AMOR CONFIANTE ( V )
"O Filho do Homem
veio salvar o que se tinha perdido" (Mt 18, 11).
"Sou Eu, não
temais" (Lc 24, 36).
(Continuação da
Conferência do P. Mateo Crawley-Boevey)
"Precisamente
porque justo, o Senhor deve ser muito mais Pai e Mãe e não Juiz tremendo.
Justamente porque sabe quem sou, porque sabe onde termina minha malícia e onde
começa minha debilidade e ignorância.
Por isso
dizia Teresinha: "Eu me confio tanto à justiça de Deus, e espero tanto
dela quanto de sua Misericórdia". E é eminentemente teológico. Creio tanto
mais na misericórdia que prego, quanto mais firmemente creio na Justiça e
equidade do Rei da Glória.
Justiça não
quer dizer sempre e ainda menos exclusivamente "rigor e castigo", e
sim equidade.
Deus, porque é justo, deve dar-me
às vezes ternura e compaixão, e outras vezes, castigo. Mas de fato, em virtude
da ordem estabelecida por um Deus Crucificado, Ele é neste desterro muito mais
paternal e compassivo que Juiz inclemente.
Quereis
disto um prova simples e eloquente?
Se o leitor
destas linhas cometeu, por suposição, um só pecado mortal em sua vida, - e se
cá embaixo, Deus fosse inexoravelmente severo e rigoroso - por que sua alma não
está já no inferno, tão justamente merecido?
Por que
saboreia agora o pão de mel, o pão de fortaleza desta doutrina salvadora, por
que? Ah! Será diferente quando, cerrando os olhos, cairmos na outra margem da
eternidade, diante do Tribunal Supremo...
Lá em cima,
consumada a obra de misericórdia, ser-nos-á feita a justiça a frio. Mas por
enquanto, aqui embaixo, "onde abundou o pecado, superabundou a graça"
(Rm 5, 20) e a misericórdia.
Eis aqui uma
lindíssima história ou lenda, sobre um Crucifixo milagroso. Aos seus pés,
chora, confessando-se, um pecador sinceramente arrependido. Eram tantos os seus
pecados, que o confessor vacila por um momento, em dar-lhe a absolvição. Mas,
vencido pelas lágrimas, "Absolvo-te, lhe diz, mas cuidado em não
recair!"
Passado
bastante tempo, volta o penitente.
- Lutei com
vontade, mas tive um momento de vertigem, de fraqueza, recaí..."
Confundido, volta imediatamente a reconciliar com Deus.
- Não, lhe
diz o confessor, desta vez não posso absolver-te!"
- Mas,
Padre, tenha pena de mim! Pensa que sou apenas um convalescente de grave e
demorada enfermidade... Por piedade, sou sincero!"
A muito
custo, e depois de severas recriminações, tornou a dar-lhe a absolvição.
O penitente
estava deveras arrependido, mas o hábito de tantos anos de pecado, a natureza
toda comprometida, envenenada pelo vício, dá por terra uma terceira vez com os
seus propósitos, depois de longo tempo de perseverança. Procura com
simplicidade e confiança o confessor, quer reabilitar-se.
- "Não
posso", diz o sacerdote, e levanta-se para sair, procurando
desvencilhar-se do penitente que o segura com ambas as mãos.
Neste
momento, ouve-se um gemido de imenso amor e compaixão imensa... Levantaram, os
dois, os olhos ao mesmo tempo e, que vêem? O peito do Crucificado erguido por
um soluço de emoção, os olhos cheios de lágrimas e ainda, - ó prodígio! - a mão
direita solta. E ouvem Sua voz suavíssima, que diz em soluços trançando a cruz:
"Eu, sim, perdoo-te, que me custaste meu sangue!"
Não me
detenho em averiguar se o fato é histórico em lendário, que pouco me importa. O
que me encanta é a lição, a doutrina. O Senhor é suave e bom, compassivo e
terno, é misericordioso num grau que não imaginamos, "porque a esse Jesus,
custamos os Seu Sangue!"
Fora,
portanto, fora com as aberrações do jansenismo, gás asfixiante, deletério, que,
apesar dos anátemas, continua fazendo estragos em casas religiosas e nas almas mais puras e delicadas!
Lembrai-vos
sempre de que o grande respeito é o grande amor. E o amor, quando é profundo e
grande, traz infalivelmente consigo imensa confiança.
Vivemos sob
o império da graça, por felicidade imerecida. Por favor do céu, não somos
judeus de espírito. Nascemos do lado de cá do Calvário.
A falta de
confiança é uma grande ingratidão, e falta de simplicidade e abandono. Sede
mais crianças com vosso Pai que está nos céus. Reconhecei vossos defeitos, mas
não vos deixeis sufocar ou desanimar por eles. Ao contrário, fazei como o
Senhor, tirai partido da doença e da miséria, para Sua glória e vosso bem. Que
santo, com exceção da Imaculada, não teve defeitos? Arrojai-os ao braseiro do
Coração de Jesus... e queimai-vos, vós também, depois deles.
Conheceis
aquela conversa de Jesus com S. Jerônimo?
- Jerônimo,
diz o Senhor, queres me dar um presente?
- Mas,
Senhor, responde o Santo, já não vos dei tudo? Minha vida, meus bens, minhas
energias, meus sofrimentos, minha felicidade, minha alma, tudo é vosso, e só
vosso.
- Jerônimo,
dá-me mais uma coisa.
- O que,
Senhor, o quê? Haverá sequer uma fibra do meu coração que não vos pertença?
- Jerônimo,
Jerônimo, dá-me uma coisa que ainda não é minha. Guardas ainda, para ti, algo
que devia ser meu...
- Falai,
Senhor, pedi. De que se trata?
- Jerônimo, dá-me os teus pecados!
Dai-os,
confiai-os a Ele, como pó, como lepra, que Ele parece procurar com afã de
Médico e de Salvador. "Levai-os, dizei-Lhe, levai-os todos, com as raízes,
e para sempre! Creio em vosso Amor, abandono-me ao Vosso Coração. Venha a nós o
Vosso Reino!"
E ficai
sabendo que falando desta forma, não pretendo camuflar ridiculamente vossos
defeitos, dissimular a fealdade e o número deles, não! A humildade deve ser a
verdade.
(A conferência continua e terminará no próximo artigo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário