não é o zelo pelos jovens que eu combato, e sim a demagogia, a exaltação cheia de equívocos, e sobretudo a atividade desagregadora da família.


   Nota: Vemos pelo presente artigo que eclesiásticos já vêm semeando os ventos comunistas da destruição da Família, já há muito tempo.  Mas o que dói a mais não poder é constatar que a tempestade desta destruição está levantada por gente dos altos escalões eclesiásticos. 
Afinal, onde Lula,  Maduro e outros comunistas foram procurar "bênção" para conseguirem enganar os cristãos do Brasil e da Venezuela? Todos sabem: junto a Francisco! 
    

sábado, 6 de abril de 2019

O CONFESSOR É JUIZ DAS CONSCIÊNCIAS

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA

Tem o confessor, portanto, o direito de conhecer as consciências de seus penitentes; e desde que Deus não lhe deu a faculdade de ler em nossa alma (Deus só deu este dom a alguns santos, como ao Santo Cura d'Ars, a São João Bosco, ao São Pio de Pietrelcina etc.) temos então o dever de lhe descobrir todos os pecados mortais, que, porventura,  temos cometido. Diz o Santo Concílio de Trento (35. 14 c. 5): "Com efeito, Jesus Cristo estabeleceu os sacerdotes como juízes a quem os fiéis devem submeter todos os pecados mortais, afim de que em virtude do poder das chaves, pronunciem a sentença que perdoa ou retém esses pecados. Porquanto é evidente que os sacerdotes não poderiam julgar sem conhecimento de causa, nem observar a equidade na imposição das penas, se as faltas lhes fossem declaradas somente em geral e não especificadas detalhadamente. Segue-se daí que os penitentes devem enumerar na confissão todos os seus pecados mortais, embora sejam de todo secretos e cometidos somente contra os dois últimos preceitos do Decálogo. Segue-se além disso que é preciso explicar na confissão todas as circunstâncias que mudam a espécie do pecado, pois que sem isto os pecados ainda não seriam expostos pelos penitentes, nem conhecidos pelo juiz em toda a sua integridade, e este não poderia avaliar no seu justo valor a enormidade dos pecados cometidos, nem impor aos penitentes uma pena proporcionada".

O confessor, se o julgar necessário, tem o direito de interrogar o penitente, e este é obrigado a responder segunda a verdade, às perguntas que lhe são feitas. O confessor deve também examinar as disposições do penitente: ver se tem o arrependimento que Deus exige para ser perdoado; se tem o firme propósito de evitar todo pecado para o futuro; se está resolvido a fugir das ocasiões que lhe foram tão funestas no passado. Não será o caso de exigir a restituição do bem alheio? Não haverá algum ódio a que é preciso renunciar? Não se entrega o penitente a leituras que é preciso proibir-lhe como perigosas para a fé e os bons costumes? Pôs ele em prática os meios aconselhados nas confissões anteriores? O confessor, hoje, tem muito mais matérias de observação nos penitentes, tais como: festas profanas, Internet, televisão. A Internet deve ser usada só para o bem e o penitente que tiver algum apego a pornografia, só deverá receber a absolvição se estiver disposto a deixar estes pecados fugindo da ocasião. O mau uso da Internet está sendo um terrível instrumento do demônio para prender almas nas cadeias do inferno.


Conhecendo  assim a consciência do penitente e as suas disposições, o confessor pode, com conhecimento de causa, julgar se deve dar, diferir, ou recusar a absolvição. E, caríssimos, longe de vós, o pensamento de que o confessor é livre de dar ou recusar a absolvição a seu gosto. Absolutamente não! Ele não é o senhor, ainda menos o dissipador dos dons de Deus, mas é o dispensador deles. Ele é seriamente obrigado a seguir as regras traçadas na teologia tradicional a pronunciar sua sentença dum modo justo, imparcial e consciencioso, sabendo que deve dar contas ao grande Juiz dos vivos e dos mortos. 

Saibam todos o quanto é penoso ao confessor chegar ao extremo de se ver obrigado a negar a absolvição. Mas sobre isto falaremos, se Deus assim o permitir, na postagem seguinte. Amém!

quinta-feira, 4 de abril de 2019

ECUMENISMO DO APÓSTOLO PAULO?



1 Coríntios IX, 19-22
"Porque sendo livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar um maior número. Fiz-me judeu com os judeus, para ganhar os judeus; com os que estão sob a lei, (fiz-me) como se estivesse sob a lei, (não estando eu sob a lei), para ganhar aqueles que estavam sob a lei; com os que estavam sem lei, (fiz-me) como se estivesse sem lei (não estando sem a lei de Deus, mas estando na lei de Cristo), para ganhar os que estavam sem lei".

Este texto de S. Paulo pode ser mal interpretado no sentido de justificar o ecumenismo. Devemos afirmar que nada justifica tal interpretação, porque Santos Padres, como Santo Agostinho e S. Jerônimo, já deram o legítimo significado, segundo veremos neste artigo.

"Sendo livre em relação a todos", isto é, não sendo eu (afirma S. Paulo) sujeito a nenhum poder e domínio de algum homem, fiz-me voluntariamente como se fosse servo de todos, adaptando-me às fraquezas e necessidade de todos afim de ganhar o maior número possível de pessoas para o Evangelho.

"Fiz-me judeu com os judeus..." etc.: S. Paulo quer dizer simplesmente naquelas observâncias e cerimônias exteriores, as quais não eram contrárias ao Evangelho; se acomodara somente ao gênio dos judeus apaixonados pelos seus antigos costumes, para assim insinuar-se com tal condescendência, em seus corações. É que vemos o grande Apóstolo fazer, como lemos em Atos XVI, 3 e XXI, 23  e seguintes.

"Chegou a Derbe e a Listra. Havia lá um discípulo chamado Timóteo, filho de uma mulher judia convertida à fé, e de pai gentio. Os irmãos, que estavam em Listra e em Icônio, davam bom testemunho dele. Quis Paulo que ele fosse consigo. Tomando-o, o circuncidou, por causa dos judeus que havia naqueles lugares. Porque todos sabiam que o pai dele era gentio" (Atos XVI, 23).  Já em Gálatas II, 3 e seguintes, S. Paulo mesmo escreve que não permitiu que Tito fosse circuncidado porque ele quis retirar aos falsos irmãos que eram os judaizantes, todo pretexto para ensinar a necessidade da Lei mosaica, da qual os cristãos haviam sido libertados por inspiração do Espírito Santo no Concílio de Jerusalém: "Ora nem mesmo Tito, que estava comigo, sendo gentio, foi obrigado a circuncidar-se, e isto por causa dos falsos irmãos, que se intrometeram a explorar a nossa liberdade, que temos em Jesus Cristo, para nos reduzirem à escravidão. Aos quais nem só uma hora quisemos estar sujeitos, para que permaneça entre vós a verdade do Evangelho".

Não há nenhuma contradição no modo de agir de S. Paulo, porque a circuncisão em si era uma coisa indiferente; tornou-se obrigatória por determinação do próprio Deus e, portanto, antes do Concílio de Jerusalém, quem desobedecesse a ordem de Deus, cometeria pecado. Depois do Concílio de Jerusalém, foi, por inspiração do Espírito Santo, retirada a obrigatoriedade da lei da circuncisão, e portanto, quem não a cumprisse não mais cometeria pecado. Isto tudo por se tratar de algo em si indiferente. Assim o mesmo S. Paulo resistiu a Cefas em face, porque a dissimulação do Apóstolo Pedro, dava a impressão que quem não observasse a lei da circuncisão estaria cometendo pecado, sendo que já tinha sido abolida sua obrigatoriedade no Concílio de Jerusalém. Em se tratando de algo indiferente, mesmo após o Concílio de Jerusalém, quem quisesse praticar a circuncisão, não cometeria nenhum pecado; mas quem dissesse ou mesmo desse a entender (como fez Cefas) que a circuncisão continuava obrigatória sob pecado, estaria completamente errado, "não estaria agindo segundo a verdade do Evangelho" (Cf. Gálatas II, 11-14).

S. Paulo foi a Jerusalém e foi recebido com alegria pelos irmãos na fé, ou seja pelos cristãos que fizeram a Paulo a seguinte observação: "Bem vês, irmão, quantos milhares de judeus são os que têm crido e todos são zeladores da lei. Ora eles têm ouvido dizer que tu ensinas os judeus, que estão entre os gentios, a separarem-se de Moisés, dizendo que não circuncidam os seus filhos, nem vivam segundo os costumes mosaicos. Que fazer pois? Certamente ouvirão dizer que tu chegaste. Faze, pois, o que te vamos dizer: Temos aqui quatro homens, que têm um voto sobre si. Toma-os contigo, purifica-te com eles, faze por eles os gastos dos sacrifícios, a fim de que rapem as cabeças. Saberão assim todos que é falso o que ouviram de ti e que caminhas ainda guardando a lei. Quanto àqueles gentios que creram, nós já escrevemos, ordenando que se abstenham do que for sacrificado aos ídolos, do sangue, do sufocado e da fornicação". S. Lucas nos versículos seguintes deste capítulo diz que S. Paulo seguiu o conselho. Mas humanamente falando não deu nada certo porque os judeus o prenderam no templo, arrastaram-no para fora e quiseram matá-lo. A polícia interveio para livrar Paulo da morte. Mas, assim, o Apóstolo teve oportunidade de fazer uma pregação à toda multidão.

"Com os que estão sob a lei"... etc.  Os prosélitos eram aqueles que estavam sob a lei, os quais se submetiam voluntariamente a ela. O espírito e a mente de S. Paulo atinente a esta passagem estão maravilhosamente expressas por Santo Agostinho numa célebre carta a S. Jerônimo onde se lê: "Fiz-me judeu com os judeus, e as outras coisas que disse, exprimem uma compaixão de misericórdia, não um fingimento para enganar. Da mesma maneira quando disse que "se fazia doente com os que estavam doentes" não enquanto fingisse estar com febre junto daquele que estivesse doente; mas queria dizer que tinha ânimo compassivo pensando como tratar o doente do mesmo modo como gostaria de ser assistido caso estivesse realmente doente. Paulo verdadeiramente era Judeu; tornando-se cristão, não havia contudo abandonado as cerimônias judaicas, dadas legitimamente àquele povo num tempo em que eram convenientes e necessárias; e ele, mesmo sendo apóstolo de Cristo, praticava estas cerimônias (em si indiferentes como era a circuncisão) afim de ensinar que elas não eram nocivas àqueles que as quisesse praticar, sem, porém, repor nas mesmas, a esperança de salvação, porque a salvação apenas figurada nestas cerimônias [a circuncisão p. ex. era figura do batismo; e Santo Agostinho nesta carta chama tais cerimônias judaicas de "sacramentos dos judeus"] já havia sido realizada por Nosso Senhor Jesus Cristo".

"Com quem era sem lei, fiz-me como se estivesse sem lei". Queria dizer: Com os gentios (=pagãos) me faço como se não tivesse sido Judeu, mas Gentio, não observando entre eles a Lei Cerimonial, mas, pelo contrário, me comportando como se fosse um dos seus que não receberam a lei; embora eu não seja nem viva sem a Lei de Deus, porque observo a lei de Cristo ao qual estou sujeito. S. Paulo acrescentou aquelas palavras "não sendo eu sem lei etc.", talvez para não dar azo à uma má interpretação, ou seja, que ele houvesse dito de não praticar a lei para ganhar os pagãos que eram privados da lei.

Outro exemplo bem característico do Apóstolo foi o discurso que fez no Areópago de Atenas, discurso este que já no início atrai a simpatia dos atenienses chamando-os de religiosos porque construíram um altar ao deus desconhecido. E S. Paulo aproveita disto para justamente pregar sobre o verdadeiro Deus, deles ainda desconhecido, criador do mundo, Senhor do céu e da terra. Neste sermão cita também um poeta pagão ateniense, o que certamente não deixou de agradar aos ouvintes. É bem verdade que o resultado do discurso não foi tão grande, pelo menos aparentemente. Na verdade, algumas pessoas abraçaram a fé; entre as quais foi Dionísio, o areopagita e uma mulher, chamada Dâmaris e outros com eles (Atos XVII, 15-33). E sabemos o quanto bem fez às almas o grande São Dionísio!

Do exposto, creio que todos nós podemos ver com facilidade o espírito MISSIONÁRIO do Apóstolo e, de modo algum, espírito de ecumenismo à Vaticano II. Basta compararmos o que fez S. Paulo nestas circunstâncias acima mencionadas com o que foi feito nos famigerados ENCONTROS DE ASSIS. 

NB. Peço desculpas pela grande demora em dar a resposta aos que me solicitaram uma exegese deste texto de S. Paulo.

terça-feira, 2 de abril de 2019

LEITURA ESPIRITUAL - Dia 2 do mês

Dos desejos desordenados e da prudência nas ações

   Todas as vezes que o homem deseja desordenadamente alguma coisa, logo perde a paz. O soberbo e o avarento nunca estão sossegados; quem é humilde e desprendido dos bens materiais, este vive em muita paz.
   O homem sensual também não tem paz porque não consegue desapegar-se totalmente dos desejos terrenos. Se consegue o que deseja, o coração fica insatisfeito, sente pesar sobre si o remorso da consciência. Se já ficou com a consciência cauterizada de tanto pecar, e não sente mais remorso, é mais infeliz ainda, porque dificilmente se converterá. Há, pois, mais perigo em sentir o remorso eternamente. 
   Em resistir pois às paixões se acha a verdadeira paz do coração, e não em segui-las. Só há paz no coração do homem fervoroso e espiritual. 
    Um pesado jugo oprime os filhos de Adão, continuamente fatigados pelos apetites da natureza corrupta. Se porventura sucumbem, para logo a tristeza, a inquietação, o dissabor, o remorso se apoderam de sua alma. "Soberbo ainda de mim mesmo, diz Santo Agostinho, contando as desordens de sua mocidade, apartava-me para longe de Vós, ó Deus meu! em caminhos semeados todos de estéreis dores" (Conf. 11,12).
    Mais custa ao homem ceder ás suas inclinações do que vencê-las; e se o combate contra as paixões é renhido, dele resulta uma paz inefável.
    Neste combate chamemos o Senhor em nosso auxílio; não temamos o trabalho, cobremos ânimos, perseveremos firmes na fé e na esperança. Que é um dia, um ano, a vida toda em comparação do bem-aventurado repouso da vida eterna na Jerusalém celeste? 
    Quão tarde vos conheci, formosura tão antiga e tão nova, quão tarde Vos conheci e amei! Vinde em meu auxílio, Deus meu, dai-vos pressa em socorrer-me; sois a minha fortaleza nos combates e o meu refúgio no dia da tribulação. "Ânimo, minha alma tem valor e firmeza em tuas penas, e espera confiada o socorro do Senhor". 
    A vida virtuosa faz o homem sábio segundo Deus e experimentado em muitas coisas. Quão mais humilde for cada um em si, e mais sujeito a Deus, tanto será mais sábio e sossegado em tudo.
    Antes de qualquer ação ou empreendimento devemos pedir as luzes do Divino Espírito Santo. Como ninguém se conhece a si mesmo, não pode desde logo ser seu próprio guia: por isso, deve pedir a sabedoria a Deus, Nosso Senhor. 
    O ramalhete espiritual hoje, para ficar lembrado durante o dia deste jardim odorífero da meditação e tirar frutos para a vida eterna, será estas palavras das Sagradas Escrituras: "Aqueles que são de Jesus Cristo crucificaram a sua carne com seus vícios e concupiscências". 
    
   

O DESVIRTUAMENTO DOS DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS APROVEITA AOS COMUNISTAS


CARTA PASTORAL 
prevenindo os diocesanos contra os ardis da seita comunista.
Escrita em 13 de maio de 1961 pelo então Bispo da Diocese de Campos, D. Antônio de Castro Mayer, de saudosa memória.
(continuação)

O desvirtuamento dos documentos pontifícios aproveita aos comunistas

Ainda neste assunto, queremos fazer uma última advertência aos Nossos amados filhos, pondo-os de sobreaviso com relação à maneira como, por vezes, se interpretam os ensinamentos pontifícios que tratam das questões sociais.

Como é sabido, os Papas, especialmente Leão XIII e Pio XI, se ocuparam dessas questões, em documentos solenes, entre os quais as famosas Encíclicas "Rerum Novarum" e  "Quadragesimo Anno". Neles, a par das obrigações registram-se e defendem-se também os direitos dos operários. Por este lado, podem os comunistas e comunistizantes abusar dos próprios documentos eclesiásticos. É preciso, pois, ao fazer deles uso, cuidar que nossa atitude não venha a favorecer a consecução de objetivos socialistas e comunistas. Cautela tanto mais oportuna, quanto é requente em certos movimentos sociais salientar-se apenas a parte econômica desses ensinamentos pontifícios, deixando-se em segundo plano, ou inteiramente no esquecimento, a insistência dos Papas sobre o indispensável revigoramento da Fé, a imprescindível reforma dos costumes, e outros meios de ordem espiritual necessários para que se elimine a inquietação provocada pela economia laica moderna. Além disso, mesmo na parte econômica, é comum apegarem-se muitos ao que é acidental e até marginal nas Encíclicas, como se fora o núcleo central, o objetivo primeiro delas.

Exemplo: o alarido em torno da co-gestão e da participação nos lucros

É o que se dá, por exemplo, com a participação dos operários nos lucros das empresas, preconizada na "Quadragesimo Anno" (cf. A. A. S., vol. 23, p. 199). Fala o Papa de modo opinativo  -  "Julgamos que dentro do possível"  -  e incidentemente, pois que se pode tirar todo o trecho, sem que se mude em nada o sentido da Encíclica. E, não obstante, faz-se tanto alarido em torno desse ponto  -  erigido até em programa de partidos políticos que pretendem ser cristãos  -  como se constituísse a grande lição da "Quadragesimo Anno". Não forçamos a expressão. Mais ou menos por toda parte, como que sob uma palavra de ordem, difundiu-se essa opinião.

Tanto assim que Pio XII se sentiu na obrigação de dar ao trecho e questão o seu justo valor dentro da Encíclica e da doutrina de seu Predecessor. Fê-lo em várias oportunidades. Citemos uma: a alocução que dirigiu em 3 de janeiro de 192 ao Conselho Nacional da União Cristã dos Diretores de Empresa. Advertiu então o Pontífice: "Fala--se hoje muito de uma reforma de estrutura da empresa, e os que a promovem pensam em primeiro lugar em modificações jurídicas entre os que dela são membros, sejam os empresários, ou os dependentes incorporados na empresa em virtude do contrato de trabalho.

À Nossa consideração não podiam escapar as tendências que se infiltram em tais movimentos, as quais não aplicam  -  como se aduz  -  as incontestáveis normas do direito natural às condições mudadas do tempo, mas simplesmente as excluem. Por isso, em Nosso discurso de 7 de maio de 1949 à União Internacional das Associações Patronais Católicas, e no de 3 de junho de 1950 ao Congresso Internacional de Estudos Sociais, Nos opusemos a tais tendências, não tanto, na verdade, para favorecer os interesses materiais de um grupo antes que os de um outro, mas para assegurar a sinceridade e a tranquilidade de consciência de todos aqueles a quem se referem estes problemas.

Nem Podíamos ignorar as alterações com as quais se deturpavam as palavras de alta sabedoria de Nosso glorioso Predecessor Pio XI, atribuindo o peso e a importância de um programa social da Igreja, em nosso tempo, a uma observação totalmente acessória sobre as eventuais modificações jurídicas nas relações entre os trabalhadores sujeitos ao contrato de trabalho e a outra parte contratante" ("Discorsi e Radiomessaggi", vol. 13, p. 465).

Mais tarde, em 14 de setembro do mesmo ano de 1952, na já citada radiomensagem aos católicos austríacos, torna o Papa a dizer que a Igreja se recusa terminantemente a deduzir do contrato de trabalho qualquer direito do empregado à co-direção ou à co-propriedade  da empresa (cf. "Discorsi e Radiomessaggi", vol. 14,. p. 313).

Pretender, pois, impor tais participações, como se constituíssem exigência da doutrina da Igreja, é um erro que favorece o ambiente de agitação e antagonismo de classes propício à consecução dos objetivos comunistas. É, ainda que inconscientemente, colaborar com o maior inimigo da civilização cristã.

Ao estudo e à difusão das Encíclicas aplica-se o axioma dos escolásticos: "Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu". Assim, a doutrina delas é doutrina de salvação quando tomada na sua integridade harmoniosa, e pode produzir péssimos frutos quando mutilada pela consideração de uma só parte isolada do todo. Nas relações com patrões e operários, não nos esqueçamos do exemplo do Filho de Deus. Jesus amou os pobres, deles Se compadeceu, aliviou-lhes as misérias. Nem por isso desprezou os ricos, que ele também veio salvar. Assim, dedicou profunda amizade à família rica e principesca de Lázaro, Marta e Maria, em cuja casa gostava de repousar das labutas do apostolado.