segunda-feira, 31 de agosto de 2020

AVAREZA

 

Acautelemo-nos contra uma paixão, que pôde perverter um Apóstolo, na escola, e à vista de Jesus Cristo, e lança na alma tão densas trevas a ponto de poder levá-la ao desespero mesmo diante da própria Misericórdia.

Toda paixão cega;mas, a avareza ainda mais. Olhemos o triste exemplo de Judas Iscariotes! Quem, melhor do que Judas, devia conhecer o nada das riquezas e a excelência da pobreza voluntária? Tinha mais oportunidade de ver que o dinheiro  nos pode ajudar a ganhar o céu, quando o damos aos pobres. Ele era encarregado exatamente desta missão de caridade. Mas, pelo contrário, só pelo fato de estar lidando com o dinheiro, a ele se apegou. O dinheiro que ele recolhia era justamente para a Igreja poder ajudar aos pobres. Mas ele começou a se apegar, não combateu desde o início o vício da avareza; e ela cresceu tanto que os remédios foram frustrados, embora concedidos por Jesus, Médico das almas.

 Os corações dos avarentos são um terreno coberto de espinhos. Se não riem do pregador abertamente, por dentro não deixam de zombar. Estão sufocados pelos espinhos da avareza.

Judas Iscariotes tinha ouvido os divinos ensinamentos de Jesus Cristo, a respeito do desapego dos bens da terra: "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mt V, 3); tinha ouvido  os anátemas que fulminou contra os ricos: "Ai de vós, ó ricos! porque tendes a vossa consolação [neste mundo]; e também: "Jesus vendo esta tristeza [do moço rico a quem Jesus exigiu que deixasse tudo para O seguir] disse: Quanto é difícil que aqueles que têm riquezas entrem no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo  pelo orifício de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus" (Lc XVIII, 24 e 25). Judas, outrossim, ouviu muitas vezes, as instantes recomendações que Jesus fizera aos seus Apóstolos e a ele mesmo, mandando-os anunciar o seu Evangelho (Cf. Mc VI, 8). Tinha experimentado, assim como os demais Apóstolos, como o Céu abençoa o ministério dos pobres. Quando a sua paixão desatou em murmurações contra Madalena: "Por que se não vendeu este bálsamo  por trezentos dinheiros e se não deu aos pobres? Disse isto, não porque se importasse com os pobres, mas porque era ladrão, e, tendo a bolsa, roubava o que se lançava nela"(Jo XII, 4-6); então Jesus louva a piedosa prodigalidade desta mulher, e profetiza que esta ação a honrará aos olhos de todo o mundo. Jesus ensinava assim que o dinheiro também ajuda a levar para o céu aqueles que o dão à Igreja para o culto de Deus. Mas Judas estava cego.

 O exemplo do Salvador devia convencer o Iscariotes melhor que tudo o mais. Judas acreditava na divindade de Jesus: tantas eram as provas que disso Ele tinha dado! Judas não ignorava que tudo o que Deus despreza, é desprezível, e o que Ele estima, estimável.  Ora, ele tinha diante dos olhos o Senhor dos universo, que não possuía nada, e nada queria possuir. E Judas com todas estas luzes não vê!

Bossuet observa que Jesus Cristo não diz: Cuidado com a avareza; mas sim: "Guardai-vos e acautelai-vos de TODA a avareza, porque a vida de cada um, ainda que esteja na abundância, não depende dos bens que possui" (Lc XII, 15).

O amor do dinheiro endurece o coração e torna-o capaz dos maiores crimes. Apenas Judas se deixou dominar pelo espírito de interesse, tornou-se insensível a tudo: já não tem amor senão ao dinheiro. Os esforços do Salvador para o atemorizar e comover, são inúteis. Se fala da sua morte próxima, e da traição de um dos seus discípulos, todos os outros se entristecem, só Judas fica impassível. Se Judas pensava que Jesus poderia mais uma vez se escapar da morte, e assim ganharia as trinta moedas e continuaria junto do seu Mestre, Jesus desfaz este sofisma satânico, predizendo que era chegada a hora de ser entregue  aos inimigos e vai ser morto,; mas só acorda quando vê que Jesus realmente ficou preso e era conduzido pelos inimigos. Em lugar de pedir perdão a Jesus, que o chamara de amigo no momento mesmo do beijo traidor, não! se desespera e se suicida.

Jesus havia se abatido para lavar os pés dos Apóstolos. Pedro não pode consenti-lo, e exclama: "Senhor tu, lavares-me os pés? ( Jo XIII, 6). Mas, Judas mostra-se indiferente e apresenta-lhe os pés. No Jardim das Oliveiras vê milagres: homens armados caindo ao som de uma palavra, e uma ferida curada repentinamente; vê a inefável bondade de seu Mestre que se inclina para receber o seu pérfido ósculo, e que ainda o trata de amigo! Nada o comove. Advertências, repreensões, ameaças, lágrimas, carícias, insinuações ternas e delicadas, Jesus emprega todos os meios para o ganhar; mas em vão; a sua alma materializada resiste a tudo; a sua avareza impele-o ao mais feio, ao mais sacrílego de todos os atentados. "Quanto quereis me dar, e eu vo-lo entregarei? "Deus vítima da avareza! O Criador do mundo posto à venda, pois, há aqui um verdadeiro contrato: Jesus de um lado: eis, se é lícito dizê-lo, a mercadoria proposta; trinta dinheiros, eis o preço; Judas negociante, compradores os príncipes dos sacerdotes; Deus o vendido! A comunhão sacrílega e a desesperação virão completar estes horrores!" (P. Chaignon). Judas se suicida enforcando-se, e, como castigo visível de Deus, parte-se ao meio e suas vísceras se derramam pelo chão. Como não temer esta paixão, como não procurar dar esmolas aos pobres, como não pedir todos os dias a graça do desprendimento dos bens desta terra?!

E há ainda algo a mais neste vício que o torna ainda mais temível. É que a idade enfraquece as outras paixões, mas esta a idade fortalece. O avarento quer viver muito para continuar procurando ter sempre mais. Quanto mais vive, mas quer juntar dinheiro. E quanto mais junta dinheiro, mais quer viver. No fundo sabe, que o ladrão da morte, roubar-lhe-á tudo. Procura não pensar nisso. Mas a graça de Deus por vezes o acorda. Mas ele abafa esta voz, abafa a consciência e procura abafar até a própria realidade.

Terminemos com a oração inspirada pelo Espírito Santo: "Inclina, Senhor, o meu coração para os teus preceitos, e não para a avareza" (Salmo 118, 36). Amém!

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