Caríssimos, na verdade, a vida das obras sem a vida interior
é o caminho curto e certo da tibieza e do pecado. Primeiramente a tibieza,
porque o padre absorto pela vida ativa e esquecido da vida interior, escorrega
necessariamente no hábito do pecado venial, o que já é tibieza. É fácil
compreendê-lo: Eis um padre ativo, trabalhador, mas inexperiente; aliás correto
em sua conduta, mesmo piedoso, mas de uma piedade talvez mais de sentimento que
de vontade. A oração mental, se ainda a pratica, é coisa vaga, vaporosa; o
exame de consciência, a leitura espiritual superficiais, quando não omitidas; o
Breviário despachado o mais depressa possível e, muitas vezes, o mais tarde
possível. Esta alma é um terreno preparado para a dissipação cada dia mais
acentuada, para as curiosidades, para os apegos por demais naturais, para a
invasão progressiva de toda forma de fraquezas e sutis sensualidades.
Com tudo isso consideremos o germe de corrupção que a
concupiscência entretém em nossa natureza, a guerra sem tréguas que nos movem
nossos inimigos de dentro e de fora, os perigos que nos ameaçam de toda parte.
Então as feridas são frequentes, as faltas se acumulam fatalmente. Pululam os
pecados veniais. O que outrora perturbava a consciência reta, hoje passa por
vão escrúpulo desprezível. De resto, as obras prosperam, (pelo menos parece);
os homens aplaudem, mas o Anjo do Santuário já está desconfiado, está triste,
talvez já chore. Está prevendo o infalível desenlace. A alma está cega, está
enfraquecida, basta uma tentação mais forte, uma ocasião mais perigosa e dá-se
a queda.
E do hábito dos pecados veniais, da tibieza ao pecado
mortal, a passagem é fácil e freqüente. Num retiro clerical, diz D. Chautard,
um padre disse-me: "Foi a dedicação que me perdeu! Minha disposição
natural fazia-me experimentar alegria em me despender, felicidade em prestar
serviço. O sucesso aparente dos meus empreendimentos ajudando, Satanás soube
obrar tão bem durante longos anos, para me iludir, excitar o delírio da ação,
desgostar-me de todo trabalho interior, até finalmente atrair-me ao
abismo".
Como caiu esta alma? Por falta de fé, de piedade, falta de
vida interior. A alma acaba por ver as obras e não a Deus, procura a si e não a
Deus, daí relaxamento, presunção, imprudência, anemia e morte.
"É preciso, diz o card. Lavigérie, persuadir-se de que
para um apóstolo não há meio termo entre a santidade completa, ao menos
desejada e prosseguida com fidelidade e coragem, ou a perversão completa".
O padre, ou é santo, e então santifica; ou não o é, e então, arruína. O Santo
Cura d'Ars derramava muitas lágrimas "pensando na desgraça dos sacerdotes
que não correspondem à santidade de sua vocação. O sábio e prudente Pe.
Desurmont afirmava: "Meditação, ou grande, muito grande risco de
condenação para o padre em contato com o mundo".
Portanto, caríssimos colegas no sacerdócio, para obviar tão
grande perigo, nunca descuidemos da vida interior. E para nos animarmos a
trabalhar neste sentido é bom meditarmos nas vantagens e na fecundidade da vida
interior. É o que, com a graça de Deus,
iniciaremos neste artigo e prosseguiremos no seguinte.
1. O homem de vida interior está sempre vigilante, desconfia
de si a cada instante, e se acautela contra o perigo, segundo o conselho de São
Paulo: "Revesti-vos da armadura de
Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio..." (Ef. VI, 11).
Qual é esta armadura? Conhecimento do seu nada, convicção de nada poder sem a
graça, pureza de intenção, solicitude pela sua salvação e, por isto, oração freqüente e suplicante.
2. A vida interior repara as forças que o apostolado
porventura nos faz perder. É como aquele pão do profeta Elias. São Vicente de
Paulo queria que os missionários, depois de algumas missões, voltassem para
casa para refocilar o corpo e o espírito no recolhimento. Ordenava-lhes um dia
de retiro. É a este repouso que Jesus
Cristo convidou os Apóstolos depois de suas primeiras missões: "Vinde à parte,
num lugar deserto e descansai um pouco" (S. Marc. VI, 31). Caríssimos
colegas no sacerdócio, sem isto as nossas obras de apostolado (em si tão
santas) podem se tornar "ocupações malditas", na expressão de S.
Bernardo a seu discípulo o Papa Eugênio III: "Temo que, no meio de vossas
numerosas ocupações, deixeis endurecer vossa alma. Fareis bem em suspender de
vez em quando vossas ocupações, para não vos deixar dominar por elas. Sem isso
é para temer que chegueis aonde não desejais chegar. Aonde? ao endurecimento do
coração. Sim, é até lá, continua o Santo, que podem levar "as ocupações
malditas". E eis o comentário de D. Chautard: "Que há aí de mais
augusto, de mais santo que o governo da Igreja? Haverá nada mais útil para a
glória de Deus e para o bem das almas? E contudo, malditas ocupações, exclama
S. Bernardo, se hão de servir para impedir a vida interior daquele que a elas
se dedica. 'Ocupações malditas', que expressão! Vale por um livro inteiro,
tanto ela amedronta e tanto obriga a refletir. E estaria exigindo um protesto,
se não caísse da pena tão precisa de um doutor da Igreja, de um São
Bernardo".
3. A vida interior multiplica as energias e os méritos: Em
Jesus Cristo está a força da vida interior. Podemos enumerar seus caracteres:
1º - Empreender coisas difíceis e enfrentar resolutamente os
obstáculos.
2º - Desprezo das coisas da terra: "Omnia detrimentum
feci et arbitror ut stercora".
3º - Paciência nas tribulações: "Fors ut mors
dilectio".
4º - Resistência às tentações: "... cui resistite
fortes in fide".
5º - Martírio interior. Testemunho da própria vida que clama
a Jesus: "Quero ser todo vosso". Combater as concupiscências, domar
os vícios, trabalhar com energia na aquisição das virtudes: "Bonum
certamen certavi".
"Sem esta vida, diz S. Pio X, as forças faltarão para
suportar com perseverança as dificuldades que acarreta todo apostolado, a
frieza e o pouco concurso dos mesmos homens de bem, as calúnias dos adversários
(e piores quando vindas dos próprios colegas como delas foram vítimas alguns
santos, por ex, o S. Cura d'Ars e S. Pio de Pietrelcina).
A vida interior dá ainda um acréscimo de méritos: pela vida
de oração, de piedade, de união a Nosso Senhor, porque quanto mais dificultoso
o ato de virtude, mais meritório, não por causa da dificuldade, mas por causa
da intensidade de amor que a dificuldade supõe.
(Continua no próximo
artigo).
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