(CONTINUAÇÃO)
IV [c]
A Santíssima
Eucaristia
Todos nós, caríssimos filhos, fomos formados no mais
entranhado amor e na mais profunda reverência para com a Santíssima Eucaristia,
o Sacramento de nossos altares. Na Sagrada Hóstia temos a convicção de que está
vivo Nosso Senhor Jesus Cristo, tão real e verdadeiramente como está nos Céus.
De pão, como, no cálice, de vinho, só se conservam as aparências, porquanto no
momento da consagração toda a substância de pão e toda a substância de vinho se
transformaram no Corpo e no Sangue da Santíssima Humanidade de Jesus Cristo,
indissoluvelmente unida à Pessoa adorável do Filho de Deus. Essa mudança total,
a Igreja definiu no Concílio de Trento (Sess. XIII), cap. IV e cânon 2),
chama-se transubstanciação. Por isso, porque na Sagrada Hóstia não há nada da
substância de pão, mas foi tudo transmudado no Corpo de Cristo, por isso,
dizemos, nós rendemos a mesma adoração a qualquer parte, ainda que mínima, da
Sagrada Hóstia, e tomamos todo o cuidado com os fragmentos que notamos na
patena.
Os construtores do novo cristianismo não pensam assim. Eles
não conhecem a doutrina definida infalivelmente pelo Concílio de Trento. Para
eles a Eucaristia não passa de um símbolo. O pão significa a presença de
Cristo, passa a indicar o alimento espiritual. Por isso mesmo, não creem eles
que se deva ter grande atenção aos fragmentos da Sagrada Hóstia, pois, dizem,
segundo o senso comum um fragmento não é pão. Com isso deixam pairar dúvida
sobre o que foi sempre o centro da piedade cristã, o Santíssimo Sacramento, a
Vítima do Sacrossanto Sacrifício da Missa que permanece nos nossos sacrários
para conforto na nossa via dolorosa em demanda da Pátria.
As visões da Mãe de Deus acenderam nos corações dos
pastorinhos de Aljustrel um amor ardente ao Deus escondido. Eles, especialmente
Francisco, passavam horas em adoração ao Deus velado no sacrário. Eis,
caríssimos filhos, como havemos nós também de concorrer para o crescimento do
Corpo Místico de Cristo que é a Igreja. Meditando, visitando e adorando o
Santíssimo Sacramento. É ele o centro da vida da Igreja. Pois ali temos o Deus
conosco para nosso conforto, e como penhor de nossa vida eterna.
Nova noção de milagre
Outro ponto fundamental da formação católica que os mestres
do novo cristianismo igualmente deturpam refere-se à credibilidade da Religião
revelada. Pois, de fato, contendo embora mistérios que ultrapassam a capacidade
intelectual criada, a Religião Católica não se impõe arbitrariamente ao fiel.
Está muito longe do "crê ou
morre" dos muçulmanos. É ela um
"rationale obsequium" não
somente enquanto envolve a humildade da inteligência que se curva diante da
Verdade incriada, mas também porque essa submissão não é cega, e sim plenamente
justificável. E a justificação, que torna racional nosso assentimento às
verdades reveladas, são especialmente os milagres operados pela Onipotência
divina em abono da Revelação. O milagre vem a ser uma interferência de Deus
Nosso Senhor à margem das leis da natureza, pela qual Ele produz um efeito que
é inexplicável pela ordem natural das coisas, e que Ele assume com seu selo
divino para comprovar a autenticidade da doutrina revelada por Ele, ou por seu
profeta. Jesus Cristo aos judeus incrédulos apresentava como prova da verdade
de sua doutrina os milagres que fazia: "Si
mihi non vultis credere, operibus credite
- Se não quiserdes crer em mim,
crede nas minhas obras" (Jo. 10, 38), nos meus milagres que dão
testemunho de que minha doutrina é realmente de Deus. No decurso da história da
Igreja, Deus tem agido da mesma maneira. Ainda em Fátima, para autenticar junto ao povo
que os pastorinhos recebiam de fato a visita e a mensagem de Nossa Senhora, fez
Ele o milagre do sol, que se desprendeu da abóbada celeste e caminhou em
ziguezague sobre a multidão, enchendo-a de pavor.
Por isso mesmo, pela importância que têm os milagres como
obra realizada imediatamente pela Onipotência divina, e, pois, como meio para
autenticar a mensagem celeste, a Santa Igreja em Concílios e outros documentos
de seu Magistério firmou a possibilidade, natureza e valor probativo dos
milagres. Veja-se, por exemplo, o Concílio Vaticano I, Sess. III, cap. IV,
cânones 3 e 4, ou o juramento antimodernista.
Pelo exposto, vedes, amados filhos, como apreciar a
tentativa de dar às ações miraculosas uma explicação natural, sob pretexto de
que Deus não iria contrariar uma natureza que Ele mesmo fez. Tal explanação não
mantém, mas subverte totalmente a Religião Católica. Sem milagres, o Cristianismo
não passaria de uma filosofia irracional, porquanto é firmado nos milagres
operados por Jesus que nós sabemos que os mistérios por Ele revelados são de
fato verdades divinas, e a eles assim aderimos com todas as veras de nossa
alma. Aceitar mistérios sem ter a certeza de que realmente Deus os revelou, é
agir irracionalmente. Não pretendamos, a título de reverência para co a obra de
Deus que é a natureza, coibir o Senhor dessa mesma natureza de superá-la quando
Lhe parecer conveniente para os seus inefáveis fins. E tenhamos a certeza de
que Deus Nosso Senhor acompanhará sempre sua Igreja aprovando-a com milagres
verdadeiros como já fez no início do Cristianismo, quando acompanhou com
prodígios a pregação dos Apóstolos (cf. Marc. 16, 20).
Os exemplos propostos são suficientes para perceberdes,
amados filhos, como os mestres do novo cristianismo de fato subvertem
completamente a Religião Católica. Servem também para que vos mantenhais
vigilantes contra tão nefastas inovações.
O Magistério não
infalível
Certamente tereis percebido, amados filhos, pelos exemplos
aduzidos, uma atitude estranha nesses inovadores. Há neles, de fato, uma
ausência completa de atenção para com o Magistério supremo da Igreja, quer
ordinário, quer solene, mesmo em Concílios com definições infalíveis.
É certo que o Concílio Vaticano I definiu que o Magistério
do Romano Pontífice é infalível em determinadas condições. Não definiu que,
faltando tais condições, seja o Soberano Pontífice igualmente infalível. Seria
absurdo, no entanto, daí concluir que o Papa erra sempre que não faz uso de sua
prerrogativa de infalibilidade. Pelo contrário, ainda quando não se reveste
desta prerrogativa, devemos supor que ele acerte, porquanto normalmente age com
prudência e não emite sua opinião antes de muito ponderar. Para não falar nas
graças especiais com que o assiste o Espírito Santo. Por isso é de todo
inaceitável a atitude leviana daqueles que não fazem caso dos Documentos da
Santa Sé, que não vêm sigilados com a nota de infalibilidade. Pois esses Documentos
obrigam a uma aceitação interna que só poderia ser recusada na hipótese de
haver engano patente no que eles trazem, ou porque abertamente contrário a toda
a tradição da Igreja, ou porque evidentemente falso. O que é absolutamente
inadmissível é considerar, sem mais, peremptos documentos solenes do Magistério
ordinário como as Encíclicas doutrinárias, especialmente as escritas para
dirimir questões ou apontar erros relativos à Fé, como por exemplo a "Pascendi Dominici Gregis" de
São Pio X, contra o modernismo, ou a "Humani
Generis" Pio XII, contra o neomodernismo. Especial atenção merecem
também os Documentos do Magistério ordinário quando Papa sucessivos, por um
espaço suficientemente longo, repetem neles os mesmos ensinamentos. Temos neste
fato um sinal de que tal doutrina faz parte do depósito de Fé confiado à Santa
Igreja.
Não compreendemos, portanto, como se possa formar católicos,
ignorando totalmente a fonte mais próxima da verdade revelada, que é o
Magistério vivo. Só por semelhante atitude se tornam suspeitos os fautores de
um novo cristianismo. Certamente não é desta maneira que se realizará o "aggiornamento" de que tanto
falava João XXIII. Como este Papa e seu Sucessor gloriosamente reinante, Paulo VI, entendem o "aggioranmento", já vos expusemos em Nossa Carta Pastoral a propósito da aplicação dos Documentos promulgados pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, datada de 19 de março do ano findo. Não há, pois, motivo para que retornemos sobre o mesmo assunto.
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