segunda-feira, 14 de setembro de 2020

AMOR CONFIANTE VI

AMOR CONFIANTE  ( V )

"O Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido" (Mt 18, 11).

"Sou Eu, não temais" (Lc 24, 36).

(Continuação da Conferência do P. Mateo Crawley-Boevey)

 

"Precisamente porque justo, o Senhor deve ser muito mais Pai e Mãe e não Juiz tremendo. Justamente porque sabe quem sou, porque sabe onde termina minha malícia e onde começa minha debilidade e ignorância.

Por isso dizia Teresinha: "Eu me confio tanto à justiça de Deus, e espero tanto dela quanto de sua Misericórdia". E é eminentemente teológico. Creio tanto mais na misericórdia que prego, quanto mais firmemente creio na Justiça e equidade do Rei da Glória.

Justiça não quer dizer sempre e ainda menos exclusivamente "rigor e castigo", e sim equidade.  Deus, porque é justo, deve dar-me às vezes ternura e compaixão, e outras vezes, castigo. Mas de fato, em virtude da ordem estabelecida por um Deus Crucificado, Ele é neste desterro muito mais paternal e compassivo que Juiz inclemente.

Quereis disto um prova simples e eloquente?

Se o leitor destas linhas cometeu, por suposição, um só pecado mortal em sua vida, - e se cá embaixo, Deus fosse inexoravelmente severo e rigoroso - por que sua alma não está já no inferno, tão justamente merecido?

Por que saboreia agora o pão de mel, o pão de fortaleza desta doutrina salvadora, por que? Ah! Será diferente quando, cerrando os olhos, cairmos na outra margem da eternidade, diante do Tribunal Supremo...

Lá em cima, consumada a obra de misericórdia, ser-nos-á feita a justiça a frio. Mas por enquanto, aqui embaixo, "onde abundou o pecado, superabundou a graça" (Rm 5, 20) e a misericórdia.

Eis aqui uma lindíssima história ou lenda, sobre um Crucifixo milagroso. Aos seus pés, chora, confessando-se, um pecador sinceramente arrependido. Eram tantos os seus pecados, que o confessor vacila por um momento, em dar-lhe a absolvição. Mas, vencido pelas lágrimas, "Absolvo-te, lhe diz, mas cuidado em não recair!"

Passado bastante tempo, volta o penitente.

- Lutei com vontade, mas tive um momento de vertigem, de fraqueza, recaí..." Confundido, volta imediatamente a reconciliar com Deus.

- Não, lhe diz o confessor, desta vez não posso absolver-te!"

- Mas, Padre, tenha pena de mim! Pensa que sou apenas um convalescente de grave e demorada enfermidade... Por piedade, sou sincero!"

A muito custo, e depois de severas recriminações, tornou a dar-lhe a absolvição.

O penitente estava deveras arrependido, mas o hábito de tantos anos de pecado, a natureza toda comprometida, envenenada pelo vício, dá por terra uma terceira vez com os seus propósitos, depois de longo tempo de perseverança. Procura com simplicidade e confiança o confessor, quer reabilitar-se.

- "Não posso", diz o sacerdote, e levanta-se para sair, procurando desvencilhar-se do penitente que o segura com ambas as mãos.

Neste momento, ouve-se um gemido de imenso amor e compaixão imensa... Levantaram, os dois, os olhos ao mesmo tempo e, que vêem? O peito do Crucificado erguido por um soluço de emoção, os olhos cheios de lágrimas e ainda, - ó prodígio! - a mão direita solta. E ouvem Sua voz suavíssima, que diz em soluços trançando a cruz: "Eu, sim, perdoo-te, que me custaste meu sangue!"

Não me detenho em averiguar se o fato é histórico em lendário, que pouco me importa. O que me encanta é a lição, a doutrina. O Senhor é suave e bom, compassivo e terno, é misericordioso num grau que não imaginamos, "porque a esse Jesus, custamos os Seu Sangue!"

Fora, portanto, fora com as aberrações do jansenismo, gás asfixiante, deletério, que, apesar dos anátemas, continua fazendo estragos em casas religiosas e nas almas  mais puras e delicadas!

Lembrai-vos sempre de que o grande respeito é o grande amor. E o amor, quando é profundo e grande, traz infalivelmente consigo imensa confiança.

Vivemos sob o império da graça, por felicidade imerecida. Por favor do céu, não somos judeus de espírito. Nascemos do lado de cá do Calvário.

A falta de confiança é uma grande ingratidão, e falta de simplicidade e abandono. Sede mais crianças com vosso Pai que está nos céus. Reconhecei vossos defeitos, mas não vos deixeis sufocar ou desanimar por eles. Ao contrário, fazei como o Senhor, tirai partido da doença e da miséria, para Sua glória e vosso bem. Que santo, com exceção da Imaculada, não teve defeitos? Arrojai-os ao braseiro do Coração de Jesus... e queimai-vos, vós também, depois deles. 

Conheceis aquela conversa de Jesus com S. Jerônimo?

- Jerônimo, diz o Senhor, queres me dar um presente?

- Mas, Senhor, responde o Santo, já não vos dei tudo? Minha vida, meus bens, minhas energias, meus sofrimentos, minha felicidade, minha alma, tudo é vosso, e só vosso.

- Jerônimo, dá-me mais uma coisa.

- O que, Senhor, o quê? Haverá sequer uma fibra do meu coração que não vos pertença?

- Jerônimo, Jerônimo, dá-me uma coisa que ainda não é minha. Guardas ainda, para ti, algo que devia ser meu...

- Falai, Senhor, pedi. De que se trata?

- Jerônimo, dá-me os teus pecados!

Dai-os, confiai-os a Ele, como pó, como lepra, que Ele parece procurar com afã de Médico e de Salvador. "Levai-os, dizei-Lhe, levai-os todos, com as raízes, e para sempre! Creio em vosso Amor, abandono-me ao Vosso Coração. Venha a nós o Vosso Reino!"

E ficai sabendo que falando desta forma, não pretendo camuflar ridiculamente vossos defeitos, dissimular a fealdade e o número deles, não! A humildade deve ser a verdade.

(A conferência continua e terminará no próximo artigo). 

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