Perguntaram-me sobre a mudança que, há alguns anos, foi
feita na tradução do Credo. A palavra "INFERNOS" foi trocada por
"MANSÃO DOS MORTOS".
No Pai-Nosso, houve a mudança de "DÍVIDAS" para
"OFENSAS". Sobre isto já postei um artigo e lá demonstro pelas
Sagradas Escrituras, que esta mudança não oferece nenhum problema, pois os Evangelistas
S. Mateus (VI, 12) e S. Lucas XI, 4) empregaram respectivamente DÍVIDAS (em
latim "debita") e "OFENSAS" (em latim "peccata").
Assim sendo, alguns países adotaram ora uma, ora outra tradução. Em Portugal sempre se empregou a palavra "OFENSAS";
já na Itália foi sempre traduzido segundo S. Mateus, isto é,
"DÍVIDAS" (Ital. "DEBITI). E no Brasil fora traduzido por
"DÍVIDAS" como na Itália, e só há algumas décadas passou-se a adotar
a tradução portuguesa. Fico pensando em Santo Antônio de Pádua que era
português (nasceu em Lisboa), e passou a maior parte de sua vida em Itália,
onde morreu (Pádua). No tempo que esteve em Portugal, rezava "perdoai
nossas ofensas" e depois em Itália passou a rezar "perdoai nossas
dívidas". S. José de Anchieta, quando estava em Portugal rezava
"perdoai nossas ofensas"; quando veio para o Brasil, rezava
"perdoai nossas dívidas". Tenho certeza que o fizeram sem a mínima
dificuldade, já que a Sagrada Escritura emprega as duas palavras. Atualmente
acho que a mudança até faz sentido
porque a palavra "dívida"
passou a ter um sentido muito mais monetário.
Mas quem reza "dívidas",
pensa em "ofensas". S.
Mateus escreveu eu aramaico, e neste idioma, DÍVIDA quer dizer OFENSA ou
PECADO.
Agora, a mudança feita no Credo, de "INFERNOS" por
"MANSÃO DOS MORTOS", é bem questionável.
Não resta dúvida que também aqui seria compreensível uma mudança,
já que o palavra "infernos" evocava a palavra "inferno",
lugar dos condenados, embora a tradução "Infernos" seja correta porque
corresponde exatamente a palavra original hebraica SHEOL, e em grego HADES.
Devemos notar, no entanto, que é INFERNOS (no plural) e não INFERNO (no
singular).
SHEOL (em hebraico); HADES (em grego); INFERNA ou INFERI (em
latim) significam LUGARES INFERIORES. Quais são esses lugares inferiores? São: Inferno,
lugar dos condenados; Purgatório, onde estão as almas se
purificando para depois irem para o Céu; e Limbo dos Justos, onde estiveram as
almas dos justos até a Ascensão de Jesus aos céus. Isto porque o Céu, a partir
do pecado de nossos primeiros pais, estava fechado. Jesus Cristo. o Salvador,
sofreu, morreu e ressuscitou, e justamente no dia que subiu aos Céus, levou
consigo todos os justos que morreram antes d'Ele, justos estes que estavam num
espécie de cárcere (I S. Ped. III, 19). E S. Paulo diz: "Tendo subido ao alto levou cativo o cativeiro" (Efésios
IV, 8).
É sobre este último lugar inferior que falaremos a seguir.
Os Apóstolos disseram em seu Símbolo (=Credo que rezamos
antes do Terço) sobre Jesus Cristo: foi
sepultado (no 4º artigo); e no 5º artigo diz: desceu aos lugares inferiores (Infernos, Scheol, Hades). São duas
coisas bem diferentes, porque a expressão foi sepultado, refere-se ao corpo de
Jesus; e quando diz: desceu aos infernos, refere-se a
alma. Assim, qualquer tradução da palavra Scheol que não distinga bem estas duas
coisas, não é uma boa tradução. E a tradução "MANSÃO DOS MORTOS",
justamente confunde estas duas coisas. Se
tivessem traduzido por MORADA já não seria a tradução ideal, porque morada dos mortos, todo mundo entende
que é o cemitério, ou, como no caso de Jesus, o sepulcro. MANSÃO, pior ainda,
porque significa morada luxuosa de grande extensão. Não creio que um lugar de
espera por tanto tempo, seja considerada lugar de luxo. Por
isso é que S. Pedro chama este lugar, onde estiveram as almas dos justos, de
CÁRCERE. Tornou-se, sim, o próprio Paraíso, quando lá entrou a alma de Jesus e
ali ficou desde Sua morte até Sua Ressurreição. Por isso mesmo que Jesus,
momentos antes de morrer na cruz, disse a Dimas, o bom ladrão: "HOJE mesmo estarás comigo no
PARAÍSO" (S. Luc. XXIII, 43).
Caríssimos, então, qual seria a melhor tradução? O Catecismo
da Igreja Católica (CIC) no nº 633,
neste particular, cita o Catecismo Romano: "São precisamente essas almas
santas, que esperavam seu Libertador [Salvador] no Seio de Abraão, que Jesus
libertou ao descer aos Infernos" (CRO, Parte I, c. 6, nº 3, c). SEIO
DE ABRAÃO é uma expressão usada pelo próprio Jesus na parábola do pobre Lázaro
e do rico avarento (S. Luc. XVI, 22). Os teólogos modernos não querem traduzir
Scheol por SEIO DE ABRAÃO porque dizem que esta expressão de Jesus refere-se ao
estado de paz e segurança que é o Paraíso. Na verdade, a alma do Patriarca
Abraão estava no Scheol, porque Jesus ainda não havia morrido, ressuscitado e
subido ao Céu. Santo Tomás de
Aquino, escreveu em latim e traduz por LIMBUS PATRUM= LIMBO DOS PAIS (dos Patriarcas e demais
justos do AT).
Limbo quer
dizer ORLA; porque os antigos pensavam assim: o inferno dos condenados estaria
no centro da terra, logo depois em torno dele, vinha uma orla, que seria o
Purgatório, e a seguir uma outra orla, onde justamente estariam as almas dos
justos, até a Ascensão de Jesus; finalmente uma outra orla, que seria o Limbo
das almas das crianças mortas sem o batismo. A Igreja nunca definiu nada a este
respeito. A Teologia pós conciliar, só fala em ESTADO e não fala em LUGAR. A
Bíblia tanto fala dos LUGARES INFERIORES (SCHEOL) como também dos LUGARES
SUPERIORES (CÉUS), mas não determina os sítios dos lugares inferiores, nem,
dentre os superiores, do mais alto que é o Paraíso. Obviamente, quem vai para
os lugares inferiores, a Bíblia diz que DESCEU; quem vai para os lugares
superiores diz que SUBIU, ELEVOU-SE (Jesus na Ascensão) ou FOI ELEVADO (Nossa
Senhora na Assunção). S. Paulo diz que foi elevado ao terceiro Céu, o que
significa que atravessou o céu atmosférico (onde se formam as nuvens), passou
pelo céu do firmamento (onde estão os astros) e chegou ao Céu dos Céus, isto é,
ao Paraíso, que é o mais alto de todos, onde está Deus (o Nosso Pai que está no
Céu). A Bíblia diz que o profeta Elias foi arrebatado vivo ao céu; diz também
que voltará no fim do mundo e que só então será morto pelo Anti-Cristo e
ressuscitado por Jesus. Estará no 2º céu? Então podemos dizer que, assim como o
inferno dos infernos ou o mais baixo dos lugares inferiores, é o lugar dos
condenados (Inferno); o Céu dos Céus, ou o mais alto dos lugares superiores, é
onde estão Deus, Jesus Cristo, Nossa Senhora, os Anjos e os Santos (o Paraíso).
Mas, na verdade, o que importa, é evitarmos descer, e fazermos de tudo para
subir até o Nosso Pai do Céu.
Muitos Santos Padres falam sobre esta verdade: a descida
da alma de Jesus aos lugares inferiores. Baseiam-se nos Símbolo dos
Apóstolos. Citam como indicação deste mistério, as seguintes passagens das
Sagradas Escrituras: Atos II, 24, 1º
discurso de S. Pedro após o Pentecostes: "Mas
Deus O (=Cristo) ressuscitou e livrou dos laços da morte, porquanto era
impossível que por esta fosse retido". E no vers. 27 cita o Salmo XV, 10: "Porque não abandonarás a minha alma nos infernos" , e no
vers. 31, aplica este mesmo texto a Jesus Cristo: "Profeticamente falou (Davi) da ressurreição de Cristo, que não seria deixado nos infernos (a
alma), nem sua carne (o corpo) sofreria a corrupção" (no túmulo).
E o mesmo S. Pedro na sua 1ª Epístola
III, 19 e IV, 5 e 6, diz o quê a alma de Jesus foi levar a estas almas dos
justos: "No qual Ele também foi
pregar aos espíritos que estavam no cárcere"; "por isso foi o
Evangelho também pregado aos mortos" (=às almas dos justos que tinham
morrido antes da morte de Jesus).
Estuda-se em Teologia que a alma de Jesus, logo após a morte
deste, desceu aos três lugares inferiores (ao Scheol), porém de modos diversos.
Desceu ao lugar mais baixo que é o Inferno dos condenados, desceu porém, apenas
com seu poder, para arguir e convencer os condenados sobre sua infidelidade e
malicia. Desceu ao Purgatório, para mostrar às almas benditas (ainda não
totalmente santas) aquela glória que com toda certeza, deviam esperar. E,
finalmente, a alma de Jesus se fez realmente presente no Limbo dos Pais
(nome dado por Santo Tomás) para pregar-lhes o Evangelho (como atesta S. Pedro)
e também para iluminá-las com a luz da glória. Isto porque a divindade nunca
abandonou nem o corpo e nem a alma de Jesus. E, a partir da entrada da alma de
Jesus naquele cárcere, aquele lugar transformou-se no Paraíso.
Donde concluímos, caríssimos, que a tradução tradicional é a mais adequada. Por isso D. Antônio de Castro Mayer, na época, preferiu conservá-la. Apenas, quero deixar bem claro que os fiéis saibam exatamente o mistério de fé que estão confessando em sua oração. Do contrário, seria mera recitação de fórmula, o que não agrada a Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário