quarta-feira, 26 de agosto de 2020

OBSERVAÇÕES SOBRE O DOM DA PROFECIA

 Demos a palavra ao P. Prat, S. J., em seu excelente livro La Théologie de Saint Paul, 1ª parte, pags. 154-157:

No Antigo como no Novo Testamento o profeta é aquele que fala em nome de Deus.

É o sentido etimológico (pro fari = falar diante de alguém, em seu lugar) que é sempre mantido no uso profano assim como na Bíblia. O profeta, nos templos pagãos, era propriamente aquele que explicava os oráculos ou que servia de órgão ao deus. Por extensão significava também "intérprete"... Por ser órgão de Deus, é preciso que o profeta seja iniciado nos segredos de Deus, que seja inspirado; assim "profeta" tem por sinônimo "vidente" e ele é reputado como conhecedor dos mistérios e mesmo do futuro.

Mas, enquanto os profetas do Antigo Testamento exerciam uma função pública e um ministério permanente, os do Novo são antes  por título privado e transitório. São pregadores inspirados; mas não é essencial que sejam portadores de uma revelação propriamente dita. Seu papel específico é: "edificar, exortar e consolar" (I Cor XIV, 3). Se lêem no fundo dos corações e levantam o véu do futuro, é em virtude de uma prerrogativa agregada à sua missão oficial. Na hierarquia dos carismas, os profetas vêm  sempre imediatamente após os apóstolos, donde se vê que o dom espiritual de que eram favorecidos os tornava aptos a dirigir as comunidades nascentes e os destinava às funções do ministério ordinário.

Esta a razão porque Paulo aconselha que se deseje a profecia antes que os outros carismas, em particular, antes que o dom das línguas  (I Cor XIV, 1). Ele tem sobre este a dupla vantagem de ser compreendido pelos ouvintes e de ser útil mesmo aos infiéis. Todo mundo compreende o profeta e pode tirar proveito de suas instruções. Só Deus compreende o que ora em línguas, a menos que um intérprete venha em sua ajuda (I Cor XIV, 5). Enquanto que o profeta edifica a Igreja, o que ora em línguas não edifica senão a si mesmo. Quando se sente sob à ação de Deus, tem consciência de O louvar; mas que adianta isto aos assistentes? (I Cor XIV, 3 e 4). Porque, a quem serve uma língua que não se entende? (I Cor XIV, 19). Deus tinha já ameaçado seu povo infiel de lhe fazer ouvir uma língua estrangeira que ele não compreendesse. Há motivo para se gloriar de um "privilégio" prometido à infidelidade? (I Cor XIV, 21 e 22). Que, pelo menos, a oração em línguas convertesse os infiéis! Mas ela é para eles um motivo de derrisão, como aconteceu no dia de Pentecostes.

"Se, pois, toda a Igreja se reunir em assembléia, e todos falarem línguas diversas, e entrarem então catecúmenos ou infiéis, não dirão que estais loucos? Porém, se todos profetizarem, e entrar ali um infiel ou um catecúmeno, por todos é convencido, por todos é julgado;  as coisas ocultas do seu coração tornam-se manifestas e, assim, prostrado com a face por terra, adorará a Deus, declarando que Deus está verdadeiramente entre vós" (I Cor XIV, 23-25). Devemos lembrar que os profetas eram tidos como possuidores do dom de penetrar os corações.

Como o uso do dom de profecia pode ser ele também objeto de abusos, S. Paulo regulamenta-o assim como o dom das línguas. Três avisos são endereçados ao agraciado pelo dom das línguas, e dois ao profeta: Se os agraciados com o dom das línguas são numerosos, que dois somente, no máximo três, tomem a palavra em cada reunião.  Que não falem ao mesmo tempo, e sim, um após o outro; e que um assistente, dotado do carisma da interpretação ou conhecedor da língua falada, explique o que eles dizem. Se não há quem interprete, que o agraciado do dom das línguas, guarde silêncio em público e se entretenha com Deus em voz baixa (I Cor XIV, 27 e 28). As disposições seguintes regulam a prática da profecia: Dois ou três profetas, em cada reunião, exortarão alternativamente o povo; os outros, ou os fiéis dotados do carisma de discernimento dos espíritos, formarão um juízo sobre sua inspiração e sua doutrina.  - Se, enquanto um fala, um outro se sente inspirado, o primeiro, por deferência e por modéstia, ceder-lhe-á a palavra (I Cor XIV, 29-32). O Apóstolo resume seus avisos em uma palavra: "Que tudo seja feito com decência e ordem" (I Cor XIV, 40).

Em seu desejo de fazer alarde dos dons espirituais, os Coríntios perdiam muito de vista que os carismas não outorgavam nem supunham um átomo de mérito naquele que os possuía; e que lhes eram concedidos menos para seu proveito particular do que para o bem geral da Igreja. Olhá-los com complacência é uma puerilidade. O dom das línguas especialmente é um dos menores, porque tem necessidade de ser completado pelo dom da interpretação. O possuidor do dom de línguas não é compreendido pelos outros e, regularmente, nem se compreende a si mesmo: seu espírito (pnéuma) se edifica, mas sua inteligência (noús) fica em jejum. E não é sem ironia que Paulo o compara à um instrumento de música, que executa um som desconhecido do qual ninguém percebe o significado: um e outro agitam o ar e fazem-no vibrar em vão. Não que ele [Paulo] queira menosprezar o dom de Deus, nem impedir que se produza, mas é preciso avaliar os carismas de acordo com sua utilidade. Neste aspecto, depois do dom do apostolado que não é para as comunidades já estabelecidas, a profecia tem o primeiro lugar. No entanto há algo muito superior aos carismas, favores gratuitos que Deus distribui a seu bel grado, e cuja privação não nos suprime nada aos seus olhos: são as virtudes sobrenaturais, porque elas permanecem na alma enquanto nela reside a graça santificante, e acima de tudo as três virtudes teologais, a fé, a esperança e a caridade. Tal é o fim por excelência que Paulo designa à ambição dos perfeitos, e este nome de caridade inspira-lhe uma página duma beleza penetrante e quase lírica. [É o c. XIII de 1ª Cor].

O objeto especial dos diversos carismas permanece obscuro, mas um caráter comum e essencial é sua instabilidade e sua dependência absoluta da beneplácito de Deus. Isto não permite que sejam confundidos, seja com os outros "frutos do Espírito", seja com as funções ordinárias da hierarquia sagrada. Sem dúvida, nas origens, os dignitários eclesiásticos foram geralmente escolhidos entre os possuidores de carismas. O carisma dispunha à função, mas ele não lhe era necessário, a graça de estado que toma ela mesma, às vezes, o nome de carisma, pode substituí-lo. Enfim, se todos os carismas são sobrenaturais, porquanto frutos do Espírito, não parece necessário que eles fossem todos miraculosos e não se vê motivo para que o Apóstolo não tenha podido chamar de carisma uma aptidão natural sobre naturalizada.

DIVINO ESPÍRITO SANTO, ILUMINAI NOSSA INTELIGÊNCIA! Amém!

 

 

 

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