quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

A GULA

A GULA

LEITURA MEDITADA - Dia 18 de fevereiro

A gula é o gosto desordenado pelos prazeres no comer e no beber. Para a conservação da vida Deus mesmo quis que um prazer legítimo acompanhasse o comer e o beber. A desordem consiste em procurar o prazer do alimento, em si mesmo, considerando-o explícita ou implicitamente como um fim. Como diz São Paulo, os gulosos fazem do seu ventre um deus: "Quorum Deus venter est" (Filipenses, III, 19). Também caracteriza gula quem procura o alimento com excesso, sem respeitar as regras que dita a sobriedade, algumas vezes até com prejuízo da saúde. Quem é dominado por este vício capital, parece que não come para viver, mas, ao contrário, vive para comer.

Vamos detalhar mais esta questão para se precaver melhor contra este defeito muito mais danoso do que se pensa, e tanto para a salvação como para a saúde. De quatro maneiras  pode alguém pecar de gula: 1 - comer antes de sentir necessidade, fora das horas marcadas para as refeições, e isto sem motivo legítimo, mas só para sentir o prazer;  2 - buscar iguarias especiais ou preparadas com demasiado apuro, para gozar dela mais; 3 - ultrapassar os limites do apetite ou da necessidade, ou seja comer ou beber demais, prejudicando, além da alma, também a saúde do corpo. 4 - comer com avidez, com sofreguidão, como fazem certos animais. Ensina a medicina que se deve comer de vagar, mastigando de 20 a 30 vezes cada bocado.

Assim não é difícil averiguar como a gula escraviza a alma ao corpo; materializa o homem, enfraquece a sua vida intelectual e moral. Conduz ao prazer da volúpia, ou luxúria.

O piedoso autor do Livro da Imitação de Cristo diz: "Prouvera a Deus que fôssemos isentos dessas necessidades, e que não tivéssemos que pensar senão no alimento espiritual que, infelizmente, raras vezes saboreamos".

Ouçamos a Santo Agostinho: "Enquanto espero, ó meu Deus, que destruais os alimentos e o estômago que os consome, e que acalmeis o fome que me devora, saciando-me de Vós mesmo, e revestindo de perpétua incorruptibilidade este corpo corruptível: sinto-me obrigado a reparar dia a dia os estragos, por meio da bebida e da comida... Porque é forçoso que esta necessidade se haja de converter em prazer? Tenho o cuidado de o combater, para me não deixar dominar; mas, por mais que empregue o jejum, para reduzir o corpo à escravidão: o incômodo do jejum não acaba senão pelo prazer da refeição" ... "Vós mesmo, Senhor, é que me ensinastes a usar dos alimentos apenas como remédios. Mas, no espaço de tempo que emprego em passar do estado de fome àquele que a mitiga, arma-me a concupiscência nessa passagem uma cilada: porque essa mesma passagem é uma prazer; e eu não posso chegar por outro caminho àquele alívio que a necessidade me impõe... Nem chegamos a saber, muitas vezes, se é a necessidade do corpo que nos obriga a comer, ou se é o prazer que nos seduz; e a nossa alma é tão infeliz, que até gosta desta incerteza que é para ela uma desculpa sempre à mão: pois ela sente-se bem, por não saber onde estão os limites do que requer a saúde, afim de ter pretexto de satisfazer o seu prazer" (Livro das CONFISSÕES, L. X, c. XXXI).

O demônio empregou esta arma com tão bom êxito no Paraíso terrestre contra o primeiro Adão, que julgou devia começar por ela o combate que ousou travar com o novo Adão no deserto: "Aproximando-se dele o tentador, disse-Lhe: Se és o Filho de Deus, dize a estas pedras que se convertam em pães" (S. Mateus, IV, 3). É por meio desta  tentação ainda, que ele ataca as almas mais elevadas, e que as  faz cometer inumeráveis pecados veniais. São Paulo recomendava a sobriedade, ao mesmo discípulo cuja temperança tinha censurado em outra epístola, como excessiva. Trata-se do Bispo Timóteo: "É necessário que o bispo seja sóbrio...  (1 Tim. III, 2) e "Sê sóbrio" (2 Tim. IV, 5);  "Não continues a beber água só, mas usa de um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades".  Como se trata da Palavra de Deus, vê-se, que neste caso, ou seja, em pouca quantidade e como benefício à saúde, não só não é pecado, mas recomendável pelo Espírito Santo.

Caríssimos, na guerra que devemos fazer aos nossos vícios e principalmente ao da gula, recomenda-se-nos, antes de tudo, uma contínua vigilância. Se chegamos ao combate, sem o ter previsto, seremos fracos. Os sentidos dominaram a primeira parte da nossa vida, pois a infância por eles se rege em quase tudo; ficam por isso sempre prontos para recobrar o seu império. Enquanto o homem sensual sucumbe aos prazeres  do apetite e do gosto, o homem mortificado modera-se, espera antes de começar a comer. Vai para a mesa como o soldado para o combate, e começa a sua refeição com uma vitória, alcançada contra a sofreguidão. Na verdade, nas refeições devemos estar sempre alegres pensando na bondade de Nosso Pai do Céu. Abençoai, Senhor, a mesa deste lar, e na Mesa do céu, reservai-nos um lugar.

Devemos atender a saúde: sabendo por experiência e melhor ainda por indicação médica, que certo alimento é bom para a minha saúde, eu o tomo mesmo se não me é gostoso. E, se ao contrário, se me é muito gostoso, mas para a minha saúde não é bom, não o tomo. Duplo benefício, se oferecer isto como penitência por amor a Jesus.

Um bom conselho: No momento da tentação, oponhamos ao prazer que ela promete, o gozo que brevemente sentiremos de a ter vencido, a pena e as consequências que nos viriam da nossa fraqueza. Para avaliar a importância deste combate, lembremo-nos que não se trata somente de um ato passageiro, da iguaria que se come ou do copo que se bebe, mas de uma multidão de atos semelhantes, sobre os quais ele influirá. Se agora cedo, terei mais tarde menos energia para resistir; ao contrário, se venço, esta vitória me facilitará um grande número de outras. De uma abstinência ou de uma fraqueza passageira, pode depender uma larga série de bens ou de males, a liberdade ou a escravidão da minha alma.


Terminemos com São Vicente Ferrer: "Se por amor a Jesus Cristo, vos privais de tudo o que na comida serve só para agradar ao paladar, sem ser útil à saúde, não duvido que ele vos preparará a doçura das suas consolações, e que vos parecerão saborosos os alimentos frugais com que vos contentais, para lhe agradar". Amém!

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