domingo, 4 de novembro de 2012

O PAPA LIBÉRIO

  Sem exagero, enchi uma mesa de livros abertos na questão do Papa Libério (10 livros). E quanto mais estudo a questão, mais me sinto confuso. É algo historicamente muito complicado, não por míngua de documentos, mas pela insegurança dos mesmos, até dos dos santos. Isto, em parte por culpa de copistas, mas sobretudo por culpa dos arianos que não tinham o mínimo escrúpulo de empregar toda espécie de calúnia, de fraudes e de insídias. Mas esta questão se torna, não só complicada, mas insolúvel. Isto porque o único documento que poderia esclarecer tudo, levou um misterioso e total sumiço. Não sendo possível ter diante dos olhos este "corpo de delito" não há como se chegar à uma certeza. Este corpo de delito é justamente a fórmula de fé que o Papa Libério teria assinado. E eram várias: umas claramente ortodoxas,  outras neutras por omitir o vocábulo "omoousios" "consubstancial" ,mas no resto são ortodoxas (não acho correto tachá-las de semi-arianas; talvez naquelas conjunturas sim) e finalmente as abertamente arianas.   Como vimos, o próprio Santo Atanásio diz que Libério fraquejou porque assinou. Mas ele mesmo não diz o que Libério  teria assinado. A verdade é que, Santo Atanásio era de tal modo apegado a palavra "omoousios" (e com razão) que só o fato de assinar alguma fórmula de fé que não a trazia, seria por ele considerada uma fraqueza. Depois, vamos ver as opiniões de vários autores a respeito desta suposta fraqueza de Libério. Portanto, mesmo que ficasse provada a autenticidade das palavras de Santo Atanásio, não necessariamente significaria que o Papa Libério tivesse assinado uma fórmula ariana.
  Esta questão torna-se também mais confusa por causa da intromissão dos imperadores que naturalmente não entendiam lá muita coisa de Teologia. Inclusive alguns nem batizados eram.
  Já tivemos ensejo de expor a questão do Papa Honório I e São Máximo. Como vimos, é bem mais clara. 
  Mas, com a graça de Deus, vou procurar fazer um resumo de tudo. 
 Primeiramente, farei uma resenha das principais fontes históricas: Documentos contemporâneos, Documentos imediatamente próximos aos contemporâneos e Opiniões de Teólogos e Historiadores Modernos.(=Da Idade Moderna).
   
  1- Documentos contemporâneos ao arianismo: 
  a) Santo Atanásio (+ 373): Historia Arianorum, c. 41 (a. 358); Apologia contra Arianos, c. 89 (358) (destinada ao Imperador Constâncio, mas depois da sua morte, sofreu acréscimos. 

  b) Santo Hilário (+ 366): In Constantium, 11 (360-361); Fragmenta, IV-VI: São três cartas do Papa Libério: 1ª  Studens pacis, onde teria declarado que Atanásio estava fora da comunhão com ele (Libério) e com a Igreja Romana; 2ª Pro deifico onde Libério declara que aderia à condenação de Atanásio, e que estava em paz com os adversários de Atanásio; 3ª Quia scio, carta dirigida a Ursácio, Valente, e Germínio Aí Libério teria dito: "Atanásio, que foi bispo da Igreja de Alexandria. está separado da comunhão da Igreja Romana". 
  Este documento "Fragmenta" de posse de Santo Hilário apresenta uma 4ª carta "Non doceo" onde Libério pede para voltar para Roma.
  Obviamente, todo o veneno de Libério contra Atanásio estaria nestas cartas. No entanto, há autores de peso que negam a autenticidade destas cartas. E o célebre e erudito Henrique Denzinger no seu Livro em que traz  todos os Símbolos, Definições e Declarações referentes à Fé e aos Costumes, não traz esta cartas do Papa Libério mas traz, por outro lado, a carta "Da mihi plurimum" do Papa Santo Anastásio (398-4001) dirigida a Venerium,  Bispo de Milão no ano 400. Esta carta mostra a ortodoxia do Papa Libério que é aí lembrado como Bispo da Igreja Romana, de santa recordação ao lado inclusive de Santo Hilário.
  Foi Shönmetzer que acrescentou à obra de Denzinger, estas cartas de Libério.
  Mas não foi só Henrique Denzinger a omitir estas cartas; há outros Historiadores Eclesiásticos  que negam a autenticidade destas cartas. Entres eles cito apenas o célebre P. Batiffol (La paix constantinienne, p, 515-521. 
 Historicamente há duas coisas, porém, muito certas e claras que enormemente nos auxiliam na interpretação destas dúvidas: a volta do exílio do Papa Libério e sua ortodoxia e luta contra a heresia ariana até o fim de seu Pontificado, que coincide com a sua morte. O outro fato é também a volta de Santo Atanásio do exílio e seu ministério como Bispo de Alexandria até a morte, sem que, em nenhum lugar da História Eclesiástica se fale em levantamento de excomunhão. E, além do mais, a Santa Madre Igreja canonizou a Santo Atanásio como outrossim, venera Libério como santo da Igreja. Como poderia ser santo um Papa que tivesse caído em heresia, ou, pelo menos a houvesse favorecido e tivesse excomungado um defensor da ortodoxia? E como poderia ser canonizado alguém que tivesse sido excomungado, sem que, pelo menos, a Santa Igreja declarasse nula sua excomunhão?
  c)  S. Ambrósio (+397): De Virginibus, Lib. III, c. 1 (377). Esta obra do Santo Bispo de Milão é de muita importância, tanto mais que sua autenticidade nunca foi posta em dúvida. No lugar citado, Santo Ambrósio conta o seguinte: "Uma irmã religiosa de nome Marcelina recebeu em 353 o véu das mãos do Papa Libério e na oportunidade, recitou uma oração composta por ele, a quem chama de "santa memória". 
  d) Libellus Precum, a. 384. 
  e) São Jerônimo, (+420), Chronicon, N. 2365 (a. 380); De Viris, N. 97 (392). 

  2 - Documentos imediatamente próximos dos contemporâneos ao arianismo: 
   a) Sulpício Severo: Chronica até a. 400. Primou pela crítica e concisão de estilo. Historia Sacra, II, 39 (a. 400): Aí o autor afirma que Libério voltou do exílio para Roma por causa das sedições romanas.
   b) Sozômeno: Historia Ecclesiastica, 9 livros escritos entre 324 a 425. Meio confuso.
   c) Teodoreto Cirense: Historia Ecclesiastica. a. 450, II, 14: Ele diz aí que o Papa Libério voltou para Roma sem nenhuma condição. (Esta observação histórica é de muita valia porque os inimigos do Papa Libério quiseram fazer crer que ele voltou do exílio porque aceitou subscrever uma fórmula ariana ou semi-ariana).  Este historiador não é muito crítico mas tem a vantagem de transcrever na íntegra muitos documentos.
   d) Próspero de Aquitânia: escritor crítico e que no seu Chronicon liv. II afirma categoricamente que Libério saiu do exílio e voltou para Roma "sine conditione", isto é, incondicionalmente e não porque tivesse assinado algo não ortodoxo por exigência do Imperador.
   e) Filostórgio: Historia Ecclesiastica em 12 livros. Tem cheiro de arianismo, e por isso não é confiável. .  f) Socrates, escolástico (+ 440 em Constantinopla). Afirma com segurança que o Papa Libério voltou do exílio para Roma em virtude da rebelião do povo  que não aceitou como papa a Félix e até o expulsou de Roma.
   g) Rufino Aquilense: Historiador da Igreja e escreveu dois livros até o ano 395.

  N. B. No próximo post, se Deus quiser, vamos tirar as conclusões das coisas que relatamos destes autores. Daremos algumas opiniões de autores da Idade Moderna. 

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