quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A CONSUMAÇÃO DO SACRIFÍCIO: A COMUNHÃO

   Nos sacrifícios do Antigo Testamento, o povo gostava que por qualquer sinal Deus lhe fizesse saber que o sacrifício era aceito por Ele e que Lhe era agradável. As vezes, como sinal, Deus mandava fogo do céu para consumir á vítima. E algo de análogo encontramos na imolação do Calvário. Deus, ressuscita o seu Filho e consome pelo fogo do amor as imperfeições do seu corpo mortal, para lhe conferir num grau superior todas as qualidades dos corpos gloriosos e, porque de certo modo se tornou espírito vivificante, para lhe permitir uma ação santificante sobre as almas. É sobretudo na Eucaristia que aparece este papel santificante : "Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia" (S. Jo. VI, 54). Por isso, Jesus ressuscitado aparece subitamente no meio dos apóstolos reunidos no Cenáculo. São Paulo, depois de ter observado que os sacerdotes antigos tinham necessidade de sucessores, porque eram mortais, acrescenta: "Mas Ele, porque permanece para sempre, tem um sacerdócio que não passa. Por isso pode salvar perpetuamente aqueles que por Ele se aproximam de Deus, sempre vivo para interceder por nós" (Heb. VII, 24). Depois de cumprir a sua missão, depois de confirmar a fé dos apóstolos, e de lhes explicar o reino de Deus, passados quarenta dias depois da sua ressurreição, subiu ao céu, onde está sentado à direita do Pai, e onde pede e ora constantemente por nós, mostrando as cicatrizes das suas chagas gloriosas. Jesus é, portanto, no céu, o nosso Soberano Pontífice. Mas está também em estado de vítima.  São João no Apocalípse diz que viu   um Cordeiro vivo mas como se estivesse sido imolado. É certo que no céu, Cristo não oferece um sacrifício no mesmo sentido que no Calvário e nos nossos altares, mas aparece diante do Pai como tendo sido imolado outrora, com as cicatrizes gloriosas das suas chagas e na qualidade de vítima que lhe pertence tanto como a de sacrificador. Daqui se conclui que o sacrifício inaugurado na terra atinge no céu a sua consumação, no sentido de que Jesus não só recebe a recompensa do seu sacrifício, mas continua o papel de mediador e de sacerdote, não cessando nunca de se oferecer e de interceder por nós (Heb. VII, 25). É do céu ainda, que Ele faz descer sobre nós uma chuva ininterrupta de bênçãos, que nos permite participar dos frutos da redenção.

   Em certos sacrifícios antigos, os sacerdotes e os fiéis que apresentavam a vítima consumiam uma parte, para deste modo entrarem em comunhão com ela e com a divindade, à qual havia sido consagrada. Este ato, então meramente simbólico, encontra-se em toda a sua realidade no sacrifício oferecido por Cristo. Se Jesus subiu ao céu, fê-lo, segundo a sua promessa, para nos preparar um lugar para, enquanto vivermos na terra, nos tornar participantes das graças que nos mereceu. Estas graças, obtemo-las nós pelos sacramentos e sobretudo pela Eucaristia, que, ao dar-nos Jesus, nosso sacerdote e nossa hóstia, faz-nos participar dos seus pensamentos, dos seus sentimentos e virtudes. Mas podemos também obtê-las pela comunhão espiritual, que perpetua os efeitos da comunhão sacramental, ao levar-nos a pensar, a falar, a atuar sempre em união com Jesus. Caríssimos e amados leitores, ditosas as almas que vivem em união habitual com Jesus, sacerdote e vítima!. A sua transformação será total: em vez de se deixarem guiar por pensamentos egoístas, pelo desejo de agradar aos homens, pela curiosidade, pela vaidade ou pela sensualidade, fixaram toda a sua atenção em Nosso Senhor Jesus Cristo, o único a quem querem agradar. Para essas almas, Jesus é o centro de toda a vida. É por Ele, com Ele e n'Ele que elas oram, trabalham e vivem. Podem dizer com São Paulo: "Eu vivo, mas não sou eu que vivo: é Jesus que vive em mim"; "a minha vida é Jesus".
   Na próxima postagem vamos meditar nestas palavras: POR ELE, COM ELE E NELE.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Jesus se imola como Vítima

   A IMOLAÇÃO: Começa com a dolorosa Paixão, no horto das Oliveiras com a agonia do Getsêmani, e tem o seu remate no Calvário. Antes porém de se deixar imolar pelos carrascos, Jesus quis oferecer-se de novo como vítima, desta vez num verdadeiro sacrifício, acompanhado de ritos misteriosos - o sacrifício da Ceia. Depois de ter celebrado a antiga Páscoa com os apóstolos, dá início, por assim dizer, à nova Páscoa, e institui um sacrifício que se perpetuará nos altares até ao fim dos tempos. Tomando o pão, abençoa-o e dá-o aos apóstolos, dizendo: "Comei, isto é o meu corpo, dado e entregue por vós". E tomando o cálice do vinho, acrescenta: "Bebei dele todos; é o meu sangue, o sangue da nova aliança, que é derramado por vós e pela multidão dos homens em remissão dos pecados". Jesus sabe que vai ser imolado no dia seguinte e oferece antecipadamente ao Pai a sua imolação, a efusão do seu sangue, a sua morte, para patentear publicamente aos Apóstolos que se entrega livre e voluntariamente à morte expiatória e às torturas físicas e morais que a acompanharão. A Ceia é, portanto, um verdadeiro sacrifício, porque é um dom antecipado da vítima que será imolada no dia seguinte.
   É por esta mesma razão que Jesus é chamado sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque. Com efeito, Melquisedeque oferecera a Deus pão e vinho. Ora, é sob as espécies de pão e de vinho que Jesus se oferece ao Pai e se dá aos Apóstolos. A santa missa celebrada hoje nos nossos altares é uma reprodução do sacrifício da Ceia, com a diferença de que o sacerdote oferece atualmente a vítima outrora imolada no Calvário, ao passo que Cristo oferecia no Cenáculo a vítima que ia ser imolada no dia seguinte.
   Jesus pode agora começar a sua dolorosa Paixão. Deve mesmo começá-la, já que com as palavras que disse na Ceia se votou à morte.
   É exatamente isto que Jesus faz. Entra nos Horto das Oliveiras, onde vai ter agonia e suar sangue. Jesus deixa que a sua imaginação Lhe represente, de uma maneira clara, todas as torturas e humilhações que há de sofrer no dia seguinte. Fica tão sensibilizado, que sente medo, tédio e uma tristeza muito profunda. Jesus vê-se , sobretudo, como cabeça de um corpo místico de que nós somos membros, carregado com o peso dos nossos pecados, sente-se como que submergido pela vaga de todas as iniquidades humanas, em face do Deus de toda a santidade. Uma tristeza mortal apodera-se da sua alma e pelo seu corpo cansado perpassa um suor de sangue. "Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice. Mas não se faça como eu quero, mas como tu queres" (S. Mat. XXVI, 39).
   E o martírio começa. Traído por Judas, renegado por Pedro, abandonado por quase todos os seus discípulos, é vilipendiado, insultado, ferido pelos servos do Sumo Sacerdote, condenado pelo Sinédrio por se ter confessado Filho de Deus, condenado por Pilatos que proclamara momentos antes a sua inocência. Flagelado, coroado de espinhos como um rei fantoche, carregado de um pesado lenho, sobe penosamente o Calvário, estende os seus membros doloridos sobre a cruz, vê as suas mãos e os seus pés perfurados pelos cravos, ouve os insultos e os sarcasmos dos escribas e dos fariseus, que o convidam ironicamente a descer do patíbulo, se é verdadeiramente o Messias, o Filho de Deus. E em vez de se vingar, suplica ao Pai que lhes perdoe, porque, diz Ele, "não sabem o que fazem" (S. Luc. XXIII, 34).
   E enquanto o seu corpo é torturado pelos algozes e a sua alma se angustia ao pensamento de que muitos não tirarão proveito do seu sangue, que faz Jesus, o Soberano Pontífice, no altar da cruz? Renova o dom de sua vida, já tantas vezes feito: "Eu sou o Bom Pastor. O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas... ninguém me tira a vida, mas sou eu que a dou; eu tenho o poder de a dar e o poder de a tomar; tal é a ordem que recebi de meu Pai" (S. Jo. X, 11-18). Esta ordem foi tão bem cumprida que podia dizer com toda a verdade: "Tudo está consumado". Os sacrifícios figurativos do Antigo Testamento são substituídos pelo único verdadeiro sacrifício. As profecias estão cumpridas, em particular a profecia de Isaías anunciando com antecipação de séculos os sofrimentos e a morte do Homem das dores.
   Jesus acabou a sua obra, cumpriu toda a justiça. Sofreu, sem se queixar, as mais espantosas torturas do corpo e da alma. Sofreu-as por amor, por amor do Pai, a quem queria glorificar, e por amor dos homens, a quem queria salvar. Já só Lhe resta permitir que a morte se apodere da sua vítima voluntária. É  o que Ele faz, depois de se oferecer pela última vez como hóstia ao Pai: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (S. Luc. XXIII, 46).
   Nosso Senhor Jesus Cristo expira. Deus foi glorificado como nunca tinha sido, e os homens foram salvos, pelo menos de direito. Resta aos homens fazer seus pela fé e pela caridade, pelas obras e pela recepção dos sacramentos, os méritos do Redentor. Ao fazê-lo consumarão o sacrifício de Cristo e comungarão com Jesus-Vítima. É o que meditaremos, se Deus quiser, na próxima postagem.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Jesus se oferece como Vítima

   A OBLAÇÃO DA VÍTIMA: Como já dissemos, no mesmo instante em que o Filho de Deus se encarnava no seio virginal de Maria Santíssima, era constituído Sacerdote Soberano. Sabendo que os sacrifícios da Lei Antiga não podiam glorificar ao Pai como Ele o merece, Jesus Cristo apresenta-se diante d'Ele e oferece-se como vítima. Assim começa o primeiro sacrifício verdadeiro e digno deste nome: sobre o altar puríssimo do coração de Maria Santíssima, o Verbo Encarnado oferece, como sacrificador, uma vítima, e esta vítima é Ele mesmo. Jesus oferece-se inteiramente: corpo e alma. É o seu corpo que um dia imolará na cruz e que, até que chegue o seu dia, vai sacrificando pela prática da mortificação. É a sua alma, com todos os seus pensamentos, desejos, afetos, volições, que não cessará de imolar sob a espada da obediência até o dia em que, no Calvário, completará o seu sacrifício pelo supremo ato de amor. "Aniquilou-se a si mesmo, tomou a forma de servo e fez-se obediente até a morte, e morte de cruz". Toda a vida de Jesus será uma cruz e um martírio voluntários. Será mártir desde o momento da Encarnação. Seu primeiro olhar é para o Pai, a quem constantemente oferece, em seu nome, os mais perfeitos atos de religião e expiação. O seu segundo olhar é para nós: olhar de comiseração e amor para com os pecadores, que vem salvar com o seu sangue; olhar de afetuosa ternura para os justos, que ama já como membros do seu corpo místico e nos quais deseja crescer e aumentar para lhes comunicar os tesouros da sua vida divina. Por todos eles, Cristo oferece ardentes súplicas, que são ouvidas em virtude da dignidade da sua pessoa, (Heb. V, 7). Maria Santíssima, que traz em seu seio puríssimo o Verbo Encarnado, já começa a exercer o seu papel de colaboradora secundária na obra da nossa Redenção; e também o papel de Medianeira de todas as graças.
   Depois de nove meses, Jesus nasce e os seus não o receberam, diz São João, I, 2). Já São Lucas constata dolorosamente que Jesus nasce num estábulo, porque não havia lugar para sua Mãe e para Ele na hospedaria. (S. Luc. II, 7). Assim, ao chegar ao mundo já sofre o frio da estação e o dos corações da maioria. Sofre a penúria da pobreza e mais ainda a ingratidão dos homens. E não cessará de ser vítima. No dia da Circuncisão, cerimônia humilhante e dolorosa, derrama as primeiras gotas de sangue para confirmar a intenção de o derramar um dia até à última gota por nós. Perseguido por Herodes, é obrigado a tomar o caminho do exílio e quando, após a morte do tirano, regressa à Palestina, é para se encerrar numa pobre casa de Nazaré, aldeia desconhecida da Galileia, e passar aí trinta anos na obscuridade, na obediência, no trabalho manual, de tal modo escondido, que os compatriotas o olham como um vulgar carpinteiro. A sua vida pública não será, com exceção de algumas alegrias e sucessos passageiros, senão um longo martírio. Desde o início que os Fariseus e os Escribas O perseguem, a princípio com suspeitas, depois, com inveja e ódio; armam-Lhe constantes ciladas, procuram contrariar a sua influência sobre o povo. Se, na verdade, consegue fazer alguns discípulos fiéis e converter alguns pecadores insignes, não há dúvida de que a massa do povo permanece indiferente ou hostil, porque não pode reconhecer o Messias glorioso tão ansiosamente esperado, num jovem Rabi tão humilde e tão modesto, que em vez de conviver com os grandes e preparar o triunfo temporal do seu povo, visita os humildes, os aflitos, os pobres, os publicanos e os próprios pecadores. Como devia ter custado a Jesus ver-se assim incompreendido e desprezado, apesar de tantos milagres, que eram outros tantos sinais que provavam a divindade da sua missão e da sua pessoa! Mas, caríssimos leitores, tudo isto não era mais do que o prelúdio do autêntico sacrifício. Jesus será imolado como vítima. É o que veremos, se Deus quiser, na próxima postagem.  

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

JESUS, SACRIFICADOR E VÍTIMA

   Nos sacrifícios do Antigo Testamento, o sacerdote era distinto da vítima. Escolhia-se como vítima para os sacrifícios sangrentos, que eram considerados os mais perfeitos, um ser vivo, normalmente um animal doméstico, que era mais indicado para substituir o homem, visto que lhe pertencia. Este animal era oferecido a Deus, segregado de todo o uso profano, e consagrado ao serviço e honra da divindade. Era em seguida imolado, para mostrar que o pecador, depois de ofender a Deus, já não tem direito de viver e merece a morte. Depois de ser queimado, em certos sacrifícios, uma parte da vítima, comia-se a outra porção, para comungar assim com a vítima e, por ela, com a divindade. A união com Deus, despedaçada pelo pecado, era, portanto, após a glorificação da divindade, o fim a que tendia o sacrifício.
  Assim, pois, três atos principais constituíam o sacrifício: a OBLAÇÃO, a IMOLAÇÃO, a COMUNHÃO, também chamada consumação.
   Todos estes sacrifícios eram figuras e símbolos que preparavam o sacrifício verdadeiro, aquele que o Homem-Deus, Soberano Sacerdote da Nova Lei, devia oferecer para glorificar a Deus e salvar os seus irmãos. Mas Deus tem direito a homenagens infinitas. Para lhas tributar e reparar a ofensa feita a Deus pelo pecado, era necessário um sacrifício de valor moral infinito. Para que assim fosse, Jesus, nosso Soberano Sacerdote, quis ser não apenas o SACRIFICADOR, mas também a VÍTIMA. Assim, sob este duplo aspecto (de sacrificador e vítima ao mesmo tempo) o Sacrifício por Ele oferecido teria verdadeiramente um valor infinito, porque a dignidade dum sacrifício depende da dignidade da pessoa que o oferece e da vítima que é oferecida. Ora, Jesus, sacerdote e vítima, não é outrem senão o Homem-Deus, isto é, uma pessoa infinita porque divina.
   Vamos, se Deus quiser, compreender tudo isto melhor ainda, meditando sucessivamente, nas postagens seguintes, os três grandes atos que constituem este sacrifício de um valor infinito, isto é, falaremos da OBLAÇÃO: Jesus se oferece como Vítima; em outra postagem, falaremos da IMOLAÇÃO: Jesus se imola como Vítima; e finalmente em outra postagem, falaremos da CONSUMAÇÃO ou COMUNHÃO: Jesus ressuscita, sobe aos Céu e lá está sempre vivo a interceder por nós; pelos sacramentos e especialmente pela Eucaristia, Jesus faz-nos participantes dos seus pensamentos, dos seus sentimentos e virtudes. Há também a comunhão espiritual que perpetua os efeitos da comunhão sacramental.

domingo, 23 de outubro de 2011

Jesus Cristo, Sacerdote por excelência.

2 - JESUS SATISFAZ AS CONDIÇÕES DO SACERDÓCIO

  Vimos na postagem anterior que as condições essenciais para o sacerdócio são: ser homem, ser consagrado e oferecer sacrifício. Pois bem. Vamos ver agora, com a graça de Deus, que Jesus satisfaz perfeitamente estas três condições.
   A)  SER HOMEM. Jesus é o  Filho de Deus feito homem. Antes da Encarnação, sendo só Deus, não poderia ser sacerdote. Mas desde que no dia da Encarnação no seio da sempre Virgem Maria se fez homem, nada O impede de se revestir da condição de sacerdote. Neste momento, o Verbo entra na família humana e pode, sem nada perder da sua divindade, abater-se, humilhar-se, aniquilar-se, adorar e pedir, como homem que é. Diz São Paulo: "Por isso, entrando no mundo, diz(Jesus): "Não quiseste hóstia, nem oblação mas formaste-me um corpo...Então Eu disse: Eis-me que venho... para fazer, ó Deus, a tua vontade...Por esta vontade somos santificados  mediante a oblação do corpo de Jesus Cristo..." (Heb. X, 5, 7 e 10). Em Hebreus, IV, 15 diz ainda o Apóstolo: "Não temos um Pontífice que não possa compadecer-se das nossas enfermidades, mas que foi tentado em tudo à nossa semelhança, exceto no pecado". Bossuet assim comenta: "Mas não a tomastes (=a natureza humana) sã, perfeita, imortal, tal como saíra no princípio das vossas mãos. Assumiste-la tal como o pecado e a justiça vingadora de Deus a tornaram - mortal, enferma, pobre -, porque queríeis carregar com o nosso pecado. Queríeis carregá-lo sobre a cruz, vítima inocente; queríeis carregá-lo durante todo o decurso da vossa vida... Como não podíeis assumir também a iniquidade e a mácula do pecado, tomastes a pena, o justo suplício, isto é, a mortalidade com todas as consequências. Assim Vos  tornastes sensível aos nossos males - Vós que os experimentastes na Vossa carne... Quem duvida que não possais ajudar-nos nas coisas que já sofrestes, pois sofrestes livremente e quisestes, ao suportá-las, fazer nascer em Vós a compaixão para conosco? Sede para sempre louvado, Senhor, e compadecei-Vos dos nossos males, não como os ricos se compadecem dos pobres, mas como os pobres choram os outros pobres" (Bossuet, Méditations sur l'Evangile, 95ª).
   Acrescentemos que, por não ter deixado de ser Deus, ao fazer-se homem, Jesus é o mediador ideal entre o Céu e a terra, não apenas santo e imaculado, mas impecável , o Filho bem-amado do Pai, em quem Ele pôs todas as suas complacências, o sacerdote escolhido por natureza para adorar a infinita majestade e defender a nossa causa. Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Como homem, pode compadecer-se das fraquezas dos seus irmãos e abater-se, humilhar-se, sofrer, morrer, para glorificar seu Pai; Como Deus, pode dar a todas as suas ações um valor infinito.
   São Paulo na mesma Epístola aos Hebreus, V,4-6 mostra ser necessário  que Cristo fosse chamado e estabelecido sacerdote pelo Pai. Portanto Jesus não se elevou por si mesmo à glória do Sumo Pontificado, mas recebeu-o d'Aquele que disse: tu és meu Filho, eu te gerei hoje; como disse ainda em outra passagem: "tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque". Foi, portanto, a livre escolha de Deus que fez de Jesus o sacerdote supremo, o sacerdote por excelência. Como devemos agradecer a Deus essa sua bondade infinita!

   B) SER CONSAGRADO. Jesus foi consagrado sacerdote perfeito pelo próprio Deus. Escolhido desde toda a eternidade, Cristo é feito sacerdote no próprio momento da Encarnação e desde logo começa o seu duplo papel de Religioso de Deus e de Salvador dos homens. É o que declara São Paulo: "Ao entrar no mundo, Cristo disse (a seu Pai): não quiseste sacrifícios nem holocaustos mas formaste-me um corpo; não te agradaram holocaustos nem sacrifícios pelo pecado. Então eu disse: Eis-me aqui!... Venho, ó Deus, para fazer a tua vontade... É em virtude desta vontade que somos santificados pela oblação que Jesus fez, uma vez por todas, do seu corpo" (Heb. X, 5-7-10).
  Que vem a ser Religioso de Deus?  Jesus recebeu a consagração sacerdotal para desempenhar junto de Deus o papel de Religioso; e junto dos homens o papel de Salvador. O papel de Salvador, todos sabem em que consiste. Mas talvez nem todos compreendem em que consiste este papel de Religioso de Deus.
Vamos explicá-lo. Como Religioso de Deus, Jesus Cristo oferece-se como vítima, em substituição de todos os holocaustos e sacrifícios do Lei Antiga. É a obediência, a humildade e amorosa submissão à vontade do Pai que imolará todos os atos à glória de Deus e reparará assim, nobremente, a desobediência dos nossos primeiros pais. Desta forma, Deus será glorificado como nunca o fora; será glorificado como merece, com uma glória infinita, porquanto o Verbo comunica às ações e sofrimentos da sua humanidade um valor infinito. E por este mesmo sacrifício, Jesus salvará em princípio todos os homens, no sentido de que lhes merecerá, de uma maneira abundante e mesmo superabundante, todas as graças de que têm necessidade para serem salvos: se alguns não aproveitam da sua redenção, é porque resistiram à sua graça. E São João diz: "Se alguém pecou, temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o justo; Ele próprio é uma vítima de propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas pelos de todo o mundo" (1 João, I, 2). E se, possuindo o estado de graça, tivermos necessidade de novos socorros para perseverar ou progredir na vida espiritual, Jesus estará presente, "sempre vivo para interceder por nós" (Heb. VII, 25).

   C) OFERECER SACRIFÍCIO. Se alguém é sacerdote, então importa que ofereça sacrifício; se é  o sacerdote por excelência, importa que ofereça um sacrifício perfeito. Foi exatamente o que Jesus fez. Quanto ao sacrifício, começou a oferecê-lo interiormente desde o primeiro instante da sua existência e renovou exteriormente este oferecimento no dia da sua apresentação no templo. Preparou a imolação sangrenta por uma vida de rudes trabalhos e profundas humilhações. Completou o seu sacrifício na última Ceia e sobre o altar da Cruz, oferecendo-se livre e generosamente para suportar com paciência heróica todas as torturas físicas e morais que os seus algozes lhe infligiram. Consumou-o, ressuscitando e subindo ao céu; aí, aparece diante do Pai com a sua humanidade imolada por nós e, embora lá não ofereça um sacrifício propriamente dito, não cessa de interceder por nós e de pedir que os frutos da sua Paixão nos sejam aplicados.
   No Santo Sacrifício da Missa, Jesus Cristo continua o sacrifício do Calvário, oferecendo de novo a seu Pai a Vítima imolada sobre a Cruz, com as mesmas disposições de obediência e amor. E, como diz o Beato Olier, "como este augusto interior de Jesus é o mesmo sobre a cruz e sobre o altar, sob os véus do pão e sob os véus da carne, é ainda o que mais devemos estimar e honrar nos sacrifício de Cristo, que começou sobre a cruz e continua sobre os santos altares".

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

JESUS É TUDO PARA NÓS.

   Caríssimos e muito amados leitores, nestes dez dias que antecedem a festa de Cristo Rei, desejo, com a graça de Deus, alimentar as vossas almas num amor sempre maior ao Nosso Rei de Amor. Amor se paga com amor. Fá-lo-ei, outrossim, no intuito de desagravar o Sacratíssimo Coração de Jesus, tão ofendido pelos "Encontros de Assis".
   Com São Paulo, digamos do fundo do coração: "A minha vida é Jesus!" (Fil, I, 21). Quando um sábio está de tal modo absorvido nas suas investigações e só pensa na ciência, só vive por ela, não tem dúvida em dizer a todo mundo: A minha vida é a ciência. Quando um comerciante se dedica tanto aos seus negócios que esquece tudo o mais, pode com razão afirmar: A minha vida são os negócios.
   Assim também, quando um cristão autêntico compreende que Jesus é tudo para o homem, de tal modo que Ele constitui o seu único pensamento, a razão de ser da sua vida, pode repetir com o Apóstolo das Gentes: A minha vida é Jesus. Para este cristão Jesus é tudo: o caminho, a verdade, a vida, a luz, a alegria infinita e o centro de seus pensamentos e afetos. Na verdade Jesus é a cabeça de um corpo místico do qual nós somos membros; é o nosso mediador junto do Pai, é o sacerdote que oferece por nós o único sacrifício verdadeiro, o doutor que nos ensina a verdade eterna, o modelo perfeito que nos arrasta doce e fortemente nos caminhos da perfeição e da felicidade sem fim. ELE É PORTANTO TUDO PARA NÓS! Entendemos, então, que Jesus é o centro de todos os nossos pensamentos. Em quem poderíamos pensar senão naquele que é tudo para nós? Os santos colocavam suas delícias em meditar no Santo Evangelho! Com que amor eles percorrem essas páginas que fielmente evocam os fatos e os gestos do seu divino Salvador! Para eles, a doutrina e as virtudes de Nosso Senhor Jesus Cristo são um verdadeiro alimento e constituem a medida de tudo. Os santos sabem que os nossos juízos para serem verdadeiros, devem estar de acordo com os d'Aquele que é a verdade infalível. Unem-se a Jesus para adorar a Deus e pedir graças. Nos seus trabalhos, pensam em Jesus que auxiliou sua Mãe nos humildes cuidados de Nazaré. Se fazem alguma visita, se conversam com o próximo, não esquecem que Jesus vive ou deve viver no coração dos nossos irmãos, e é com Ele que conversam na pessoa do próximo. Assim compreendemos aquele encanto na sua conversação. Os santos viviam com Jesus e viam Jesus no coração do próximo. Quem conversava com Santa Catarina de Sena, com São Francisco de Assis, com o Santo Cura dArs, etc., sentiam  a presença de Jesus, é como se vissem Jesus. São Paulo dizia: "Eu vivo, mas não sou eu que vivo, é Jesus que vive em mim". Feliz de quem conviveu com algum santo! "Ecce quam bonum, et quam jucundum habitare fratres in unum!" (Salmo 132, 1).
   Caríssimos leitores, Nosso Senhor Jesus Cristo deve assim ser também o centro dos nossos afetos. São Paulo dizia em todo arroubo de sua alma: "Quem não amar a Jesus, seja anátema". Como pensar em Jesus sem O amar? Ele é a beleza e a bondade infinitas. Possui por natureza todas as perfeições da divindade. Ele é o Verbo Eterno feito Homem. É o Filho de Deus vivo que veio a este mundo. Santa Teresa d'Ávila depois de ter visto Jesus que lhe apareceu, dizia: "Tudo agora me parece cisco."
   Se os Apóstolos no Monte Tabor, diante da humanidade de Jesus transfigurado, ficaram tão arrebatados de admiração que exclamaram: "É bom estarmos aqui" (S. Mat., X, 7), quanto mais arroubados não ficaremos nós em face da beleza sobre-humana que resplandece em Jesus ressuscitado!
   Santo Tomás de Aquino resumiu numa estrofe, de maravilhosa concisão, as grandes manifestações do amor divino para conosco:
           No presépio fez-se nosso irmão,
           Na ceia, nosso alimento;
           Na cruz, nosso resgate,
           No céu, nossa recompensa.
   No dia do Seu nascimento, Ele aparece como um companheiro de viagem nesta terra de exílio, como amigo, como irmão, como consolador, e desde então nunca mais nos deixou sozinhos. Apareceu entre nós com toda benignidade e doçura.
   Ao instituir a Eucaristia, torna-se nosso alimento e sacia com o  seu corpo, sangue, alma e divindade, as almas que têm fome e sede de Deus.
   Morrendo na Cruz, pagou o preço do nosso regate, libertou-nos da servidão do pecado, restitui-nos a vida espiritual e deu-nos o maior sinal de amor que é possível dar aos amigos.
   No céu, enfim, será Ele mesmo a nossa recompensa, veremos face a face a sua divindade, contemplaremos embevecidos a sua humanidade glorificada, possuí-Lo-emos sem partilhas, e participaremos da sua glória.
    "Tendo amado os seus, amou-os até o fim": até o fim de sua vida, até o fim do mundo, até o último extremo, de tal modo, que somos levados a exclamar com Santo Agostinho: "Jesus, sendo poderosíssimo, não poderia dar mais, sendo sapientíssimo, não saberia dar mais; e sendo riquíssimo, não teria mais para dar.
   Ó Pedro, Chefe dos Apóstolos, quanto motivo tínheis para chorar até o fim da vida, como realmente o fizestes, porque negastes a Jesus dizendo: "Não conheço este homem!" Ó Jesus, dai-me lágrimas, lágrimas de profundo arrependimento por tantas e tantas vezes que Vos neguei e traí!
   Ah! caríssimos leitores, quem medita atentamente nestas verdades não pode deixar de amar generosamente Aquele que tanto nos ama e que é o único ser digno do nosso amor.
   Na verdade, Jesus é o nosso melhor amigo, o único que deu a sua vida por nós, o único que pode satisfazer o nosso coração feito expressamente para Ele. Quem tem Jesus, tem tudo. Quem não tem Jesus, não tem nada. Todo cristão que compreende a fé, vive na presença e na companhia de Nosso Senhor Jesus Cristo. Caríssimos, depois desta meditação, poderemos nós ligar importância às visões dos poetas, às musas inspiradoras, à beldades da vida? Nem poesia, nem paixão, nem encanto algum igualarão jamais o real e terno amor que nos inspira a Pessoa de Jesus Cristo. Sentimos indignação quando alguém cita um filósofo, um cientista, um escritor, um fundador de seita, e diz: Assim disse o Mestre. Só há um Mestre: é Nosso Senhor Jesus Cristo. É o Mestre por excelência, porque é Deus, a própria Sabedoria, o Deus das ciências. Só há uma Religião verdadeira: é a de Nosso Senhor Jesus Cristo. VIVA CRISTO REI!!!
  
    

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

PAZ E PAZES

Livro "Quer agrade, Quer desagrade", autor: Revmo. Padre Fernando, hoje Sua Excelência Revma. Dom Fernando Arêas Rifan, Bispo Administrador Apostólico.

   Quando do nascimento do Príncipe da Paz, os anjos de Belém anunciaram "paz na terra aos homens de boa vontade". E, no dia da Ressurreição, a sua saudação aos Apóstolos foi "a paz esteja convosco". A paz é um dom de Deus.
   Entretanto, quando se despedia dos Apóstolos na última ceia, Jesus lhes explicou: "Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não como o mundo dá, eu vo-la dou" (Jo. 14, 27). Isto significa que há duas espécies de paz: a paz de Cristo e a paz do mundo.
   A paz do mundo é fria, aparente, é a paz do homem e não a paz de Deus. Consiste apenas na mera coexistência pacífica entre os povos mantida pelo temor uns dos outros e pelo recíproco desengano; ou então na convivência sossegada e respeitosa entre a religião verdadeira e as religiões falsas, na tranqüila cordialidade entre a verdade e o erro, bem ao estilo da maçônica fraternidade universal.
   "Não há paz para os ímpios", nos adverte a Sagrada Escritura. Na verdade, entre os males que mais nos afligem está a falta de paz. Falta a paz internacional, faltam a paz política e social, a paz doméstica e econômica.
   A causa destes males está justamente na ausência de Deus da sociedade e da vida dos homens. Quando veio ao mundo o Príncipe da Paz, não houve lugar para ele nos lares e nos corações. "A luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más" (Jo 3, 19). Hoje, o mesmo se repete. Não há lugar para Nosso Senhor nas sociedades, nas leis, nas escolas, nas famílias. Procura-se expulsá-lo até das igrejas instalando nelas a religião dos direitos humanos com detrimento dos direitos de Deus. O mundo atual substituiu a honra do Deus verdadeiro pelo culto de outros deuses, pela ânsia imoderada dos bens terrenos e pela busca desenfreada do prazer. Assim não se tem a paz.
   "A paz verdadeira é o fruto da Justiça" (Is. 32, 17). A paz de Cristo, a única verdadeira, não existirá enquanto os homens não seguirem fielmente os ensinamentos e os exemplos de Nosso Senhor na vida pública ou particular. Paz de Cristo no Reino de Cristo.
   A paz é "a tranqüilidade da ordem" (Stº Agostinho). A ordem é condição para a paz. Por isso não há paz no pecado, que é a desordem na nossa relação com o Criador. O pecado das nações,  o pecado das famílias, o pecado das consciências é que destrói a paz. Só haverá paz das armas quando houver a paz das almas.
   E não se constrói a paz batendo-se apenas pelos direitos do homem. A paz virá quando forem respeitados os direitos de Deus. O restabelecimento da paz será concomitante com a restauração do reino de Cristo. Não é pela religião do homem que se faz Deus, mas pela religião do Deus, que se fez homem, para nos salvar, que reconstruiremos a paz.
   Por isso, a paz exige luta. Combate às paixões; ao erro, ao mal. Neste sentido foi que Jesus disse: "Não vim trazer a paz e sim a espada" (Mt 10, 34). Alguns, com a falsa idéia da paz, pensam que para salvaguardar a união não se deve se indispor com os outros em hipótese alguma. A estes São Paulo responde: "Se eu procurasse agradar aos homens não seria servo de Cristo" (Gal. 1, 10).
   Que Nossa Senhora, Rainha da Paz, nos alcance de Deus a paz verdadeira, sinônimo de felicidade.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

"RESPONSABILIDADE TERRÍVEL!!!"

   Só o título é de minha autoria. A matéria é um trecho do PREFÁCIO do livro "A IGREJA, A REFORMA  E A CIVILIZAÇÃO" de autoria do sábio e erudito Padre Leonel França, S. J.

   "Grande é a responsabilidade de quem escreve. Agitar idéias é mais grave do que mobilizar exércitos. O soldado poderá semear os horrores da força bruta desencadeada e infrene; mas enfim o braço cansa e a espada torna à cinta ou a enferruja e consome o tempo. A idéia, uma vez desembainhada é arma sempre ativa, que já não volta ao estojo nem se embota com os anos. A lâmina do guerreiro só alcança os corpos, pode mutilá-los, pode trucidá-los, mas não há poder de braço humano que dobre as almas. Pela matéria não se vence o espírito. A idéia do escritor é mais penetrante, mais poderosa, mais eficazmente conquistadora. Vai diereito à cidadela da inteligência. Se a encontra desapercebida ( e quantas inteligências desaparelhadas para as lutas do pensamento!) toma-a de assalto, instala-se no seu trono e daí dirige e governa, a seu arbítrio, toda a atividade humana. Pelo espírito subjuga-se a matéria.
   Quantos crimes que se atribuem à força e são filhos da idéia! Se fora perfeita a justiça humana, muita vez, não sobre o braço que vibrou o punhal assassino mas sobre a pena que semeou a idéia homicida, é que deveram pesar os rigores da sua severidade.
   Grande sempre é a responsabilidade de quem escreve! Mas se é religioso o livro que se atira às multidões, essa responsabilidade assume quase proporções infinitas. Semear idéias religiosas é dirigir consciências. E dirigir consciências é orientar o homem no problema do seu destino, cuja incógnita se resolve na tremenda alternativa de duas eternidades, uma infinitamente feliz, outra infinitamente desventurada. À perspectiva destas inelutáveis e irreparáveis consequências, como devera tremer a mão do escritor que se abalança à gravidade de tamanha empresa! Que respeito religioso à verdade! Que prudência circunspecta nas asserções! Que certeza absoluta e inconcussa nas doutrinas que se querem inculcar às almas! Que delicadeza de escrúpulos em fulminar anátemas contra convicções que nutrem, vigoram e confortam a vida espiritual de milhões dos nossos semelhantes! Mais do que qualquer outro, um livro religioso deve ser obra de ciência e obra de consciência." (1).
   NOTA: (1) - Em argumento semelhante RUY BARBOSA: "A natureza de tais questões exigia que delas não se aproximasse ninguém senão com uma sinceridade absoluta e uma intensíssima percepção da sua gravidade... É dos interesses eternos do homem que se trata, das suas relações com Deus, das suas responsabilidades eternas, das bases morais da família e da sociedade. Com a consciência, a sua liberdade, os seus direitos não se especula, não se transige, não se joga". (Discurso proferido em Belo Horizonte em 1910).
   A este respeito leiamos também Sertillanges, La vie intellectuelle, Paris, 1921, p. 12: "Jouer avec les questions qui dominent la vie et la mort, avec la nature mystérieuse, avec Dieu, se faire um sort littéraire et philosophique aux dépens du vrai, ou hors la dépendance du vrai n'est-ce pas un sacrilége?"
   Para os que não sabem francês vou traduzir. Peço desculpas em não saber fazê-lo com a perfeição que merece tão belo idioma: "Jogar com as questões em cujo domínio, entram a vida e a morte, jogar com a natureza misteriosa, com Deus, habituar-se a um estilo literário e filosófico a espensas da verdade, ou independentemente dela, não é porventura, um sacrilégio?"

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O SANTO ROSÁRIO - (continuação).

   4. Na recitação do Têrço se aumenta em nós a fé, quando contemplamos a vida oculta, pública e gloriosa de Jesus Cristo, que é o "autor e consumador de nossa fé" (Hebr. XII, 2), e exteriormente por meio de orações vocais manifestamos que cremos em Deus nosso Pai providentíssimo; que cremos na vida eterna, na remissão dos pecados e nos mistérios da augustíssima Trindade, da Encarnação, da maternidade divina de Nossa Senhora e de outros; "de modo que, ao recitarmos bem o Rosário, sentimos em nossa alma uma unção suavíssima, como se ouvíssemos a própria voz da Mãe celestial, que amavelmente nos ensina os divinos mistérios e nos indica o caminho da salvação". (Leão XIII).

   5. Pela recitação do Rosário aumenta-nos a esperança de por Maria Santíssima obtermos a abundância da divina misericórdia: pois são justamente os mais importantes mistérios da Redenção, em que Maria apresenta no seu papel de Corredentora: assim na Encarnação, na santificação do Batista, Precursor do Nascimento de Jesus, na apresentação do Menino Jesus no Templo e no encontro do jovem Jesus entre os doutores. Enquanto recitamos o Têrço, mentalmente acompanhamos a Mãe do Redentor no acerbo caminho da cruz, vemo-la, no altar do monte Calvário, unir ao sacrifício de seu Filho; no têrço glorioso a nossa mente se prende à pessoa de Nossa Senhora e medita a fase de sua vida depois da Ressurreição, até sua gloriosa Assunção e Coroação no céu.

   6. Pela recitação do Terço acende-se em nosso coração a caridade, o amor, a gratidão a Jesus e Maria, que tanto fizeram pela nossa salvação. Ao mesmo tempo desperta em nossa alma o desejo de seguir-lhes as pegadas e pertencer-lhes inteiramente. O nosso espírito enleva-se na contemplação dos grandiosos exemplos que se nos deparam nas pessoas de Jesus e Maria. Ele, ansioso por fazer o vontade de seu Pai; ela, fazendo sua consagração perpétua de serva do Senhor.

   7. Três males afligem a sociedade moderna: a aversão a uma vida modesta e laboriosa, a repugnância pelo sofrimento, o esquecimento dos bens futuros. No Rosário encontramos um remédio salutar contra estes três males gravíssimos (Leão XIII). Os mistérios gozosos apresentam-nos na Sagrada Família o modelo perfeitíssimo da vida doméstica: pureza e simplicidade de costumes, perfeita e perpétua harmonia dos ânimos, ordem jamais perturbada, respeito e amor recíprocos, amor e dedicação ao trabalho para poder fazer algum bem ao próximo, tranqüilidade do espírito e alegria da alma, companheiros inseparáveis da consciência reta e bem formada.
   Nos mistérios dolorosos vemos Jesus Cristo entregue a uma tamanha tristeza, que o corpo se lhe cobriu de suor de sangue; vemo-lo preso a modo dos malfeitores, submetido a um julgamento de celerados, maldito, ultrajado, caluniado; vemo-lo preso à coluna da flagelação, coroado de espinhos, pregado na cruz, julgado indigno de ter vida; sua morte é impetuosa e sacrilegamente exigida pelo povo. Com os sofrimentos do Filho unem-se os sofrimentos de sua Mãe Santíssima. O Coração de Maria, apesar de não ser ferido, é transpassado por uma espada de dor, e o título de Mãe dolorosa é a expressão da verdade. Assim o Têrço nos ensina que indigno de usar o nome de cristão é todo aquele que se nega a levar a cruz de sua vida.
   Nos mistérios gloriosos se nos revelam os altos ideais do céu, infinitamente superiores aos bens transitórios e falazes deste mundo. O Têrço glorioso nos faz compreender que a morte não é o cutelo que tudo corta e destrói, mas a passagem desta vida à outra. Ensina-nos que o caminho para o céu é estreito para todos, e diante de nós vemos Nosso Senhor, que nos conforta com a promessa deixada aqui na terra: "Eu vou, para vos preparar um lugar". - Vemos mais, que tempo virá em que Deus enxugará as lágrimas dos nossos olhos e não haverá mais luto, nem lamento, nem dor, mas viveremos em Deus Nosso Senhor, feitos semelhantes a Ele, pois o veremos como é, inebriados pela torrente das suas delícias, concidadãos dos Santos, na companhia felicíssima de nossa Rainha, nossa Mãe Maria, Uma alma que se eleva a tais sentimentos, inflama-se de tal maneira no amor de Deus, que com Santo Inácio de Loiola chega a exclamar: "Oh! como é desprezível a terra, se a comparo com o céu!" e consola-se com a palavra do Apóstolo: "um sofrimento leve e instantâneo importa-nos glória eterna".
   Com efeito, o Rosário mostra-nos a único meio de unirmos o tempo à eternidade, a cidade terrena à cidade de Deus. É o único meio de formar caracteres generosos e magnânimos. 
   

O SANTO ROSÁRIO

Pe. João B. Lehmann. S.V.D. -  Livro: "NA LUZ PERPÉTUA".
   1.  O Rosário é uma devoção sumamente meritória:
   Uma oração é tanto mais meritória, quanto mais cara é a Deus. Ora, o Rosário compõe-se justamente das duas orações mais caras a Deus, o Pai-Nosso, ensinado pelo próprio Deus feito homem, e da Ave-Maria, como nô-la ensinaram o Arcanjo São Gabriel e, por inspiração de Deus, Santa Isabel e a Santa Igreja. Se os Santos do Paraíso pudessem voltar à terra e aumentar seus méritos, de preferência a qualquer outra oração, se serviriam do Pai-Nosso e da Ave-Maria para honrar e louvar a Deus.
   Uma oração é tanto mais meritória, quanto mais a invocação material for vivificada pela intenção espiritual e pelo afeto do coração. Pouco ou nenhum valor teria a recitação vocal, se não partisse da devoção interna da alma.
   Pois bem, o Rosário une perfeita e graciosamente a oração vocal com a mental, apresentando à nossa meditação os Mistérios da nossa Redenção.
   Recitando o Rosário, dirigimos o nosso pensamento a Deus, ao Filho de Deus e à Mãe de Deus. Estes afetos são outros tantos raios de luz sobrenatural, que nos iluminam, nos inflamam, deixando-nos o mérito de uma contemplação, se bem que breve, mas altíssima e proveitosa.
   Uma oração, como qualquer outra obra boa, é tanto mais meritória, quanto mais a nossa vontade se identificar com a de Deus; quanto mais é feita por obediência à legítima autoridade, que é representante de Deus. Pois bem, recitando o Terço, satisfazemos a um dos desejos mais ardentes da Igreja, a qual embora não o tendo como oração propriamente litúrgica, o apregoou sua oração por excelência, distinguindo-a com festa solene e dedicando-lhe o mês inteiro de outubro. "Desejamos ver sempre mais largamente propagada esta piedosa prática (do Rosário) e tornar-se devoção verdadeiramente popular de todos os lugares, de todos os dias". ( Leão XIII).
   Desta maneira, assim como por razão de obediência, o Divino Ofício (breviário) para o clero é a oração mais meritória, assim a recitação do Rosário , recomendada a todos os fiéis, é de um valor inestimável para o povo.

   2. É uma devoção sumamente impetratória:
   A oração tira sua maior eficácia de duas qualidades principais: a perseverança assídua e a união de muitos corações pela mesma oração. Estas duas qualidades vemos admiravelmente ligadas ao Rosário. Com ardente e reiterada súplica se pede, se procura, se bate, faz-se doce violência aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria. (No Evangelho diz-se que Jesus, no Horto das Oliveiras, voltou a rezar  por três vezes repetindo sempre as mesmas palavras; e Jesus mesmo nos ensinou a fazermos esta doce violência). Recitado em comum, terá o cumprimento da divina promessa: "Se dois de vós se unirem entre si sobre a terra, qualquer coisa que pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos Céus. Porque onde estão dois ou três congregados em meu nome, aí estou no meio deles" (Mt. XVIII, 19).
   Eficacíssima é a oração do Rosário, porque dispõe em nosso favor o Coração de Maria, "Que doce alegria não deve ser para ela ver-nos piamente empenhados em lançar-lhe coroas de súplicas e de louvores belíssimos! Se de fato com estas preces rendemos a Deus, como é nosso desejo, a devida honra; se fazemos o protesto de nunca mais procurar outra coisa senão cumprir em tudo sua santíssima vontade; se exaltamos sua bondade e magnifecência, invocando o Pai, e pedindo nos conceda, embora imerecidamente, os mais estimáveis bens; de tudo isto, oh! quanto não se alegrará Maria, e como não enaltecerá ao Senhor! Certamente não pode haver linguagem mais digna para nos dirigirmos à  divina majestade, que a da oração dominical. Tudo que no Pai-Nosso pedimos, é muito reto, muito bem ordenado e conforme à fé, à esperança e à caridade cristã, e já por isto tem o especial agrado da Santíssima Virgem. Além disto, ouvindo-nos rezar, ela reconhece em nossa voz o timbre da voz de seu Filho, que nos deu e nos ensinou à viva voz esta oração e nô-la impôs, dizendo: assim deveis rezar. Maria Santíssima, vendo-nos assim com o Rosário, cumprindo fielmente a ordem recebida, com tanto mais amor e solicitude nos atenderá. As místicas coroas que lhe oferecemos, são-lhe sumamente agradáveis e penhores de graça par nós". (Leão XIII).
   A  própria Rainha do Céu fez-se fiadora da eficácia desta excelente oração. Por seu impulso e inspiração foi que São Domingos fez do Rosário a arma poderosa para combater a heresia dos Albigenses.
   À recitação do Rosário é que a Igreja atribui os seus maiores triunfos, e grata atesta, pela boca dos Sumos Pontífices, que "pelo Rosário todos os dias desce uma chuva de bênçãos sobre o povo cristão". (Urbano IV); "que é a oração oportuna para honrar a Deus e a Virgem, como afastar bem longe os iminentes perigos do mundo" (Sixto IV); "propagando-se esta devoção, os cristãos entregues à meditação dos mistérios, começarão a transformar-se em outros homens, as trevas das heresias dissipar-se-ão e difundir-se-á a luz da fé católica". (São Pio V).

   3. O Rosário é um verdadeiro alimento espiritual:
   Uma oração feita com atenção produz, juntamente com o mérito e com sua eficácia impetratória, o efeito de refeição espiritual; e é precisamente esta atenção que nos falta muitas vezes, pelas distrações a que somos sujeitos, quando estamos a rezar. O Rosário tem em si a virtude de excitar e nutrir em nós o recolhimento, pondo-nos em contato com os mistérios da nossa religião. É a oração do sábio e do analfabeto, pois, como nenhuma outra, se adapta à capacidade de todos.