A INVEJA
"Por inveja do demônio entrou no mundo a morte, e experimentam-na os que são do partido dele" (Sab. II, 24 e 25)
O que é? É uma espécie de tristeza profunda que se
experimenta à vista do bem que se observa nos outros. É filha do orgulho,
porque quando um está convencido da própria superioridade, entristece-se, ao
ver que outros são tão bem ou melhor dotados que ele, ou que ao menos alcançam
maiores triunfos. O invejoso não gosta de ouvir louvar os outros; e então
procura-se atenuar esses elogios, criticando os que são louvados.
Muitas vezes confunde-se a inveja com o ciúme. Mas há uma
diferença, porque o ciúme é um amor excessivo do seu próprio bem, acompanhado
do temor de que nos seja arrebatado por outros. Numa palavra podemos dizer:
Tem-se inveja do bem de outrem; e tem-se ciúme do seu próprio bem.
Agora, existe uma coisa que parece inveja, mas não o é; até
pode ser uma coisa boa e agradável a Deus: é o que chamamos de EMULAÇÃO. É ela
um sentimento louvável que nos leva a imitar, igualar, e, até se possível for,
a sobrepujar as qualidades dos outros, mas por meios leais, e, até apoiando-se
na graça de Deus, leva-nos também a igualar e até a sobrepujar as virtudes do
próximo. Mas para ser uma coisa boa, ou seja uma emulação cristã, deve ser
honesta no seu objeto, isto é, ter por objeto não os triunfos, senão as
virtudes dos outros, para as imitar; deve ser nobre na sua intenção, não
procurando triunfar dos outros, humilhá-los, dominá-los senão tornar-se melhor,
se é possível, para que Deus seja mais honrado e a Igreja mais respeitada; deve
ser também leal nos seus meios de ação, utilizando, para chegar a seus fins,
não a intriga, a astúcia, ou qualquer outro processo ilícito, senão o esforço,
o trabalho, o bom uso dos dons divinos.
Vejamos algumas passagens da Sagrada Escritura em que o
Espírito Santo fala da inveja: "Por
inveja do demônio entrou no mundo a morte, e experimentam-na os que são do
partido dele" (Sab. II, 24 e 25). Por isso Jesus Cristo disse que: " O diabo é invejoso e homicida desde o
início" ; "Deixando, pois, toda a malícia, todo o
engano, dissimulações, invejas e toda sorte de detrações" (1 Pedro II,
1); "Não nos façamos ávidos da
vanglória, provocando-nos uns aos outros e tendo inveja uns dos outros"
(Gál. V, 26). "A caridade... não é
invejosa" (1 Cor. XIII, 4).
Assim podemos apontar alguns frutos diretos da inveja: ódio,
detrações, discórdias, murmurações, traições e embargos a obras de zelo.
Há na inveja uma baixa e louca malícia, que não se encontra
nas outras paixões. Estas defendem-se com seus pretextos; têm em vista algum
bem, ao menos aparente: o ambicioso quer honras, o avarento riquezas, o
voluptuoso prazeres; tudo coisas que só são desordenadas pelo desregramento da
vontade que as busca. Só a inveja não oferece nenhuma vantagem nem mesmo
aparente; tudo nela é vergonha, sofrimento e perversidade.
Quem tem sentimentos elevados, o espírito reto, e
principalmente um pouco de caridade, desejaria que todos os homens fossem
felizes; aflige-se com os que o não são; alegra-se, quando sabe que as obras de
Deus prosperam através de outros. Infelizmente, até entre aqueles que
normalmente deveriam estar isentos da peste da inveja, são por ela
contaminados. Vede os discípulos de João Batista: Vão ter com ele, e dizem-lhe: "Mestre, aquele de quem vós destes
testemunho, também batiza, e todos vêm a ele!" E, caríssimos, eis o
espírito reto e santo do Precursor: ...
"Eu não sou o Cristo, mas fui enviado diante d'Ele".. "Convém
que Ele cresça e que eu diminua" (S. João, III, 26, 28 e 30). Eis a
maldade da inveja: VÃO TODOS TER COM ELE! Mas, que mal vedes nisto? Dizem-vos
acaso que é um falso profeta, que a sua doutrina é perigosa, que a sua direção
é capaz de transviar. Não, antes pelo contrário.
São João Crisóstomo julga que os escravos desta paixão são
piores que os mesmos demônios; porque, diz o santo, perseguindo aos homens
encarniçadamente, esses espíritos malfazejos poupam os outros demônios; ao
passo que o homem invejoso se lança contra os seus semelhantes, e contra os que
ele mais deveria amar.
O próprio Espírito Santo na Sagrada Escritura mostra
exemplos dos estragos desta paixão: Ela matou Abel; os irmãos de José (do
Egito), pela inveja, desejam matá-lo, e vendem-no aos estrangeiros; a inveja lançou o profeta
Daniel na cova dos leões; e foi também a inveja que crucificou a Nosso Senhor Jesus Cristo. É este vício que tem causado a maior parte dos cismas e das
heresias. Simão Mago inveja aos Apóstolos o dom de comunicar o Espírito Santo;
Tertuliano não pode tolerar que outrem lhe seja preferido, para o episcopado;
Novaciano não é elevado à sede de Roma, como ele esperava; Lutero não é eleito
para pregar as indulgências: e daí que
resultou? Todos o sabem.
Muito tempo antes destes terríveis triunfos da inveja, tinha
ela transformado Anjos em demônios. Ela tinha introduzido a morte no mundo,
introduzindo nele o pecado. Que lágrimas tem feito derramar à Igreja, dividindo
entre si os seus ministros, que deviam proteger-se uns aos outros, e que
algumas vezes se têm despedaçado mutuamente, com grande escândalo das almas, e
proveito do inferno!
E, no entanto, vício tão terrível, tão horroroso, tão
maligno e diabólico é muito comum. Ninguém se admirará muito por descobrir o
seu germe em tantos corações, se se considerar que não há paixão mais universal
que a soberba, e que a primeira filha da soberba, é a vanglória, da qual nasce
logo a inveja. Vejam como isto, infelizmente é verdade: Até depois da descida
do Espírito Santo, num Clero tão puro e tão fervoroso, São Paulo acha
invejosos: "É verdade que alguns
pregam a Cristo por inveja..." (Fil. I, 15). Ah! caríssimos, se esta
miserável paixão ousou manifestar-se num tempo em que o martírio era a
recompensa ordinária do ministério sacerdotal; quem se admirará de que ela se
haja introduzido até entre nós, clérigos e leigos?
Caríssimos, quando formos comungar, isto é, receber o Deus
de toda misericórdia, de toda humildade, supliquemos-Lhe que preserve a nossa
alma de um paixão tão diabólica. Que Nosso Senhor Jesus Cristo nos dê um
espírito de paz, de caridade de união para unidos procurarmos sempre e
unicamente a maior glória de Deus. Amém!
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