sexta-feira, 31 de maio de 2019

NOVENA DO ESPÍRITO SANTO (Por Santo Afonso Maria de Ligório)

ORAÇÃO PREPARATÓRIA

A Sequência da Missa

   
Vinde, Espírito Santo, e do céu enviai um raio de vossa luz!
   Vinde, Pai dos pobres; vinde, doador dos bens, vinde luz dos corações!
   Consolador supremo, doce hóspede da alma, suave refrigério!
   Nos trabalhos sois repouso; sois alívio no ardor; e nas lágrimas, consolo.
   Ó luz beatíssima, enchei até ao íntimo os corações dos vossos fiéis!
   Sem a vossa graça nada existe no homem, nada há de puro.
   Lavai toda mancha, regai toda aridez, sarai toda ferida.
   Abrandai o que é rígido, aquecei o que é frígido, encaminhai os desviados!
   Concedei aos fiéis que em vós confiam os sete dons sagrados.
   Dai-lhes o mérito da virtude; dai-lhes a salvação final, e o gozo perene, Amém.


LEITURA DO PRIMEIRO DIA

O amor de Deus é fogo que inflama

   1 - No Antigo Testamento mandara Deus que o fogo ardesse sempre no seu altar. "O fogo no altar deve estar sempre aceso (lv 6, 12). São Gregório diz serem os nossos corações os altares de Deus nos quais o fogo do amor divino deve arder sempre. Por isto não bastou ao eterno Pai mandar-nos seu Filho Jesus Cristo que nos remisse por sua morte: mas também quis dar-nos o Espírito Santo para morar nos nossos corações e os abrasar continuamente com sua caridade. O próprio Jesus Cristo nos afirma que veio à terra para inflamar os nossos corações com este fogo santo e que nada tanto deseja como ver que arda em chamas: "Vim lançar fogo à terra e que quero senão que se acenda?" (Lc 12, 49). Esquece as ofensas e a ingratidão que recebeu dos homens na terra e, tendo subido ao céu, manda-nos o Espírito Santo. Assim, pois, nos amais, ó amável Redentor, na vossa glória tanto quanto na vossa ignomínia e paixão.

   Poe isso o Espírito Santo desceu na forma de línguas ardentes no cenáculo sobre os discípulos. Pela mesma razão a Santa Igreja nos manda rezar: "Rogamo-Vos, Senhor, que o Espírito Santo nos inflame em aquele fogo que Nosso Senhor Jesus Cristo lançou a esta terra e que deseja ver arder grandemente". Este santo fogo abrasava os santos para praticar feitos por Deus; amar os inimigos, desejar humilhações, desapegar-se de todos os bens desta terra, suportar os tormentos do martírio e até a morte com alegria.

   2 - O amor não pode estar ocioso; nunca diz: Basta. Quanto mais uma alma amante de Deus faz, tanto mais vivo torna-se seu desejo de trabalhar mais ainda para merecer sua complacência e seu amor. Este fogo os inflama na oração contemplativa: "Quando contemplava, acendeu-se em mim o fogo" (sl 38, 4). Querendo, pois, abrasar-nos no amor de Deus, devemos amar a oração contemplativa,  por ser a fornalha que em nós faz arder o fogo do amor divino.

   Até agora nada fiz por vós, meu Deus, enquanto vós por mim tanto fizestes! Ah! minha tibieza deveria já vos ter impelido a lançar-me fora da vossa boca.

   Ó Espírito Santo, aquecei o que é frio, excitai em mim um grande desejo de agradar-vos. Abomino todo amor próprio e antes quero morrer que vos desagradar no mínimo ponto. Aparecestes em forma de línguas ardentes; por isso dedico-vos minha língua para nunca mais ofender-vos com ela. Meu Deus, vós ma destes, para anunciar vosso louvor; eu, porém, a tenho usado para vos ofender e seduzir outros ao pecado. Arrependo-me do fundo de minha alma. Por amor de Jesus Cristo, que durante sua peregrinação terrestre tanto promoveu por sua língua a vossa glória, dai-me a graça que vos honre deveras, cante vosso louvor, invoque vosso auxílio, e pregue vossa bondade e infinita amabilidade. Amo-vos, meu sumo Bem, amo-vos, ó Deus de amor.

   Ó Maria, predileta esposa do Espírito Santo, impetrai-me este fogo do amor divino. Amém. 


ORAÇÕES FINAIS

Oração para alcançar os sete dons do Espírito Santo

   Vinde, Espírito Santo, enchei os corações de vossos fiéis e acendei neles o fogo de vosso amor!
   
   Ó Espírito Santo, concedei-me o dom do temor de Deus, para que eu sempre me lembre, com suma reverência e profundo respeito, da vossa divina presença; trema, como os mesmos anjos, diante de vossa divina majestade, e nada receie tanto como desagradar aos vossos santos olhos.

   Ave-Maria.

   Espírito Santo, concedei-me o dom de piedade, que me tornará delicioso o trato  e o colóquio convosco na oração e me fará amar a Deus com íntimo amor, como a meu Pai, a Maria Santíssima como a minha Mãe e a todos os homens como a meus irmãos em Jesus Cristo.

   Ave-Maria.

   Espírito Santo, concedei-me o dom da ciência, para que eu conheça cada vez mais as minhas próprias misérias e fraquezas, a beleza da virtude e o valor inestimável da alma; e para sempre veja claramente as ciladas do demônio, da carne e do mundo, a fim de poder evitá-las.     

   Ave-Maria.

   Espírito Santo, concedei-me o dom da fortaleza, para que eu despreze todo respeito humano, fuja do pecado, pratique a virtude com santo fervor e afronte com paciência, e mesmo com alegria de espírito, os desprezos, prejuízos, perseguições e a própria morte antes que renegar por palavras e por obras ao meu amabilíssimo Senhor Jesus Cristo.

   Ave-Maria.

   Espírito Santo, concedei-me o dom do conselho, tão necessário em tantos passos melindrosos da vida, para que sempre escolha o que mais vos agrade, siga em tudo a vossa divina graça e com bons e carinhosos conselhos socorra ao próximo.

   Ave-Maria.

   Espírito Santo, concedei-me o dom da inteligência, para que eu, alumiado pela luz celeste de vossa graça, bem entenda as sublimes verdades da salvação, a doutrina da santa religião.

   Ave-Maria.

   Espírito Santo, concedei-me o dom da sabedoria, a fim de que eu, cada vez mais, goste das coisas divinas e, abrasado no fogo do vosso amor, prefira com alegria as coisas do céu a tudo que é mundano e me una para sempre a Jesus, sofrendo tudo neste mundo por seu amor. 

   Ave-Maria.

   Vinde, Espírito Criador, visitai-me e enchei o meu coração que vós criastes, com a vossa divina graça. Vinde e repousai sobre mim, Espírito de sabedoria e inteligência, Espírito de conselho e fortaleza, Espírito de ciência, de piedade e de temor de Deus. Vinde, Espírito divino, ficai comigo e derramai sobre mim a vossa divina bênção. Amém.


ATENÇÃO! Há uma leitura para cada dia. Publicarei, se Deus quiser, as leituras para cada dia da novena. Reza-se, então, antes A ORAÇÃO PREPARATÓRIA, faz-se a LEITURA DE CADA DIA, e logo depois, reza-se A ORAÇÃO FINAL.
A ORAÇÃO PREPARATÓRIA E A ORAÇÃO FINAL, sempre como neste primeiro dia. 


      

quinta-feira, 23 de maio de 2019

HERESIAS ATUAIS

HERESIAS ATUAIS

                                                                                                                                        Dom Fernando Arêas Rifan*

            Na 57ª Assembleia Geral da CNBB, a Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé, em sua declaração, adverte-nos para sete tendências atuais que ameaçam a ortodoxia e a vivência da fé, na sua unidade e integralidade. São erros e heresias atuais. Resumo alguns trechos:
            1- O problema do ateísmo e do secularismo. Chega-se devagar à “morte de Deus”. Há uma recusa da autoridade. Só se aceita a tolerância. A impunidade diante dos erros com base no dito “o inferno existe, mas está vazio” pode conduzir à banalidade do mal. A máxima “se Deus não existe, tudo é permitido”, está em voga, e abre caminho para teorias como a ideologia de gênero etc. Enfim, o direito de a Igreja existir no mundo moderno é contestado até por cristãos. 
            2- O antropocentrismo exagerado que leva ao relativismo em todos os campos, inclusive o ético. Afirma-se que o homem não só pensa, mas faz a (sua) verdade. É a fé dissociada da prática (que o Papa Francisco chama de hipocrisia). O homem se faz Deus e tudo recria.... De um lado há os que acham suficiente acudir às urgências no empenho por um mundo justo e fraterno, e por outro lado a tendência ao fundamentalismo espiritual, que deseja uma Igreja espiritualista, separando fé e vida. A fé é propriedade de toda a Igreja e não pode ser escamoteada ao gosto de cada um.
            3- Quase não se fala mais em pecado. É politicamente incorreto falar de pecado. Hoje o psicologismo isenta a todos de culpa. É quase consenso que quem é pobre, está redimido dos pecados, só pelo fato de ser pobre. Torna-se necessário formar as consciências. Não se fala mais dos novíssimos: morte, juízo, inferno, paraíso, apesar de o Catecismo da Igreja o ensinar. 
           4-Tentação de separar a fé da oração e do agir: vida de oração, espiritualidade, liturgia, que não podem ser vistos como realidades ultrapassadas, mas partes integrantes da vida eclesial. A Igreja deve crer o que reza e praticar o que crê. E o que se deve crer está explícito.
           5- A fé permeada apenas pelo emocional-afetivo e o folclórico. Há que se perguntar até que ponto o desejo de satisfazer e acolher nos leva a passar por cima de verdades irrenunciáveis, nos faz banalizar a Eucaristia em celebrações que fogem até mesmo ao decoro litúrgico, etc.
            6- Teologia tentada a limitar-se a ser Ciência da Religião. A Teologia é a fé iluminada pela razão, a fé que busca compreensão. É ciência, mas supõe a fé. A Ciência da Religião estuda a religião como busca de sentido, mas sem a exigência da fé. É a fé fechada no subjetivismo, a doutrina sem mistério, o gnosticismo, uma das piores ideologias (cf. Francisco in GE n. 40).
            7- Confiança excessiva na ação humana sem levar em conta o primado da graça de Deus. Pelagianismo, denunciado pelo Papa Francisco, que leva a atribuir tudo ao esforço pessoal e à vontade própria. Daí vem o mundanismo. A opção pelos pobres deve ser fruto da fé cristológica, e não apenas de uma indignação ética, diante da miséria, como se fosse uma ideologia.
             Enfim, devemos nos perguntar se a evasão de fiéis para outras denominações, além de todos os motivos já elencados e sabidos, não é provocada, também pela insegurança doutrinal, que leva cada um a crer no que convém, fazendo como que um self-service dos conteúdos da Fé.

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

segunda-feira, 13 de maio de 2019

NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

FÁTIMA, O SEGREDO

                                                                                                                                                              Dom Fernando Arêas Rifan*

        Fui convidado pela Deputada Federal Chris Tornietto, para, no dia 13 de maio, participar de um evento especial por ela promovido, na Câmara Federal em Brasília, em homenagem a Nossa Senhora de Fátima, cuja festa se celebrou nesse dia.
        No meu discurso laudatório, ressaltei que os portugueses nos legaram, junto com a civilização, a fé cristã. Suas caravelas vinham ornadas com a Cruz da Ordem de Cristo. O primeiro monumento erguido no Brasil foi uma cruz e a primeira cerimônia foi uma Missa, além do nosso primeiro nome Terra de Santa Cruz. Pedro Álvares Cabral trazia, em sua nau capitânia, a imagem de Nossa Senhora da Esperança, e, com ela, a devoção a Nossa Senhora, Mãe de Jesus, Nosso Senhor e Deus, venerada sob diversos títulos.  
        Portugal também nos trouxe a devoção a Nossa Senhora de Fátima. Nessa pequena cidade de Portugal, Maria apareceu a três pastorinhos, no dia 13 de maio de 1917, há 102 anos atrás. Os milagres que acompanharam essa aparição foram testemunhados por milhares de pessoas e pelos jornais da época, até os anticlericais. De lá, essa devoção se espalhou e chegou ao Brasil. São sempre atuais e dignas de recordação as suas palavras e seu ensinamento. Aquelas três simples crianças foram os portadores do “recado” da Mãe de Deus para seus filhos.
        Ali, Nossa Senhora nos alerta, entre outras coisas, contra o perigo do materialismo comunista e seu esquecimento dos bens espirituais e eternos, erro que, conforme sua predição, vai cada vez mais se espalhando na sociedade moderna, vivendo os homens como se Deus não existisse: o ateísmo prático, o secularismo. Todos os sistemas econômicos, se também adotam o materialismo e colocam o lucro acima da moral e da pessoa humana, assumem os erros do comunismo e acabam se encontrando na exclusão de Deus. Sobre isso, no discurso inaugural do CELAM, em 13 de maio de 2007, em Aparecida, o Papa Bento XVI alertou: “Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes do último século... Quem exclui Deus de seu horizonte, falsifica o conceito da realidade e só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas”. Fátima é, sobretudo, a lembrança de Deus e das coisas sobrenaturais aos homens de hoje.
        Aos pastorinhos e a nós, Nossa Senhora pediu a oração, sobretudo a reza do Terço do Rosário todos os dias, e a penitência, a mortificação nas coisas agradáveis e lícitas, pela conversão dos pecadores e pela nossa santificação e perseverança. Explicou que o pecado, além de ofender muito a Deus, causa muitos males aos homens, sendo a guerra uma das suas consequências. Lembrança muito válida, sobretudo hoje, quando os homens perderam o senso do pecado e o antidecálogo rege a vida moderna, como nos lembrou São João XXIII. 
        Fátima é o resumo, a recapitulação e a recordação do Evangelho para os tempos modernos. O Rosário, tão recomendado por Nossa Senhora, é a “Bíblia dos pobres” (São João XXIII). Sua mensagem é sempre atual. É a mãe que vem lembrar aos filhos o caminho do Céu.

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

Trecho da Carta Pastoral de D. Antônio de Castro Mayer: "Preservação da Fé e dos Bons Costumes".


"Duzentos anos após o encontro da Imagem da Imaculada Conceição no Rio Paraíba, apareceu Nossa Senhora em Portugal, na Cova da Iria, a três pastorinhos, Lúcia, Francisco e Jacinta. À Mãe de Deus precedeu o Anjo de Portugal. A Virgem Maria apareceu aos pastorinhos seis vezes, mensalmente de 13 de maio a 13 de outubro.

Não vamos aqui especificar todas as circunstâncias em que se deram essas aparições, nem os dissabores que elas ocasionaram às três crianças com quem Deus Nosso Senhor usou dessa misericórdia. Guardemos apenas o que direta ou indiretamente contém uma mensagem que interessa não somente aos três videntes, mas a todos os fiéis, a todos nós.

O Anjo de Portugal

O Anjo de Portugal, ou Anjo da Paz  - esses dois títulos ele mesmo se impôs  -   encaminhou as crianças à oração e ao sacrifício nas suas três aparições, no decorrer do ano de 1916. Na primeira ensinou-os a rezar: "Meu Deus! Eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e Vos não amam". 

Na segunda aparição, exortou as crianças à oração e ao sacrifício: "Orai!  -  disse   -  orai! orai muito! Os corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios".

Na terceira, em que se mostrou com o cálice e a hóstia, ele mesmo, profundamente prostrado, fez uma oração reparadora, que os vidente depois repetiam: "Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários de terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo e ofendido. E, pelos méritos infinitos do seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores!"

As visitas de Nossa Senhora

Preparados seus corações pelo Mensageiro celeste, os três pastorinhos tiveram a ventura de receber a visita da própria Mãe de Deus, nas seis aparições que lhes fez, no decorrer do ano de 1917.

Na primeira, a 13 de maio, convidou-os a Virgem Santíssima a se tornarem vítimas reparadoras do Coração Divino: "Quereis oferecer-vos a Deus, disse-lhes a Senhora do Céu, para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser mandar-vos, em reparação dos pecados com que é ofendido e em súplica pela conversão dos pecadores?"

Ao que, varonilmente, os pequeninos responderam: "Sim, queremos".

E não esperaram os sofrimentos que Deus lhes quisesse mandar espontaneamente entregaram-se a uma vida de sacrifícios e mortificações que pede meças aos Padres do Deserto. Tudo pela conversão dos pecadores. Embora, como declara Francisco de acordo com a boa ordem das coisas, quisessem antes do mais consolar o Coração Divino, a conversão dos pecadores tornou-se para aquelas crianças como que uma ideia fixa.

O Imaculado Coração de Maria

Na segunda aparição, Nossa Senhora mostrou aos videntes seu Coração Imaculado cercado de espinhos que nele se cravavam. O que mais ainda excitou nos videntes o desejo de reparar pelos pecados e converter os pecadores.

Nessa mesma aparição, a Virgem Mãe revelou que levaria logo Francisco e Jacinta para o Céu, mas que Lúcia ficaria como instrumento de Jesus Cristo "para fazer conhecer e amar" a Maria Santíssima, pois Jesus "quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria".

Visão do inferno

A terceira aparição, de julho, teve importância maior. Nela revelou a Virgem Santíssima os Segredos, dos quais o primeiro, mais tarde sob ordem do Céu desvendado pelos videntes, consistiu na visão do inferno, assim descrita por Lúcia: "Era um mar de fogo. Mergulhados nele, estavam as almas condenadas e os demônios, como se fossem carvões incandescentes, transparentes, pretos ou cor de bronze, formas humanas a esvoaçar nas chamas desse imenso incêndio, arrastadas pelas labaredas, a espalhar nuvens de fumaça, tombando de todos os lados como fagulhas de um grande braseiro  -  não tinham peso nem equilíbrio e soltavam uivos de desespero, gemidos de dor, tão horrendos que arrepiavam de medo. Os demônios se distinguiam por formas asquerosas de animais medonhos e desconhecidos, mas transparentes como carvões acesos".

Desta visão fez Nossa Senhora, com melancólica ternura, o seguinte comentário às crianças aterrorizadas: "Estais vendo o inferno, aonde vão as almas dos pobres pecadores. Para salvá-los Deus deseja estabelecer no mundo a devoção ao meu Coração Imaculado".

Os pecados  -  a guerra  -  a difusão do comunismo

É também desta aparição a profecia sobre a segunda grande guerra e a difusão do comunismo por todo o mundo, o anúncio de que a Senhora viria pedir a consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração e a comunhão reparadora dos primeiros sábados, bem como a consoladora promessa de que por fim o mesmo Imaculado Coração triunfará. Eis como Nossa Senhora se exprimiu: "Se fizerem o que vou dizer-vos, muitas almas serão salvas e virá a paz [era durante a guerra de 1914-1918). A guerra vai terminar. Mas se não cessarem de ofender a Deus, outra guerra virá pior ainda no reinado de Pio XI. Quando virdes uma luz desconhecida iluminar a noite, ficai sabendo que esse é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo de seus crimes por meio da guerra, fome, perseguição à Igreja e ao Santo Padre. Para impedir isso virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, ela espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas. Por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz". 
Estas palavras mostram que a Virgem Santíssima já previa que o mundo não atenderia ao seu pedido no sentido de não mais se ofender a Deus; por isso, ao mesmo tempo que declara que esses meios evitariam uma segunda guerra, anuncia o sinal precursor da grande catástrofe.

Enfim, é desta aparição a jaculatória que Nossa Senhora manda que os videntes insiram no terço após cada dezena: "Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, principalmente as que mais precisarem".

A conversão dos pecadores

A quarta aparição se deu, não na Cova da Iria, mas em outro lugar da região, chamado Valinhos. Também não ocorreu no dia 13, mas alguns dias depois, em 19 de agosto, devido à interferência anticlerical e maçônica do Administrador de Ourém. Nesta, como nas demais, Nossa Senhora insistiu sobre as orações e sacrifícios pela conversão dos pecadores: "Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, pois vão muitas almas para o inferno, por não haver quem se sacrifique e peça por elas".

A quinta entrevista entre a Virgem Santíssima e os pequenos videntes, a mais curta de todas, assinalou-se por uma insistência sobre a reza do terço, uma advertência amorosa da Mãe Celeste, alegre pelos sacrifícios de seus amiguinhos, mas moderando-lhes um pouco o ardor na mortificação, e a promessa alvissareira de que no próximo mês veriam também a Nosso Senhor e São José: Continuem a rezar o terço, para alcançarem a fim da guerra. Em outubro Nosso Senhor virá também, e Nossa Senhora das Dores e Nossa Senhora do Carmo e São José com o Menino Jesus para abençoar o mundo. Deus está contente com os sacrifícios de vocês, mas não quer que durmam com a corda [que tinham atada como cilício à cintura]. Usem-na somente durante o dia".

Na última aparição da série, em 13 de outubro de 1917, deu-se o conhecido milagre do sol, com o qual Deus Nosso Senhor autenticou aos olhos do mundo a veracidade das entrevistas da Virgem Maria com os pastorinhos de Aljustrel.  A um pedido de Lúcia, de que curasse alguns doentes, a Virgem Santíssima declarou que eles deveriam emendar-se e arrepender-se de seus pecados. Terminada a costumeira visão da Virgem Mãe, seguiram-se três outras, de quadros simbolizando os mistérios do rosário: a Sagrada Família, vista pelas três crianças, a Senhora das Dores, vista só por Lúcia, a Senhora do Carmo, com o Menino ao colo, coroada como Rainha do Céu e da terra.

Lições de Fátima

Os fatos que se desenrolaram em Fátima contêm um amoroso apelo de Deus Nosso Senhor:
1. a que O desagravemos e ao Coração Imaculado de sua Mãe Santíssima, das ofensas de que continuamente são objeto;
2. a que nos compadeçamos dos pobres pecadores;
3. cuja conversão, assim como o desagravo, se obtêm pela oração e as mortificações, as voluntárias e as enviadas pelo mesmo Deus.
Ensinam-nos, outrossim:
4. que a meditação sobre o inferno tem eficácia especial na conversão dos pecadores;
5. que a guerra foi um meio de que Deus se utilizou para punir os pecados do mundo;
6. que entre as orações mais eficazes, está a reza do santo rosário;
7. que a salvação do mundo se condiciona à consagração e devoção ao Imaculado Coração de Maria.
Inculcam, enfim:
8. a devoção aos Santos Anjos;

9. o poder do milagre para autenticar a mensagem divina. 

domingo, 12 de maio de 2019

MÃES QUE ORAM

MÃES QUE ORAM 
          
                                                                                                            Dom Fernando Arêas Rifan*

        Surgem, às vezes, na Igreja, certamente inspirados por Deus, ação do Divino Espírito Santo, movimentos e grupos especialmente dedicados à oração e ao bem do próximo.
        Assim, paralelamente ao “Terço dos Homens”, que tão bem tem feito à Igreja no Brasil, levando milhares de homens à vida cristã, surgiu o movimento “Mães que oram pelos filhos”, fundado em 2011, pela mãe Sra. Ângela Abdo Campos Ferreira, na Arquidiocese de Vitória, com aprovação do Sr. Arcebispo D. Luiz Mancilha, que tem feito um grande bem em todas as Paróquias e Dioceses onde tem sido implantado. Já foi também fundado na Igreja Principal da nossa Administração Apostólica e em outras paróquias, com grande proveito para as mães e seus filhos. Recomendamos vivamente a expansão desse movimento em todas as nossas Paróquias e Igrejas. 
        Tendo como padroeira Nossa Senhora de La Salette, que apareceu chorando pelos seus filhos, o movimento invoca como sua copadroeira Santa Mônica, mãe que orou por seu filho Agostinho e conseguiu a sua conversão. Celebramos a memória de ambos nesta semana. 
        Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste, na Região de Cartago, na África, filho de Patrício, pagão, e Mônica, cristã fervorosa. Segundo narra ele próprio, Agostinho bebeu o amor de Jesus com o leite de sua mãe. Mas afastou-se dos ensinamentos da mãe e, por causa de más companhias, entregou-se aos vícios. Cometeu maldades, viveu no pecado durante sua juventude, teve uma amante e um filho, e, pior, caiu na heresia gnóstica dos maniqueus. 
        Sua mãe,Santa Mônica, rezava e chorava por ele todos os dias. “Fica tranquila”, disse-lhe certa vez um bispo, “é impossível que pereça um filho de tantas lágrimas!” E foi sua oração e suas lágrimas que conseguiram a volta para Deus desse filho querido transviado.
        Nas suas “Confissões”, Agostinho relata a sua vida de pecador arrependido. Transferiu-se com sua mãe para Milão, na Itália. Levado pela mãe a ouvir os célebres sermões de Santo Ambrósio e nutrido com a leitura da Sagrada Escritura e da vida dos santos, Agostinho converteu-se realmente, recebeu o Batismo aos 33 anos e dedicou-se a uma vida de estudos e oração. Ordenado sacerdote e bispo, além de pastor dedicado e zeloso, foi intelectual brilhantíssimo, dos maiores gênios já produzidos em dois mil anos da História da Igreja. É Santo e Doutor da Igreja. Sua vida demonstra o poder da graça de Deus que vence o pecado e sempre, como Pai, espera a volta do filho pródigo. 
        Sua mãe, Santa Mônica, é o exemplo da mulher forte, de oração poderosa, que rezou a vida toda pela conversão do seu filho, o que conseguiu de maneira admirável. Exemplo para todas as mães que, mesmo tendo ensinado o bom caminho aos seus filhos, os vêm desviados nas sendas do mal. A oração e as lágrimas de uma mãe são eficazes diante de Deus. E a vida de Santo Agostinho é uma lição para nunca desesperarmos da conversão de ninguém, por mais pecador que seja, e para sempre estarmos sinceramente à procura da verdade e do bem.   


*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

quinta-feira, 9 de maio de 2019

SOBRE QUESTÕES POLÍTICAS, ECONÔMICAS, SOCIAIS (1)


INTRODUÇÃO: Caríssimos, transmitirei, se Deus quiser, em algumas postagens,  as 11 proposições (de 70-80) falsas ou ao menos perigosas acompanhadas de imediato das proposições certas respectivas e das explanações. São excertos da Carta Pastoral Sobre Problemas do Apostolado Moderno, que contém um catecismo de verdades oportunas que se opõem a erros contemporâneos. As 11 proposições fazem parte do VIII capítulo deste catecismo. Esta carta pastoral foi escrita em 06/01/ 1953 por D. Antônio de Castro Mayer, então bispo da Diocese de Campos, RJ, hoje de saudosa e santa memória. "Defunctus adhuc loquitur". Embora escritas na metade do século passado, são inteiramente oportunas essas considerações, porque o comunismo e o socialismo, embora por vezes se procurem  mascarar, porém, são sempre os mesmos, pois intrinsecamente maus; enquanto, por outro lado, a doutrina autêntica da Santa Madre Igreja é perene e viva, porque é a VERDADE, isto é, a PALAVRA DE JESUS CRISTO que permanece para sempre.

A proposição falsa ou ao menos errônea será escrita em itálico;  a proposição certa, em negrito.



Demos, pois, a palavra a D. Antônio de Castro Mayer:



72
  • [Errado]:  O regime do salariado é contrário à dignidade do homem, e intrinsecamente injusto. A condição de trabalhador traz naturalmente consigo um direito à participação na propriedade da empresa, na sua direção e nos seus lucros.


  •  [Certo]:  O regime do salariado é inteiramente consentâneo com a dignidade do homem e do cristão. O contrato de trabalho não traz como consequência necessária a participação do trabalhador na propriedade, na direção ou nos lucros da empresa.



EXPLANAÇÃO
Leão XIII, o Beato [São] Pio X, Pio XI (cf. "Quadragesimo anno", A.S.S. 23, p. 199) e Pio XII ensinam que o regime do salariado em si é justo, e conforme à dignidade humana. A economia malsã do século XIX e do século XX tirou ao regime da salariado o seu verdadeiro caráter. Segundo a doutrina da Igreja, as relações entre patrões e operários revestem-se de um caráter familiar. Os empregados eram, outrora, considerados membros integrantes da sociedade doméstica, que se compunha das sociedades conjugal, familiar e heril. A palavra "patrão", proveniente de "pater", pai, e a palavra "criado", derivada da noção de que os fâmulos eram formados e educados na própria casa, lembram bem este caráter. É o bastante para mostrar que nada há de deprimente na condição de empregado assalariado. Mesmo na atmosfera industrial e comercial, o caráter familiar dessas relações deve persistir. A Igreja quer que os patrões e operários sejam entre si, na medida do possível, como membros de uma mesma família, pais e filhos que colaboram para o bem-estar comum.

Do ponto de vista da justiça, o salário é um sistema de remuneração satisfatória, desde que realize as condições estabelecidas por Pio XI: suficiente para manter honesta e dignamente o operário e sua família. Na honesta e condigna manutenção inclui-se a folga necessária para que o operário previdente possa formar pecúlio, e melhorar a situação própria e da família, de maneira que também participe do aumento de bem-estar que o progresso da técnica e da produção traz à sociedade (cf. "Quadragesimo anno"): "As riquezas que se ampliam com desenvolvimento econômico-social, devem ser distribuídas entre as pessoas e as classes de maneira que se salve o que Leão XIII chamava de utilidade comum a todos, ou, em outras palavras, de maneira que permaneça incólume o bem comum de toda a sociedade" (A.A.S. 23, p. 196).

A participação do operário nos lucros da empresa é apresentada por Pio XI e Pio XII como recomendável, nunca, porém, como obrigatória (cf. Alocução ao Katholikentag, acima citada). Em certos casos, pode produzir bons frutos. Mas não é uma panaceia a ser aplicada sempre. E sobretudo não pode ser imposta por lei a todo um país. O mesmo se deve dizer da participação do operário na propriedade da empresa, ou na direção desta. Quanto a este último ponto, o sentido em que a doutrina católica admite esta participação é tal, que retém nas mãos do proprietário de empresa o poder de decisão e a responsabilidade de todo o andamento da fábrica ou estabelecimento de comércio (cf. Pio XII, Alocução ao 9º Congresso da União Internacional das Associações Patronais Católicas, A.A.S. 41, p. 285).

A sentença impugnada, levada a suas últimas consequências normais, representaria abolição da desigualdade de classes, termo último sonhado por todos os revolucionários.



73
  • [Errado]:      Segundo Santo Agostinho, o único proprietário das riquezas é Deus. O homem não passa de gerente. As riquezas pertencem, pois, à coletividade e o proprietário não possa de mero administrador delas para o bem comum.

  • [Certo]::  Segundo Santo Agostinho, o supremo proprietário das riquezas é Deus. Daí decorre que o proprietário deve fazer uso de seus bens segundo a vontade soberana de Deus. Deus, porém, não se identifica com a coletividade. Se o domínio de Deus sobre todas as riquezas é absoluto, o domínio da coletividade não o é. Transferir os direitos de Deus para a coletividade equivale a divinizar o Estado e imolar o indivíduo.


EXPLANAÇÃO
A sentença impugnada é estatólatra. E por isso chega a conclusões que só numa concepção estatólatra seriam admissíveis. De fato, o regime de propriedade individual procede da ideia de que o Estado não é um deus, nem um fim em si, mas apenas um meio. Pelo que a posição de proprietário consiste no exercício de um direito pessoal e próprio, e não no exercício de um direito delegado pelo Estado. E por isso é que dizemos que o proprietário de nenhum modo pode ser confundido com um mero gerente.

O que caracteriza o gerente, com efeito, é o exercício de direitos que não lhe são próprios, mas que lhe foram delegados. E este é o motivo porque a distinção entre proprietário e gerente é corrente em todas as legislações de países não comunistas (cf "Quadragesimo Anno", A.A.S. 23, p. 196).

domingo, 5 de maio de 2019

SANTO TOMÁS DE AQUINO EXPLICA A SANTA MISSA E TREZENTOS ANOS DEPOIS, SÃO PIO V A CODIFICOU E CANONIZOU

   Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, questão LXXXIII, artigo IV e V.
ART. IV. - Se foram convenientemente ordenadas as palavras proferidas neste sacramento.
ART. V.  - Se as cerimônias usadas na celebração deste mistério são convenientes.
Nota: Alterei a ordem da matéria, colocando as objeções para o fim. 

  ARTIGO IV - Explicação das palavras da Santa Missa

   Um documento denominado: "De Consecratione, dist. 1º" (ndt - é um documento extraído dum livro antiquíssimo: "Constituições Apostólicas") diz: "Tiago, irmão(primo) do Senhor e (S.) Basílio Cesariense Bispo, regularam a celebração da missa". Dada a autoridade destes homens (São Tiago, Apóstolo e São Basílio, Bispo) devemos dizer que nada se diz na Missa que não seja apropriado.

    EXPLICAÇÃO para solução de qualquer dúvida: Este sacramento compreende todo o mistério da nossa salvação. Por isso, é celebrado com mais solenidade que todos os outros. E porque lemos nas Sagradas Escrituras, Eclesiástico IV, 17: "Vê onde põe o teu pé quando entras na casa de Deus"; e Eclesiástico, XVIII, 23: "Prepara a tua alma antes da oração". Por isso, antes da celebração deste mistério, vem em primeiro lugar a preparação, para se bem fazer o que se segue. - Desta preparação, a primeira parte é o louvor a Deus, que se faz no Intróito, segundo aquilo das Sagradas Escrituras: "Sacrifício de louvor me honrará; e ali o caminho por onde lhe mostrarei a salvação de Deus" (Salmo XLIX, 23). E este louvor de Deus é tirado, no mais das vezes, dos salmos, ou pelo menos é cantado com um Salmo, porque, como diz (S.) Dionísio, os salmos como louvores, abrangem tudo o que está contido nas Sagradas Escrituras. - A segunda parte (Santo Tomás, mais na frente, vai se referir ao Confiteor). contém a confissão de nossa miséria presente, quando o sacerdote implora misericórdia, dizendo Kyrie eleison, três vezes pela pessoa do Pai; três pela pessoa do Filho, quando diz Christe eleison; e três pela pessoa do Espírito Santo, quando acrescenta Kyrie eleison. Três súplicas contra a nossa tríplice miséria - da ignorância, da culpa e da pena; ou para significar também que as três pessoas divinas estão reciprocamente uma na outra. - A terceira parte comemora a Glória Celeste, a que tendemos depois da miséria presente, quando se diz: Gloria in excelsis Deo; o que se canta nas festas em que se comemora a glória celeste, e se omite nos ofícios fúnebres e de penitência que só comemoram a miséria da vida presente. - A quarta parte contém a oração que o sacerdote faz pelo povo, para que ele (=o povo) seja digno de tão grandes mistérios.

   Em segundo lugar vem a instrução do povo fiel, porque este sacramento é  o mistério de fé. E essa instrução dispositivamente se faz pela doutrina dos Profetas e dos Apóstolos, lida na Igreja pelos leitores e subdiáconos. É a Epístola. E depois desta lição o coro canta o Gradual, que significa o progresso na vida espiritual; o Alleluia, símbolo da exultação espiritual; ou o Tractus, nos ofícios fúnebres e de penitências, que significa os gemidos espirituais. Porque de tudo isso o povo deve dar mostras. - Pela doutrina de Cristo, contida no Evangelho o povo é perfeitamente instruído; e é lida pelos diáconos, ministros do grau mais elevado. E por crermos em Cristo, como na Verdade divina, segundo aquilo do Evangelho: "Se eu vos digo a verdade, porque me não credes? (São João, VIII, 46). - Lido o Evangelho, canta-se  o Símbolo da Fé, (o Credo) pelo qual todo o povo mostra o seu assentimento à fé na doutrina de Cristo. O Símbolo se canta nas festas de que se faz nele alguma menção, como nas de Cristo e da Santíssima Virgem. E nas dos Apóstolos que fundaram esta fé, e em outras semelhantes.

   Assim, pois, preparado e instruído o povo, passa o sacerdote à celebração do mistério. E este é oferecido como sacrifício, e consagrado  e tomado como sacramento. E então, primeiro, se realiza a oblação; segundo, a consagração da matéria oferecida; terceiro, a recepção dela.

   A oblação se compõe de duas partes: o louvor do povo no canto do ofertório, símbolo da alegria dos oferentes; e a oração do sacerdote, que pede seja aceita de Deus a oblação do povo. Por isso disse David: "Eu te ofereci alegre todas estas coisas na simplicidade do meu coração; e eu vi que o teu povo, que aqui está junto, te ofereceu os seus presentes com grande alegria" (Paralipômenos [hoje= CRÔNICAS], XXIX, 17 e 18).

   E depois vem a Consagração já com o prefácio onde a Igreja procura despertar a devoção do povo; por isso adverte-o a ter os corações elevados para o Senhor - "Sursum corda; habemus ad Dominum = Corações ao alto! Já os temos para o Senhor!". Donde, acabado o prefácio, a Igreja louva devotamente a divindade de Cristo, dizendo com os anjos: "Sanctus, Sanctus, Sanctus" (Isaías, VI, 3). E louva igualmente a humanidade de Cristo dizendo com os meninos: "Benedictus qui venit" (Mateus, XXI, 9,15). Depois o sacerdote comemora, em secreto, aqueles por quem oferece o sacrifício, isto é, pela Igreja universal e pelos que estão elevados em dignidade (1 Tim. II, 2); e especialmente certos que oferecem ou por quem é oferecido. - Em segundo lugar, comemora os santos, quando lhes implora o patrocínio pelo que acabou de recomendar, ao dizer: "Communicantes e memoriam venerantes,etc" (="Unidos numa mesma comunhão, honremos a memória"... ).  Enfim, em terceiro lugar, conclui a petição, quando diz: "Hanc igitur oblationem etc." (=Assim, pois, esta oblação"...) para que se faça a oblação por aqueles por quem é oferecido o sacramento.

    Em seguida passa propriamente à consagração, na qual, - primeiro - pede o efeito dela, quando diz: "Quam oblationem tu, Deus..." (=Cuja oblação, ó Deus...). Segundo, faz a consagração, pronunciando as palavras do Senhor, quando disse: "Qui pridie quam pateretur..." (=O qual na véspera de sua Paixão...). - Terceiro - escusa-se da sua ousadia por obediência ao mandado de Cristo, quando diz: "Unde et memores..." (=É porque, lembrando-nos...). - Quarto - pede que seja aceito de Deus o sacrifício celebrado, quando diz: "Supra quae propitio..." (=Sobre os quais com propício...). - Quinto - pede o efeito deste sacrifício e sacramento: 1º - para os que o receberem, quando diz: "Suplices te rogamus..." (=Nós Vos suplicamos, humildemente...); 2º - para os mortos que já não podem receber, quando diz: "Memento etiam, Domine..." (=Lembrai-vos também, Senhor... ); 3º - especialmente pelos sacerdotes mesmos que o oferecem, quando diz: "Nobis quoque peccatoribus..." (=A nós também, pecadores...".

    A seguir vem a recepção do sacramento. - E primeiro o povo é preparado para o receber -primeiramente, pela oração comum de todo o povo, que é a oração dominical, na qual pedimos: o pão nosso de cada dia nos dai hoje; e também pela oração particular, que o sacerdote especialmente oferece pelo povo, quando diz: "Libera nos, quaesumus, Domine..." (=Livrai-nos, Senhor, nós volo pedimos...). - Segundo - o povo é preparado pela paz, que é dada quando reza o Agnus Dei: pois este é o sacramento da unidade e da paz. Mas nas missas dos defuntos, nas quais o sacrifício é oferecido, não pela paz presente, mas pelo descanço dos mortos, omite-se a paz.

    Segue-se depois a recepção do sacramento, pelo sacerdote primeiro, que o distrubui depois aos outros; porque, como diz (S.) Dionísio, quem dispensa o sacrifício aos outros deve, primeiro, participar dele.

    E por último, a celebração completa da missa termina pela ação de graças - o povo exultando pela recepção deste mistério, como o significam os cânticos depois da comunhão; e o sacerdote, dando graças pela oração, assim como Cristo, celebrada a Ceia com os discípulos, disse o hino, como referem  os Evangelhos de São Mateus, XXVI, 30 e São Marcos, XIV, 26.

  Por tudo que acabamos de explicar, temos a solução das dificuldades:


RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES

    1ª Objeção: Parece que foram inconvenientemente ordenadas as palavras proferidas neste sacramento, porque este sacramento é consagrado pelas palavras de Cristo, como diz (Santo) Ambrósio. Logo, nele não se deve proferir nada mais senão as palavras de Cristo.
     RESPOSTA: A consagração se opera pelas sós palavras de Cristo. Mas é necessário fazer-lhes acréscimos para a preparação do povo, que recebe o sacramento, como dissemos.

    2ª Objeção: As palavra de Cristo nós as conhecemos pelo Evangelho. Ora, na consagração deste sacramento, os Evangelhos referem que Cristo disse: Tomai e comei, sem dizer - todos. Mas na celebração deste sacramento diz-se: "Accipite, et manducate ex hoc omnes", isto é, "Tomai e comei dele todos". Logo, esta palavra (=todos) não devia ser proferida na celebração deste sacramento.
    RESPOSTA: O vocábulo - todos - subentende-se entre as palavras do Evengelho, embora não esteja nele expresso. Pois, Cristo disse: "Se não comerdes a carne do Filho do Homem, não tereis a vida em vós" (São João, VI, 54). Além disso: estas palavras não fazem parte da forma da Consagração.

    3ª Objeção: Os demais sacramentos se ordenam à salvação de todos os fiéis. Ora, na celebração destes sacramentos não se faz oração comum pela salvação de todos os fiéis e dos defuntos. Logo, também não se devia assim proceder neste sacramento.
    RESPOSTA: A Eucaristia é o sacramento de toda a unidade eclesiástica. Por isso, mais especialmente neste que nos outros sacramentos, deve-se fazer menção de tudo aquilo que se refere à salvação de toda a Igreja.

    4ª Objeção: O batismo é especialmente chamado o sacramento da fé. Logo, o que se refere à instrução da fé deve ser conferido antes no batismo que neste sacramento.; assim a doutrina Apostólica e a dos Santos Evangelhos.
    RESPOSTA: Há duas espécies de instrução na fé. - Uma é a dos catecúmenos, que acabam de receber a fé. E esta instrução é dada no batismo. - Outra é a recebida pelo povo fiel, que participa deste mistério. E esta é dada neste sacramento. Contudo, dela não ficam privados também os catecúmenos e os infiéis. Por isso dispõe um cânone: "O bispo não proíba a ninguém entrar na Igreja e ouvir a palavra de Deus, quer se trate de gentio, quer de herético ou Judeu, até a missa dos catecúmenos, na qual está contida a instrução da fé".

   5ª Objeção: Todo sacramento supõe a devoção dos fiéis. Logo, não se deve, mais por este sacramento que pelos outros, despertar-lhes a devoção mediante louvores divinos e advertências; p.ex., quando se diz: "Sursum corda" - "Habemus ad Dominum" (=Corações ao alto! - Já os temos para o Sehor!).
    RESPOSTA: Este sacramento requer maior devoção que os outros, porque nele está contido todo Cristo. É também mais geral: porque exige a devoção de todo o povo a favor do qual é oferecido, e não só dos que o recebem, como se dá com os outros sacramentos. Por isso, no dizer de (S.) Cipriano, o sacerdote, recitado o prefácio, prepara as almas dos seus irmãos, exclamando- "Sursum corda! e respondendo o povo: "Habemus ad Dominum", é advertido a pôr todos os seus pensamentos em Deus.

    6ª Objeção: O ministro deste sacramento é o sacerdote, como se disse na q,72,a1. Logo tudo quanto nele se reza devia ser proferido pelo sacerdote e não, certas coisas pelos ministros e certas outras pelo coro.
    RESPOSTA: Neste sacramento menciona-se, como se disse, o concernente a toda a Igreja. Por isso, o coro recita certas partes atinentes ao povo. - Dessas, umas o coro as continua até ao fim; e esses são os sugeridos a todo o povo. - Outros o sacerdote, que faz as vezes de Deus, começa e o povo continua; em sinal de que tais coisas, como a fé na glória celeste, chegavam ao povo por divina revelação. Por isso, o sacerdote começa a recitar o Credo in unum Deum (Símbolo da fé) e o Gloria in excelsis Deo. Outros são recitados pelos ministros, como a doutrina do Velho e do Novo Testamento; como sinal que ela foi anunciada aos povos pelos ministros mandados por Deus.
    Outras partes, porém, só o sacerdote é quem as recita; e são as que lhe concerne ao ofício próprio, que é oferecer dons e sacrifícios pelo povo, como diz São Paulo em Hebreus, V, I. Mas, aí, o concernente ao sacerdote e ao povo, o sacerdote o recita em voz alta, e tais são as orações comuns. - Mas certas outras, como a oblação e a consagração, concernem só ao sacerdote. Por isso reza em voz submissa o que a constitui. Mas antes, porém, o sacerdote desperta a atenção do povo, dizendo Per omnia saecula saeculorum, e esperando o assentimento do povo com o Amen; e depois diz Dominus vobiscum.
    O que reza secretamente é também sinal de que , na Paixão de Cristo, só às ocultas os discípulos O confessavam.

    7ª Objeção: Este sacramento é certamente obra do poder divino. Logo, é supérfluo o pedido do sacerdote para que essa obra se cumpra: "Quam oblationem tu, Deus, in omnibus... facere digneris..." (=Esta oblação, ó Deus, nós pedimos, dignai-Vos abençoá-la, recebê--la e aprová-la plenamente..."
    RESPOSTA: - Primeiro devemos estar lembrados que a eficácia das palavras sacramentais pode ficar impedida pela intenção do sacerdote. - Nem há inconveniente em pedirmos a Deus o que sabemos com certeza Ele o fará; assim Cristo pediu a sua glorificação (São João, XVII). - Aqui, no entanto, o sacerdote não ora para que se faça a consagração, mas para nos ser ela frutuosa; donde dizer sinaladamente que ela se torne para nós o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. E isto significam as palavras que proferiu antes: Dignai-Vos tornar esta oblação bendita, isto é, como o explica (Santo) Agostinho, pela qual sejamos abençoados, pela graça; aprovada, isto é, pela qual sejamos recebidos no céu; ratificada, isto é, que por ela sejamos unidos ao coração de Cristo; racionável, isto é, pela qual semamos livres do senso animal; aceitável, isto é, a fim de que, descontentes de nós mesmos, por meio dela sejamos aceitáveis ao Seu Filho único.

    8ª Objeção: O sacrifício da Lei Nova é muito mais excelente  que o dos antigos Patriarcas. Logo, o sacerdote não devia pedir a aceitação desse sacrifício, como o de Abel, Abraão e Melquisedech.
    RESPOSTA: Embora este sacramento seja, em si mesmo, superior a todos os antigos sacrifícios, contudo os sacrifícios dos antigos foram muito aceitos de Deus, por causa da devoção deles. Por isso o sacerdote pede que este sacrifício seja aceito de Deus, pela devoção dos oferentes, como o foram aqueles outros do A. T.

    9ª Objeção: O corpo de Cristo, assim como não começa a estar neste sacramento por mudança de lugar ( como antes q. 75,a 2 foi dito), assim também nem, por este modo, deixa de nele estar. Logo, não é apropriada a petição do sacerdote: ("Suplices te rogamus, omnipotens Deus): jube  haec perferri per manus sancti Angeli tui... (Nós Vos suplicamos, humildemente, ó Deus onipotente, que, pelas mãos de vosso Santo Anjo, mandeis levar estas ofertas ...).
    RESPOSTA: O sacerdote não pede nem que as espécies sacramentais sejam levadas ao céu; nem que o seja o verdadeiro corpo de Cristo, que aí não deixa de estar presente. Mas o pede para o corpo místico, simbolizado neste sacramento; isto é, que as orações, tanto do povo como do sacerdote, os apresente a Deus o anjo assistente aos divinos mistérios, segundo aquilo do Apocalipse, VIII, 4: "Subiu o fumo dos perfumes das orações dos santos da mão do anjo. Quanto à expressão - sublime altar de Deus - significa ou a própria Igreja triunfante, a que pedimos sejamos trasferidos; ou Deus mesmo, do qual pedimos participar. Pois, deste altar diz a Escritura em Êxodo, XX, 26: "Non ascendes per gradus ad altare meum, isto é, in Trinitate gradus non facies". ("Não subirás por degraus ao meu altar, isto é, não introduzirás graus na Trindade"). - Ou, pelo anjo entende-se o próprio Cristo, o Anjo do grande conselho, que uniu o seu corpo místico a Deus Pai e à Igreja triunfante. Donde também a denominação de missa; porque pelo anjo o sacerdote emite (mittit) as suas preces a Deus, como o povo, mediante o sacerdote. Por isso, no fim da missa  o diácono diz nos dias festivos- Ite, missa est (= Ide, foi oferecida) isto é, a hóstia  a Deus pelo anjo, de modo a ser de Deus aceita.

   
   
   

SANTO TOMÁS DE AQUINO EXPLICA A SANTA MISSA - TREZENTOS ANOS DEPOIS S. PIO V A CODIFICA e CANONIZA ( II )

ARTIGO V: Se as cerimônias usadas na celebração deste mistério são convenientes.
   Parece que as cerimônias usadas na celebração deste sacramento não são convenientes.
   Mas devemos dizer o contrário, porque estas cerimônias fazem parte do costume legitimo (consuetudo) da Igreja, que não pode errar, dado que é inspirada pelo Espírito Santo.
   EXPLICAÇÃO que dá a SOLUÇÃO para todas as dificuldades ou objeções.
   Como dissemos, para ser mais perfeita a significação, tudo o que se faz nos sacramentos é significado duplamente por palavras e por atos. Ora, certos passos da Paixão de Cristo, representados na celebração deste sacramento, são significados por palavras. Ou ainda certas coisas concernentes ao corpo místico, que esse sacramento representa; e outras referentes ao uso do mesmo, que deve ser com devoção e reverência. Por isso, na celebração deste mistério, certas práticas representam a Paixão de Cristo; ou ainda, a disposição do corpo místico; e certas outras dizem respeito à devoção e reverência devidas a este sacramento.
    OBJEÇÕES
    E assim podemos responder às objeções:
    1ª Objeção: Este sacramento pertence ao Novo Testamento, como o mostra a sua própria forma. Ora, na vigência do Novo Testamento não se devem observar as cerimônias do Velho, nas quais o sacerdote e os ministros lavavam-se com água quando iam oferecer o sacrifício. Assim, lemos em Êxodo, XXX, 19: "Aarão e seus filhos lavarão as suas mãos e os pés, quando tiverem de se aproximar do altar...". Logo, não é conveniente o sacerdote lavar as mãos na solenidade da missa.
    RESPOSTA: A ablução das mãos se faz na celebração da missa, pela reverência devida a este sacramento. E isto por duas rações: 1º - Por ser costume geral tocarmos em coisas preciosas com as mãos lavadas. Por onde, faltaria à decência quem se achegasse a tão grande sacramento com as mãos sujas, mesmo no sentido material. - 2º - Pelo significado da ablução. Pois, como diz (S.) Dionísio, o lavarmos as extremidades significa a purificação, ainda dos mínimos pecados, segundo aquilo do Evangelho de S. João, XIII, 10: "Aquele que está lavado não tem necessidade de lavar senão os pés". E esta purificação é necessária a quem se achega a este sacramento. O que também é significado pela confissão que se faz antes do começo da missa. E o mesmo significava a ablução dos sacerdotes na Lei Velha, conforme o ensina (S.) Dionísio no mesmo lugar. - Mas a Igreja não o observa como preceito cerimonial da Lei Velha, senão como instituído por ela, e na prática em si mesma conveniente. Por isso, não é observado do mesmo modo por que o era antigamente. Também se omite a ablução dos pés, conservando-se só a das mãos, por poder fazer mais facilmente e por bastar a significar a perfeita purificação. Pois, sendo as mãos o órgão dos órgãos, na expressão de Aristóteles, todas as obras se lhes atribuem a elas. Donde o dizer o Salmo XXV, 6: "Lavarei as minhas mãos entre os inocentes".

    2ª Objeção: O Senhor mandou que o sacerdote queimasse incenso de suave fragrância sobre o altar que estava diante do propiciatório (Êxodo, XXX, 7). O que também era uma das cerimônias do Antigo Testamento. Logo, não deve o sacerdote oferecer incenso, durante a missa.
    RESPOSTA: Não usamos incenso como se fosse um preceito cerimonial da lei, mas por uma determinação da Igreja. Por isso não oferecemos do mesmo modo pelo qual o estatuía a Lei no Velho Testamento. - E o fazemos por duas razões - Primeiro, para reverenciar este sacramento: para que o bom cheiro do incenso, expulse algum mau odor do local, que pudesse provocar repugnância. Segundo, para representar o efeito da graça da qual, como de bom odor, Cristo tinha a plenitude, segundo aquilo da Escritura Gênesis XXVII, 27: "Eis o cheiro de meu filho como o cheiro de um campo cheio." E o qual deriva de Cristo para os fiéis, por meio dos ministros, segundo aquilo do Apóstolo em 2 Corintios II, 14: "Por nosso meio difunde o odor do conhecimento de si mesmo em todo lugar." Por isso , depois de incensado todo o altar, que designa a Cristo, incensam-se os demais, numa certa ordem.

   3ª Objeção: a) Transferimos para aqui a primeira parte da 2ª objeção do artigo anterior.
   Os atos de Cristo nós os conhecemos pelo Evangelho. Ora, na consagração deste sacramento se alude a ato que não está no Evangelho. Assim, aí não lemos que Cristo, na consagração deste sacramento, elevasse os olhos para o céu. Pois, na celebração deste sacramento se diz: Tendo elevado os olhos ao céu". Logo,  isto não deveria ser feito na celebração deste sacramento.
RESPOSTA: Como diz o Evangelho de São João XXI,  25 , muitas coisas fez  e disse o Senhor pelos Evangelistas não referidas. Entre elas está que o Senhor, na Ceia, elevou os olhos para o céu, o que a Igreja o recebeu pela tradição dos Apóstolos. Pois é racional, que quem, na ressurreição de Lázaro  e na oração que fez pelos discípulos, levantou os olhos para o Pai, como o narra o evangelista, com maior razão o fizesse ao instituir este sacramento, coisa mais importante.

   3ª Objeção: b) As cerimônias realizadas nos sacramentos da Igreja não devem reiterar-se. Logo, não deve o sacerdote repetir tantas vezes os sinais da cruz sobre este sacramento.
   RESPOSTA: O sacerdote, na celebração da Missa, faz o sinal da cruz para exprimir a Paixão de Cristo, que na cruz se consumou. A Paixão de Cristo, porém, realizou-se como por alguns graus.(=por etapas).
Assim, primeiro, teve lugar a entrega de Cristo, feita por Deus, efetuada por Judas e pelos Judeus. E isto significam os três sinais da cruz acompanhados das palavras: Haec dona +, haec munera + haec sancta sacrificia illibata +. Em português: "Estes dons, estes presentes, estes santos sacrifícios sem mancha." Segundo, depois foi Cristo vendido. Ele foi vendido, porém, pelos sacerdotes, escribas e fariseus. Para o significar, o sacerdote faz de novo por três vezes o sinal da cruz, dizendo: "Benedictam, +  adscriptam, +  ratam" + . Em português: "Bendita, aprovada, ratificada". Ou para mostrar o preço da venda, que foram os trinta dinheiros. E acrescenta duplo sinal da cruz às palavras: "ut nobis corpus + et sanguis +... Em português: "Afim de que para nós o corpo e o sangue..." a fim de designar a pessoa de Judas, o vendedor, e de Cristo, o vendido. - Terceiro, a Paixão de Cristo foi prenunciada na ceia. Para designá-lo o sacerdote faz em terceiro lugar, o sinal da cruz por duas vezes - uma ao consagrar o corpo; outra, ao consagrar o sangue, dizendo em ambas as vezes: "benedixit"=abençoou. Quarto: em quarto lugar, consumou-se a Paixão mesma de Cristo. E para representar as cinco chagas de Cristo o sacerdote faz pela quarta vez cinco sinais da cruz, dizendo: "hostiam + puram, hostiam+sanctam,  hostiam+ immaculatam,  panem +sanctum  vitae aeternae,  et calicem+ salutis perpetuae."  Em português: "a Hóstia pura, a Hóstia santa, a Hóstia imaculada. o Pão santo da vida eterna e o Cálice da salvação perpétua". Quinto: em quinto lugar é representada a extensão do corpo na cruz, a efusão do sangue e o fruto da paixão. Daí mais três sinais da cruz acompanhados das palavras: "Filii tui + Corpus, et + Sanguinem sumpserimus, omni + benedictione" ... Em português: "participando deste altar, recebermos o sacrossanto Corpo e o Sangue de vosso Filho, sejamos repletos de toda bênção celeste"... Sexto: em sexto lugar é representada a tríplice oração que Cristo fez na cruz: - uma pelos seus perseguidores, quando disse: "Pai, perdoai-lhes"... a segunda para libertar-se da morte, quando disse: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste"? a terceira para alcançar a glória quando exclamou: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito". E para significá-lo o sacerdote faz três sinais da cruz, dizendo: "sanctificas,+  vivificas, + benedicis"+... = santificais, vivificais, abençoais... Sétimo: em sétimo lugar, representa as três horas durante as quais ficou suspenso na cruz, isto é, desde a sexta até a nona hora. E para significá-lo, faz de novo o sacerdote por três vezes o sinal de cruz, pronunciando as palavras: "Per + ipsum, et cum + ipso, et in + ipso". = "Por Ele, com Ele e n'Ele". Oitavo: em oitavo lugar, representa-se a separação entre a alma e o corpo, por dois sinais da cruz subsequentes, fora do cálice.  Nono: Enfim, em nono lugar, é representada a ressurreição, operada no terceiro dia, por três cruzes, acompanhadas da palavras: "Paz + Domini sit  + semper +  vobiscum". = "A paz do Senhor esteja sempre convosco."
   - Mas, podemos dizer, mais brevemente, que a consagração deste sacramento e a aceitação deste sacrifício, bem como o seu fruto, procedem da virtude (=força ou eficácia)  da cruz de Cristo. Por isso, sempre que o sacerdote faz menção de alguma dessas três coisas(=consagração deste sacramento, aceitação deste sacrifício e o seu fruto) faz o sinal da cruz.

   4ª Objeção: O Apóstolo  diz em Hebreus, VII, 7: "Sem nenhuma contradição, o que é inferior recebe a bênção do que é superior". Ora, Cristo, que está neste sacramento, depois da consagração, é muito maior que o sacerdote. Logo, inconvenientemente o sacerdote benze, depois da consagração, este sacramento, fazendo sobre Ele o sinal da cruz.
   RESPOSTA: O sacerdote, depois da consagração, não faz o sinal da cruz para benzer e consagrar, mas só para comemorar o sinal da cruz e o modo da Paixão de Cristo, o que ficou claro pelo que foi dito acima ao responder à terceira objeção. (cinco cruzes sobre Nosso Senhor para significar as cinco chagas feitas em Jesus na Sua Paixão).

   5ª Objeção: Nos sacramentos da Igreja não deve haver nada que seja ridículo. Ora, é ridículo fazer gesticulações, como quando o sacerdote estende os braços, põe as mãos, junta os dedos e se inclina. Logo, tais coisas se não deviam fazer neste sacramento.
   RESPOSTA: Nenhum dos gestos do sacerdote, na missa, constitui gesticulação ridícula , pois têm o fim de representar alguma coisa. - Assim, o estender os braços depois da consagração significa o Cristo com os braços estendidos na cruz. - Também levanta as mãos ao orar, para significar que a sua oração se dirige  a Deus, pelo povo, segundo aquilo da Escritura Tren., III, 41: "Levantemos ao Senhor os nossos corações com as mãos para os céus.". E Êxodo, XVII, 11 diz: "Quando Moisés tinha as mãos levantadas vencia Israel". - Quando põe as mãos, inclina-se, orando súplice e humildemente, designa assim a humildade e a obediência com que Cristo sofreu. - Junta os dedos polegar e indicador, com que tocou o corpo consagrado de Cristo a fim de que não se disperse alguma partícula que a eles se tivesse apegado. O que constitui reverência para com o sacramento.

   6ª Objeção: Também é ridículo o sacerdote voltar-se tantas vezes para o povo, tantas vezes saudá-lo. Logo, nada disso devia fazer-se na celebração deste sacramento.
   RESPOSTA: O sacerdote volta-se cinco vezes para o povo, para significar que o Senhor se manifestou cinco vezes no dia da ressurreição, como dissemos quando tratamos da ressurreição de Cristo. - Saúda sete vezes o povo, isto é, cinco vezes quando se volta para ele; e duas, em que não se volta, isto é, quando antes do prefácio diz: "Dominus vobiscum". E quando diz: "Pax Domini sit semper vobiscum" = "A paz do Senhor esteja sempre convosco" para designar a septiforme graça do Espírito Santo. Quanto ao bispo, quando celebra nos dias festivos, diz, na primeira saudação: "Pax vobis", o que depois da ressurreição o Senhor o disse aos discípulos, cujas pessoas sobretudo as representa o bispo.

   7ª Objeção: O Apóstolo em 1ª Cor. I, 13  diz que Cristo não deve ser dividido. Ora, depois da consagração Cristo está neste sacramento. Logo, o sacerdote não devia fraccionar a hóstia.
   RESPOSTA: A fracção da hóstia significa três coisas. Primeiro, a divisão mesma do corpo de Cristo, que se operou na Paixão. - Segundo, a distinção do corpo místico em diversos estados. - Terceiro, a distribuição das graças procedentes da Paixão de Cristo, com diz (S.) Dionísio. Por onde, tal fracção não induz divisão em Cristo.

   8ª Objeção: As cerimônias deste sacramento representam a Paixão de Cristo. Ora, na Paixão, o corpo de Cristo foi dividido nos lugares das cinco chagas.  Logo, o  corpo de Cristo devia ser dividido antes em cinco que em três partes.
   RESPOSTA: Como diz o Papa Sérgio (em De consecr., didt. II): "Triforme é o corpo do Senhor. A parte oferecida, posta no cálice, representa o corpo de Cristo já ressuscitado. Isto  é, o próprio Cristo e a Santa Virgem, que já estão na glória com os seus corpos. A parte que se come significa os que ainda vivem nesta terra. pois os peregrinos neste mundo se unem com Cristo pelo sacramento; e ficam alquebrados pelo sofrimento como o pão comido é triturado. - A parte remanescente no altar até o fim da missa significa o corpo jacente no sepulcro; porque até o fim dos séculos os corpos dos santos estarão nos sepulcros; mas as almas estão no purgatório ou no céu. Este rito porém não se observa atualmente, isto é, o de conservar uma parte até ao fim da missa. Mas permanece a mesma significação das partes. O que certos explimiram em versos, dizendo: A hóstia se divide em partes; molhada (=a que fica dentro do cálice com o precioso sangue) significa os que gozam da plena beatitude; seca, signifca os vivos; conservada, significa os sepultos.
   Certos, porém, dizem, que a parte posta no cálice significa os viventes neste mundo; a conservada fora do cálice significa os plenamente bem-aventurados, isto é, em corpo e alma; a parte comida significa os outros.

   9ª Objeção: O corpo de Cristo é totalmente consagrado neste sacramento, em separado do sangue. Logo, não se devia misturar com o sangue uma parte dele.
   RESPOSTA: O cálice pode ter dupla significação. - Numa é a Paixão mesma, representada neste sacramento. E então, a parte posta no cálice significa os ainda participantes dos sofrimentos de Cristo. - Noutra significação pode simbolizar o gozo dos bem-aventurados, também prefigurado neste sacramento. Por onde, aqueles cujos corpos já gozam da plena beatitude são simbolizados pela parte posta no cálice. - E devemos  notar, que a parte posta no cálice não deve ser dada ao povo como complemento da comunhão, porque o pão molhado Cristo não o deu senão ao traidor Judas.

   10ª Objeção: Assim como o corpo de Cristo é dado neste sacramento  como comida, assim o sangue de Cristo, como bebida. Ora, à recepção do corpo de Cristo, ao celebrar a missa, não se lhe acrescenta nenhum outro alimento para o corpo. Logo, não devia o sacerdote, depois de ter bebido o sangue de Cristo, tomar vinho não consagrado. (Se refere ao vinho das abluções)
   RESPOSTA: O vinho, em razão da sua humidade, serve para lavar. Por isso, é tomado depos da suscepção deste sacramento, para lavar a boca, para que nenhuma partícula nela fique; o que constitui reveverência para com este sacramento. Por isso, uma disposição canônica determina: o sacerdote deve sempre lavar a boca com o vinho, depois de ter recebido completamente o sacramento da Eucaristia; salvo de dever no mesmo dia (Isto porque o jejum eucarístico era de 12 horas e só se celebrava de manhã) celebrar outra missa; a fim de que o vinho tomado para lavar a boca não impedisse celebrar outra vez. E pela mesma razão lava com vinho os dedos, com que tocou o corpo de Cristo.

   11ª Objeção: O verdadeiro deve corresponder ao figurado. Ora, do cordeiro pascal, que foi a figura deste sacramento, a lei ordenava que nada se consevasse para o dia seguinte. Logo, não se deviam conservar hóstias consagradas, mas consumí-las logo.
   RESPOSTA: A verdade deve, de certo modo, corresponder à figura; assim não deveria realmente a parte da hóstia consagrada, da qual o sacerdote e os ministros ou também o povo comungam, ser conservada para o dia seguinte. Mas devendo este sacramento ser recebido todos os dias, o que não se dava com o cordeiro pascal, por isso é necessário conservar outras hóstias consagradas para os enfermos. Por onde na legislação da Igreja dada pelo Papa (S.) Clemente se estabelece: "O prebítero tenha sempre preparada a Eucaristia de modo que quando alguém adoecer, dê-lhe logo a comunhão, não vá morrer sem ela."

   12ª Objeção: O sacerdote fala aos ouvintes no plural; por   exemplo, quando diz: "Dominus vobiscum" (= O Senhor esteja convosco), e, "Gratias agamus" (= Demos graças). Ora, não devemos falar no plural quando nos dirigimos a um só, sobretudo inferior. Logo, não devia o sacerdote celebrar a missa, estando presente só um ministro.
   RESPOSTA: Na celebração solene da missa, vários devem estar presentes. Donde o dizer o Papa Sotero: "Também isto foi estabelicido, que nenhum sacerdote ouse celebrar solenemente a missa sem dois ministros presentes, que lhes respondam, a ele como terceiro; porque quando diz no plural "Dominus vobiscum"; e a oração secreta "Orate pro me", é necessário evidentemente que lhe alguém responda à saudação".  Por isso, para maior solenidade, lemos no mesmo lugar como estatuído ( De Consecr. dist. I , papa Soter) que o bispo celebre, com vários ministros, a solenidade da missa. - Mas, nas missas privadas, basta haver um ministro, representante de todo o povo católico, em nome do qual responde no plural ao sacerdote.