(CONTINUAÇÃO)
IV [b]
O pecado original e a
redenção
Outro ponto essencial da doutrina católica deturpado pelos
mestres do novo cristianismo é o pecado original. Uma noção falsa sobre esse
dogma de nossa Fé falseia o conceito de Redenção, verdade igualmente
fundamental em toda a economia da salvação misericordiosamente estabelecida por
Deus Nosso Senhor. Por isso, vamos aqui recordar o que todos sabeis, caríssimos
filhos.
O pecado original é o pecado com que todos fomos concebidos,
com exceção da Virgem Maria, dele isenta pelo especial privilégio da Conceição
Imaculada, e de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja concepção virginal o punha fora
de lei do pecado, pecado aliás que vinha Ele destruir no mundo.
O pecado original consiste na ausência da graça
santificante, ausência que nos faz inimigos de Deus, incapazes de entrar no
Céu. Nós nascemos com esse pecado porque pertencemos à família de Adão, à
progênie do primeiro homem. Adão foi criado por Deus com a graça divina e ainda
adornado de outros dons também gratuitos, que tornavam sua natureza de uma
excelência superior à que de direito lhe seria devida. Essa graça santificante
e esses dons preternaturais, Adão, segundo os desígnios de Deus, os transmitiria
à posteridade, se obedecesse a um mandato divino. Mas, ele desobedeceu, e como
castigo desse pecado perdeu a graça santificante e os demais dons que
enalteciam sua natureza. Tornou-se inimigo de Deus, incapaz de entrar na vida
eterna do Paraíso; e essa situação do primeiro chefe da família humana
tornou-se a situação de toda a sua família, de toda a sua progênie, excetuadas
as duas Pessoas que acima lembramos. Deus, no entanto, na sua infinita bondade,
não quis que essa situação permanecesse irreparável. Enviou um Redentor, capaz
de dar-Lhe uma reparação condigna, mesmo acima do que exigiria a justiça. Esse
Redentor é Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, por obra do
Espírito Santo, e nascido da Virgem Maria. Foi Ele, nosso Salvador, que com sua
ignominiosa morte de Cruz, na qual consumou a obediência ao Pai Celeste,
reparando a desobediência do primeiro homem, nos remiu, nos resgatou do
cativeiro do demônio, nos restituiu a graça santificante, tornou-nos novamente
capazes da amizade divina, da vida eterna do Paraíso no seio de Deus.
Tudo isso se encontra sintetizado na frase de São Paulo aos
romanos: "Como pelo pecado de um só
a condenação se estendeu a todos os homens, assim também por um só ato de
justiça recebem todos os homens a justificação que dá a vida. Assim como pela
desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim pela
obediência de um só todos se tornarão justos" (Rom. 5, 18-19).
E para que não houvesse dúvida sobre o sentido das palavras
de São Paulo, e sobre a verdade revelada, o Concílio Tridentino explanou,
contra os erros dos protestantes, em um Decreto de sua Sessão V, toda a
doutrina católica sobre o pecado original. Esse decreto consta de uma
introdução, cinco cânones e uma consideração final sobre a condição especial de
Maria Santíssima nesta matéria. Nos cânones, o Sacrossanto Concílio ensina que
Adão, primeiro homem, pessoal e livremente transgrediu um preceito divino, e
com essa transgressão perdeu a santidade e a justiça em que tinha sido constituído,
e incorreu na ira e indignação de Deus, ficando sujeito à morte e ao cativeiro
de demônio (cânon 1); que a prevaricação de Adão prejudicou não só a ele, mas a
toda a sua descendência, a qual, por isso mesmo, perdeu a santidade e a justiça
recebidas de Deus no seu progenitor; e mais ainda, que Adão transmite à sua
posteridade não somente a morte mas o mesmo pecado que é a morte da alma (cânon
2). O cânon 3 declara que o pecado original se transmite pela geração e não por
imitação, como queriam os protestantes, e que se apaga não por forças naturais,
mas pelos merecimentos de Jesus Cristo que a Igreja aplica, quer às crianças
como aos adultos, no Sacramento do Batismo; os cânones 4 e 5 afirmam que as
crianças recém-nascidas devem ser batizadas para que nelas se apague o reato do
pecado original, porquanto o Batismo apaga a própria culpa e não apenas a risca
ou faz com que não seja imputada ao fiel.
Como vedes, caríssimos filhos, é a mesma doutrina que
aprendestes nos vossos primeiros anos de infância, ou nas aulas de catecismo ou
dos lábios de vossas mães. Também compreendeis que se trata de ponto essencial.
É o dogma do pecado original que nos faz como que sentir as profundezas do amor
com que Deus Nosso Senhor nos amou. Ele que dá a compreensão do que dizemos com
inefável esperança na Santa Missa: "Deus
qui humanam substantiam mirabiliter condidisti et mirabilius reformastis".
Pois realmente, se há um ato maravilhoso da onipotência divina ao criar os
seres do nada, de longe o supera em maravilha a caridade dom a qual Deus vem ao
homem pecador para transformá-lo de inimigo em filho adotivo, em membro de sua
família, conviva de sua mesa! Destruí o dogma do pecado origina, e esvaziareis
as alegrias com que a Igreja canta o "Exsultet"
na vigília da Ressurreição.
Tudo isso, amados filhos, é verdade, e antigo como a Igreja,
e não precisamos gastar tempo para vos convencer. Não obstante, os mestres do
novo cristianismo tentam anular a base de todas essas consolações com seu
conceito novo do pecado original. Para eles, o pecado original não é a
desobediência voluntária de Adão, que acarretou para cada um dos seus
descendentes a ausência da graça e o estado de pecado. O trecho de São Paulo
aos romanos seria um "gênero
literário", ou seja, uma maneira de expressar um pensamento diverso
daquele que as palavras literalmente exprimem. O pecado original que nos
contamina não seria o pecado de Adão, primeiro homem, mas o pecado do homem em
geral, o pecado do mundo, o pecado da humanidade tomada como um todo!
Cremos que não é preciso insistir mais para se ver como tal
doutrina interpreta arbitrariamente a Sagrada Escritura, não faz o menor caso
do Magistério infalível, anula o caráter moral que há na Redenção, e prepara
uma concepção gnóstica do Cristianismo.
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