segunda-feira, 18 de abril de 2016

Estranhas declarações

Artigo extraído do livro "a TEMPO E CONTRATEMPO" escrito por Gustavo Corção.

   A EXPERIÊNCIA secular ensina que, depois de certo tipo de erro, as explicações só servem para agravá-lo. Diz-se, então, que a emenda saiu pior do que o soneto. E foi precisamente isto que se verificou no caso dos sonetos improvisados pelo Padre Comblin: seus companheiros de convicções ou de lutas produziram emendas visivelmente desalinhavadas e ainda mais comprometedoras do que a peça inicial.

   Consideremos, por exemplo, o que disse à imprensa em Recife, Monsenhor Marcelo Carvalhera, Diretor do Instituto de Teologia do Recife e Vigário Episcopal da diocese. Entre outras coisas, elucidou que o documento divulgado, em que o Padre Comblin pregava uma arrancada revolucionária para a conquista do poder, destinava-se somente aos teólogos. E aí está o que vem agravar a situação.

   Até ontem imaginávamos todos que o palavrório do Padre Comblin pertencesse ao revolucionarismo barato e inofensivo que se ensina escancaradamente no Colégio do Brasil, nas missas dominicais e nas colunas ocupadas pela intelligentzia que se julga obrigada a um socialismo em falsete para compensar a macia futilidade da vida de seus membros. 

   Seria mais um papel das esquerdas, mais um xerox ou termofax, mais um fazer-de-contas que estamos tramando uma revolução perto da qual a russa empalidecerá. A facilidade com que me veio às mãos o programa do Padre Comblin parecia-me a sólida garantia de sua ineficácia, trazia-me tranquila certeza de seu caráter estratosférico e bocó. 

   Agora vejo, aterrado, que tenho agentes habilíssimos, e que só por uma requintada trama de operações consegui obter, quase no dia seguinte, o papel revolucionário que se destinava exclusivamente aos teólogos. E agora sabemos que existe, em Recife e pelos arredores, uma sociedade secreta de teólogos organizada para a conquista do poder, para implantação de novas estruturas neste atrasado país sul-americano.

   Na página 6 do documento secreto destinado exclusivamente aos teólogos de tal sociedade secreta, lemos com terror: "A CONQUISTA DO PODER - Esta supõe a formação de um grupo coerente, unido, capaz de uma ação de conjunto. Provavelmente com lideranças carismáticas". O grupo coerente já se revelou: são os teólogos a que se destinavam as cópias do manifesto; quem será agora o "líder carismático?"

   (...)

   Há ainda uma declaração do mesmo Monsenhor que me deixa pensativo. Diz ele que o documento foi escrito em oito horas, e por isso não pôde sair mais polido. Não imagino bem a natureza que teria tal polimento, nem me deterei neste problema porque todas as potências da alma me levam em outra direção mais fascinante: além de secreto, o documento era urgente.

   Estamos em pleno ambiente revolucionário. Sinto cheiro de pólvora e já ouço o gemido dos feridos trazidos nas padiolas. E por toda a parte só vejo teólogos. Teólogos compondo artigos revolucionários, teólogos estudando planos de batalha, teólogos distribuindo granadas, teólogos empunhando metralhadoras. teólogos nos paióis e nas cantinas.

   O leitor antiquado imaginava, como eu, que o teólogo, habituado a cuidar de problemas transcendentes, sub specie aeternitatis, fosse um homem pausado, sem pressas e sem ardores de combates sanguinários. Agora vemos que, nos arredores de Recife, a teologia desinteressou-se dos mistérios da Trindade e da Encarnação, para cuidar da nova estruturação da América Latina. Creio ter entendido que se trata de Teologia Pastoral. Estranha, estranhíssima pastoral essa que consiste em dispersar o rebanho, e até em entregar as ovelhas aos lobos.

   Um dos mais belos quadros evangélicos - "Eu sou o Bom Pastor..." - se transforma em painel de carnificina. Mas o que mais me intriga em todo esse amontoado de prodígios da humana imbecilidade é a completa falta de motivação para a campanha encorajada pelo teólogo Comblin. Ele e seus adeptos sonham uma espécie de socialização furiosa e total que, além de ser categoricamente desaconselhada por três ou quatro papas, é ainda mais categoricamente desaconselhada pela experiência.

   O mundo inteiro sabe hoje que não é a socialização total o melhor remédio para as paralisias sociais. O mundo inteiro sabe que os países subdesenvolvidos como o nosso são mais vítimas dos maus governos que tiveram do que das espoliações imperialistas. Mas os teólogos das cercanias de Recife não sabem nada, não leram nada, não se lembram de nada. Obnubilados por uma paixão revolucionária que traduz um ressentimento profundo, só pensam em motins, em guerrilhas, em lideranças carismáticas e em metralhadoras. 

   Volto ao espanto anterior. Disse o Padre Comblin que o seu trabalho foi escrito em oito horas, sem tempo para melhor polimento. São doze páginas de espaço um. Imagino facilmente o afã febricitante com que foi escrito, se realmente como dizem, foi escrito em oito horas. E agora torno a perguntar com uma obsessiva e obtusa perplexidade: por que oito horas? Por que essa pressa? Como se explica tamanho nervosismo teológico? De onde vinha a urgência?

   E volto à anterior convicção: o documento, sem as explicações, explicava-se pela onda de tolice que corre mundo; com as explicações torna-se tenebrosamente inexplicável. Sim, ao menos para mim, porque não consigo acreditar que padres de Jesus Cristo tenham tamanha cegueira para não ver o que seria um comunismo sul-americano, ou tamanha perversidade para desejá-lo.

                                                                                                                                     20-6-68
N.B. É bom lembrar que o Padre Comblin era hóspede de D. Helder Câmara. 
Há um provérbio latino que diz: "Asinus asinum fricat". Não traduzo porque o latim é uma língua respeitosa. 



   

Um comentário:

  1. Seria o tal documento subversivo que caiu nas mãos dos militares àquela época deles no governo?
    Padre Comblin era suspeito de ser infiltrado na Igreja, amicíssimo do SERVO DE dEUS D Hélder!
    Presentemente, temos a CNBB dando aquela força aos projetos dos satanistas comunistas, sendo que o comandante na retaguarda, bem camuflado, é Satã e suas legiões!

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