Acautelemo-nos
contra uma paixão, que pôde perverter um Apóstolo, na escola, e à vista de
Jesus Cristo, e lança na alma tão densas trevas a ponto de poder levá-la ao
desespero mesmo diante da própria Misericórdia.
Toda paixão
cega;mas, a avareza ainda mais. Olhemos o triste exemplo de Judas Iscariotes!
Quem, melhor do que Judas, devia conhecer o nada das riquezas e a excelência da
pobreza voluntária? Tinha mais oportunidade de ver que o dinheiro nos pode ajudar a ganhar o céu, quando o damos
aos pobres. Ele era encarregado exatamente desta missão de caridade. Mas, pelo
contrário, só pelo fato de estar lidando com o dinheiro, a ele se apegou. O
dinheiro que ele recolhia era justamente para a Igreja poder ajudar aos pobres.
Mas ele começou a se apegar, não combateu desde o início o vício da avareza; e
ela cresceu tanto que os remédios foram frustrados, embora concedidos por
Jesus, Médico das almas.
Os corações dos avarentos são um terreno
coberto de espinhos. Se não riem do pregador abertamente, por dentro não deixam
de zombar. Estão sufocados pelos espinhos da avareza.
Judas
Iscariotes tinha ouvido os divinos ensinamentos de Jesus Cristo, a respeito do
desapego dos bens da terra: "Bem-aventurados
os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mt V, 3);
tinha ouvido os anátemas que fulminou
contra os ricos: "Ai de
vós, ó ricos! porque tendes a vossa consolação [neste mundo]; e também: "Jesus
vendo esta tristeza [do moço rico a quem Jesus exigiu que deixasse tudo
para O seguir] disse: Quanto é difícil que
aqueles que têm riquezas entrem no reino de Deus! É mais fácil passar um
camelo pelo orifício de uma agulha, do
que entrar um rico no reino de Deus" (Lc XVIII, 24 e 25). Judas,
outrossim, ouviu muitas vezes, as instantes recomendações que Jesus fizera aos
seus Apóstolos e a ele mesmo, mandando-os anunciar o seu Evangelho (Cf. Mc VI,
8). Tinha experimentado, assim como os demais Apóstolos, como o Céu abençoa o
ministério dos pobres. Quando a sua paixão desatou em murmurações contra
Madalena: "Por que se não vendeu
este bálsamo por trezentos dinheiros e
se não deu aos pobres? Disse isto, não porque se importasse com os pobres, mas
porque era ladrão, e, tendo a bolsa, roubava o que se lançava nela"(Jo
XII, 4-6); então Jesus louva a piedosa prodigalidade desta mulher, e profetiza
que esta ação a honrará aos olhos de todo o mundo. Jesus ensinava assim que o
dinheiro também ajuda a levar para o céu aqueles que o dão à Igreja para o
culto de Deus. Mas Judas estava cego.
O exemplo do Salvador devia convencer o Iscariotes
melhor que tudo o mais. Judas acreditava na divindade de Jesus: tantas eram as
provas que disso Ele tinha dado! Judas não ignorava que tudo o que Deus
despreza, é desprezível, e o que Ele estima, estimável. Ora, ele tinha diante dos olhos o Senhor dos
universo, que não possuía nada, e nada queria possuir. E Judas com todas estas
luzes não vê!
Bossuet
observa que Jesus Cristo não diz: Cuidado com a avareza; mas sim: "Guardai-vos e acautelai-vos de TODA a
avareza, porque a vida de cada um, ainda que esteja na abundância, não depende
dos bens que possui" (Lc XII, 15).
O amor do
dinheiro endurece o coração e torna-o capaz dos maiores crimes. Apenas Judas se
deixou dominar pelo espírito de interesse, tornou-se insensível a tudo: já não
tem amor senão ao dinheiro. Os esforços do Salvador para o atemorizar e
comover, são inúteis. Se fala da sua morte próxima, e da traição de um dos seus
discípulos, todos os outros se entristecem, só Judas fica impassível. Se Judas
pensava que Jesus poderia mais uma vez se escapar da morte, e assim ganharia as
trinta moedas e continuaria junto do seu Mestre, Jesus desfaz este sofisma
satânico, predizendo que era chegada a hora de ser entregue aos inimigos e vai ser morto,; mas só acorda
quando vê que Jesus realmente ficou preso e era conduzido pelos inimigos. Em
lugar de pedir perdão a Jesus, que o chamara de amigo no momento mesmo do beijo
traidor, não! se desespera e se suicida.
Jesus havia
se abatido para lavar os pés dos Apóstolos. Pedro não pode consenti-lo, e
exclama: "Senhor tu, lavares-me os
pés? ( Jo XIII, 6). Mas, Judas mostra-se indiferente e apresenta-lhe os
pés. No Jardim das Oliveiras vê milagres: homens armados caindo ao som de uma
palavra, e uma ferida curada repentinamente; vê a inefável bondade de seu
Mestre que se inclina para receber o seu pérfido ósculo, e que ainda o trata de
amigo! Nada o comove. Advertências, repreensões, ameaças, lágrimas, carícias,
insinuações ternas e delicadas, Jesus emprega todos os meios para o ganhar; mas
em vão; a sua alma materializada resiste a tudo; a sua avareza impele-o ao mais
feio, ao mais sacrílego de todos os atentados. "Quanto quereis me dar, e eu vo-lo entregarei? "Deus
vítima da avareza! O Criador do mundo posto à venda, pois, há aqui um
verdadeiro contrato: Jesus de um lado: eis, se é lícito dizê-lo, a mercadoria
proposta; trinta dinheiros, eis o preço; Judas negociante, compradores os
príncipes dos sacerdotes; Deus o vendido! A comunhão sacrílega e a desesperação
virão completar estes horrores!" (P. Chaignon). Judas se suicida
enforcando-se, e, como castigo visível de Deus, parte-se ao meio e suas
vísceras se derramam pelo chão. Como não temer esta paixão, como não procurar
dar esmolas aos pobres, como não pedir todos os dias a graça do desprendimento
dos bens desta terra?!
E há ainda
algo a mais neste vício que o torna ainda mais temível. É que a idade
enfraquece as outras paixões, mas esta a idade fortalece. O avarento quer viver
muito para continuar procurando ter sempre mais. Quanto mais vive, mas quer
juntar dinheiro. E quanto mais junta dinheiro, mais quer viver. No fundo sabe,
que o ladrão da morte, roubar-lhe-á tudo. Procura não pensar nisso. Mas a graça
de Deus por vezes o acorda. Mas ele abafa esta voz, abafa a consciência e
procura abafar até a própria realidade.
Terminemos
com a oração inspirada pelo Espírito Santo: "Inclina, Senhor, o meu coração para os teus preceitos, e não para a
avareza" (Salmo 118, 36). Amém!
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