103. A DESIGUALDADE DAS GRAÇAS (d).
Entre os católicos as coisas se passam de maneira bem diferente.
Suponhamos que um católico se achava em estado de graça, que passou mesmo muitos anos levando uma vida santa e agora caiu num pecado grave. Ele não se sente privado da fé, como se fora um incrédulo, porque a fé consiste em aceitar toda a doutrina de Cristo, a qual nos é proposta pela sua Igreja Infalível. Ele continua a ver em Jesus o seu Salvador: sabe que Deus quer salvá-lo e não lhe negará a graça do arrependimento, nem o seu perdão, a ser adquirido pelos meios competentes, porque Deus não quer a morte do pecador, mas sim, que ele se converta e viva (Ezequiel XXXIII-11). Não se trata aqui absolutamente de pecar alguém com a esperança de alcançar o perdão. Porque, para haver perdão, é preciso haver um PROPÓSITO EFICAZ (isto é, pronto a empregar todos os meios), FIRME E SINCERO de não mais afastar-se de Jesus por todo o resto da vida. [Nota: Uma coisa, porém, é o homem aos pés de Deus fazendo o seu firme propósito, e outra já bocado diversa é o mesmo homem às voltas com as seduções da tentação. E aí muitas vezes fraqueja. A mentalidade excessivamente rígida de certos protestantes não pode compreender isto: acham que, desde que o propósito foi alguma vez quebrado, isto é sinal de que nunca houve o arrependimento. Doutrina muito boa... para levar a pobre Humanidade ao desespero. Mas é o caso de perguntar: será que esses protestantes se sentem NA SUA VIDA assim tão inflexíveis, tão angelicais que não experimentem o contraste entre os nossos melhores propósitos e a realidade das nossas imperfeições?] Mesmo quem quisesse abusar da misericórdia divina, pecando com a esperança deste perdão, se arriscaria a cair no endurecimento e a não receber A GRAÇA da contrição, que Deus pode por justiça negar àqueles que querem ludibriar de sua benevolência. É por isto que diz São Paulo: Obrai a vossa salvação com receio e com tremor... PORQUE DEUS É O QUE OBRA EM VÓS O QUERER E O PERFAZER, SEGUNDO O SEU BENEPLÁCITO (Filipenses II-12).
Trata-se, sim, de soerguer-se, pela misericórdia divina, aquele que ia seguindo o bom caminho, mas pagou o seu tributo à fragilidade humana. E o mesmo Deus que obrigava São Pedro a perdoar 70 vezes 7 vezes (Mateus XVIII-21 e 22) saberá ser rico em misericórdia para com a alma que quer seguir a Cristo de todo o coração, mas se encontra muitas vezes a braços com a sua própria fraqueza. Assim faz o Bom Pastor que corre, pressuroso, em busca da ovelha perdida.
E agora chamamos a atenção do leitor para uma circunstância que não pode ser esquecida: O católico que se achava em estado de graça e caiu num pecado mortal UNICAMENTE A SI PRÓPRIO vai atribuir a causa de sua desgraça. Uma vez que não tem esta ideia de que a salvação é dada por Deus INTEIRAMENTE DE GRAÇA e de uma vez para sempre, mas sim a de que a salvação deve ser conseguida palmo a palmo por ele, ajudado com a indispensável graça de Deus, uma vez que está convencido, de acordo com a doutrina católica, de que "aquele que faz o que está ao seu alcance, Deus não nega a sua graça, e mesmo para ele fazer o que está ao seu alcance, Deus ainda o ajuda com a sua graça", a sua conclusão é esta: Existem, na salvação, a parte de Deus e a minha. Deus sempre faz maravilhosamente a sua parte, o seu desejo de salvar-me é muito maior do que o meu próprio desejo. Mas fracassei, não soube perseverar na minha cooperação com a graça. De agora por diante hei de esforçar-me por cooperar melhor, ajudado com a graça de Deus, pois SEM ELA NADA POSSO FAZER e pedirei ao próprio Deus que me ajude a me tornar melhor daqui por diante.
Não é difícil verificar, destas duas concepções a respeito da nossa salvação, qual a que se mostra mais adequada à nossa natureza humana, que nada tem de imutável. trata-se aí de um assunto que a TODOS se refere, pois todos precisam ser salvos, todos têm obrigação de TER FÉ na mensagem do Evangelho.
Segundo a teoria protestante, TODOS AQUELES que sinceramente creem no Evangelho, são por uma operação do Espírito Santo transformados AUTOMATICAMENTE em regenerados, que não pecam mais e assim recebem a salvação dada toda de presente.
Segundo a teoria católica, o homem precisa CONQUISTAR a salvação, cooperando livremente com a graça, dia a dia; e se fraqueja, se cai no meio do caminho, se perde esta salvação em cuja posse se encontrava, ainda pode recuperá-la com o arrependimento e com o perdão divino. Deus amorosamente o ajudará a levantar-se da queda, a não ser que o pecador prefira continuar no deplorável estado em que caiu. Não se negam as transformações maravilhosas que o Divino Espírito Santo tem realizado em certas almas que se guindaram bem depressa às mais belas culminâncias da santidade. Mas também estas almas só chegaram a tal ponto, só conquistaram o grau mais elevado de glória celeste porque por sua vez souberam dia a dia ir cooperando heroicamente com a graça.
Medite bem o leitor, olhe para si e para os outros, e para toda a história do homem, inclusive nesses 2.000 anos de Cristianismo e veja qual destas duas concepções reflete com exatidão o que é a marcha da Humanidade sobre a face da terra. E observe também qual delas está mais conforme com a palavra da Bíblia: Aquele, pois, que crê estar em pé veja não caia (1ª Coríntios X-12).