"O Filho do Homem
veio salvar o que se tinha perdido" (Mt 18, 11).
"Sou Eu, não
temais" (Lc 24, 36).
P. Mateo Crawley-Boevey SS. CC.
"Para
que encarnou-se o Verbo?
Para
estabelecer uma nova lei, portentosa, poderosa, lei positiva e fundamental do
cristianismo, lei imperecível e salvadora, a lei da Misericórdia.
E por isso a
desconfiança Lhe fere o Coração.
Sabeis qual
foi, na realidade, o maior delito de Judas, ainda maior que a traição e os
suicídio? Ter recusado a crer naquela misericórdia que Jesus ofereceu-Lhe, de
joelhos, quando lavou-lhe os pés, na última Ceia!
Não
alteremos o Evangelho, que não temos esse direito.
O Senhor
veio não para os justos e sadios, mas para os pecadores e enfermos (Mc 2, 17).
E a
retribuição que Ele pede em troca de uma tão grande condescendência é o amor de
confiança, que é sempre o mais sincero e o mais humilde dos arrependimentos.
Quem não compreende isso, não compreendeu ainda o que há de mais delicado e
belo no Coração de Jesus!
Nada, nem
ninguém, pode impedir-nos a aproximação do seu Peito ferido.
Vossos pecados, dizeis?
Lavou-os com
Seu Sangue. Vossa indignidade? Ele a conhece mil vezes melhor que vós mesmos. E
quanto a qualidades, não pede senão uma: crerdes com humildade e confiança em
seu Amor.
Sabei que se
alguma coisa há que O distancie de vós é justamente esse olhar para trás, para
vossa vida passada. E esse duvidar do seu Coração, e revolver-vos em vossas
próprias misérias, o que aliás, frequentemente, mais que arrependimento, é
refinado amor-próprio.
Se não
quereis envenenar vossas feridas, não as toqueis excessivamente. Vossas mãos as
irritam... Só as de Nosso Senhor curam e as cicatrizam.
Pela última
vez, não abuseis da palavra "respeito". sob cuja sombra tem-se
inculcado sempre o mais repugnante e odioso jansenismo.
Confiai-vos
a Ele, que é Pai e Mãe e Salvador. Confiar não é nem será jamais falta de
respeito, como nunca será igualmente obedecê-Lo, acercar-se d'Ele quando Ele,
conhecedor de vossas fraquezas, chama e insiste oferecendo-vos o Coração.
Resistir a
esse chamado, sob pretexto de não estar ainda suficientemente purificados e
dignos, é soberba disfarçada. E nesse caso, sede ao menos sinceros e confessai
que sobre amor-próprio e que falta o amor de Nosso Senhor.
Se amásseis,
como seria diferente o vosso modo de raciocinar, pois que tão diversa é a
atitude da humildade, irmã gêmea da confiança!
Motivo tinha
Santo Agostinho para dizer: "Ama, e faze o que quiseres".
O que
quiseres, porque tendo na alma a conselheira de uma verdadeira caridade, não há
perigo que, amando e confiando, chegues a ofender a quem ames.
Como é belo
pensar que antes de Pentecostes São Pedro disse: "Retira-te de mim,
Senhor, que sou um pecador" (Lc , 8).
E Pedro
caiu!
Depois que a
luz de Pentecostes lhe mostrou junto ao abismo da sua fraqueza um outro da
infinita misericórdia, deve ter pensado e exclamado com freqüência:
"Senhor, não Te afastes ... aproxima-Te mais, muito mais, inteiramente, porque
sou um grande pecador".
Perguntai a
um São Francisco de Assis, a um S. João da Cruz, a um Francisco de Sales, a um
S. Paulo, onde encontraram o segredo da vida, da santidade, do amor: à
distância de Nosso Senhor, ou no afã de chegar à intimidade, no caminho da
fraqueza e da confiança?
Onde, senão
no Evangelho, aprendeu Teresinha a teologia prodigiosa com a qual está
provocando, segundo afirmam graves doutores, um renascimento espiritual. Quero
dizer a teologia que chamaríamos dos garotos, daqueles atrevidozinhos que,
encarapitados nos joelhos do Mestre (Mt 19, 13-15) e sedentos de carinhos,
aprenderam muito antes de Teresinha que o amor tende à união e que esta supõe
confiança ilimitada.
Não é este o
perfume mais puro e celestial do Evangelho? Quem se excedeu na medida, os
meninos ou Jesus? Se houve excesso, foi de ternura e condescendência de Nosso
Senhor.
As almas
pequeninas e simples tiveram sempre o privilégio de compreender essas
exigências e sublimidades do amor. Entre as crianças que disputam o posto de
honra, para ouvir as batidas do Coração do Amigo, e os apóstolos e S. Pedro,
que se surpreendem com tanta familiaridade, que não a compreendem e se afastam:
Deixai-Me os garotos, prefiro-os incomparavelmente, nesse momento do céu ... Na
vida e no morte, quero para mim a sua simplicidade, sua confiança e ... o seu
posto!
Não
percebeis quão capcioso é o ardil do inimigo distanciando-vos do Senhor, com a
obsessão dos vossos pecados. Daí a desanimar-vos, a abater-vos, e fazer-vos
logo rolar mais para baixo, basta um passo.
Estudai um
instante diante do Sacrário a atitude de Jesus com a Samaritana ... (Jo 4).
Evita Nosso Senhor dirigir a palavra a essa grande culpada? Fala-lhe em tom ou
de forma a fazê-la retirar-se envergonhada de sentir-se tão próxima d'Ele que é
a mesma Santidade? Qual o fruto imediato dessa proximidade? Confusão e fuga da
Samaritana, ou expansão de confiança simples, de arrependimento e conversão?
Aprendamos a
lição, para proveito nosso e das almas. Todo o mal grave começa e se consuma no
afastamento de Jesus. E toda virtude e principalmente a do arrependimento e a
da humildade, levam-nos como por instinto ao Coração do Salvador.
Porque, se
às vezes, procurando embora essa intimidade, não vedes nem sentis, não apalpais
os frutos de aproveitamento e correção dos defeitos, não atribuais a
esterilidade à vizinhança de Jesus.
Sabei
discernir. Nem todo progresso espiritual é sensível. Além disso, com freqüência,
passados longos anos nesta via de amor e confiança, vêem-se mais claramente as
maldades da natureza. Não se trata, portanto, de haver piorado junto de Nosso
Senhor. Mas cresce a luz, o sol, que é seu Coração, penetra em vós, e mostra
hoje na alma "bactérias" cuja
existência, um ou dez anos atrás, não havíeis percebido a pouca luz.
Ademais, Ele
continua a permitir que sintais, ainda depois de convalescidos, o mal-estar do
vosso pecado, para que seja expiado e se complete, com a humilhação, a cura da
alma.
Continuais
trabalhando por aproximar-vos de Jesus, com menos preocupações e com mais
confiança em Sua misericórdia. Pensai mais no Médico e no Seu tratamento que na
doença e no doente.
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