sábado, 13 de junho de 2020

PANEGÍRICO DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA



"Qui fecerit et docuerit hic magnus vocabitur in regno coelorum" (S. Mat. V, 19)
"Aquele que praticar e ensinar esse será chamado grande no reino do céu".


Da Arca do Testamento, do martelo das heresias, do Defensor da fé, do Lume da Igreja, da maravilha de Itália, da glória de Portugal celebramos hoje a festa. O coração transborda de júbilo, uma expressão de santo orgulho se manifesta a pesar nosso, vendo atravessar as idades mais remotas, um homem, que lançado na arena da humildade, vestido com uma pobre túnica,  cingido de uma corda, tinha só que esperar o esquecimento e o desprezo. Nossa imaginação, no entanto, voa diante destes cânticos, destes hinos de mil povos e mil nações prostrados ao pé deste homem do evangelho, que, não possuindo ouro nem tendo honras, obteve as mais nobres conquistas com esta eloqüência irresistível que o Eterno depositara em seus lábios. Esmagou o crime, confundiu o erro, alcançou os mais assinalados triunfos. Todos os olhos estão fixados neste homem tão extraordinário, a cuja vista, apaga-se o facho da discórdia, tremem os gigantes da terra, e um grito de admiração rompe de todos os lados ouvindo-se dizer que este homem era um filho espiritual de Francisco de Assis e que se chamava Antônio.
Santo Antônio de Pádua é um dos santos mais populares, mais conhecidos e venerados em todo o mundo. Todos com confiança se dirigem a ele em suas necessidades materiais e espirituais. É invocado e festejado tanto nas soberbas catedrais das grandes cidades como nas capelinhas humildes da roça.
Santo Antônio nasceu no dia 15 de agosto em 1195. Oito dias depois do nascimento foi o mesmo levado à pia batismal recebendo o nome de Fernando. Nome este depois trocado pelo de Antônio quando entrou na Ordem de S. Francisco. Sua santa e piedosa mãe levando-o para diante de uma imagem de Nossa Senhora, ofereceu-o, consagrando-o e pedindo lhe fosse ela protetora e mãe. Belo costume este de os progenitores consagrarem os filhos a Nossa Senhora!
"Qui fecerit et docuerit hic magnus vocabitur in regno coelorum". "Aquele que praticar e ensinar esse será chamado grande no reino dos céus". Assim foi Santo Antônio: praticou a virtude, ensinou a verdade, operou milagres, é o santo taumaturgo por excelência; converteu milhares de pecadores e de hereges.
Os grandes santos que hoje há gozam no céu a visão beatífica de Deus, tinha cada um sua virtude de maior predileção. Uns se fizeram admirar na terra por sua pureza, outros por sua humildade, estes por sua penitência, aqueles por sua caridade. Cada um enfim, tinha o seu característico de mérito, que o distinguia dos outros. Santo Antônio, porém, nos oferece um admirável complexo de todas as virtudes. A sua conduta foi sempre um tocante convite à perfeição e santidade. E em todos os seus atos se divisava uma solene condenação de todos os crimes. Já na idade de cinco anos ele prometeu a Deus guardar intacta a sua virgindade, em honra da pureza da Rainha dos Anjos. E esse voto, emitido em tão tenra idade, foi por ele sempre religiosamente cumprido. Em nenhum momento de sua vida o monstro hediondo da luxúria pôde manchar com sua baba impura a inocência de sua alma. A castidade, essa divina virtude, que confunde o homem com o anjo, que torna uma criatura semelhante a própria Divindade foi a mais linda flor da coroa de méritos, que sempre cingiu a sua fronte.
Depois de ter recebido uma educação religiosa entre os cônegos da Catedral de Lisboa, Antônio, contando apenas 17 anos parte para Santa Cruz de Coimbra para aí unir ao seu voto de castidade, os de pobreza e obediência. Descendente de uma família nobre, ele avistava no século uma carreira juncada de prazeres, de grandezas e de honras. Calca, porém, aos pés tudo quanto podia afagar a sua carne, e acariciar o seu orgulho, para se consagrar exclusivamente aos santos exercícios da religião e da caridade. Com as pompas e riquezas mundanas ele abandona parentes e amigos, pai e mãe, para se entregar inteiramente ao serviço de Deus.
Depois de oito anos de residência neste mosteiro, os seus confrades, não admiravam a sua vasta erudição, como também já o consideravam  como um anjo de piedade, de pureza e de caridade. Antônio, no entanto, não estava ainda satisfeito; desejava ardentemente selar a sua fé com a efusão de seu sangue pelo martírio. Para ver se realizava este seu desejo, foi se unir aos Franciscanos, que enviavam missionários a Marrocos onde então se exercia contra eles uma atroz e sanguinolenta perseguição. A Providência, porém, que lhe aguardava um outro destino, frustrou as suas heroicas tentativas. Na hora de pisar na arena, em que pretendia conquistar a palma do martírio ele foi acometido duma grave enfermidade, que o obrigou a regressar para o seu convento. Não devendo por determinação divina avistar a sua cara pátria, quando o barco que o conduzia, se aproximava das costas de Espanha, uma furiosa tempestade o arremessou para Sicília. Daí, por ordem de seu superior, partiu para o monte Paulo, para celebrar missas num convento de irmãos leigos. A sua vida neste mosteiro foi a dum verdadeiro anacoreta: jejuava a pão e água, passava as noites inteiras em fervorosas orações; fazia jorrar na terra o seu sangue sob os rudes golpes duma disciplina. Foi assim que Deus o quis preparar para o brilhante apostolado que lhe estava reservado. Aí no eremitério Santo Antônio vivia só para Deus e a santificação própria. Foi somente por uns nove meses que o Taumaturgo gozou das delícias da vida solitária. Deus, porém, achou o tempo suficiente para coroar o seu servo também diante dos homens com a coroa de glória de que a sua fronte já estava cingida diante de Deus. Sendo daí chamado para assistir a celebração dum capítulo geral ele foi por seu superior, obrigado a falar perante as mais distintas notabilidades. A vista de sua extrema modéstia e profunda humildade ninguém confiava em sua ciência e ilustração; entretanto que, apenas tomou a palavra, de seus lábios se desprenderam passagens tão admiráveis dos Santos Padres, imagens tão belas das Escrituras Sagradas, pensamentos tão sublimes e tocantes que encheram a todos os seus ouvintes de admiração e espanto. A maior parte dos religiosos, extasiados e derramando lágrimas, confessavam nunca ter ouvido um discurso tão eloquente, nem orador tão veemente. O auditório quedou estupefato, todos pendiam de seus lábios. Não restava dúvida: Deus queria revelar um apóstolo de sua palavra, queria colocar o seu servo sobre o candeeiro para com a luz de sua doutrina e exemplo de santidade iluminar os povos. Por isso será grande: "Qui fecerit et docuerit magnus vocabitur".
Assim inicia seu apostolado público convertendo milhares e milhares de pecadores. Antônio era tudo para todos, abrasado nas chamas desta caridade que não conhece exceções mesquinhas e odiosas, ele mostra os flagelos da cólera divina prontos a subterrar os perjuros, e oferece a reconciliação à consciências dilaceradas. Tão rica mas tão variada, a linguagem deste home apostólico apresenta com assombro este contraste maravilhoso, cujos efeitos são rápidos e seguros. Umas vezes é uma torrente transbordada, que precipita com estrondo suas águas espumosas; outras vezes é um rio plácido e sereno que fertiliza os campos e fecunda os prados que bordam suas margens. Aqui é o raio que espanta, estue, abrasa; ali é um fogo lento e suave, uma luz pura e silenciosa que gradualmente se fortifica e ilumina sem esforço.
Antônio depois de entornar as ondas da ciência com que o Senhor o dotara ensinando a teologia e interpretando os Livros Santos em Montpellier, em Tolosa, em Pádua, depois de reformar os costumes e a moral pública desde o interior da Itália até as províncias meridionais da França, refreia em Grenoble a audácia dos sacramentários, confunde os hereges com o aparato de seus milagres e restaura o dogma primitivo da presença real de Jesus Cristo na Eucaristia. Foi verdadeiramente um muro de ferro em torno do rebanho de Jesus Cristo, a fim de preservá-lo da surpresa dos inimigos, e uma barreira inexpugnável à inundação dos males que alagava já todo orbe. Deus o revestiu de fortaleza no meio dos acasos, entregou-lhe o coração dos príncipes e fez estalar em suas mãos a lança dos bravos, como diz a Sagrada Escritura, sem  que o som belicoso dos tambores e o tinido das espadas pudessem assustar sua firmeza, nem abalar sua constância.
O seu zelo abrasador o impelia a arguir em face os horrendos crimes dos maiores potentados da terra, como o tirano Azzelino. Combateu tão denodadamente a heresia, converteu tantos hereges que chegou a ser qualificado de martelo das heresias e flagelo de todos os hereges. São Gregório descreve todas as suas virtudes e o seu apostolado dizendo que Antônio foi um João Batista pela pureza de sua vida e austeridades de sua penitência. Um Pedro pelo seu zelo na conversão dos pecadores, Um Paulo pela força e veemência de sua pregação.
Depois de tanto amar a virtude e odiar o vício, depois de tanto combater o erro e ensinar a verdade, Antônio coroou a vida dum grande apóstolo, pela morte dum grande santo. O discípulo da Cruz não podia mais conter o incêndio de amor que o abrasava. Suas forças esgotadas com suas macerações, seus estudos, e seus trabalhos evangélicos, não podiam reagir contra a violência da febre que o devorava. Antônio está em Pádua rodeado de seus irmãos, que choram sua perda. Recebeu os últimos sacramentos. Seu rosto brilha de felicidade. Em seguida, moribundo entoou o seu hino predileto: O gloriosa Domina, excelsa super sidera. O gloriosa Senhora sublimada acima das estrelas. Depois levantou os olhos ao céu e permaneceu assim algum tempo. o irmão que o encostava nos seus braços perguntou para onde olhava e ele respondeu: "Vidi Dominum". Vi o Senhor. Afugentava com a irradiação de sua face as sombras e palidez da morte. Era o mais belo dos astros que parece aumentar seu brilho no momento em que abandona o horizonte que iluminará com os últimos raios de sua luz. Entrou em agonia e entregou sua alma ao Criador.
Eclipsara-se o astro fulgurante que tanta luz espargiu na cristandade. Fechara-se a boca que, com tanto ardor e arroubos de eloquência anunciou o Evangelho da salvação. Cerram-se os olhos que em doce enlevo contemplaram os Divino Infante, e ainda antes de se apagar a sua luz, viram a Deus na glória. Deixara de bater o coração que outra coisa não amou senão o Criador e por seu amor as almas imortais. Estava com 44 anos de idade e 10 de profissão. Era a tarde de sexta feira, dia 13 de junho de 1231.
A vista dum quadro tão majestoso e comovente, quando os povos lamentam a falta deste grande homem, quando a natureza celebra a sua feliz transição e as crianças gritam nas ruas de Pádua: morreu o santo, morreu o santo, ousarei perguntar, onde está a glória de Portugal. A honra daquele povo de Pádua? Onde está o libertador de Itália? Onde está o profeta que sufocou a blasfêmia na boca impura do heresiarca? Mas no instante mesmo que dirijo estas perguntas, ouço as vozes dos anjos que me respondem, Antônio está no céu: o Senhor é sua herança, o Senhor é sua partilha. Sim, aquele que consumiu sua existência na prática do bem, que tanto trabalhou e sofreu para ganhar milhares de almas a Jesus Cristo, que galardão, que prêmio não receberia no céu de Deus que prometeu recompensar até um como d'água dado em seu nome. Ah! Antônio contempla a verdade eterna; goza o soberano bem, está e estará eternamente abrigado no seio da própria Divindade.
"Qui fecerit et docuerit hic magnus vocabitur in regno coelorum"
Quão justa, caríssimos devotos de Santo Antônio (e qual católico não o é?) quão justa, digo, a ufania que sentis por este santo cuja língua, depois de vários séculos está conservada: "Língua bendita, diz o Padre Vieira, depois da morte, viva, antes da ressurreição, ressuscitada; apesar da terra,  incorrupta; apesar das cinzas, inteira; apesar da sepultura, imortal; a apesar dos tempos, eterna".  Nossa devoção a este santo é justa, pois ele é realmente grande: Espelho de todas as virtudes, coluna da Igreja, Doutor da verdade, Arca do Testamento, Trombeta do Evangelho. Terror dos demônios, Restituidor das coisas perdidas, Glorioso Taumaturgo, Santo do mundo inteiro. Talvez uma glória lhe faltasse: a palma do martírio. Mas foi ele mártir pelo desejo. Se belo seria Antônio trazer na mão a palma do martírio, mais belo ainda é ter nos braços o Menino Jesus, a coroa dos mártires.
Santo Antônio foi grande neste terra, maior ainda no reino dos céus. Já fez séculos que foi tomar posse do eminentíssimo lugar que tem na corte do céu. "Magnus in regno coelorum'. Mas nem por isso em todos os anos e dias de tantos séculos deixou de estar sempre conosco na terra. Quando vivia estava juntamente em diferentes lugares, agora está em todos os do mundo. Neste mesmo dia, e nesta mesma hora em que nós celebramos a Santo Antônio na América, o celebram e festejam em todos os estados dos países de todos os continentes do orbe. Nenhuma ação, pois, nem estado há nele, que nos trabalhos e necessidades a que todos estão expostos, grandes e pequenos, não invoque e chame por Santo Antônio e nenhuma voz há dos que o invocam a que ele não responda: aqui estou. "Os lavradores nos campos, diz o Padre Viera, os navegantes no mar, os soldados na guerra, os presos nos cárceres, os cativos nas masmorras, os enfermos nas doenças, os agonizantes na morte, e até os mortos nas sepulturas, acham em Antônio o consolador".
Assim, caríssimos, é tão grande o nosso santo que não há tempo para descrever todas as suas prerrogativas, tudo o que fez e ensinou. Quem poderá enumerar seus milagres? Não obstante, quem de nós não os conhece? Quem é que não tenha lido ou ouvido falar da mula do judeu Bonvillo que, por ordem do santo se prostrou de joelhos na presença do SS. Sacramento? Quem não conhece suas profecias, suas revelações de segredos íntimos, as curas maravilhosas, as ressurreições de mortos, entre os quais um, que por um instante voltou à vida para que o pai de Santo Antônio não perdesse a sua? Quem é que não conhece aquele milagre da pregação aos peixes, onde santo Antônio se fez primeiro pescador de peixes não com redes senão com a pregação da palavra de Deus, e da pescaria da mesma palavra fez as redes com pescou os homens, porque os hereges que não o queriam ouvir, com a evidência e assombro do mesmo milagre, vencidos e convencidos, se converteram.
Caríssimos, se desejais ser verdadeiros devotos de Santo Antônio, o martelo das heresias, rejeitai o Modernismo que é a reunião de todas. Imitai as virtudes de Santo Antônio e rejeitai assim o comodismo da heresia progressista. Aproveitai os belos exemplos da conduta desta santo. Com ele convencei-vos de que não podemos ser verdadeiramente felizes nem na vida, nem na morte, nem na terra nem no céu, nem no tempo, nem na eternidade, senão com pureza de consciência, com a intima e estreita amizade de Deus, com a íntegra fidelidade à doutrina tradicional, viva e perene da Santa Madre Igreja.

E vós, glorioso Santo Antônio esquecei-vos por um momento de vossa glória e felicidade eterna para lançar as vossas vistas propícias sobre os católicos que hoje imploram a vossa valiosa proteção; fazei com que do céu se derramem torrentes de graças sobre os  nossos corações. Ó martelo das heresias, não permitais  que o Modernismo continue vingando e tomando conta da Igreja. Que jamais falte na Igreja estes padres tradicionalistas para que levem os fiéis a trilhar o mesmo caminho que seguistes a assim possam pastores e ovelhas chegarem a mesmo Jerusalém celeste, e felizes convosco participem das recompensas eternas merecidas na verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém!

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