"O Filho do Homem
veio salvar o que se tinha perdido" (Mt 18, 11).
"Sou Eu, não
temais" (Lc 24, 38)
(Continuação e término da conferência do Servo de Deus Padre
Mateo Crawley-Boevey, SS. CC.)
"Digo-vos
mais: confiai, porque esse Jesus, que vos convida ao abandono, à Sua
intimidade, vê mais claro que vós mesmos. Se vedes cem defeitos, Ele encontra
mil e, não obstante, voa ama e vos chama. Seu amor não é, nem pode ser, com o
de um amigo ou o de um noivo, um amor-ilusão, e sim fundamentado na verdade.
Ele não vos quer porque imagine coisas diferentes da realidade, pois para Ele,
na ordem moral, não há camuflagens. Ama-vos tais como sois.
Daí a frase,
tão feliz quanto ousada, de Santa Teresinha: "Que mau gosto tiveste,
Jesus, querendo-me feia como sou... Não modifiques em nada esse mau gosto, para
que não me exponha a ser substituída por um anjo".
Na amizade
terrena, o excesso de familiaridade revela misérias anteriormente
desconhecidas. Por isso, desmoronam-se tantos carinhos, fundados em ilusões...
Mas com
Nosso Senhor a coisa é outra. "Jesus vos ama como ninguém e vos perdoa
como ninguém - diz o famoso convertido inglês Pe. Faber - justamente porque vos
conhece como ninguém".
A Ele,
jamais se surpreende, porque mesmo no santo, que faz milagres, pode-se ver o
abismo de fragilidade que traz, no interior, o taumaturgo.
Por isso
mesmo também vos disse, há pouco, que se contenta, Ele, que tudo vê, com grandes e santos
desejos, pois melhor do que nós sabe que muitos deles, por sinceros que sejam,
não são realizáveis.
Mas vosso
desejo já é a Seus olhos um ato de amor, quando
sois sinceros e não vaidosos. Quanto são de fato desejos, e não caprichos ou
devaneios.
"Paz,
portanto, aos de boa vontade" (Lc
2, 30). Paz àqueles que compreenderam e saborearam quão bondoso é o
Senhor! Paz aos que sabem, por experiência, que seu jugo é suave e leve a sua
carga (Mt 11, 30).
Muito mais
que a preocupação exagerada, ainda que legítima de curar vossos males, tende a
santa preocupação da Sua glória. "Preocupa-te de Mim, só de Mim, dizia
Jesus a Santa Margarida Maria - e Eu me preocuparei de ti e de tudo que é
teu".
Há apóstolos
que não compreendem ainda este grande espírito e gastam suspiros e tempo em
pedir isto ou aquilo. Depois, quando já estão cansados, ajuntam: "Venha a
nós o Vosso Reino".
Não façais
assim. Começai o trabalho da vossa santificação e do apostolado com este grito,
vindo da alma: "Venha a nós o Vosso Reino, o reino do Vosso Coração, do
vosso Amor", e Ele dirá: "E Eu me encarrego de todos os teus outros
interesses".
Por aí vedes
quanto é ampla, segura, sólida e bela a doutrina do Coração de Jesus!
Como se vive
bem, luta-se, trabalha-se nesse santuário em que tudo é verdade, paz e força e
gozo no Espírito Santo! Bebei à saciedade desse Coração "Fonte inesgotável
de vida" e de amor misericordioso.
Nele quero
ter minha morada, minha escola, meu céu. Esse Coração me basta. Sou pobre,
paupérrimo, mas nesse Coração não temo. São muitos aqueles que julgam ser árduo
e dificílimo salvar-se. Eu, ao contrário, creio, raciocinando junto desta
cátedra divina, luminosa, que não é tão fácil perder-se, pois que para isso é
preciso romper as amarras que são os braços do Senhor, forçar a cidadela
redentora que é Seu Coração.
Compenetrai-vos,
zelosos apóstolos, desta grande doutrina, visto que não há novidades depois do
Evangelho, mas que, por vontade explícita do céu, é todo um sistema
doutrinário, toda uma espiritualidade, que envolve hoje a terra sob o título de
"Reinado do Coração de Jesus".
Vivei deste
pão do amor e da confiança ilimitada, para depois dar essa mesma substância,
verdadeiro maná, a muitas almas que têm um conceito mesquinho, desfigurado de
Cristo Nosso Senhor.
Ardei na
chamas do Coração Divino para, em seguida, queimar a outros. Confiai, vivei no
abandono, para infiltrar em outros a confiança, alicerçada no Evangelho, na lei
de Cristo, no espírito da Igreja.
Aos débeis,
aos maus e pecadores, falai no mesmo tom de Jesus, como Jesus, como o Coração
de Jesus. Ouvi como sentencia a pecadora que jaz aos Seus pés divinos: Mulher,
"nem eu te condenarei. Vai e não peques mais" (Jo 8, 11).
Discípulos,
aprendei as ideias, a linguagem, o estilo do Mestre!
Para
terminar, um dos parágrafos mais admiráveis, em doutrina e eloquência, de Santa
Teresinha: "Não vou a Deus pelo caminho da confiança e do amor por me
julgar preservada do pecado mortal. Ah! Sinto-o perfeitamente, ainda que
tivesse por sobre a consciência todos os crimes possíveis, não perderia nada da
minha confiança; iria, com o coração destroçado pelo arrependimento,
refugiar-me nos braços do meu Salvador. Bem sei quanto ama ao filho pródigo e
já ouvi as Suas palavras a Santa Madalena, à mulher adúltera e à Samaritana.
Não, ninguém poderá jamais amedrontar-me, porque sei a que ater-me, acerca do seu
amor e sua misericórdia. Sei que toda essa multidão de ofensas desapareceriam
num abrir e fechar de olhos, como uma gota d'água lançada sobre brasas
ardentes" (História de uma alma).
Término.
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