(CONTINUAÇÃO)
III
Estes pontos todos [Lições de Fátima, apresentadas no fim do
capítulo II - postagem anterior] concordam perfeitamente com o ensino
tradicional da Igreja. É na visão celeste da Corte angélica que cresce no
coração dos fiéis a confiança da Bondade Divina, que tão amorosamente
providenciou os guias de nossa peregrinação terrena.
Sobre a Virgem Santíssima, de há muito a doutrina constante
da Sagrada Hierarquia e a piedade ativa dos fiéis a associaram à obra redentora
de Nosso Senhor Jesus Cristo, seu Divino Filho. Como por Maria recebeu o mundo
ao Salvador, assim por Maria receberam os homens os frutos da Redenção. A
Virgem Santíssima é chamada a Onipotência suplicante, por quanto está sempre a
interceder por nós, e suas preces são sempre aceitas do Pai Eterno. Mais; por
disposição da Providência, nenhuma graça desce do Céu à terra si se não
interpuser a intercessão de Nossa Senhora. Como corolário dessa doutrina
tradicional da Igreja, Nosso Senhor determina, em Fátima, que a salvação do
mundo Ele a concederá por meio do Imaculado Coração de sua Mãe Santíssima.
Nessa mesma ordem da Providência estão as graças especiais concedidas à reza do
rosário mariano, como, aliás, já consta da história eclesiástica, desde que foi
essa devoção introduzida entre os fiéis.
As guerras e calamidades, desde o Antigo Testamento, são
apresentadas como consequência do pecado, e é doutrina tradicional que, como
todos os males, também elas entraram no mundo pelo pecado original, fonte dos
demais outros.
Importa, no entanto, nos detenhamos mais sobre o espírito de
reparação, a penitência e a consideração sobre o inferno.
Reparação e
penitência
Ao espírito de reparação, a compaixão nos sofrimentos do
Divino Salvador e, consequentemente, nos de sua Mãe Santíssima, nos convidam as
expressões cheias de ternura do Discípulo amado que auscultou o Coração de
Jesus, e as queixas amorosas do próprio Divino Salvador. A palavra de São João,
"Sic Deus dilexit mundum ut Filium
suum Unigenitum daret - Deus de tal maneira amou o mundo que entregou seu Filho
Unigênito" ( Jo. 3, 16), soa como um brado a despertar em nossos
corações as fibras da gratidão; e a de Jesus Cristo, no Horto das Oliveiras,
quando se viu oprimido pelos nossos pecados, e triturado pelas nossas ofensas: "Non potuistis una hora vigilare
mecum? -
Não pudestes vigiar uma hora apenas comigo?" (Mat. 26, 40), é uma
amorosa censura por nossa falta de compaixão nos seus sofrimentos.
A penitência, a mortificação dos sentidos e da própria
vontade são parte essencial da doutrina de Jesus Cristo, constantemente pregada
pelos Apóstolos e pela Santa Igreja. É ela condição indispensável para que a
pessoa possa entrar no Reino de Deus: "Fazei
penitência, porque se aproxima o Reino de Deus" (Mat. 4, 7), prega-nos
Jesus Cristo. "Fazei penitência e
seja cada um de vós batizado no nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos
pecados" (At. 2, 38), confirma o Príncipe dos Apóstolos. Por seu
turno, a mortificação, à imitação de Jesus Cristo, obediente até à morte, e
aceitando todos os sofrimentos que torturaram seu Corpo sacrossanto, deve
acompanhar o fiel que deseja manter sua união com o Divino Salvador: "Trazemos sempre em nosso corpo os
traços da morte de Jesus para que também a vida de Jesus se manifeste em
nós" ( 2 Cor. 4, 10), diz São Paulo de si mesmo, e recomenda a mesma
norma aos seus discípulos: "Se
viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se, pelo Espírito [isto é,
a graça de Deus], mortificardes as obras
da carne, vivereis" (Rom. 8, 13). Depois, a Igreja inculcou sempre aos
seus filhos o espírito de penitência. Foi este espírito que povoou os desertos
com os santos anacoretas, como foi a renúncia até à morte que deu energia aos
Mártires para sofrerem os mais atrozes tormentos por Jesus Cristo. E todos os
grandes Santos, os Patriarcas das Ordens e Congregações religiosas puseram
sempre a penitência como fundamento para chegarem, eles mesmos e seus
discípulos, à vida de união com Jesus Cristo.
A natureza decaída exige
a penitência
A razão por que a penitência é assim tão necessária é a
concupiscência que habita em nosso corpo de pecado. É a lei da carne que se
opõe à virtude: "Sinto nos meus
membros, diz São Paulo, outra lei que
luta contra a lei de meu espírito e que
me prende à lei do pecado, que está no meu corpo" (Rom. 7, 23). Este
fato, esta luta, esta contradição íntima de nossa natureza, que nos leva a
fazer o mal que reprovamos, é que nos obriga a uma vigilância, uma mortificação
contínua, a fim de que, auxiliados pela graça de Deus, em nós não domine o
pecado, mas vivamos segundo o Espírito de Jesus Cristo. A exortação, pois, do
Salvador no Jardim das Oliveiras, "vigilate
et orate ne intretis in tentationem" (Mat. 26, 41), vale para todos os
tempos. Oração e penitência recomenda Maria Santíssima em Fátima, para a
conversão dos pecadores.
De fato, a oração e a penitência, assumida com espírito de
reparação, à imitação de Jesus Cristo, não apenas valem para o fiel que as
pratica, como o torna colaborador na obra redentora do Filho de Deus, conforme
a palavra do Apóstolo: "Alegro-me
nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo,
completo na minha carne por seu corpo que é a Igreja" (Col. 1, 24).
Em suma, deve o cristão, para santificar-se e colaborar na
conversão dos pecadores, levar uma vida nova, santa em Cristo Jesus, e isso
dele pede que, pela mortificação contínua dos seus membros, renuncie ao que há
de mundano: a devassidão, a impureza, as paixões, os maus desejos, a concupiscência,
a ira, a cólera, maledicência, a maldade, as palavras torpes, etc. (Cf. Col.,
3, 5-8).
Não há dúvida que a luta que se pede ao fiel é um combate
duro, porquanto o inimigo é interno, aliciante e, bem manejado pelo Príncipe
deste mundo, é sem a graça de Deus, invencível.
Benefícios da
meditação sobre o inferno
Uma dessas graças que devem ser arroladas entre as forças
que vencem nossas tendências para o mal, é a consideração dos novíssimos,
conforme a expressão da Escritura: "Memorare
novissima tua, et in aeternum non peccabis" (Ec. 7, 40). E entre os
novíssimos o que causa maior impressão e, por isso, goza de especial eficácia
para arrancar o homem animal, que somos, ao vício, e orientá-lo à prática da
virtude, é o inferno com suas penas eternas, a perda da bem-aventurança e o
fogo interminável.
Frequentes vezes propôs o Salvador o fogo inextinguível do
inferno como meio para levar seus discípulos à prática dos Mandamentos: Se a tua mão for para ti ocasião de queda,
corta-a; melhor te é entrares na vida eterna aleijado, do que, tendo duas mãos,
ires para a geena, para o fogo inextinguível [...]. Se o teu pé for para ti
ocasião de queda, corta-o fora; melhor te é entrares na vida eterna aleijado,
do que, tendo dois pés, seres lançado à geena do fogo inextinguível [...]. Se o
teu olho for para ti ocasião de queda, arranca-o; melhor te é entrares com um
olho de menos na Reino de Deus do que, tendo dois olhos, seres lançado à geena
do fogo, onde [...] o fogo não se apaga" (Marc. 9, 42 ss.). Em São
Mateus, o Senhor nos adverte que não devemos temer os que matam o corpo, mas
não podem matar a alma, pois devemos "temer
antes Aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena" (Mat. 10,
28). O mesmo intencionava o Salvador, quando declarava a sentença do Juízo
Final: "Ide, malditos, para o fogo
eterno que foi preparado para o demônio e seus anjos" (Mat. 25, 41).
Idêntica doutrina, igual exortação encontramos nos escritos
dos Apóstolos. São Paulo frequentemente adverte que os pecadores não possuirão o
Reino de Deus, e São João, no Apocalipse, assim fala do castigo eterno que
aguarda os sequazes do demônio: "Se
alguém adorar a fera e a sua imagem, e aceitar o seu sinal na fronte ou na mão,
há de beber também o vinho da cólera divina, o vinho puro deitado no cálice da
sua ira. Será atormentado pelo fogo e pelo enxofre diante dos seus Santos anjos
e do Cordeiro. A fumaça do seu tormento subirá pelos séculos dos séculos [isto
é, eternamente]. Não terão descanso
algum, dia e noite, esses que adoram a fera e a sua imagem, e todo aquele que
acaso tenha recebido o sinal do seu nome" (14, 9-11). Mais abaixo
volta a falar da pena que espera os pecadores: "Cada um foi julgado segundo suas obras [...]. A segundo morte é
esta: o flagelo do fogo. Se alguém não foi encontrado no livro da vida, foi
lançado ao fogo" (20, 13 ss.).
Com semelhante doutrina, não admira que os autores ascéticos
proponham a meditação do inferno como salutar para obter a conversão e salvação
dos pecadores e, mesmo, o afervoramento dos bons, porquanto o inferno também
nos mostra o amor que Jesus nos teve liberando-nos de cativeiro tão horrendo.
Vem a propósito salientar que Santo Inácio de Loyola no Livro dos Exercícios
Espirituais - livro elogiado e recomendado por inúmeros
Papas -
entre as meditações fundamentais da primeira semana, a semana que deve
determinar a conversão do exercitante, coloca a reflexão sobre o inferno precisamente
à maneira como Nossa Senhora o propôs aos videntes de Fátima: falando
intensamente aos sentidos.
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