quinta-feira, 30 de abril de 2020

ORAÇÃO DE SANTA CATARINA DE SENA PELO MUNDO E PELA IGREJA

   "Rogo-Vos, agora, Pai Eterno, tende piedade do mundo e da Santa Igreja. Não demoreis em usar de misericórdia para com o mundo. Escutai e realizai o desejo dos vossos servidores. Vós mesmo Vos fizestes clamar; escutai, pois, as suas vozes. Vosso Filho aconselhou que chamássemos, pois obteríamos resposta; que batêssemos, que a porta nos seria aberta; que pedíssemos, pois haveríamos de receber".
   "Ó Pai, vossos servidores imploram misericórdia; respondei-lhes, pois. Sei que a misericórdia é atribuída a Vós; não podeis deixar de concedê-la a quem suplica. Vossos servidores batem à porta do Vosso Filho; eles conhecem o amor que tendes pelo homem e por isso batem à vossa porta. A chama do Vosso amor não pode, não há de recusar a quem insiste com confiança. Abri, pois. Descerrai, despedaçai os corações endurecidos dos Vossos filhos. Eles mesmos nada pedem; escutai, porém, em força de Vossa infinita bondade e por amor dos Vossos servidores, que suplicam por eles. Vede como se acham ante a porta do Vosso Filho e clamam".
   "Que Vos pedem eles? O Sangue do Vosso Filho. Em tal Sangue lavastes o pecado e apagastes a mancha da culpa de Adão. É Sangue nosso, nele nos lavastes. Não ireis desdizer-Vos, nem o quereis diante de quem Vos implora. Concedei, pois, aos homens o fruto do Sangue. Colocai no prato da balança o preço do Sangue de Jesus, para que o demônio não mais arrebate as ovelhinhas. Vós sois o Bom Pastor, pois nos destes o Vosso Filho. Por obediência Ele morreu pelas ovelhas, lavando-as no Sangue. É esse Sangue que Vossos servidores pedem, como mendigos à Vossa porta. Rogam pelo mundo: que o perdoeis. Que a Santa Igreja floresça novamente com bons e santos pastores; que desapareça a iniquidade dos ministros maus".
   "Ó Eterno Pai! Prometestes misericórdia para o mundo, prometestes reformar a Santa Igreja, prometestes dar-nos conforto pelo amor que tendes aos homens e em atenção à oração dos Vossos servidores, bem como pela paciência que demonstram nas adversidades. Não demoreis em volver-nos um olhar piedoso. Já que amais dar resposta antes mesmo que peçamos, dizei uma palavra de perdão. Abri a porta da Vossa inestimável caridade, manifestada a nós no Verbo Encarnado. Bem sei que a abris antes de pedirmos. Baseando-Vos no próprio amor que lhes destes, Vossos servidores clamam à procura de Vossa glória e da salvação das almas. Concedei-lhes o pão da vida, ou seja, o fruto do Sangue. Eles o imploram para a glória do Vosso nome e para a santificação dos homens. Ao que parece, a salvação de numerosas pessoas dá maior glória a Vós, do que se todos fossem deixados no obstinação do mal. Tudo Vos é possível, Pai Eterno! Embora nos tenhais criado sem nossa colaboração, sem ela não nos quereis salvar; rogo-Vos, pois, que façais tais pessoas desejar quanto os vossos servidores imploram. Eu o imploro por Vosso infinito amor. Vós nos criastes do nada; agora existimos. Perdoai e reformai os vasos construídos à Vossa imagem e semelhança; reformai-os para a graça na misericórdia do Sangue do Vosso Filho".
                                               ( Livro "O Diálogo" de Santa Catarina de Sena, Terceira Parte, Cap. 29.2 ).

   Caríssimos e amados leitores, a exemplo dos santos, rezemos com fé, humildade e confiança, pela Santa Igreja, hoje invadida e dominada pelos modernistas, os piores inimigos da Igreja, como declarou São Pio X.
   As Sagradas Escrituras comparam os maus pastores a cães mudos que não podem ladrar: (Cf. Isaías, LVI, 10 ). Assim a Bíblia nos autoriza a comparar os bons pastores a cães que ladram.    Ora, a Santa Igreja, como denunciou São Pio X e mais tarde confirmou o Papa Pio XII, está invadida pelos inimigos. Penso que  os bispos e padres que lutam para defender a Fé e que foram injustamente suspensos têm que aproveitar a oportunidade de poder estar dentro da sua casa para mais eficazmente expulsar os invasores. Quando uma casa é invadida e os donos e seus verdadeiros filhos são expulsos, pouco adianta os cães ficarem latindo no terreiro. Têm que entrar com cuidado é claro; mas, embora a luta seja mais renhida, corpo a corpo, será mais eficaz e meritória. Temos que fazer como Santa Joana d'Arc, mas na ordem espiritual. Até acho que atualmente, não é a hora azada para se pensar em regularização canônica. Por isso entendo a prudência do Superior da Fraternidade em se preocupar em ser recebidos como sempre foram, pela graça de Deus, verdadeiros católicos.  
   É óbvio que os verdadeiros católicos têm que procurar fazer exatamente o que os modernistas não querem; e ter o cuidado em não fazer o que querem. Os modernistas tripudiam sobre as lamentáveis rebeliões e consequentes divisões provocadas entre os tradicionalistas. Alguns julgam estar resistindo ao progressismo, mas, na verdade, estão enfraquecendo a verdadeira "RESISTÊNCIA"  a esta terrível crise dentro da Igreja e em toda Sociedade. 
Todos aqueles que pretendem estar trabalhando para o Reinado do Sagrado Coração de Jesus, mas não têm o espírito reto de, como os Santos, resistir sem faltar com o respeito devido à dignidade divina do sacerdócio, na verdade não estão edificando mas escandalizando e fazendo coro aos inimigos da Santa Madre Igreja. 

   Santa Catarina de Sena, rogai por nós!


quarta-feira, 29 de abril de 2020

SOBRE O ABORTO

 SAGRADO E PERIGOSO


                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*

               Por causa do julgamento no STF da ADI 5581, que trata da descriminalização do aborto em grávidas de filhos doentes com o Vírus Zika, discutiu-se mais uma vez a questão do aborto provocado, contra o qual devemos ter argumentos sólidos e sadios.
            A nossa Constituição Federal, art. 5º, já tem como cláusula pétrea a inviolabilidade da vida humana, e considera que todos são iguais perante a lei, que visa o bem de todos, mesmo os doentes. Não podem ser discriminados. Não compete a ninguém julgar quem merece morrer ou viver. E o nosso Código Penal considera crime o aborto. Ademais, há que se levar em conta que o povo brasileiro, em sua grande maioria, já se manifestou ser contra o aborto. E, para os cristãos, vige o V Mandamento da Lei de Deus: “Não Matarás”, que proíbe matar um inocente.
            Na sociedade, há um lugar privilegiado, especialmente seguro, refúgio para todos os seus membros: a família, “santuário da vida”, “igreja doméstica”. Na família, há uma pessoa especial, a mãe, geradora da vida, objeto querido do nosso amor, pois é aquela da qual nascemos. E na mãe, há um lugar “sagrado”, o útero materno, sacrário onde a vida é gerada. Assim, no santuário da vida, a família, está esse sacrário da vida, o útero materno, lugar como que sagrado, protegido e seguro. O próprio Deus, quando enviou o seu Filho ao mundo para habitar entre nós, o aconchegou em um útero materno, o da Santíssima Virgem Maria, no qual o Verbo se fez carne e começou a ser um de nós. Por isso dizemos a Maria Santíssima: “bendito é o fruto do vosso ventre”, repetindo a saudação de Isabel (Lc 1, 42).
No caso de um aborto provocado, quando uma vida humana em gestação é artificialmente tirada, sob qualquer pretexto, é no útero materno que tal crime acontece, portanto no lugar mais sagrado do mundo, e, deveria ser, no lugar mais protegido por todas as leis do mundo.
            Raciocinemos: se uma criança já está fora do útero materno, após seu nascimento, não importando o tempo de sua gestação, até bem antes dos nove meses normais, ela é protegida por lei, em qualquer país civilizado, e seu assassinato é por todos considerado um crime hediondo. Todos condenam o infanticídio, seja por que pretexto for. Mas se essa criança ainda estiver no útero materno, a proteção já não é tão segura e ela não é tão protegida pela lei, dos homens, variável segundo a determinação dos que fazem as leis ou as interpretam. São esses homens que pretendem determinar até quando e se vale a pena a vida ser vivida ou não?  
            Assim, o útero materno, ao invés de ser um lugar seguro, tornou-se, por vontade dos homens, um lugar perigoso e arriscado. Fora dele se estaria seguro. Nele, corre-se o risco de ser assassinado sem maiores problemas. É a lógica dos homens, que pensam ser Deus.  
Chamava o Papa São Pio X de monstruosa e detestável iniquidade, própria do tempo em que vivemos, a pretensão de o homem se colocar no lugar de Deus. Foi a tentação dos nossos primeiros pais. Estão aí os absurdos consequentes dessa pretensão.

                                                                  *Bispo da Administração Apostólica Pessoal
                                                                         São João Maria Vianney
                                                                       http://domfernandorifan.blogspot.com.br/


domingo, 26 de abril de 2020

EXPLICAÇÃO DO EVANGELHO DO 2º DOMINGO DEPOIS DA PÁSCOA

Leituras: Primeira Epístola de São Pedro Apóstolo, 2, 21-25.
                  Continuação do Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João, 10, 11-16:

 "Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: Eu sou o bom Pastor. O Bom Pastor dá a sua vida por suas ovelhas. O mercenário, porém, o que não é pastor, de quem não são próprias as ovelhas, vendo chegar o lobo, deixa as ovelhas e foge; e o lobo rouba e dispersa as ovelhas. O mercenário foge, porque é mercenário e não lhe importam as ovelhas. Eu sou o Bom Pastor, e conheço minhas ovelhas, e as minhas ovelhas me conhecem. Assim como o Pai me conhece, e eu conheço o Pai, eu dou a minha vida por minhas ovelhas. Outras ovelhas tenho eu ainda que não são deste aprisco. É preciso que eu as chame também e ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor. 

   Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!
   
   Eu sou o bom Pastor. Quem assim fala é Jesus - pastor por excelência, pastor que possui todas as qualidades, todas as perfeições para tornar feliz o seu rebanho, procurando-lhe todas as vantagens:
  • Primeira qualidade característica: conhece suas ovelhas. Entre o Bom Pastor e as Suas ovelhas estabelece-se uma íntima relação de conhecimento amoroso, tão íntima, que o Pastor conhece uma a uma as Suas ovelhas. Cada alma pode dizer: Jesus conhece-me e ama-me, não de um modo genérico e abstrato, mas concreto, nas minhas necessidades, nos meus desejos, na minha vida. Para Ele, conhecer-me significa fazer-me bem, envolver-me cada vez mais com a Sua graça, santificar-me. Porque me ama, Jesus chama-me pelo meu nome. Chama-me na oração, nas consolações espirituais, e até nas provações. Chama-me, sobretudo, quando desperta em mim um amor mais profundo por Ele. Perante os Seus apelos, a minha atitude deve ser a da ovelha dedicada que reconhece a voz do seu Pastor e O segue sempre. 
  • O Bom Pastor guia as suas ovelhas: Nosso Senhor Jesus Cristo, na Sua bondade infinita, faz tudo por nós. Ele deixou os seus representantes aqui na terra e disse: "Quem vos ouve, a mim ouve". "Ide e ensinai a todos os povos a observar tudo o que Eu vos ensinei". Deixou a Sua Igreja: "Tu és Pedro (Kefas=pedra) e sobre esta pedra edificarei a MINHA Igreja". 
  • O Bom Pastor caminha à frente de suas ovelhas: Ele mesmo disse: "Eu sou o caminho". Ele nos deu o exemplo, para assim como Ele fez, façamos nós, suas ovelhas. Caríssimos, quereis vós praticar a modéstia, a obediência, a doçura, a paciência, a caridade, o perdão dos injúrias etc? Olhai para Jesus: "Olhai, e fazei segundo o exemplar"...Aprendei de mim, disse Jesus, que sou manso e humilde de coração. 
  • O Bom Pastor guarda e defende suas ovelhas: Assim diz o Salmo 23: "O Senhor é meu Pastor, e nada me falta; colocou-me num lugar de pastos. Conduziu-me à água fortificante. Converteu a minha alma. Levou-me por veredas de justiça, por causa do seu nome. Por isso, ainda que ande no meio da sombra da morte, não temerei males, porque estás comigo. Tua vara e teu báculo me consolaram. Preparaste uma mesa diante de mim, à vista daqueles que me perseguem. Ungiste com óleo a minha cabeça, e quão precioso é o meu cálice que transborda! Tua misericórdia irá após de mim todos os dias da minha vida, a fim de que eu habite na casa do Senhor, durante longos dias". (Na Vulgata é o Salmo 22).  

  • O Bom Pastor nutre suas ovelhas: Ó Senhor, meu Bom Pastor, o que poderíeis ter feito por mim que não tenhais feito? O que poderíeis dar-me, que não me tenhais dado? Vós mesmo Vos fizestes meu alimento e minha bebida. E que alimento mais delicioso e salutar, mais nutritivo e mais fortificante poderia eu encontrar do que o Vosso Corpo e o Vosso Sangue? Jesus, Nosso Bom Pastor, nutre-nos também com a sua doutrina: "Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus". Mandou que pedíssemos no Pai-Nosso também o pão nosso de cada dia. E Ele, o melhor dos pais, nada nos poderá negar. "Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Vosso Pai que está nos Céus". Como vimos há pouco no Salmo 22: "O Senhor é meu Pastor, e nada me faltará". 
  • O Bom Pastor dá sua vida pelas suas ovelhas: Basta meditarmos a Sua vida: em Belém, no Egito, em Nazaré, durante seu ministério público, durante sua Paixão. "Amou-me e entregou-se a si mesmo ao sacrifício por mim. Jesus sofreu a morte para nos dar a vida, nos cumular de graças e nos merecer o Céu. Eis, caríssimos irmãos, o nosso verdadeiro e único bom Pastor. Ele não pensa em dinheiro como os mercenários. Resgatou-nos não com dinheiro, ouro ou prata, mas com o Seu preciosíssimo Sangue!
          Ó Jesus, todo meu amor, dai-me, o Vosso ardentíssimo amor para que por ele, com a Vossa graça, Vos ame, Vos agrade, Vos sirva, cumpra os Vossos preceitos, não seja separado de Vós, nem no tempo presente nem no futuro, mas convosco permaneça unido no amor pelos séculos eternos. Amém!

domingo, 19 de abril de 2020

A CONFISSÃO É REMÉDIO CONTRA O ORGULHO E O DESÂNIMO

LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA

Sabemos, caríssimos, como o orgulho, a pusilanimidade e o desespero são funestíssimos na vida espiritual do homem.  Com a graça de Deus, veremos  como a Confissão sacramental é, por sua vez, um excelente remédio para estes males.

O orgulho é a fonte de todos os vícios e de todos os pecados. Cometendo pecado o homem se revolta contra Deus e diz, se não de boca, ao menos pelas suas obras: " Não servirei a Deus!" Como Lúcifer, parece dizer que será igual ao Altíssimo (Cf. Isaías, XIV, 14). E sabemos que o orgulho só se pode curar pela humildade e esta só se pode adquirir pela humilhação. Mas sabemos que o ato mais humilhante para o homem decaído é a acusação franca e completa de suas obras, de suas palavras, de seus pensamentos e de seus desejos culpáveis. Pois bem, a confissão é esta acusação. Portanto, de todos os meios o mais eficaz para quebrar o orgulho, é a confissão. Por isso mesmo Tertuliano chama a confissão "a arte de humilhar o homem". E se o pecado entra na alma pelo orgulho, dela deverá sair pela humildade. Isto é feito sobretudo pelo sacramento da Confissão.

O desânimo é outra fonte de faltas. O infeliz que acaba de pecar sabe que manchou sua alma e que não é mais filho de Deus. Desonrado aos seus próprios olhos, não penetra no seu íntimo sem se envergonhar.  O demônio, que não dorme, para o reter em suas correntes, representa-lhe de modo exagerado a enormidade de sua falta, a vergonha que dela resulta, a dificuldade de receber o perdão, a impossibilidade de readquirir a virtude. Eis, que se torna triste, pesado a si mesmo e aos outros. Cai sobre o infeliz uma espécie de depressão. Logo desanima e novas recaídas se seguem. Judas Iscariotes, vendo que Jesus se deixara prender e fora condenado, se arrependeu e sentiu necessidade de ir até aos Príncipes dos Sacerdotes devolver as 30 moedas. Então disseram-lhe: Agora, arranja-te, que te vire! Ah! se o Iscariotes tivesse se ajoelhado diante de Jesus e pedido perdão! Seria perdoado na hora, e retornar-lhe-ia a paz. Mas como não o fez, e, diante da repulsa dos Sacerdotes da Antiga Lei, se desesperou e suicidou-se.


Quando uma alma cai, é necessário o quanto antes reanimá-la. Ora o meio mais eficaz para isto é justamente a confissão. Na verdade, quando o pecador cai e logo é curado da doença secreta que o consumia, torna-se outro homem. Sente-se renovado e parece que a vida recomeça para ele. Daí resulta uma coragem e um ardor de que não se sentia mais capaz. Romper com um passado infeliz, recomeçar a vida, isto é para ele de uma importância sem par. É o que o salva do desânimo e deste suicídio moral que consiste em não mais lutar contra o mal, e de precipitar-se de olhos fechados no abismo aberto aos seus pés.  Com esta renovação de vida, a alma vê reentrar nela a paz, a serenidade, alegria e a felicidade. O remorso a despedaçava quando estava sob o jugo do pecado; o confessor, que ali está no lugar de Jesus, lhe disse: "Filho, vai em paz, que Deus o abençoe!" A alma não duvida da verdade dessa sentença redentora; sabe que está reconciliada com Deus e tornou a ser sua amiga; esta suave segurança expulsou de sua alma todo o medo e toda a inquietação. Que felicidade para o homem ter a seu lado um tribunal onde sabe, com certeza que pode receber o perdão de suas faltas!  

HOMILIA SOBRE O EVANGELHO DO 1º DOMINGO DEPOIS DA PÁSCOA

   Leituras: Primeira Epístola de São João 5, 4-10)
                   Continuação do Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João 20, 19-31: 


   
"Naquele tempo, chegada já a tarde daquele dia, que era o primeiro dia da semana, e estando fechadas as portas do lugar onde se achavam reunidos os discípulos com medo dos judeus, veio Jesus, pôs-se no meio deles, disse-lhes: A paz esteja convosco. E dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Alegraram-se muito os discípulos, vendo o Senhor. Disse-lhes Jesus outra vez: A paz esteja convosco.  Assim como meu Pai me enviou, assim também eu vos envio. Ditas estas palavras, soprou sobre eles, dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo. Os pecados daqueles a quem perdoardes ser-lhes-ão perdoados: os pecados a quem retiverdes, ser-lhes-ão retidos. Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles, quando veio Jesus. Disseram-lhe, pois, os outros discípulos: Vimos o Senhor" Ele, porém, lhes disse: Se eu não vir em suas mãos o sinal dos cravos, se não introduzir o meu dedo no lugar dos cravos, e se mão meter minha mão em seu lado, não acreditarei. Oito dias depois, estavam os discípulos de Jesus outra vez no mesmo lugar e Tomé com eles. Veio Jesus, , estando as portas fechadas. E pondo-se no meio deles, disse: A paz esteja convosco! Depois disse a Tomé: Coloca aqui o teu dedo, o vê as minhas mãos; chega também a tua mão e mete-a em meu lado; não sejas incrédulo, mas fiel. Respondeu Tomé e disse-Lhe: Meu Senhor e meu Deus! Disse-lhe Jesus: Tu creste, ó Tomé, porque viste; bem-aventurados os que não viram e, creram; Jesus fez ainda, em presença dos discípulos muitos outros milagres, que não foram escritos neste livro. Estes, porém foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus; e para que, crendo, tenhais a vida em seu Nome."


Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!

  Quantos assuntos de meditação nos oferece o Santo Evangelho de hoje: A Bondade e Misericórdia do Coração de Jesus, a paz, a fé, o Sacramento da Penitência! 

   Com a graça de Deus vamos falar sobre a Misericórdia. Como são assuntos que se entrelaçam, falaremos  de passagem também sobre os demais. 

   Caríssimos, a Misericórdia divina é infinita. Deus não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e tenha a vida eterna. Deus espera com paciência o pecador; vai a procura dele com toda solicitude; e recebe com toda alegria o pecador arrependido.  Os Apóstolos estavam sem paz: haviam pecado, abandonado o Mestre, estavam fechados numa casa com medo dos judeus. Jesus ressuscitado lhes aparece. Suas primeiras palavras não foram de repreensão, foram de paz: A paz esteja convosco! Como Jesus é bom!. A paz é um dom tão precioso que sobrepuja todo entendimento humano. Jesus quer que seus discípulos tenham a paz e dá a eles o poder de transmiti-la a todos os pecadores arrependidos: dá-lhes o poder de perdoar os pecados. É o tribunal da misericórdia em que o próprio réu se acusa, mas para ser perdoado. Caríssimos, é o sangue de Jesus Cristo que banha e lava a nossa alma. Não vemos, mas tenhamos fé: "A quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados". Façamos um profundo ato de fé: Deus ama-nos com amor infinito, distinto, imutável, se não me afasto d'Ele por um ato consciente de minha livre vontade, como infelizmente fez Judas Iscariotes. Este infeliz apóstolo até se arrependeu, mas não confiou na bondade do Coração de Jesus.

   Ensina a fé que Deus é misericórdia e que por esse motivo se inclina com tanto mais amor para nós quanto mais reconhecermos as nossas misérias: porque a miséria atrai a misericórdia. Invocá-Lo com confiança, é afinal honrá-Lo, é proclamar que Ele é a fonte de todos os bens e nada tanto deseja como conceder-no-los. É por isso que na Sagrada Escritura nos declara vezes sem conta que defere as súplicas dos que esperam n'Ele: "Porque esperou em mim, livrá-lo-ei; protegê-lo-ei, porque conheceu o meu nome" (Sl. XC, 14). Nosso Senhor Jesus Cristo convida-nos a orar com confiança; e, para inculcar esta disposição, recorre não somente às exortações mais insistentes, mas ainda às parábolas mais comovedoras. Ele possui o mais perfeito coração humano, o mais terno, o mais amante, o mais desejoso de praticar o bem, o mais sensível ao esquecimento e à ingratidão. Quando Jesus Cristo pode encontrar uma alma completamente confiante n'Ele e convencida de sua própria miséria, não há maravilhas que não opere nela.

   Quando o sentimento de nossas misérias nos inquietar, meditemos estas palavras de São Vicente de Paulo: "Representais-me as vossas misérias. E quem não se encontra, infelizmente, cheio delas? Tudo está em as conhecer e amar a abjeção que as acompanha, como vós fazeis, sem se deter mais que para nelas estabelecer o fundamento bem firme duma grande confiança em Deus; porque então o edifício levanta-se sobre rocha, de sorte que, ao rugir a tempestade, fica imóvel".  Na verdade, as nossas misérias atraem, efetivamente, a misericórdia divina, quando a invocamos com humildade, e não fazem senão pôr-nos na melhor disposição para recebermos as graças divinas. São Vicente acrescentava que, quando Deus começou a fazer bem a uma criatura, não cessa de lho continuar a fazer até o fim, se ela se não torna excessivamente indigna dele. Assim, as misericórdias passadas são penhor das futuras.

   Eterno Pai, eu Vos ofereço o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade de Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, em expiação dos nossos pecados e dos do mundo inteiro; pela Sua dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro. Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós e do mundo inteiro. Meu Jesus, misericórdia! Jesus, eu confio em Vós! Amém!

sábado, 18 de abril de 2020

COVID-19 E DEPRESSÃO




Com tantas mortes, temores e apreensões em virtude deste novo corona vírus, o Covid-19, a depressão pode se tornar mais frequente e mais forte na sociedade atual.

Não é meu intento falar de depressão econômica. Aliás, o Brasil está muito bem servido no ministério da economia com Paulo Guedes. Quero falar da depressão no campo da Teologia Ascética. Na verdade, as Sagradas Escrituras, como é óbvio, não falam especificamente de depressão; mas o Divino Espírito Santo inspirou na Bíblia muitos textos atinentes à tristeza. O que é dito a este respeito, se aplica à depressão, apenas  se fazendo necessários alguns ajustes em pontuais casos.

"A tristeza tem matado a muitos e não há utilidade nela" diz o Eclesiástico XXX, 25. O Eclesiastes VII, 5, no entanto diz: "O coração dos sábios está onde se encontra a tristeza e o coração dos insensatos onde se encontra a alegria". S. Paulo dá a razão desta aparente contradição. Mostra que há uma tristeza boa e uma má tristeza; o mesmo acontecendo com a alegria.  Eis o texto do Apóstolo dos gentios: "A tristeza, que é segundo Deus, produz uma penitência estável para a salvação, embora a tristeza do século produza a morte" (1 Cor. VII, 10). Foi esta tristeza segundo Deus, que levou Davi a regar seu leito com lágrimas todas as noites" (Cf. Salmo 6, 7). Foi esta tristeza mortal que acometeu a alma de Jesus no Getsêmani, oprimido pelo peso dos nossos pecados.

A tristeza que sentimos pelas mortes dos parentes e demais entes queridos ou mesmo de qualquer outra pessoa como vem acontecendo no mundo  pelo Covid-19, esta tristeza, digo, é justa. Deus é que fez assim o nosso coração. É natural. O próprio Jesus chorou diante do túmulo de seu amigo Lázaro; e vendo isto o povo presente exclamou: "Vede como ele o amava!" Caríssimos, porém, esta tristeza justa, para ser boa, é necessário que seja acompanhada de esperança e de conformidade com a santíssima vontade de Deus. É o que ensina S. Paulo falando aos Tessalonicenses: "Mas, não queremos, irmãos que estejais na ignorância acerca dos que dormem (morrem), para que não vos entristeçais com o outros (os pagãos), que não têm esperança" (1 Tessal. IV, 12). E justamente aí está o segredo para se evitar que esta tristeza leve à depressão: conformidade com a vontade de Deus e a esperança de nos encontrarmos novamente e para sempre no Céu. O que se faz necessário é que salvemos nossa alma, e, para tanto devemos fazer em tudo a santíssima vontade de Deus.

O remédio espiritual, pois, para as calamidades no mundo são a conformidade com a vontade de Deus e a fé na vida eterna com a esperança da ressurreição no final dos séculos. A fé é acompanhada da esperança e aperfeiçoada pela caridade, isto é, amor de Deus e amor do próximo. A fé dá-nos a convicção de que Deus governa tudo, a um tempo, com força e suavidade. Pois Ele é Onipotente e é a própria Bondade. Jesus disse que não cai um cabelo de nossa cabeça sem permissão de Deus. E S. Paulo diz: "Para aqueles que amam a Deus tudo concorre para o bem". Assim sendo, é necessário que, embora sintamos as calamidades públicas (como é o caso do Covid-19) e nos pese do mal e sofrimentos dos nossos próximos, porém, por outra parte, considerando estas calamidades enquanto são vontade de Deus e ordenadas por seus justos juízos para Sua infinita Sabedoria tirar deles bens, nos podemos conformar com Sua santíssima vontade. É o que Nosso Senhor Jesus Cristo ensina-nos a pedir no Pai-Nosso: "seja feita vossa vontade, assim na terra como no Céu". Na verdade, no Céu os santos se conformam com a vontade de Deus em todas as coisas, porque em todas elas vêem a ordem da Bondade e Justiça divinas. Assim devemos fazer nós aqui na terra.

É justamente esta conformidade com a vontade divina que suaviza  nossas dores. Vede o santo varão Jó: como sofreu! E que disse depois de perder seus bens, seus filhos e ficar leproso: "Deus me deu, Deus me tirou, o que foi de sua vontade foi feito, seja sempre bendito o seu nome". Assim temos pela fé e confiança inabaláveis que de nosso Pai do Céu através de qualquer calamidade, nos virá algum bem maior. Lembrando, no entanto, que, em última análise, o nosso bem maior é a salvação de nossa alma.

A esperança na ressurreição futura, outrossim, é, como ensina S. Paulo, o nosso consolo nas lágrimas que derramamos na morte de nossos entes queridos. Se, a exemplo de Jesus e por seu amor, levarmos a nossa cruz conformando sempre a nossa vontade com a vontade de Deus expressa nos mandamentos e nos nossos deveres de estado e mostrada também nos acontecimentos adversos, temos esperança inquebrantável de que, seremos ressuscitados brilhantes como o sol nos dia do Juízo Final.

Eis alguns remédios que S. Francisco de Sales nos prescreve em caso de tristeza: "Se fores algum dia, Filotéia, acabrunhada por essa má tristeza, lembra-te destas regras: "Se alguém de vós está triste, diz S. Tiago, pois que ele reze". E, com efeito, a oração é um remédio salutar contra a tristeza porque eleva o nosso espírito a Deus, que é a nossa alegria e consolação (...). "Consola-te com algum canto espiritual; muitas vezes têm eles servido para interromper o curso das operações do espírito maligno; sirva de  exemplo Saul, a quem Davi, com os suaves acordes de sua harpa, livrou do demônio, que o assediava ou possuía. Será bom ocupar-se com alguma ocupação exterior e variar de ocupações, seja para subtrair a alma aos objetos que a entristecem, seja para purificar e aquecer o sangue e os humores; porque a tristeza é uma paixão de natureza fria e seca (... ). Enfim, resigna-te à vontade de Deus, preparando-te a sofrer com paciência essa tristeza enfadonha como um justo castigo de tuas vãs alegrias e não duvides que Deus, depois de ter provado o teu coração, te venha em auxílio" (Filotéia, parte IV, c. XII).

Caríssimos, quando nos virmos a braços com as aflições, como na atualidade com o Covid-19  se alastrando no mundo e ceifando milhares de vidas, voltemo-nos para Jesus. Vamos expor a Ele a nossa dor. Refugiemo-nos em Seu Sacratíssimo Coração. Não deixemos, pois, que as tribulações, as tristezas nos levem à depressão. Conservemos a tranquilidade e a paz, aquela paz que só Deus nos pode dar pela Sua presença em nosso coração. Amém!

sexta-feira, 17 de abril de 2020

COVID-19 E PENSAMENTOS CONSOLADORES DE S. FRANCISCO DE SALES



Na triste conjuntura do Covid-19 com milhões de óbitos em redor do orbe, pensei em trazer aos aflitos alguns pensamentos consoladores, pensamentos estes extraídos das obras de do S. Francisco de Sales. Na verdade, nos livros do santo da mansidão tudo é consolador e amável. "Ninguém sabe como ele, dizia Bossuet, erguer uma alma prostrada, inerte, e animá-la , fortalecê-la, conduzi-la suavemente".

Mas, vamos aos pensamentos consoladores nas doenças e na morte (extraídos do "Livro Pensamentos Consoladores de S. Francisco de Sales", pelo Padre Huguet S.M. :

Quando estiverdes doentes, oferecei as vossas dores, angústias e penas ao Senhor, suplicando-Lhe que as una aos tormentos que Ele por nós sofreu. Obedecei ao médico; tomai os remédios e os alimentos por amor de Deus, lembrando-vos do fel que Ele tomou por nosso amor; desejai sarar para o servir.

Muitas vezes acontecem-nos estes males, para que, como não fazemos penitências voluntárias pelos nossos pecados, façamos as obrigatórias. Apliquemos contudo às enfermidades os remédios convenientes, mas com uma tal resignação que, se a divina mão de Deus os vencer, nos resignemos, e se eles forem eficazes façamos o mesmo. Oh! meu Deus! quanto é bom viver só para Vós, não trabalhar senão para Vós e não nos regozijarmos senão em Vós!

Consolai-vos pensando que é Deus que vos envia as cruzes; porque nada sai desta divina mão que não seja para utilidade das almas que o temem ou para purificar e firmá-las no seu santo amor.

As penas consideradas em si mesmas não podem amar-se; mas consideradas na sua origem, isto é, na providência e vontade divina que as ordena, são infinitamente amáveis. Vede a vara de Moisés estendida, é um serpente terrível, vede-a na mão de Moisés, é uma vara miraculosa. Considerai as tribulações em si mesmas, são insuportáveis; considerai-as na vontade de Deus, são amores e delícias.

As roseiras espirituais não são como as corporais; nestas os espinhos ficam e as rosas caem; naquelas vão-se os espinhos e ficam as rosas.

Nenhum perigo há em desejarmos o remédio; pelo contrário, convém termos o cuidado em procurá-lo, porque Deus é o autor dos remédios.

Julgai se deveis chorar o tempo em que estivestes ralado pelo sofrimento, pois que em um só destes momentos podeis adquirir uma coroa de glória imortal.

O único remédio para a maior parte das nossas doenças espirituais e corporais é a paciência e conformidade com a vontade de Deus.

Adorai do vosso leito a Jesus Cristo no altar e contentai-vos com isso. Daniel, não podendo ir ao templo, virava-se para esse lado para adorar a Deus; fazei o mesmo.

Se não podeis rezar muitas orações durante a vossa doença, ou de vosso marido (esposa ou filho) fazei com que a doença seja uma contínua oração.

Aspirai a Deus por curtos, mas ardentes suspiros do coração; admirai a sua beleza; invocai o seu auxílio; adorai a sua bondade; entregai-Lhe a vossa alma mil vezes por dia; fixai a vossa vista interior no seu palácio; estendei-lhe a mão como uma criancinha a seu pai, para que ele vos guie.

Enquanto estiverdes doente, usai duma meditação regulada; porque suportar os açoites de Nosso Senhor não é menos meritório do que meditar; porque é melhor estar com Jesus Cristo na cruz do que meditá-Lo na oração. Ponde-vos aí na presença de Deus e sofrei aí as vossas dores.

O sofrimento é a mais digna oferenda que podemos dar a quem nos salvou sofrendo.

Não vos inquieteis por não poderdes servir a Deus a vosso gosto; porque sujeitando-vos aos incômodos, servi-Lo-eis ao seu gosto, que vale mais do que o vosso. Seja Ele sempre bendito e glorificado.

Queixai-vos a Deus, com o espírito filial como uma criança à sua mãe; porque sendo com amor, não há perigo em nos queixarmos, nem em pedirmos a saúde, nem em mudarmos de lugar, nem em pedirmos alívio; convém só que façais isto com resignação e amor nos braços da santíssima vontade de Deus.

Suponho que a melancolia servir-vos-á da vossa indisposição para vos entristecer ainda mais e que vendo-vos triste vos inquietareis; mas não o façais, eu vo-lo peço. Se estais pesado, triste e melancólico, não deixeis por isso de estar em paz, e embora penseis que tudo o que fazeis é sem gosto, sem sentimento e sem força, não deixeis por isso de abraçar a Nosso Senhor Crucificado e de Lhe entregar o vosso coração e de Lhe consagrardes o espírito com os afetos lânguidos como estão.


Ou lânguidos ou vivos, ou moribundos, pertencemos a Deus e nada nos separará do seu amor tendo a sua graça. Nunca o nosso coração terá vida senão n'Ele e por Ele; se será sempre o Deus do nosso coração.

As noites são dias, quando Deus permanece em nosso coração, e os dias são noites quando Ele lá não está.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

O SINAL DA RESSURREIÇÃO

  O SINAL DA RESSURREIÇÃO


                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*

A Páscoa, maior festa do calendário cristão, é a celebração da gloriosa Ressurreição de Jesus Cristo, a sua vitória sobre o pecado, sobre a morte e sobre a aparente derrota da Cruz. Cristo ressuscitou glorioso para nunca mais morrer, dando-nos o penhor da nossa vitória e da nossa ressurreição. A Páscoa é a festa da alegria e da esperança na vitória futura. 
Mesmo tendo sido profetizada por Jesus em diversas ocasiões, como sendo o maior de todas os sinais da sua divindade, os Apóstolos demoraram a crer nela. Eles estavam apavorados com a prisão, o julgamento, a paixão e a morte de Jesus, seu Mestre, e com medo de que o mesmo poderia acontecer com eles. A suposição de que eles poderiam roubar o corpo de Jesus é completamente sem fundamento. Os inimigos de Jesus, fariseus e chefes religiosos, sabiam que ele profetizara sua ressurreição no terceiro dia. Por isso foram a Pilatos e pediram que mandasse soldados guardar com segurança o sepulcro de Jesus, o que foi feito: “puseram em segurança o sepulcro, lacrando a pedra e colocando a guarda” (Mt 27, 66). O fato da ressurreição de Jesus não foi algo inventado pelos Apóstolos, eles mesmos incrédulos e temerosos. Só foram convencidos quando foram ao sepulcro e o encontraram vazio, conforme relataram as santas mulheres, que lá foram primeiro para terminar a unção de seu corpo. Foram convencidos mais ainda quando o Senhor lhes apareceu, mostrou-lhes as chagas e comeu com eles no Cenáculo. Tomé, representando a incredulidade de muitos, só acreditou depois que Jesus lhe fez colocar a mão nas suas chagas e penetrar no seu lado aberto pela lança.
Além disso, o próprio Sudário, o lençol que envolveu o corpo do Senhor e com o qual foi sepultado, que guardou misteriosamente a imagem dele e dos seus sofrimentos, ficou no sepulcro, quando Jesus ressuscitou. Era natural que, se alguém tivesse roubado o corpo, o teria levado envolto no lençol.
Ademais, “se se considera a importância que tem o sábado na tradição do Antigo Testamento, baseada no relato da criação e no Decálogo, torna-se evidente que só um acontecimento com uma força extraordinária poderia provocar a renúncia ao sábado e sua substituição pelo primeiro dia da semana. Só um acontecimento que se tivesse gravado nas almas com uma força fora do comum poderia haver suscitado uma mudança tão crucial na cultura religiosa da semana... Para mim, a celebração do Dia do Senhor, que distingue a comunidade cristã desde o princípio, é uma das provas mais fortes de que aconteceu uma coisa extraordinária nesse dia: o descobrimento do sepulcro vazio e o encontro com o Senhor Ressuscitado” (Bento XVI – Jesus de Nazaré II). Este fato extraordinário foi a base da pregação dos Apóstolos. Para testemunhar a verdade da Ressurreição de Jesus, os Apóstolos e mártires de todas as idades deram o seu sangue e a sua vida.
            Feliz Páscoa para todos: fiquemos alegres com a esperança que Jesus Cristo nos dá com o seu triunfo, penhor da nossa vitória no Céu, onde todos esperamos nos encontrar.

                                                                  *Bispo da Administração Apostólica Pessoal

                                                                         São João Maria Vianney

segunda-feira, 13 de abril de 2020

COVID-19 E OS 3 NOVÍSSIMOS


"Conduzi-la-ei à soledade e lhe falarei ao coração" (Oséias II, 14).

Devemos aproveitar este isolamento social forçado pelo Covid-19 para fazermos algumas reflexões. Porque, na verdade, o homem, e hoje mais do que nunca, vive habitualmente mergulhado numa atmosfera de fascinação por bagatelas e por erros. Eis o que diz o Divino Espírito Santo: "A fascinação das frivolidades escurece o bem" (Sab. IV, 12).

Não teria dúvida em colocar já de frente a fascinação dos políticos. A corrida, "per fas et per nefas", pelos votos para se elegerem e ganhar dinheiro com mais facilidade e, pior ainda, para muitos (com honrosas exceções) afim de terem maior facilidade de roubar da nação. Não é por acaso que estes tais querem acabar com a abençoada Lava Jato.

 Ademais devemos enumerar mais algumas destas bagatelas: as preocupações materiais, os costumes do mundo, as exigências do corretamente político, o luxo, as modas e mil outros agentes que absorvem a atenção, de modo que os homens a custo chegam a conjecturar que, além do presente, existe um outro mundo, o da ETERNIDADE. E, no entanto, como diz a Bíblia, "o homem irá para a casa de sua eternidade" (Eclesiastes, XII, 5).

E almas que pareciam piedosas, estão sendo levadas para o mesma trilha dos mundanos, embora através de coisas aparentemente insignificantes, como por exemplo: o respeito humano, o afeto por demais sensível a uma pessoa, a um objeto; o enredo das ocupações, as pequenas invejas, a inconstância de caráter, o espírito de crítica, a preocupação em bisbilhotar a vida dos outros, enfim mil pretensões, etc. Todas estas coisas e outras semelhantes distraem as melhores almas da única coisa verdadeiramente necessária: a salvação da alma. A vida de um cristão é a vida de Jesus; mas o Divino Salvador não poderá ocupar uma alma absorvida e dissipada pelo exterior. Assim sendo, quer para os mundanos, quer para os cristãos piedosos (aqueles para que acordem, estes para que não durmam) torna-se necessário fazer contínuas e profundas reflexões sobre o que a vida tem de sério e sobre aquilo que vem depois dela. E o conselho é dado pelo próprio Espírito Santo, conselho este, que neste artigo, pela graça de Deus, procuro seguir: "Lembra-te dos teus novíssimos e nunca jamais pecarás" (Eclesiástico VII, 40). Se alguém, "quod Deus avertat", quiser assumir a atitude da avestruz, sinto muito, mas nada poderei fazer. Ao menos terei cumprido a minha missão.

Vamos, então, à meditação... As três coisas que acontecerão por último a cada um de nós são: a morte, o juízo e a eternidade (a feliz no Céu ou a infeliz no Inferno).

A vida do homem comparada à eternidade não é mais que um instante. É breve o tempo do homem na terra. Quem já tiver vivido 60 anos (já no grupo de risco do Covid-19) poderá julgar o quão depressa passaram estes anos. Voaram. E no entanto, com quase total certeza, estas pessoas já têm menos futuro que passado. Como diz s Sagrada Escritura em Sabedoria XI, 23: "O mundo inteiro é diante de ti (ó Senhor) como um pequeno grão na balança, e como uma gota de orvalho que cai na terra antes da aurora".

Todos as pessoas que tão avidamente procuram o lucro e o prazer, e os povos mesmo que tanto se encarniçam para conquistarem um predomínio no mundo, são menos que um grupo de formigas a disputarem a posse de um pedaço de folha seca. Diz ainda o Salmo 89, 9: "Os nossos anos serão considerados como um teia de aranha".  Coitadinha da aranha, passa a noite tirando de sua substância os fios de sua teia; chega a manhã a dona da casa, com uma vassourada a desfaz e mata a aranha. Assim, os mundanos, os avarentos, consomem a sua vida na procura do dinheiro e dos prazeres durante a noite de sua existência (que, para muitos é realmente uma noite, pois, nas trevas do pecado) e, de repente, chega a morte com sua gadanha e destrói tudo. Na verdade, caríssimos, o mal não é morrer, mas sim morrer mal. Que a própria morte nos ensine a viver bem! Façamos agora o que gostaríamos de ter feito durante a vida quando esta estiver a acabar. Caríssimos, só Jesus pode ajudar-te para além do morte, só Ele é fiel até ao fim.

A morte é a porta que se abre para a eternidade. Por ela saímos de um mundo conhecido, para um desconhecido, de um que dura pouco para um que nunca acabará. Em se tratando, portanto, da eternidade, todo cuidado é pouco. 

Mas o mais terrível é o que vem logo após a alma sair do corpo; o juízo particular.  Diz S. Paulo em Hebreus X, 31: "É coisa horrenda cair nas mãos de Deus vivo". É óbvio que o Apóstolo fala dos inimigos da cruz de Cristo. Santa Teresa d'Ávila exclamava: "Como será agradável ser julgada pelo melhor dos amigos!".

Mal o Juíz (Jesus Cristo) se apresentar, a alma verá à luz da mais viva claridade, toda a sua vida na infinidade dos pormenores que ela teve. Oh! o primeiro encontro com Jesus e Seu primeiro olhar. Logo depois da tríplice negação de Pedro, Jesus olhou para ele. O Apóstolo saiu dali e chorou amargamente! O que não deverei eu agora fazer para que nesse momento do juízo o olhar de Jesus, o seu primeiro olhar me seja benévolo. Até de uma palavra ociosa terei que dar contas. Mas também receberei o galardão mesmo por um copo d'água que eu tiver dado a alguém por amor a Jesus. Por fim será dada a sentença. Para os pecadores, a sentença será logo seguida do inferno.

O inferno é a privação de Deus, do Bem Supremo, a privação de todo o bem, de tudo aquilo de que a alma tem fome e sede e, portanto, é a acumulação de todos os males. O inferno é a obstinação no mal, que nem o remorso dilacerante é capaz de sanar; é a inveja, a raiva, o desespero. "Vai, maldito, para o fogo eterno" dirá Jesus ao condenado.Cada sentido sentirá eternamente o seu castigo conforme a gravidade e o número dos pecados. O inferno é a sociedade dos demônios e de tudo o que a terra produziu de mais criminoso, de mais cruel, de mais vil, de mais abominável. E por toda a eternidade. 

Para os justos, o Juízo será logo seguido do Céu.
O Céu é a posse eterna do Bem Supremo; é a plenitude do gozo desse bem infinito, substancial; é a acumulação de tudo o que pode fazer o homem feliz. O Céu são as delícias inefáveis dos sentidos, é a recompensa de cada pequeno sacrifício, de cada ato de virtude. O Céu, são as delícias do coração, abismado num oceano de amor. É a companhia de Jesus, nosso irmão e maior amigo, é a companhia dos anjos, de Nossa Senhora, Mãe de Jesus. Enfim, é a sociedade de tudo o que há de mais puro, de mais santo; de mais amante, de mais amável: dos parentes e amigos desta terra. É toda a família de Deus reunida na Sua Casa. E como será esta casa? S. Paulo viu-a e voltando à terra só pode exclamar: "Olho jamais viu, ouvido jamais ouviu, jamais penetrou no coração do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam" (1 Cor. II, 9).

Quero pertencer a Jesus para sempre! Desapareça da minha vista o mundo com suas pompas, riquezas e vaidades! Oh! Jesus, eu vos amo! Quero amar-vos sem limite! Entrego-me à Vossa Bondade, ao Vosso amor! Ó Maria, também vos amo porque o Pai vos preparou para ser a esposa do Espírito Santo e a Mãe de Jesus. Vós trouxeste-nos Jesus, levai-nos a Ele. Amém!

domingo, 12 de abril de 2020

SANTA PÁSCOA

SERMÃO DA RESSURREIÇÃO

Surrexit, alleluia!  Ressuscitou, aleluia!

   Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo! 

   Uma Feliz e Santa Páscoa a todos!

   Pelas três horas da tarde, na sexta-feira Santa, estando tudo consumado, inclinando a cabeça Jesus rendeu o espírito. Suspenso entre o céu e a terra Jesus estava realmente morto. A obra ímpia dos filhos das trevas estava consumada. O Salvador do mundo tinha exalado o último suspiro. Seu corpo, descido da cruz, tinha sido colocado num sepulcro. Os fariseus triunfavam. Viram a seus pés o cadáver ensanguentado e inânime de Jesus a quem tanto odiavam. Nos arraiais dos escribas e fariseus a alegria era geral, embora mesclada de um certo temor. Pois Jesus tinha ressuscitado o jovem de Naim, a filha de Jairo e Lázaro. E isso agora pouco importaria se Jesus não tivesse também predito sua própria ressurreição: "Ao terceiro dia o Filho do Homem ressurgirá". Sua desconfiança, portanto, não era de todo infundada. Impunha-se máxima cautela.
   Antes prevenir que remediar. Cuidadosos, fariseus e escribas puseram guardas em redor do túmulo. Selaram a tampa com o selo da nação. Deixaram ordens severas ao pelotão dos soldados. Retiraram-se satisfeitos. 
  Vede homens cegos e insensatos, quereis ligar o Verbo Eterno. Credes selar para todo sempre nas entranhas da terra a Religião de Cristo!?
 Três dias depois, era de madrugada. As estrelas iam desmaiando uma após outra na cúpula celeste. Meigos clarões de uma linda aurora purpurizavam as nuvens. Os passarinhos começavam a pipilar nos arbustos. O sol não tardaria a dourar os píncaros do Calvário.
    E eis que a terra treme, a pedra sepulcral é retirada, os guardas caem por terra como mortos. Jesus Cristo sai glorioso do túmulo. Surrexit! Ressuscitou! Sua alma pelo poder da divindade unira-se de novo ao  corpo, o qual se levanta majestoso, saindo triunfante do sepulcro. Surrexit! Alleluia! Ressuscitou! Aleluia! Que palavra!!! meus irmãos!!! Vinte séculos são passados que ela se fez ouvir pela primeira vez sobre um túmulo vazio. Um anjo a disse a algumas mulheres, estas a alguns discípulos e estes a toda Jerusalém. De Jerusalém ela passou pelas nações e percorreu rapidamente a terra inteira. E sob a ação desta palavra tudo se muda: o velho mundo desmorona-se, os velhos costumes caem-se, um mundo novo se eleva, novos costumes florescem. A humanidade regenerada sente um sangue novo circular em suas veias. 
    Surrexit! Ressuscitou! E depois, cada ano, num dia marcado a Igreja repete esta palavra. Ela a canta em seus cânticos. Ela a diz em suas orações. Ela a proclama em seus ensinamentos. Ela a lança com entusiasmo nas abóbodas de seus templos. E os ecos sagrados, a voz dos fiéis e os instrumentos religiosos a repetem: Surrexit! Ressuscitou! Alleluia, Alleluia! A esta palavra o gozo renasce em todos os corações, a felicidade se pinta em todos os olhares, o luto da Santa Quaresma desaparece. Os altares se cobrem de flores, os sacerdotes entoam novamente seus cânticos de alegria. Alleluia! Repicam os sinos nos céus de primavera em cada ângulo do mundo, sob todas as latitudes!!!

   Mas, caríssimos e amados irmãos, por que este gozo universal? É porque a Ressurreição de Jesus Cristo é a pedra angular do Cristianismo. Jesus ressuscitou! Tudo está aí contido: Dogma, Culto, Moral. Se Jesus Cristo ressuscitou, nossa fé é certa, nossa esperança é segura, nossa Religião é divina. 

   Mas não é este o único motivo de nossa alegria e extraordinário júbilo neste santo dia: A Ressurreição de Jesus Cristo é também o penhor e ao mesmo tempo o modelo de nossa ressurreição futura. E este pensamento leva ao auge a nossa felicidade. Jesus Cristo ressuscitou, logo nós ressuscitaremos também e nas mesmas condições e com a mesma glória, é claro, segundo nossa medida limitada de  puras criaturas. Assim, que a nossa carne se desfaça no pó do qual veio, nós não nos inquietaremos. Um dia ela se elevará deste mesmo pó cheia de vida e gloriosa. O próprio Jesus garantiu que os justos brilharão como o sol. 

   Jesus Cristo pôde ressuscitar a Si mesmo, Ele poderá ressuscitar também a nós. Nenhuma voz mortal, nenhuma voz divina, nenhum profeta, anjo algum Lhe disse: Levantai-Vos. Nenhuma mão estranha desligou as faixas que prendiam seu sudário. Só, no silêncio da noite rompeu as portas da morte, sozinho a abateu e venceu. Ora, o que Ele pôde para Si, não poderá para nós? Nossa carne não é porventura da mesma natureza que a Sua? Nosso corpo não é semelhante ao seu Corpo? Não disse Ele: "Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim e Eu nele; e Eu o ressuscitarei no último dia? 
   Depois, Jesus mesmo prometeu: " Eu sou a Ressurreição e a Vida. O que crê em mim, ainda mesmo que tenha morrido, viverá e todo homem que vive e crê em mim não morrerá para sempre".

   São Paulo exclama: "Si compatimur ut et conglorificemur". Se sofremos com Cristo para que com Ele sejamos igualmente glorificados". Jesus Cristo é a nossa Cabeça e nós somos seus membros. Nossas mãos como as de Jesus devem distribuir benefícios sobre os homens; nossos pés, a exemplo dos Seus, devem correr a procura de nossos irmãos que se extraviaram. Nosso corpo todo inteiro como nossa alma deve se entregar às obras de piedade e de misericórdia. Pois bem, este corpo assim oferecido em vítima para a glória de Deus e ao bem das almas, estas mãos que tantas vezes depositaram o bálsamo nas chagas dos feridos, estes pés que levaram a consolação e a esperança nos tugúrios dos pobres e dos infelizes; estes pés tão belos que levaram o Evangelho às nações bárbaras; estes pés e estas mãos, este corpo, serão então para sempre cinza e pó e, depois de ter participado dos trabalhos do Corpo Mistico de Jesus Cristo, eles também não participarão da Sua glória? 

   Tanto no pensamento do grande Apóstolo como no pensamento de todos os cristãos, o dogma de nossa ressurreição futura está estreitamente ligado ao dogma da Ressurreição de Jesus Cristo. Um é a consequência rigorosa, necessária do outro.

   Mas a Ressurreição de Jesus Cristo não é somente o penhor de nossa ressurreição. Ela é também o modelo da nossa.
    Jesus sai do túmulo, inteiramente outro. Sai com seu corpo revestido com todos os dotes de um corpo glorioso. Não mais sujeito à dor, à enfermidade, à morte. Seu corpo ressuscitado é ligeiro como o espírito, penetrável, entrará no Cenáculo estando as portas fechadas. Todo ele revestido de glória e resplendente de luz, deslumbrará seus discípulos por aparições inesperadas. Ora, caríssimos irmãos, todas estas qualidades constituirão os dotes dos nossos corpos ressuscitados. Não haverá mais lugar para a morte. Esta foi tragada na vitória de Cristo. Nossos corpos terão por abrigo as abóbodas celestes, por vestes a luz deslumbrante do paraíso; por alimento, a eterna vista e eterna posse de Deus. 

   Alleluia! Alleluia! Regozija-te, portanto, ó minha carne no dia da Ressurreição de Jesus! Este dia é o anúncio de tua regeneração e de teu triunfo. Este dia é verdadeiramente o dia que fez o Senhor. Nossa alma está na alegria, nosso corpo cheio de esperança!
   Não! Não! a separação de minha alma e de meu corpo não será eterna. Estes dois seres, tão longo tempo e tão estreitamente unidos se reunirão um dia. Quando a alma se separar com tanta pena do corpo que ela anima, o adeus que ela lhe diz não é um adeus sem esperança. Eles se tornarão a ver, se reencontrarão um dia. Ao som de trombeta angélica a alma acorrerá sobre este túmulo onde repousa seu mortal invólucro. Ela chamará seu companheiro bem amado; e a esta voz conhecida, o corpo se levantará do pó e se unirá em fraternais amplexos a alma, sua cara companheira. 

   Eis, caríssimos irmãos, o que a solenidade deste dia nos anuncia. Jesus Cristo saindo radioso do túmulo nos diz: Vede-Me. O que Eu sou, vós sereis um dia. Aleluia! Aleluia!

   Uma mãe, a quem havia pouco, tinham morrido dois filhos, ouviu falar do juízo final e da ressurreição da carne.  - "Portanto - dizia ela extasiada - meus dois filhos eu os verei ainda, ainda poderei acariciá-los. Ver-lhes-ei os seus rostos, beijá-los-ei ainda; porém, não mais chorando, como os beijei, frios, frios, antes de os recompor no caixão. Mas quando será? "Quando as trombetas dos anjos soarem a hora do juízo final!"
   E quase impaciente por tornar a ver seus filhos, aquela mãe disse: "E por que não é amanhã este dia?"

   Caríssimos irmãos! Quem é que não chora algum parente defunto! Talvez sua mãe, talvez um irmão, talvez o esposo? Quantas vezes não vos assaltou um desejo veemente de lhes rever as feições, de olhar nos olhos tristes, de tornar a ouvir-lhes a voz qual a ouvíamos em horas felizes?
   Pois bem! O mistério da Páscoa dá-nos um grande consolo. Revê-lo-emos, tornaremos a ver não só os seus espíritos mas também os seus corpos gloriosos; revê-lo-emos como os havemos conhecido e amado na terra.

   Os santos sorriam na hora da morte. E tinham razão. Para o cristão que procura imitar a Cristo, a morte não passa de uma breve separação entre a alma e o corpo. É a alma que saúda seu corpo: Até breve irmão, combatemos juntos, estás cansado, deixo-te repousar. Depois de teu breve sono, ao soar da trombeta angélica, voltarei para te retomar, mas para gozares sempre, sem mais te cansares. 

   Ressurgiremos! Este é o grito de Jó: "Sei que o meu Redentor vive. Mas também sei que no último dia eu também ressurgirei para O ver com estes meus olhos!"

   Preparemo-nos, caríssimos irmãos, para a gloriosa ressurreição dos corpos, ressurgindo do pecado e da tibieza.
   Se caímos em algum pecado, comecemos tudo de novo. Confessemo-lo arrependidos.

   O rei Felipe II de Espanha velou uma noite inteira para escrever ao Papa uma carta de suma importância. Quando acabou, distraído pela fadiga e pelo sono, em vez de derramar nela a areia para enxugar; derramou a tinta. Felipe II empalideceu, mas depois recolhendo a sua coragem disse: "Comecemos de novo".
   Oh! Se na nossa vida tem havido momentos de sono e distração em que havemos derramado a tinta dos pecados na nossa alma, hoje que é Páscoa, é justamente o momento oportuno de dizermos: Comecemos de novo! Amém! Assim seja!

sábado, 11 de abril de 2020

COVID-19 E TRIBULAÇÕES



"Eles, vendo-se na sua tribulação, dar-se-ão pressa a recorrer a mim. Vinde (dirão), e voltemos para o Senhor" (Oséias VI, 1). 

Caríssimos, o novo vírus Corona, o Covid-19 está trazendo, praticamente para o mundo todo, grandes tribulações: lutos pelos milhares de óbitos, lágrimas, temores, crise econômica com desempregos e por conseguinte misérias e fomes para muitos.

Se não fosse o pecado o homem não teria que sofrer e nem passar pela morte. Deus criou nossos primeiros pais na justiça original e deu-lhes (o que seria também para todos os seus descendentes) uma total imunidade. Mas, veio o pecado e com ele entraram no mundo os sofrimentos e a morte. Deus, como já havia prevenido a Adão e Eva, retirou essa lei preservativa, e agora castiga, porém como pai, isto é, não pelo prazer de ver sofrer, mas pela felicidade que tem em realizar a cura tal como um pai vê o médico dilacerar as carnes inocentes de seu filho, animoso com a esperança de o ver recobrar a saúde. A este respeito, eis o que diz a Sagrada Escritura: "... Somos castigados pelo Senhor, para não sermos condenados com este mundo" (1 Rom. XI, 32). E diz o Príncipe dos Apóstolos: "Mas o Deus de toda a graça, o que nos chamou  em Jesus Cristo à sua eterna glória, depois que tiverdes sofrido um pouco, vos aperfeiçoará, fortificará e consolidará" (1 S. Pedro V, 10).  Além de Oséias VI, 1 supra-citado.

"As provações providenciais, físicas ou morais, como a doença, os lutos de família, as angústias da alma, os revezes de fortuna, são muitas vezes acompanhadas de graças internas que nos estimulam a uma vida mais perfeita. Desapegam-nos do que não é Deus, purificam a alma pelo sofrimento, fazem-nos desejar o céu e a perfeição que é o caminho para lá contanto que a alma tire proveito dessas provas para se voltar para Deus" (Tanquerey, Comp. de Teol. Ascética e Mística).

A maioria dos homens sobre a face da terra está sufocada pelas preocupações do dinheiro e dos prazeres da vida. O progresso científico está levando tudo isto a um clímax talvez nunca visto. Confesso que, quando vi na Internet a representação do Covid-19, isto é, um como globo cercado de espinhos, que, no entanto, parecem também flores (daí o nome "Corona" = coroa), vendo isto, digo, veio-me à memória aquele terceiro tipo de terreno ruim como está na parábola do semeador, parábola esta feita por Nosso Senhor Jesus Cristo e por Ele mesmo explicada. Terreno coberto de espinhos, significa os corações sufocados pelas preocupações das riquezas e dos prazeres da vida. Na verdade, os mundanos procuram estas coisas como se fossem flores: "Coroemo-nos de rosas antes que elas murchem" (Sab. II, 8).

Santo Agostinho diz no seu livro "De Libero Arbitrio, I, 1, 2 : “Deus todo-poderoso, por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar o bem do próprio mal”. O profeta Jeremias no cap. XI, 12 pergunta: "Por que a terra está em desolação? E responde: "Porque não há quem pare para pensar no íntimo de seu coração". Malgrado todo progresso e luxo modernos, a terra está realmente em estado lastimoso, e a prova disto é a depressão, doença da moda. E isto por que? A maioria dos habitantes da terra, pensando e correndo desenfreadamente à procura de riquezas e prazeres da carne, não para pensar no único necessário que é a salvação da alma. Aí aparece o Covid-19 que obriga milhares e milhares de pessoas a pararem e a se retirarem do convívio social e do barulho. Deus com certeza quer que aproveitem este retiro, embora forçado, para que meditem na necessidade do cuidado de suas almas. Meditem nas belíssimas palavras bíblicas de Judite, mulher santa do Antigo Testamento: "Nós, pois, não nos impacientemos por causa do que sofremos, mas, considerando que estes mesmos castigos são menores do que os nossos pecados, creiamos que estes flagelos do Senhor, com que, como seus servos, somos castigados, nos vieram para nossa emenda e não para nossa perdição" (Livro de Judite VIII, 26 e 27).

Os cristãos, por sua vez, devem seguir as pegadas de Jesus, o Divino Mestre. A cruz pela qual Ele nos remiu, não nos dispensa de carregar a nossa. Pelo contrário, a maior prova de amor que Jesus nos deu, morrendo na cruz por nós, impele-nos a carregar a nossa cruz por amor a Ele. E isto  é causa de nossa felicidade. Pois, na verdade, ao contrário, fugir da cruz  e procurar tudo o que possa contentar a natureza traz inevitavelmente infelicidade já nesta vida. Eis uma verdade que o mundo não é capaz de entender: Os mundanos estarão em mais sofrimentos em se encaminhando para a perdição do que os bons sofrem em procurando a salvação. Na verdade, todos, sem exceção, sofrem neste vale de lágrimas; mas os maus sofrem sem consolação ou esperança, como sofreu Gestas, o mau ladrão. Os bons e os maus estão inevitavelmente expostos às cruzes providenciais. Os bons, porém, carregam estas cruzes com paciência e amorosa submissão à vontade de Deus, Assim aconteceu com S. Dimas, o bom ladrão, naqueles momentos após a conversão até a morte. As pauladas que quebraram os ossos de Gestas e Dimas certamente causaram em ambos a mesma dor física, mas esta foi esquecida por Dimas pela doçura de sofrer e morrer com Jesus para logo depois viver eterna e perfeitamente feliz com seu Senhor e Redentor no Paraíso. Amém!

sexta-feira, 10 de abril de 2020

SERMÃO DA PAIXÃO E MORTE DE JESUS CRISTO

 Exórdio, Oração e Agonia do Horto

ATTRITUS EST PROPTER SCELERA NOSTRA
(Isaías 53,5)
"Foi despedaçado por causa de nossos crimes".

  Pelo Sinal da Santa Cruz, livrai-nos Deus, Nosso Senhor, dos nossos inimigos. Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém!

   Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!

 -  Quem não souber o que é o pecado, quem não lhe conhecer a graveza e enormidade, venha ver a satisfação que dele toma o Pai Eterno em seu Unigênito e diletíssimo Filho; "Pelos pecados do meu povo eu o cobri de chagas".

  -  Quem não sabe o estado lastimoso em que o pecado põe a alma de quem o comete, venha ver em que estado a satisfação de nossas culpas pôs a Nosso Senhor Jesus Cristo. "Non est ei species neque decor, exclama o Profeta: "não tem nem formosura nem aparência humana".

  -  Se não receais, pecadores, da justíssima indignação de Deus contra vossas culpas, vinde ver a manifestação que delas faz a Justiça Divina em seu amantíssimo Filho. Diz São Paulo: "Deus o propôs para demonstração de sua justiça". Vereis como o fogo da ira de Deus se ateia no ramo florido da inocência de Jesus e daí podereis julgar o que fará no lenho do vosso coração seco e estéril pelo pecado.

   -  E vós, cegos e iludidos, que derramais nas criaturas o amor de um coração que é só de Deus, vinde ver o extremo de amor com Cristo vos ama e deixai-vos por obrigados e vencidos de tão excessiva caridade.

   -  Vinde todos ouvir a lastimosa narração da Paixão e Morte de Cristo. E queira Deus que, esta tristíssima consideração produza nas almas os efeitos devidos. Queria Deus que, aos cristãos que me ouvem, lhes entre no coração a perfeita contrição de seus erros e de suas culpas!

   Mas, que tristíssimo assunto se oferece às nossas piedosas meditações: Um Deus morto, como se fora o mais torpe dos criminosos! Morto numa cruz!!!

   Diante de um Deus crucificado, o vasto universo deve precipitar-se na aflição para prantear a perda de seu divino Autor.
  Diante de um Deus crucificado, a orgulhosa razão adore reverente o mais terno e santo de todos os mistérios!
    Diante de um Deus crucificado, cristãos, meditai, cheios de piedade e de verdadeira compunção sobre o mais trágico acontecimento que se tem dado sobre a terra; sobre o ponto mais majestoso e tocante da Santa Religião que professamos.

ORAÇÃO E AGONIA NO GETSÊMANI

   Aproximava-se a hora fatal em que as profecias asseveravam ter soado para o Divino Mestre o momento de seus tremendos combates...

  Tristis est anima mea usque ad mortem". Era a agonia que começava!
Terminada a última Ceia, instituído o Sacramento da Eucaristia, reuniu Jesus os discípulos fiéis, encaminhado-se, com passo firme e resoluto para o Jardim das Oliveiras. Entrando no Getsêmani, afastou-se para uma espécie de gruta, recomendando aos discípulos que velassem um instante enquanto Ele ia orar ao seu Eterno Pai. E Jesus começou a sentir tristeza mortal: "
  Sentindo Jesus a torrente de iniquidades que se Lhe despenham sobre o coração, pálido, abatido, lamenta-se. Foi buscar algum alívio no coração dos seus discípulos. "Eu sinto morrer de tristeza. Se pois, me tendes algum amor, permanecei aqui e velai comigo por uns poucos momentos". Era o tédio que torna insuportável a alma. Era o pavor que abala o coração até aos fundamentos. Era a tristeza que tudo reveste de sombras funerárias. Era o abatimento que são os preâmbulos da morte que se avizinha inexorável. Tal era o estado de Jesus no Jardim das Oliveiras; e no entretanto, os discípulos dormiam. "Assim não pudestes velar comigo alguns instantes?

   Ó vós que estais resolvidos a não mais pecar! Considerai! A maior miséria do homem não é, certamente o ser fraco, senão o reputar-se forte. É o orgulho, a presunção com se fia de si mesmo. Vede os discípulos e aprendei! Fortes, intangíveis na abundância imaginária de suas forças, cheios de presunção, julgavam tocar a cabeça nas nuvens e ei-los de repente precipitados até às portas do abismo! Agora dormem; daqui a pouco, fugirão. 
   Desconfiai de vós mesmos - recorrei às luzes da oração, - valei-vos da força dos Sacramentos - vigiai e orai porque a carne é sempre fraca, embora se disponha o espírito às mais heroicas resistências.

   Outra vez, afastando-se dos discípulos, prostra-se Jesus com a face por terra exclamando em altas vozes: "Meu Pai, meu Pai, tudo é possível à vossa vontade onipotente. Se é pois da vossa vontade, se é possível poupar-me este martírio, passe para longe de mim este cálice de angústias!".
   Oração singular em que se jogam os destinos dos homens!
   Se é possível!!! - Mas se Deus não ouve a oração de Jesus, que há de ser de Seu Filho Unigênito, abandonado a todos os horrores de uma Paixão inominável?! Mas, se pelo contrário, cede à súplicas do Salvador, que há de ser de nós, pobres pecadores, cuja salvação está precisamente no sacrifício do Homem-Deus? Ouçamos do Céu a resposta: 

   Não. Não é possível, diz o Eterno Pai, porque este meu filho que é a santidade e inocência infinitas está revestido dos despojos do pecado e é o bastante para torná-Lo odioso aos meus olhos.

   Eis o que é o pecado! No entanto, quantas desculpas e quantas indulgências para o pecado cometido! Ó pecador insensato! Julgas, talvez, que a Justiça Divina aprecia o pecado com a indiferença do homem que o comete?! Não. Por um só pensamento mau que acolheste em teu coração, foi Cristo abandonado a todos os tormentos de sua Paixão. 

   E os pecados dos homens como um cortejo fúnebre, vão passando, um a um, perfeitamente distintos, diante dos olhos apavorados do Salvador. São os pecados dos reis e os pecados dos povos. São os pecados dos ricos e os pecados dos pobres. São os pecados dos velhos e os pecados dos moços. São os pecados dos pais e os pecados dos filhos. São os pecados dos bispos e dos padres e os pecados dos seculares. São os meus pecados e são os vossos pecados. São os pecados de todos nós, em tal dia, em tal hora, em tal lugar, em tal circunstância!

   Vê Jesus os crimes de todos os lugares e tempos, os pecados que desolaram e desolarão as cinco partes do mundo: desde o pecado da Adão e Eva, desde o homicídio de Caim até a última blasfêmia do Anti-Cristo. Ele vê, naquela noite, todas as noites tenebrosas de orgias, de carnaval, todos os crimes mais secretos e vergonhosos. 
   Nessa torrente de iniquidades que, lamacentas, se Lhe despenham sobra a alma desfalecida, Jesus distingue as maledicências e as calúnias, as impudicícias e os adultérios, as infidelidades conjugais e os atentados contra a natureza, estes pecados monstruosos desta sociedade moderna tão paganizada e ateia: o divórcio, a limitação criminosa da natalidade, o aborto, a dissolução da família pela legalização odienta de pessoas do mesmo sexo. Jesus distingue as traições e as vinganças; os pensamentos de ódio e os pensamentos de ambição; as dissoluções dos sensuais  e a impiedade dos libertinos; a malignidade dos ateus e as imposturas dos hipócritas. 
   Distingue Jesus a monstruosa ingratidão dos seus escolhidos, os padres e os bispos: uns dormem o sono da inércia, outros estão acordados, mas não para O defender, e sim para aplicar na Sua Face adorável o beijo traidor de Judas. Jesus via o nosso tempo, tempo de modernismo, de deturpação do genuíno espírito do Evangelho.

   Não é para menos!

   Banha-Lhe o corpo, copioso suor de sangue que enche seus fartos cabelos e cai gota a gota por sobre a terra. 

   Ó pecador! Contempla este Sangue Divino, que vês cair gota a gota!... Que lucro tiraste deste Sangue? Tu permaneces insensível na trilha do pecado! Ó tu, católico tíbio, por que vives no comodismo? Que lucro tiraste deste Sangue que vês cair e escorrer por terra? Se não te enterneces é sinal de que o teu coração não é mais que pedra bruta e insensível!

   Ó Sangue de Jesus, inebriai-me do santo amor. Ó agonia mortal de Jesus, fazei-me morrer a toda afeto terreno. Meu amado Salvador, salvai-me, estreitai-me convosco, e não permitais que eu haja jamais de perder-me.
    Ó refúgio dos pecadores, Maria Santíssima, Mãe do meu Salvador, ajudai um pecador que quer amar a Deus e se recomenda a vós. Socorrei-me pelo amor que tivestes a Jesus Cristo. Amém!